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Obstáculos Emergentes da Prática de Ensino com a Investigação Matemática

Emerging Obstacles of Teaching Practice with Mathematical Research

Resumo

Da perspectiva qualitativa fenomenológica-hermenêutica, interrogo, neste artigo, os fatores que se mostraram limitantes do trabalho com a Investigação Matemática a partir do relatado nas produções de professores que trabalharam sob essa perspectiva no Programa de Desenvolvimento Educacional do Paraná (PDE). O movimento de pesquisa realizado é o da percepção como uma experiência consciente, exemplificada pela metáfora do cubo de Sokolowski. Articulados em quatro categorias, os dados permitem afirmar que os obstáculos são decorrentes das ações dos sujeitos envolvidos no trabalho (professores e alunos), da dinâmica e características epistemológicas da própria Investigação Matemática, da estrutura e organização escolar e da inserção das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e encontram explicações nas concepções e crenças próprias dos professores, dos alunos, da gestão escolar, da equipe pedagógica, da família e do Estado, advindas da cultura escolar predominante.

Palavras-chave:
Fenomenologia; Investigação Matemática; Obstáculos; Prática Pedagógica

Abstract

From the qualitative-phenomenological-hermeneutic perspective, we researched in this article, the factors that limited the Mathematical Research task, as reported in the productions of teachers who worked under this perspective in the Educational Development Program of Paraná (EDP). The research movement is that of perception as a conscious experience, exemplified by Sokolowski's cube metaphor. We articulated the data in four categories to be able to affirm that the obstacles stem from the actions of the subjects involved in the work (teachers and students), from the dynamics and epistemological characteristics of Mathematical Research itself, from the school's structure and organization, and from the insertion of the Information and Communication Technologies (ICT), which find more explanations in the conceptions and beliefs of teachers, students, school management, pedagogical team, family, and state, coming from the prevailing culture.

Keywords:
Phenomenology; Mathematical Research; Obstacles; Pedagogical Practice

1 Situando e justificando a pesquisa

A existência de metodologias não tradicionais para o ensino da Matemática tem sugerido mudanças nas práticas docentes e discentes, implicando, diretamente, no modo de ensinar e aprender. A escola, enquanto parte do processo educativo, é imediatamente alcançada pelos novos paradigmas e, em tese, também tende a se modificar. Mudanças sugerem adequações, alterações, transições, que, por sua vez, sugerem a existência de problemas. Nesse sentido, a inserção de diferentes metodologias para o ensino da Matemática requer adaptações e, mais do que isso, requer mudança nos modos de pensar, agir e organizar o sistema educativo como um todo. Por consequência, se desencadeia uma série de problemas e desafios refletidos, diretamente, na prática de ensino, o que tem despertado o interesse dos pesquisadores nos diversos domínios da Educação Matemática, conforme nos diz Cunha (2000, p. 1):

Num contexto de mudança e de inovações curriculares colocam-se desafios ao professor, aos alunos e aos investigadores. Assim, uma área de interesse relativamente recente da investigação em educação matemática surgiu em torno dos dilemas e das dificuldades que os professores enfrentam nas suas aulas, particularmente quando são confrontados com mudanças ao nível das metodologias a implementar e das tarefas que necessitam realizar.

A exemplo, podem ser citados os trabalhos de Pereira (2013), que enfoca as dificuldades e limitações que o professor encontra ao buscar uma formação amparada na História da Matemática; de Ceolim e Caldeira (2017)CEOLIM, A. J; CALDEIRA, A. D. Obstáculos e Dificuldades Apresentados por Professores de Matemática Recém-Formados ao Utilizarem Modelagem Matemática em suas Aulas na Educação Básica. Bolema, Rio Claro, v. 31, n. 58, p. 760-776, ago. 2017., que discutem os obstáculos e dificuldades de professores em aulas de Modelagem Matemática; e de Siltrão e Cristovão (2010)SILTRÃO; K. S.; CRISTOVÃO, E. M. Investigação Matemática: Dificuldades Encontradas por uma Professora Iniciante. Cadernos da Pedagogia, São Carlos, v. 4, n. 7, p. 125 −134, jan./jun. 2010., que se debruçam sobre as dificuldades enfrentadas por uma professora em aulas de Investigação Matemática.

Particularizando a Investigação Matemática, informa-se que essa tem sido o foco principal dos estudos por mim engendrados e, ao interrogá-la constantemente, outras possibilidades de compreensão vão se abrindo e novas reflexões se estabelecem. Um desses estudos, que serviu de ensejo para este trabalho, é a minha pesquisa1 1 Pesquisa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) e intitulada “Uma Metacompreensão da Investigação Matemática nas Produções do Programa de Desenvolvimento Educacional do Paraná – PDE”. de mestrado que, sob a via da fenomenologia-hermenêutica, buscou uma metacompreensão dos manifestos da Investigação Matemática nas produções (produção didático-pedagógica2 2 Trata-se da organização de um material didático, contendo uma estratégia metodológica, tendo por finalidade a implementação na escola. e artigo final3 3 Texto que divulga e socializa o trabalho desenvolvido na escola, contemplando a problemática estudada, os dados coletados na implementação da Produção Didático-pedagógica e a respectiva análise. ) de professores que trabalharam sob essa perspectiva no Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná (PDE)4 4 Programa de Capacitação Continuada do estado do Paraná, implantado como uma política educacional de caráter permanente, que prevê o ingresso anual de professores da Rede Pública Estadual de Ensino para a participação em processo de formação continuada com duração de 2 (dois) anos, tendo como meta qualitativa a melhoria do processo de ensino e aprendizagem nas escolas públicas estaduais de Educação Básica (PARANÁ, 2010). Em linhas gerais, o PDE se organiza e se desenvolve assentado em diversas atividades teórico-práticas, de modo articulado. Tais atividades contemplam orientações entre os professores participantes e os professores formadores, a elaboração e implementação de um projeto de intervenção pedagógica em escolas públicas da rede estadual de ensino, a construção de uma produção didático-pedagógica e a construção de um trabalho/artigo final. No projeto de intervenção constam as táticas, as ações planejadas ao longo do processo e que serão desenvolvidas na escola. Tal planejamento é sistematizado na produção didático-pedagógica, a qual contém as estratégias metodológicas que atendam aos propósitos do projeto de intervenção e, por fim, o trabalho final corresponde a um artigo científico e tem o objetivo de divulgar e socializar o trabalho desenvolvido. .

Dentre os aspectos revelados pela pesquisa supracitada, manifestaram-se dificuldades, desafios e dilemas que podem ter sido limitantes das práticas empreendidas e, com algum grau de generalidade, da inserção dessa metodologia na sala de aula. Na época do desenvolvimento da referida pesquisa, tais aspectos não foram esmiuçados e desvelados em sua totalidade, uma vez que o objetivo era buscar pela manifestação da Investigação Matemática e não pela manifestação dos problemas e das dificuldades emergentes do trabalho investigativo. Entretanto, eles foram cointencionados e, ao refletir sobre o trabalho realizado e retomar as mesmas obras, se abrem à investigação.

Em face disso, bem como pelo próprio itinerário e movimento de pesquisador afeto à Investigação Matemática, senti a necessidade de retornar às mesmas obras consideradas na pesquisa de mestrado, mais precisamente aos artigos finais, e interrogar os fatores que se mostraram contrários às práticas empreendidas. De uma postura fenomenológica, persigo este objetivo com a seguinte interrogação: Quais obstáculos se mostraram limitantes da prática com a Investigação Matemática segundo o relatado nas produções de professores que trabalharam sob essa perspectiva no PDE/PR?

Desse modo, o retorno dá-se às mesmas obras, porém o olhar inquiridor vê, persegue e interroga o fenômeno sob outra perspectiva, o que é possível quando se trabalha fenomenologicamente. O movimento realizado é o da percepção como uma experiência consciente, exemplificada pela metáfora do cubo de Sokolowski.

Segundo Sokolowski (2012)SOKOLOWSKI, R. Introdução à fenomenologia. Tradução Alfredo de Oliveira Moraes. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2012., ao intencionarmos o olhar para um cubo, o percebemos em partes. Não é possível que o cubo, em seu todo, seja visto no campo da visão do observador. Contudo, ao ver as partes que se mostram visíveis, as partes presentemente invisíveis são intencionadas e cointencionadas. Nesse sentido, experienciamos os lados do cubo potencialmente visíveis e aqueles potencialmente invisíveis, porém cointencionados. Esta estrutura de percepção é formulada em dimensões objetivas e subjetivas.

Objetivamente, o que nos é dado quando vemos um cubo é uma mistura composta dos lados que estão presentes e dos lados que estão ausentes, mas cointencionados. A coisa sendo vista envolve uma mistura do presente e do ausente. Subjetivamente, nossa percepção, nossa visualização, é uma mistura composta de intenções cheias e vazias. Nossa atividade de perceber, então, também é uma mistura; partes intencionam o que está presente, e outras partes intencionam o que está ausente, os “outros lados” do cubo (SOKOLOWSKI, 2012SOKOLOWSKI, R. Introdução à fenomenologia. Tradução Alfredo de Oliveira Moraes. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2012., p. 25-26).

À vista disso, compreendo que, ao intencionar, na pesquisa de mestrado, a Investigação Matemática em sentido lato (o cubo), os problemas e as dificuldades emergentes do trabalho investigativo (faces ou partes do cubo) foram cointencionados, isto é, foram percebidos como intenções vazias, potencialmente visíveis, mas realmente ausentes, fora campo de visão determinado naquele momento pela perspectiva do meu olhar.

Todavia, segundo Sokolowski (2012)SOKOLOWSKI, R. Introdução à fenomenologia. Tradução Alfredo de Oliveira Moraes. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2012., as intenções vazias, as partes potencialmente visíveis, também são parte do que experienciamos e podem ser iluminadas, tornando-se intenções cheias na medida em que são percebidas de outra perspectiva. Segundo o autor supracitado:

Nossa percepção é dinâmica, não estática; até se só olharmos um lado do cubo, o movimento rápido dos nossos olhos introduz um tipo de mobilidade de busca da qual não estamos conscientes. Quando viramos um cubo ou caminhamos em volta dele, a potencialidade percebida torna-se realmente percebida, e o realmente percebido desliza para dentro da ausência; torna-se aquilo que foi visto, aquilo que é novamente só potencialmente visto. No lado subjetivo, as intenções vazias tornam-se cheias e as cheias tornam-se vazias (SOKOLOWSKI, 2012SOKOLOWSKI, R. Introdução à fenomenologia. Tradução Alfredo de Oliveira Moraes. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2012., p. 26).

Assim sendo, conforme caminho em volta do fenômeno interrogado na pesquisa de mestrado (a Investigação Matemática/o cubo), os problemas e as dificuldades com o trabalho investigativo tornam-se percebidos e tendem a ser iluminados; é a intenção vazia que, na subjetividade do pesquisador, torna-se cheia, possibilitando a experiência com a Investigação Matemática sob um outro ângulo.

Para Sokolowski (2012SOKOLOWSKI, R. Introdução à fenomenologia. Tradução Alfredo de Oliveira Moraes. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2012., p. 28), “é essencial para a nossa experiência que percebamos toda essa multiplicidade como pertencendo a um e ao mesmo cubo”. Destarte, perceber outro aspecto da Investigação Matemática é essencial para a minha experiência com ela, enquanto pesquisador afeto. Desse modo, como um movimento de pesquisa subjetivo, o trabalho se justifica.

Sem ingenuidades, qualquer que seja o processo de transformação haverá problemas e desencontros que, por vezes, não serão extinguidos em sua totalidade, porém é possível minimizá-los na medida em que são identificados, juntamente às suas causas. Nesse sentido, é importante olhá-los não como problemas, mas como complexidades que querem nos dizer algo, que denunciam distorções, desencontros e que indicam possibilidades de serem solucionados e, para isso, é preciso antes conhecê-los.

Assim, o trabalho se justifica na dimensão intersubjetiva, porque busca contribuir com o ensino de Matemática pautado na perspectiva da Investigação Matemática ao revelar problemas enfrentados em situações práticas e que, com algum esforço de pesquisa, podem ser contornados.

Ao tematizar a Investigação Matemática situada na Educação Matemática, compreendoa na acepção de Ponte, Brocardo e Oliveira (2013)PONTE, J. P.; BROCARDO, J.; OLIVEIRA, H. Investigações Matemáticas na Sala de Aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. como uma atividade que está no cerne da produção do conhecimento em Matemática e que, em contextos de ensino e aprendizagem, possui relações com o fazer Matemática por meio de tarefas abertas, situadas em contextos variados, embora com predominância para os exclusivamente matemáticos.

Desse prelúdio, na próxima seção, passo a discorrer sobre os aspectos metodológicos, seguida das seções que explicitam o revelado pelos dados da pesquisa, caminhando em direção a uma articulação do revelado, como desfecho do trabalho.

2 Explicitando os aspectos metodológicos

O trabalho se assenta na metodologia qualitativa como uma pesquisa social e historicamente situada, buscando pelo sentido e significado do interrogado. Com isso, esse estudo não busca a mensuração dos resultados, mas uma interpretação, reflexiva e subjetiva, sob a via de um processo indutivo. Portanto, a pesquisa preocupa-se

[…] com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2001MINAYO, M. C. S. (org.). Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2001., p. 21-22).

Dentre os diversos modos de se pesquisar qualitativamente, foi assumida a abordagem fenomenológica, uma vez que o olhar do pesquisador se dirige ao interrogado como um fenômeno e não como um fato, enquanto realidade objetiva. É, portanto, uma atitude em que me percebo como pesquisador e percebo a realidade que me cerca em termos de possibilidades e não de objetividades, conforme sugerem Martins e Bicudo (1989)MARTINS, J.; BICUDO, M. A. V. A pesquisa qualitativa em Psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Educ/Moraes, 1989.. Ao dizer que o interrogado é visto como um fenômeno, significa que ele se revela a quem interroga e, portanto

[…] não se trata de um objeto objetivamente posto e dado no mundo exterior ao sujeito e que pode ser observado, manipulado, experimentado, medido, contado por um sujeito observador […] mas é o que se mostra no ato de intuição efetuado por um sujeito individualmente contextualizado, que olha em direção ao que se mostra de modo atento e que percebe isso que se mostra nas modalidades pelas quais se dá a ver no próprio solo em que se destaca como figura de fundo (BICUDO, 2011BICUDO, M. A. V. Aspectos da pesquisa Qualitativa efetuada em uma abordagem fenomenológica. In: BICUDO, M. A. V. (org.). Pesquisa qualitativa segundo a visão fenomenológica. São Paulo: Cortez, 2011, p. 29-40., p. 30).

Em face disso, o trabalho ganha características de pesquisa qualitativa fenomenológica por assumir a busca pela compreensão do interrogado mediada pela intencionalidade e não explicações causais do mesmo. Portanto, o modo de pesquisar fenomenologicamente opõe-se àvisão empirista que acredita em uma possibilidade do conhecimento exclusivamente derivada da experiência, dos fatos. Apresenta-se, pois, como um método original que se move do constituído (realidade concreta) ao constituinte (essências) que, por sua vez, contém a clareza, a inteligibilidade do constituído. Assim, ao mesmo que tempo que contesta as aparências empíricas, as explicam (BRUYNE; HERMAN; SCHOUTHEETE, 1977BRUYNE, P.; HERMAN, J.; SCHOUTHEETE, M. Dinâmica da Pesquisa em Ciências Sociais: os polos da pratica metodológica. Tradução Ruth Joffily. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977.). Isso, segundo Husserl (2002)HUSSERL, E. A crise da humanidade europeia e a filosofia. Introdução e Tradução Urbano Zilles. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002., nos permite voltar às próprias coisas como se apresentam em sua pureza.

Ao interrogar quais fatores se mostram limitantes do trabalho com a Investigação Matemática, há uma intencionalidade de olhá-los como se mostram, na experiência explicitada nas produções dos professores que trabalharam sob essa perspectiva no PDE. É um dos lados do cubo sendo enfocado de modo atento e que se torna realmente percebido, doando-se “em aspectos passíveis de serem vistos na perspectiva daquele que a ele se dirige atentivamente” (BICUDO, 2011BICUDO, M. A. V. Aspectos da pesquisa Qualitativa efetuada em uma abordagem fenomenológica. In: BICUDO, M. A. V. (org.). Pesquisa qualitativa segundo a visão fenomenológica. São Paulo: Cortez, 2011, p. 29-40., p. 31). Desta postura e guiado pela interrogação de pesquisa, fui remetido ao solo de manifestação do fenômeno (os artigos finais) na busca de construir dados significativos que permitam responder ou iluminar a interrogação construída.

Ainda durante a construção da pesquisa de mestrado, esses artigos tornaram-se acessíveis no portal da Secretaria de Educação do governo do Paraná (SEED)5 5 http://www.diaadia.pr.gov.br/ , por meio de uma busca sistematizada utilizando os descritores Investigação Matemática e Investigações Matemáticas. Os artigos trazem, em seu conteúdo, o relato e reflexões sobre práticas de ensino pautadas na Investigação Matemática e empreendidas na Educação Básica Pública do Estado do Paraná.

Considerando os diferentes níveis em que se organiza a Educação Básica brasileira, as práticas relatadas foram empreendidas nos Anos Finais do Ensino Fundamental, sendo sete práticas em turmas do 6° ano, três em turmas do 7° ano, quatro em turmas do 8° ano e oito em turmas do 9° ano. No Ensino Médio, foram empreendidas quatro práticas no 1° ano, uma prática no 2° ano, uma no 3° ano do Ensino Médio regular e uma no 3° ano do Magistério. Na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, doravante EJA, houve uma prática empreendida. Outros três artigos relataram práticas empreendidas em cursos de formação de professores de Matemática. Dentre esses trabalhos, quinze relataram a utilização das TIC. O Quadro 6 (em anexo Anexos Quadro 6 Identificação dos trabalhos analisados Título do trabalho e link de acesso Autores O ensino da matemática na perspectiva das metodologias propostas nas diretrizes curriculares do Paraná http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/716-4.pdf Arilda Maria Passos Luiz Amilton de Góes A TV Multimídia, um Objeto de Aprendizagem para a Educação Matemática, Significados e Discussões http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2008_ufpr_mat_artigo_dolores_follador.pdf Dolores Follador Possibilidades de investigações matemáticas relacionadas ao número e a proporção áurea http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2008_unioeste_mat_artigo_arleni_elise_sella.pdf Arleni Elise Sella Patrícia Sandalo Pereira Experiências com probabilidade e estatística no ensino médio http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2008_uel_mat_artigo_rachel_santos_borges_david.pdf Rachel Santos Borges David Ana Lucia da Silva Relação cognição e afetividade na aprendizagem da matemática http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2008_ufpr_mat_artigo_luciana_roder.pdf Luciana Röder Tânia T. Bruns Zimer O uso do material dourado no ensino aprendizagem dos produtos notáveis na 7ᵃ série http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2009_utfpr_matematica_artigo_marilda_terezinha_de_oliveira.pdf Marilda Terezinha de Oliveira Roik Vitor José Petry Aplicação da Investigação Matemática em números naturais http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2009_uel_matematica_artigo_maria_aparecida_semeghini_bernard.pdf Maria Aparecida Semeghini Bernardelli Túlio Oliveira de Carvalho Investigação Matemática como alternativa metodológica para superação de problemas nas operações fundamentais http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2009_unicentro_matematica_artigo_rosemeri_fillus_chuproski.pdf Rosemeri Fillus Chuproski Lucas de Oliveira Estudo do software educativo de matemática GeoGebra para aplicação na investigação dos Conteúdos estruturantes: funções e geometria http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2009_uel_matematica_artigo_nunciata_carboni_da_costa.pdf Nunciata Carboni da Costa Sandra Malta Barbosa A Investigação Matemática e o conceito de funções: um estudo com alunos da 8ᵃ série do ensino fundamental http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2009_uel_matematica_artigo_sandra_maria_pimenta_ferreira.pdf Sandra Maria Pimenta Ferreira Magna Natalia Marin Pires Investigação Matemática: as embalagens e o estudo de geometria http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2009_uel_matematica_artigo_sandra_mara_mantovani.pdf Sandra Mara Mantovani Magna Natalia Marin Pires O desenvolvimento do pensamento algébrico por meio de investigações em sala de aula http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2009_uel_matematica_artigo_elisangela_cristina_perugini_maza.pdf Elisangela Cristina Perugini Mazaro Magna Natalia Marin Pires Investigação Matemática: uma nova perspectiva para o ensino e a aprendizagem da geometria http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2009unioestematematicaartigoclecimaradasilvamedeiros.pdf Clecimara da Silva Medeiros Arleni Elise Sella Investigações Matemáticas em sala de aula com o GeoGebra http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2009_fecilcam_matematica_artigo_carmem_lucia_dionisio_rocha_.pdf Carmem Lucia Dionisio Rocha Navasconi Wellington Hermann Investigação matemática: uma proposta metodológica para o ensino de fractais construídos através do software GeoGebra http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2009_unicentro_matematica_artigo_claudia_tratch.pdf Cláudia Tratch Leoni Malinoski Fillos Explorando Conceitos Geométricos Por Meio Do Geogebra: quatro momentos de investigações matemáticas no 9° ano do Ensino Fundamental http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2010/2010_unicentro_mat_artigo_maria_ines_tomal_surmas.pdf Maria Inês Tomal Surmas Leoni Malinoski Fillos Tarefas de investigação para o ensino-aprendizagem das propriedades de divisibilidade dos números naturais http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2010/2010_uel_mat_artigo_conceicao_geni_nicoli.pdf Conceição Geni Nicoli Túlio Oliveira de Carvalho O ensino de geometria plana no ensino fundamental: tarefas investigativas utilizando o software GeoGebra http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2010/2010_uel_mat_artigo_rejana_mara_ribeiro.pdf Rejana Mara Ribeiro Sandra Malta Barbosa Conjuntos numéricos, com ênfase nos números inteiros http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2010/2010_uel_mat_artigo_catarina_ferreira.pdf Catarina Ferreira Túlio Oliveira de Carvalho Investigações Matemáticas: Uma Abordagem aos Professores da Rede Pública do Estado do Paraná http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2010/2010_utfpr_mat_artigo_margarete_kolczycki_borges.pdf Margarete Kolczycki Borges Luiz Claudio Pereira Tarefas Investigativas e o Desenvolvimento do Pensamento Algébrico: Uma Experiência com Alunos de 7° Ano http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_uel_mat_artigo_sonia_terezinha_sgobero_abudi.pdf Sonia Terezinha Sgobero Abudi Magna Natalia Marin Pires Investigação matemática na perspectiva de ampliar a participação e contribuir no ensino-aprendizagem das operações através da problematização http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_unicentro_mat_artigo_marinez_suely_de_goes_stipp.pdf Marinez Suely de Goes Stipp Soliane Moreira O ensino de geometria por meio do GeoGebra e de Investigações Matemáticas http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_unicentro_mat_artigo_rosangela_andrechovicz.pdf Rosangela Andrechovicz Leoni Malinoski Fillos Atividades Investigativas de Matemática: uma experiência com alunos do 6° ano do ensino fundamental http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_uem_mat_artigo_lucia_helena_de_araujo.pdf Lucia Helena de Araujo Valdeni Soliani Franco Aulas investigativas no ensino da álgebra no 8° ano http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_unicentro_mat_artigo_regiane_gomes_de_araujo.pdf Regiane Gomes de Araujo Leoni Malinoski Fillos Investigação Matemática: Um Enfoque aos Conteúdos Geométricos http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_unioeste_mat_artigo_tavania_suzer_da_silva.pdf Tavania Suzer da Silva Becker Dulcyene Maria Ribeiro Investigação Matemática: Curso de Formação para professores na cidade de Sarandi-PR http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_uem_mat_artigo_cleide_miguel_da_cruz.pdf Cleide Miguel da Cruz Lilian Akemi Kato Investigações Matemáticas: possibilidades para o trabalho com funções por meio do GeoGebra http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_fecilcam_mat_artigo_reinaldo_gomes.pdf Reinaldo Gomes Wellington Hermann Tarefas de Investigação Matemática numa Trajetória de Ensino e Aprendizagem http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_uel_mat_artigo_janete_guiraldeli_lenartovicz.pdf Janete Guiraldeli Lenartovicz Magna Natalia Marin Pires Jogos e Investigação Matemática numa Trajetória de Ensino e Aprendizagem http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_uel_mat_artigo_jose_mario_lenartovicz.pdf José Mario Lenartovicz Magna Natalia Marin Pires Áreas e perímetros: uma abordagem Significativa http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_uem_mat_artigo_marise_ozieranski.pdf Marise Ozieranski João Cesar Guirado Investigando geometricamente o Tangram utilizando o software GeoGebra http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_uel_mat_artigo_mara_lucia_rodrigues.pdf Mara Lúcia Rodrigues Sandra Malta Barbosa Investigações matemáticas no cotidiano do aluno: Um relato de Experiência http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_uenp_mat_artigo_vania_maria_sasdelli.pdf Vânia Maria Sasdelli George Francisco Santiago Martin Fonte: Elaborado pelo autor (2019) ) traz a identificação de cada artigo, bem como o link para o acesso.

Após a leitura da totalidade dessas produções, que, em termos quantitativos, perfazem um universo de 33 (trinta e três) artigos, busquei colocar em evidência sentenças relevantes a minha miragem e que explicitaram algum sentido ante o interrogado, ou seja, as falas dos sujeitos que se destacaram ao meu olhar e se mostraram significativas mediante a interrogação norteadora do trabalho. Tais sentenças são aqui denominadas, tal como Bicudo (2011)BICUDO, M. A. V. Aspectos da pesquisa Qualitativa efetuada em uma abordagem fenomenológica. In: BICUDO, M. A. V. (org.). Pesquisa qualitativa segundo a visão fenomenológica. São Paulo: Cortez, 2011, p. 29-40., de unidades de sentido. Com a intenção de transformá-las em sentenças articuladas com o campo de inquérito constituído perante o objetivo do estudo, procedi a interpretação e reflexão sobre o dito, construindo as unidades de significado. Este momento é exemplificado no Quadro 1.

Quadro 1
Exemplos de unidades de sentido e respectivas unidades de significado

Ao retomar a leitura, agora incidindo sobre as unidades de significado, procedi à redução fenomenológica de modo a agrupá-las sob algum aspecto comum. Em um movimento interpretativo e de busca pela compreensão do interrogado, efetuei as primeiras convergências, as quais deram origem às primeiras ideias nucleares. Ao serem retomadas à luz da pergunta diretriz, ainda se mostraram convergentes e solicitaram novas convergências, originando, assim, as segundas ideias nucleares.

Desse proceder foi possível, após duas reduções fenomenológicas, a construção das categorias de análise, entendidas como convergências de sentidos percebidos pelo pesquisador e que articulam as características globais expressas em cada unidade de significado (BICUDO, 2011BICUDO, M. A. V. Aspectos da pesquisa Qualitativa efetuada em uma abordagem fenomenológica. In: BICUDO, M. A. V. (org.). Pesquisa qualitativa segundo a visão fenomenológica. São Paulo: Cortez, 2011, p. 29-40.). Nomeadamente as categorias de análise são: C1 – Obstáculos relacionados aos sujeitos envolvidos no trabalho com a Investigação Matemática, C2 – Obstáculos intrínsecos à Investigação Matemática, C3 – Obstáculos advindos da estrutura escolar e C4 – Obstáculos advindos da inserção da TIC em aulas de Investigação Matemática, descritas e interpretadas em seção específica.

Embora, ao transcrever os movimentos realizados e expressá-los por meio da linguagem, haja certa impressão de linearidade, ressalto que eles foram enxertados de idas e vindas, de (re)começos, de (des)articulações e (in)certezas. Foram movimentos que se realizaram “efetuando insight, abstrações, comparações, articulações, reunindo e separando aspectos, expressando o compreendido pela linguagem, […] enfim são movimentos do pensar ao percorrer os meandros do pensamento investigativo” (BICUDO, 2011BICUDO, M. A. V. Aspectos da pesquisa Qualitativa efetuada em uma abordagem fenomenológica. In: BICUDO, M. A. V. (org.). Pesquisa qualitativa segundo a visão fenomenológica. São Paulo: Cortez, 2011, p. 29-40., p. 59).

Da perspectiva fenomenológica, o percebido e articulado em cada uma das categorias encontra possibilidades de ser explicitado pela linguagem na experiência vivida pelo pesquisador, pois, como nos diz Husserl (2006HUSSERL, E. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. Aparecida: Ideias e Letras, 2006., p. 161), a aspiração da Fenomenologia é a de “ser uma doutrina eidética descritiva dos vividos transcendentais puros”. Desse modo, passo a descrever o revelado por cada categoria, expondo o vivido, sentido e percebido. Recorro àhermenêutica6 6 Cf. Mondini, Mocrosky e Bicudo (2016). para compreender o apontado nas descrições e os sentidos expostos nas unidades de significado, transcendendo o individualmente relatado e avançando em direção à sua estrutura mais abrangente.

A descrição de cada categoria é antecedida de um quadro contendo algumas unidades de sentido e o respectivo discurso articulado do pesquisador sobre elas (unidades de significado), a fim de explicitar, em partes, o movimento interpretativo efetuado. Cada unidade de sentido foi codificada de acordo com o número do trabalho analisado e com a ordem de destacamento, por exemplo, o código (1.1) faz menção à unidade de sentido 1, destacada do artigo 1. Os códigos serão utilizados no decorrer da análise para referenciar as unidades de sentido que estão exemplificadas nos respectivos quadros que antecedem cada categoria. Aquelas não exemplificadas serão transcritas na íntegra, acompanhadas do código de identificação.

Quadro 2
Algumas unidades de significado articuladas na categoria C1

3 A categoria C1 – Obstáculos relacionados aos sujeitos envolvidos no trabalho com a investigação matemática

Esta categoria revela os obstáculos relacionado aos sujeitos (professor e aluno) envolvidos nas práticas de ensino. É reveladora de aspectos que surgiram em face de concepções, comportamentos e características formativas desses sujeitos e que se caracterizam como dificuldades e impedimentos do trabalho com a Investigação Matemática. Um fator manifestado como obstáculo para a inserção dessa metodologia em sala de aula foi a insegurança sentida pelo professor, advinda da falta de clareza acerca dos aspectos epistemológicos e metodológicos que sustentam a Investigação Matemática e, de modo mais amplo, acerca de outras metodologias que se encontram nos documentos oficiais paranaenses, sendo: “Poucos os professores de matemática que estão preparados para utilizar as metodologias propostas nas diretrizes curriculares” (1.1).

O interesse e o efetivo envolvimento dos alunos na atividade são ações necessárias para o trabalho com a Investigação Matemática. Isso revelou outro fator limitante desse tipo de trabalho e que se destacou como uma das maiores dificuldades encontradas, a saber, a falta de clareza e entendimento do que vem a ser a realização de Investigações Matemáticas nas aulas de Matemática, por parte dos alunos, conforme o excerto: “Destaca-se que a maior dificuldade encontrada durante a realização das atividades foi fazer os alunos entenderem o processo de investigação, em que deveriam, a partir de seus conhecimentos prévios, buscar, desencadear as conjecturas e encontrar a possível solução para as atividades apresentadas” (27.13).

A necessidade de o aluno desempenhar e desenvolver habilidades da atividade matemática genuína como, por exemplo, raciocinar, interpretar e analisar situações desconhecidas, se mostraram motivos de objeção à Investigação Matemática (21.2). Este aspecto se revelou igualmente em práticas empreendidas em cursos de formação para professores “que se mostraram pouco à vontade nas investigações, querendo, prontamente, encontrar a solução, sem investigar” (6.1).

A concepção dos alunos sobre a Matemática, sobre as aulas de Matemática, sobre o papel do professor, sobre o seu próprio papel (13.9) e a não habitualidade com o ensino pautado na Investigação Matemática fez com que houvesse indícios de insegurança, impaciência e resistência a esse tipo de trabalho, dificultando-o. Tais dificuldades podem ser “explicadas, talvez, pela falta de hábito de resolver exercícios através da investigação” (12.6). Devido a essa falta de experiência com a metodologia, os alunos sentiram-se desconcertados ao ter de trabalhar de forma autônoma, sem seguir uma direção previamente delimitada (16.1). Como consequência direta dessa não habitualidade, revelaram-se problemas de ordem técnica como, por exemplo, problemas com a escrita dos relatórios e com as próprias ações frente à atividade.

De igual modo, a não habitualidade com o ensino pautado na Investigação Matemática foi manifestada entre professores e se mostrou, também, impedimento da inserção desta metodologia nas aulas de Matemática. Segundo alguns professores que participaram do PDE, “se, por um lado, é interessante investigar, analisar possibilidades e chegar a uma conclusão que, nem sempre, foi a elaborada pelo autor da atividade, por outro lado, essa abertura de possibilidades pode levar professores inexperientes ou com menor domínio dos conteúdos, a evitarem o uso desse tipo de atividades na sala de aula” (12.10).

A aversão típica e o descaso em relação à disciplina de Matemática (1.2) tornaram-se grandes desafios para o professor. De igual modo, as dificuldades subjetivas com a disciplina e a falta de domínio de conteúdos matemáticos básicos (16.2), também se mostraram propulsores de problemas e de desistências do trabalho por parte dos alunos. As dificuldades impostas pelas tarefas, assim como a exigência do pensamento contínuo e intenso acabaram por fazer os alunos esmorecerem nas atividades, culminando em desinteresse e forçando o término da prática, conforme sugerem os seguintes excertos: “O nível de envolvimento foi grande, mas percebeuse até um desânimo, pois tiveram dificuldade, precisavam pensar muito, calcular e no final nem todos estavam interessados” (12.7) “e começaram a perder a motivação inicial, principalmente por necessitarem de raciocínio e concentração para encontrar regularidades e padrões” (27.3).

Além dos comportamentos de aversão, desinteresse e descaso com a Matemática, comportamentos relacionados à indisciplina, tais como agitação, conversa e falta de assiduidade atrapalharam o bom andamento das práticas com a Investigação Matemática, acarretando prejuízos (1.2) (11.7).

4 A categoria C2 – Obstáculos intrínsecos à Investigação Matemática

Quadro 3
Algumas unidades de significado articuladas na categoria C2

A categoria é reveladora dos obstáculos que se originam a partir das características próprias da Investigação Matemática. São obstáculos que emergiram frente aos procedimentos da atividade investigativa, tais como: tempo, argumentação, justificação e escrita de relatórios.

A escrita dos relatórios em linguagem proposicional, contendo as hipóteses, as conjecturas, as justificativas e o processo de pensamento construído em face das tarefas, se mostrou uma dificuldade recorrente (11.5), bem como a utilização da linguagem matemática tanto para interpretar como para analisar e registrar os resultados (11.2). Os alunos mostraram ter pouca ou nenhuma habilidade para argumentar matematicamente os seus resultados, pois “nunca haviam feito isso antes e não sabiam expressar por escrito como haviam desenvolvido seu raciocínio” (7.6). Igualmente, houve dificuldades em relação a argumentação oral e, portanto, “as expectativas com relação ao método não foram atingidas no que se refere à expressão oral e escrita” (20.1).

Revelou-se como um obstáculo forte a não inserção da Investigação Matemática em sala de aula, o tempo requerido para a realização das atividades (27.1), para a preparação e elaboração da aula, bem como para a preparação e elaboração das tarefas a serem propostas. A falta de tempo causou o apressamento da aula e, por vezes, até a interrupção do trabalho. O agravamento causado pelo tempo pode ser sentido nas palavras de uma professora, que relata: “A questão do tempo se arrastando de uma aula para outra impedindo de se fazer o mais importante, a discussão final e o fechamento das investigações e reflexões incitadas pelas tarefas; o que obriga a, na aula seguinte, resgatá-las, já com boa parte da motivação desvanecida, gastando um tempo grande até que todos se envolvam novamente com a mesma motivação da aula anterior perdendo-se muito em qualidade” (5.6).

A pluralidade e a abertura das tarefas de Investigação Matemática se mostraram obstáculos nas práticas empreendidas, pois “para uma mesma atividade existem várias possibilidades de chegar a uma mesma conclusão, esse parece ser o maior obstáculo àimplementação dessa metodologia para o ensino de matemática” (12.8). Além disso, “demanda mais tempo e pode comprometer o desenvolvimento de outros conteúdos matemáticos previstos e que deviam ser trabalhados” (17.13).

O obstáculo relacionado à pluralidade e à abertura das tarefas repousa sobre a justificativa de que a existência de várias possibilidades investigativas em uma mesma tarefa, requer tempo e um conhecimento matemático amplo, o que “pode levar professores inexperientes ou com menor domínio dos conteúdos a evitarem o uso desse tipo de atividades na sala de aula” (12.10). Além disso, as próprias características de leitura, interpretação, produção de relatórios, socialização e discussão dos resultados, inatas da Investigação Matemática, causaram problemas, uma vez que “exigem mais tempo para o planejamento das aulas e, sobretudo, olhar atento do professor e muita organização para que todos os alunos realmente se envolvam nas] atividades” (30.4).

Quadro 4
Algumas unidades de significado articuladas na categoria C3

5 A categoria C3 – Obstáculos advindos da estrutura escolar

Esta categoria revela obstáculos emergentes da estrutura e da organização escolar. Dentre eles, está o currículo demasiadamente extenso e o seu cumprimento como uma exigência velada por parte das instituições escolares e sistemas educativos, conforme exprime o excerto: “A necessidade de se cumprir o currículo […] também priva, ou até mesmo desestimula iniciativas do professor em tentar caminhos inovadores que altere sua rotina que está pautada em: livro didático – lousa e vice-versa” (27.5).

A quantidade elevada dos conteúdos a serem ensinados (26.2) mostrou-se um problema, na medida em que trouxe novamente à tona a questão do tempo, escasso no ambiente escolar, relegando a Investigação Matemática ao status de um trabalho esporádico. Isso fica evidente ao ser relatado que “essa modalidade: investigações matemáticas, deve ser aplicada esporadicamente, pois temos um currículo muito extenso para ser cumprido e parece que esse tipo de trabalho leva mais tempo para ser desenvolvido com os alunos do que o método tradicional” (27.1).

A falta de tempo, imposta pela rotina escolar, privou o professor de elementos importantes do processo de ensino, como, por exemplo, de pesquisar a sua própria prática ou assuntos correlatos à Matemática. De acordo com alguns professores, “todo professor deve ser também um pesquisador, porém a rotina escolar não permite que se faça um estudo aprofundado sobre os diversos assuntos da Matemática” (7.1). Além disso, o excerto (7.1) exprime outros obstáculos inerentes à dinâmica escolar, dentre eles, o enraizamento da Escola nos princípios tradicionais de ensino, a falta da cultura investigativa na execução das atividades de ensino e a falta de apoio familiar na Educação como um todo.

A organização dos horários em geral, fixos e fracionados, em conjunto com o número reduzido de aulas, quebrou a dinâmica da prática investigativa, devendo os obstáculos superados em uma aula, serem novamente superados na aula seguinte, como, por exemplo, o engajamento dos alunos e a retomada das ideias e do ponto de parada da aula anterior. Além disso, “era necessário, às vezes, apressar ou interromper o trabalho” (7.5).

A quantidade excessiva de alunos por turma (27.6) requereu uma maior atenção do professor que desprendeu mais tempo ao atendimento de uns, ausentando-se do atendimento de outros. Tal ausência foi justificada pelo “grande número de alunos que dificultava o atendimento a todos os grupos” (7.4). O tempo gasto com o atendimento aos alunos foi potencializado quando o professor se deparou com dificuldades de aprendizagem acentuadas (30.2). Desse modo, o número elevado de alunos aliado a casos de extrema dificuldade de aprendizagem se mostrou um fator que dificultou e prejudicou a orientação individual.

Quadro 5
Algumas unidades de significado articuladas na categoria C4

6 A categoria C4 – Obstáculos advindos da inserção das TIC em aulas de Investigação Matemática

Esta categoria revela os obstáculos relacionados ao uso da TIC em aulas de Investigação Matemática, os quais se mostraram presentes tanto em ordem técnica como em ordem pedagógica. No tocante à ordem técnica, as dificuldades encontradas estão relacionadas “ao funcionamento precário dos computadores” (17.1), à falta de equipamentos, à má estrutura dos laboratórios, à falta de acesso e “a lentidão da internet ou a “trava” dos computadores” (5.10) e ao agendamento de horário.

Os professores relataram que “mesmo após a manutenção dos computadores, não foi possível utilizá-los com a turma, pois o número de equipamentos colocado em funcionamento era reduzido (7computadores/28 alunos)” (17.2) e que “a precariedade dos equipamentos do laboratório na escola de implementação do projeto, dificultou muito a sua aplicação” (17.12). Esses problemas técnicos impactaram a prática de ensino de tal modo que o bom aproveitamento das atividades ficou restrito aos alunos que tiveram acesso à máquina, “pois o aluno que não estava trabalhando diretamente no programa não se interessava muito no desenvolvimento das atividades propostas” (13.2).

Na ordem pedagógica, os obstáculos estão relacionados à falta de habilidade com recursos computacionais, tanto por parte dos professores (6.2) como por parte dos alunos. A construção dos elementos geométricos a serem investigados requereu tempo e o manuseio de diversas ferramentas concomitantemente (9.1), o que fez com que as primeiras aulas fossem destinadas ao ensino das noções básicas do software ou da ferramenta tecnológica utilizada, mas que não foram suficientes para possibilitar o domínio das respectivas funcionalidades, permanecendo muitas dúvidas (13.2).

Ainda, algumas dificuldades técnicas originaram-se do mau uso dos equipamentos, conforme exprime o excerto: “durante a aula anterior, alguém havia “puxado” uns fios e toda uma ilha (esses laboratórios funcionam com quatro telas conectadas a uma mesma CPU), e quatro máquinas sofreram danos” (5.3). Como consequência dessa estrutura, denominada ilha, pode estar a lentidão na rede de internet e o travamento dos computadores, acarretado pelo excesso de fluxo, tanto no processamento como no envio e recebimento de informações.

7 Articulando o revelado

Os dados revelam que as dificuldades e os obstáculos, encontrados no trabalho prático com a Investigação Matemática no contexto do PDE, emergem de causas relacionadas aos sujeitos envolvidos (professor e aluno), de causas intrínsecas à perspectiva investigativa, de causas inerentes à organização escolar e da utilização das TIC. As escolas, geralmente, prezavam pelo o cumprimento do currículo, cuja extensão impõe a limitação do tempo para a abordagem de cada conteúdo, mesmo para o método mais retrógrado, o que impôs o aligeiramento e até a interrupção das práticas empreendidas.

Um ambiente estruturalmente fechado, com um currículo já constituído e, por vezes, rígido, se mostra um fator negativo à inserção de novas práticas educativas, na medida em que elas confrontam o sistema educacional vigente, cabendo ao professor romper com essa estrutura ou, pelo menos, flexibilizá-la (CEOLIM; CALDEIRA, 2017CEOLIM, A. J; CALDEIRA, A. D. Obstáculos e Dificuldades Apresentados por Professores de Matemática Recém-Formados ao Utilizarem Modelagem Matemática em suas Aulas na Educação Básica. Bolema, Rio Claro, v. 31, n. 58, p. 760-776, ago. 2017.). No caso das práticas de Investigação Matemática empreendidas no contexto do PDE, isso ficou evidente.

No tocante às causas relacionadas aos professores, há razões para supor que elas possuem relações diretas com a sua formação inicial e continuada que, em geral, não contemplaram métodos alternativos de ensino, como por exemplo, a Investigação Matemática. Segundo o relatado por alguns professores, “foi uma formação voltada para uma Matemática de cálculos e respostas corretas” (26.1). Desse modo, mesmo que tenham tido contato com a teoria da Investigação Matemática no PDE, os professores adentraram a sala de aula sem se sentirem preparados para o trabalho com essa perspectiva. Em face disso, há razões para supor que não foi a postura do professor, em si, que se configurou como um obstáculo para o trabalho com essa metodologia, mas, antes, a forma que ele foi/é preparado para esse trabalho. Nesse sentido, há um deslocamento de foco, incidindo agora sobre os processos formativos.

A questão da formação inicial já foi apontada por Ceolim e Caldeira (2015)CEOLIM, A. J; CALDEIRA, A. D. Modelagem Matemática na Educação Matemática: obstáculos segundo professores da Educação Básica. Educação Matemática em Revista - SBEM, n. 46, p. 25-34, 2015. como um obstáculo para a inserção de metodologias situadas no paradigma investigativo, na Educação Básica, a exemplo da Modelagem Matemática. Segundo estes autores, isso se deve à predominância de disciplinas voltadas aos conteúdos matemáticos no escopo das atividades curriculares dos cursos de Licenciatura em Matemática paranaenses.

Particularizando a Investigação Matemática, os déficits relativos à formação podem ser em partes superados, se houver maior proximidade com a Investigação Matemática, tanto na formação inicial quanto na continuada, ou seja, se houver a presença mais efetiva e constante dessa perspectiva no âmbito das formações. Por ora, parece-me “que pouco tem se avançado em termos práticos, deixando a questão da formação de professores em Investigação Matemática somente na esfera dos discursos, salvaguardadas valorosas exceções” (WICHNOSKI; KLÜBER, 2018WICHNOSKI, P.; KLÜBER. Investigações Matemáticas na Educação Matemática: uma experiência na formação inicial de professores. Revista de Educação Matemática, São Paulo, v. 15, n. 18, p. 69-83, jan. /abr. 2018., p. 71).

A existência de alguns obstáculos relacionados à inserção das TIC nas aulas de Investigação Matemática, em particular os de ordem pedagógica, podem encontrar explicações na falta de habilidade dos professores com os recursos computacionais, juntamente à falta de planejamento da aula investigativa e virtual. De modo circular, isso aponta novamente para a questão da formação de professores, que deve prepará-lo em face das novas ferramentas tecnológicas e suas especificidades, bem como para o uso adequado destas em prol do ensino.

Sobre isso, Valente (1999VALENTE, J. A. (org.). O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: Central da UNICAMP/NIED, 1999., p. 9) nos diz que “não se trata de criar condições para o professor simplesmente dominar o computador ou o software, mas sim auxiliá-lo a desenvolver conhecimento sobre o próprio conteúdo e sobre como o computador pode ser integrado no desenvolvimento desse conteúdo”. Segundo os professores participantes do PDE, a superação dos obstáculos impostos pelo uso de softwares em aulas de Investigação Matemática, necessita de “um planejamento mais adequado e um tempo maior para a familiarização com o programa e para a resolução das questões propostas” (13.6).

Quanto às causas relacionadas aos alunos, podemos inferir que elas estão diretamente relacionadas aos problemas de formação, em especial, naquelas relativas ao ensino tradicional, aos problemas comportamentais e à aversão à Matemática. Segundo o relatado pelos professores participantes do PDE, a formação escolar dos alunos, em geral, não vinha acontecendo pautada em criticidade, reflexividade e protagonismo, relegando ao professor o trabalho prático de pensamento, de dúvidas e de construção do conhecimento.

Ao longo do tempo, isso enraíza concepções de ensino e aprendizagem contrárias ao que é proposto pela Investigação Matemática, constituindo-se um obstáculo a ser enfrentado. Sobre isso, uma professora explicita que “os alunos têm muita dificuldade com a linguagem matemática tanto para interpretar o que se pede, como para fazer análises e registros dos resultados. Acredito que seja uma questão cultural, passou-se muito tempo valorizando as respostas prontas, onde os professores dão a palavra final sobre os conceitos trabalhados, por isso, utilizando uma metodologia diferenciada leva um tempo para que professores e alunos se adaptem” (17.8).

Historicamente, há certa apatia por parte dos alunos com relação à disciplina de Matemática que, segundo Carmo e Simionato (2012CARMO, J. S.; SIMIONATO, A. M. Reversão de ansiedade à Matemática: alguns dados da literatura. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 17, n. 2, p. 317-327, abr./jun. 2012., p. 317), “está diretamente relacionada a experiências inadequadas de ensino dessa disciplina”. Os altos índices de alunos com dificuldades de compreensão dos seus conteúdos a mistificam como uma ciência rigorosa “relacionando-a a algo de difícil apreensão, somente acessível a poucos indivíduos, que exige muito esforço e dedicação para ser dominado” (p. 319).

Desse modo, pode-se inferir que alguns dos obstáculos encontrados nas práticas de Investigação Matemática empreendidas no âmbito do PDE, como por exemplo, os advindos da rejeição e das dificuldades dos alunos com a Matemática, não são exclusividade de práticas de Investigação Matemática. São, antes disso, obstáculos que se mostram presentes no ensino da disciplina em sua amplitude e, em partes, estão diretamente ligados à concepção dos alunos acerca da Matemática, às suas experiências negativas com a disciplina e aos modos como ela é ensinada.

A discrepância entre a Matemática escolar vigente e a Matemática proposta pela Investigação Matemática revelou-se de tal modo significativa, que os alunos, ao trabalharem investigativamente, viram outra Matemática. Para eles, “a atividade proposta parece remeter a outra Matemática, diferente daquela que eles conhecem” (3.7). Essa ilusão de ótica se dá pelo fato de que o que é visto em práticas de Investigação Matemática é o processo de construção e não a Matemática em termos de resultados. Isso aponta para a necessidade de conceber uma formação escolar voltada para a reflexividade e desenvolvimento de habilidades que permitam ao aluno questionar, investigar e solucionar problemas dos mais variados tipos e nos mais variados domínios, não necessariamente matemáticos.

As características próprias do trabalho com a perspectiva investigativa, como por exemplo, a abertura das tarefas, as múltiplas possibilidades de investigá-las, a escrita de relatórios, a interpretação, a tomada de decisões, o levantamento de conjecturas e o tempo necessário a esse tipo de trabalho, são aspectos que do ponto de vista epistemológico fazem da Investigação Matemática um método em potencial para o ensino, e do ponto de vista prático mostraram-se problemáticos nas práticas empreendidas no contexto do PDE.

Em face disso, fica o alerta da necessidade de fomentar nos alunos, ao longo da vida escolar, as competências básicas de interpretação, escrita e tomada de decisões, de modo a prepará-los não somente para o período seguinte, mas para a vida; e um modo de suscitá-las é por meio de tarefas abertas que requerem inquirições e que permitam aos alunos comunicar sobre a Matemática e por meio dela. Tal necessidade já foi alertada por Silva et al. (1999)SILVA, A.; VELOSO, E.; PORFÍRIO, J.; ABRANTES, P. O currículo de matemática e as actividades de investigação. In ABRANTES, P.; PONTE, J. P.; FONSECA, H.; BRUNHEIRA, L. (org.), Investigações matemáticas na aula e no currículo. Lisboa: APM e Projecto MPT, p. 69-88, 1999. ao mencionarem que

[…] a prática de muitos professores de Matemática ainda não assenta em pressupostos metodológicos de integração de atitudes, capacidades e conhecimentos ou em preocupações de estabelecimento de conexões matemáticas ou na abordagem em espiral dos conceitos ou na concepção de tarefas que possibilitem aos alunos fazer matemática e desenvolverem o seu poder matemático (SILVA et al., 1999SILVA, A.; VELOSO, E.; PORFÍRIO, J.; ABRANTES, P. O currículo de matemática e as actividades de investigação. In ABRANTES, P.; PONTE, J. P.; FONSECA, H.; BRUNHEIRA, L. (org.), Investigações matemáticas na aula e no currículo. Lisboa: APM e Projecto MPT, p. 69-88, 1999., p. 7).

Para o trabalho com a Investigação Matemática é fundamental que as ações sejam realizadas pelos alunos, conforme reconhece um professor participante do PDE ao relatar que “para utilizar essa metodologia, […] é fundamental que o trabalho seja desenvolvido pelos alunos” (27.14), porém o mesmo professor adverte que “eles não têm a prática de serem os protagonistas na sala de aula, pois em geral é o professor que exerce essa função” (27.14). Isso sugere que os papeis do professor e do aluno durante as aulas, comumente, estão bem definidos, de modo que o professor sente segurança e o aluno sente comodidade nas atividades realizadas. Fica atribuído ao professor desempenhar esforços cognitivos de compreensão, exploração e resolução das tarefas, ficando o aluno, na condição de sujeito passivo, fazendo meras anotações.

Essa configuração dos papeis do professor e dos alunos pode encontrar explicações na cultura escolar vigente e que tem permanecido em nosso país. De acordo com Wichnoski e Klüber (2017WICHNOSKI, P.; KLÜBER. Considerações sobre práticas de Investigação Matemática empreendidas e relatadas por professores em formação. RPEM, Campo Mourão, v. 6, n. 11, p. 161-178, jul.-dez. 2017., p. 173), esse “é, se não o maior, um dos principais fatores que entrava e, por vezes, não permite a inserção de novas metodologias para o ensino de matemática no ambiente escolar”. Herança de uma tendência positivista, a Escola brasileira contemporânea ainda não conseguiu se desprender das amarras behavioristas da aprendizagem, pautando o ensino, em particular de Matemática, na objetividade do conhecimento e em métodos instrumentalistas, resultando em “uma educação escolar […] sustentada nos princípios de uma visão da matemática como um corpo acabado de conhecimentos, de uma aula onde o professor, único detentor da verdade, repete para os alunos uma matemática pronta e decorada” (12.9).

Isso exprime a configuração do processo de ensino de Matemática mais presente nas Escolas, o qual repousa sobre uma estrutura consolidada de conteúdos e exercícios, de modo que a Matemática é apresentada como um corpo de conhecimentos absoluto e a-histórico. Há apenas uma instrumentalização de métodos e técnicas, como se a Matemática fosse um jogo que privilegia o indivíduo com maior capacidade de memorização das suas regras.

Há razões para supor que essa cultura também justifica a dificuldade que os alunos mostraram ter com a linguagem matemática e com a atividade matemática genuína de pensar, conjecturar e concluir, bem como justifica a falta de envolvimento com as atividades propostas. Conforme já mencionado, em geral, o aluno ocupa uma posição passiva no processo de ensino e aprendizagem e isso faz com que os esforços cognitivos a serem empreendidos em face do novo conhecimento sejam minimizados e, por vezes, tolhidos. Ao passo que são convidados a pensar e a esforçarem-se cognitivamente por meio do trabalho investigativo, há a existência de dificuldades e resistência.

Por cultura, entendo-a, segundo Levi-Strauss (1976 apudMELLO, 1986MELLO, L. G. Antropologia Cultural. Petrópolis: Vozes, 1986., p. 397), como um “conjunto complexo que inclui conhecimento, crença, arte, lei, costumes e várias outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. A Educação, enquanto prática social, possui uma dimensão cultural e é alcançada por este conjunto. As concepções e crenças, enquanto produtos socioculturais, apontam caminhos, sustentam decisões e influenciam a prática docente (TARDIF, 2002TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.; PONTE, 1992PONTE, J. P. Concepções dos professores de matemática e processos de formação. In: PONTE, J. P. (ed.) Educação Matemática: Temas de investigação. Lisboa: Editora, 1992. p. 185-239.) e, a meu ver, se ampliam, influenciando a prática discente, a prática de gestão escolar, a prática da equipe pedagógica, bem como as ações da família e do Estado.

A concepção dominante de Educação concebe o ensino amparado no planejamento e na técnica, na obediência à legislação, na divisão do trabalho pedagógico entre os que pensam e os que fazem, na rigidez do controle burocrático e na prevalência da razão técnica (GADOTTI, 1995GADOTTI, M. Educação e compromisso. 5. ed. Campinas: Papirus, 1995.), notadamente características da tendência positivista. Sob a égide dessa concepção, salvaguardadas valorosas exceções, estão professores, alunos, equipe pedagógica, família dos estudantes e todos aqueles envolvidos com o sistema educativo. Nesse sentido, a prática de ensino pautada na Investigação Matemática acontece sob uma cultura contrária a ela, o que, por si só, é um obstáculo.

  • 1
    Pesquisa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) e intitulada “Uma Metacompreensão da Investigação Matemática nas Produções do Programa de Desenvolvimento Educacional do Paraná – PDE”.
  • 2
    Trata-se da organização de um material didático, contendo uma estratégia metodológica, tendo por finalidade a implementação na escola.
  • 3
    Texto que divulga e socializa o trabalho desenvolvido na escola, contemplando a problemática estudada, os dados coletados na implementação da Produção Didático-pedagógica e a respectiva análise.
  • 4
    Programa de Capacitação Continuada do estado do Paraná, implantado como uma política educacional de caráter permanente, que prevê o ingresso anual de professores da Rede Pública Estadual de Ensino para a participação em processo de formação continuada com duração de 2 (dois) anos, tendo como meta qualitativa a melhoria do processo de ensino e aprendizagem nas escolas públicas estaduais de Educação Básica (PARANÁ, 2010PARANÁ. Lei Complementar n° 130, de 14 de julho de 2010. Diário Oficial do Paraná, Poder Executivo, Paraná, PR, 2010.). Em linhas gerais, o PDE se organiza e se desenvolve assentado em diversas atividades teórico-práticas, de modo articulado. Tais atividades contemplam orientações entre os professores participantes e os professores formadores, a elaboração e implementação de um projeto de intervenção pedagógica em escolas públicas da rede estadual de ensino, a construção de uma produção didático-pedagógica e a construção de um trabalho/artigo final. No projeto de intervenção constam as táticas, as ações planejadas ao longo do processo e que serão desenvolvidas na escola. Tal planejamento é sistematizado na produção didático-pedagógica, a qual contém as estratégias metodológicas que atendam aos propósitos do projeto de intervenção e, por fim, o trabalho final corresponde a um artigo científico e tem o objetivo de divulgar e socializar o trabalho desenvolvido.
  • 5
  • 6
    Cf. Mondini, Mocrosky e Bicudo (2016)MONDINI, F.; MACROSKY, L. F.; BICUDO, M. A. V. A Hermenêutica em Educação Matemática: Compreensões e Possibilidades. REVEMAT, Florianópolis, v. 11, p. 317-327, 2016..

Referências

  • BICUDO, M. A. V. Aspectos da pesquisa Qualitativa efetuada em uma abordagem fenomenológica. In: BICUDO, M. A. V. (org.). Pesquisa qualitativa segundo a visão fenomenológica São Paulo: Cortez, 2011, p. 29-40.
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Anexos

Quadro 6
Identificação dos trabalhos analisados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Ago 2020

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2019
  • Aceito
    27 Jan 2020
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