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O Vazio em Tempos Trágicos: notas sobre políticas públicas no Brasil atual

Emptiness in Tragic Times: some remarks on today´s Brazilian public policies

Resumo

Este artigo tem uma estrutura híbrida sendo, ao mesmo tempo, ensaio acadêmico, manifesto e resumo de artigos publicados na grande mídia. Ele foi composto, principalmente, a partir de fontes jornalísticas, e tem como tema as atuais políticas públicas brasileiras. Para argumentar sobre a ausência dessas políticas públicas na atualidade, o artigo apresenta um resumo de situações que caracterizam o Governo Bolsonaro, e termina com breves apontamentos sobre as políticas públicas em Educação Matemática, particularmente aquelas relativas à Educação a Distância.

Governo Bolsonaro; Políticas Públicas; Educação a Distância

Abstract

This paper has a hybrid structure and is, at the same time, an academic essay, a manifesto and a summary of articles published in the mainstream media. It was composed, mainly, from journalistic sources, and has as its theme the current Brazilian public policies. To argue about the absence of these public policies today, the article presents a summary of situations that characterize the Bolsonaro Administration and ends with some brief remarks on public policies in Mathematics Education, particularly those related to Distance Education.

Bolsonaro Administration; Public Policies; E-learning

Preencha um Vazio

Com a Coisa que O causa –

Se você o tapar

Com Outra – O escancara –

Não se solda um Abismo

Com Ar –

(Emily Dickinson)1 1 Dickinson, E. Poesia Completa . V. 1. Trad. De Adalberto Müller. UnB/UNICAMP, 2020.

1 Uma breve introdução

O texto que segue tem uma estrutura híbrida, um pouco distinta do modelo usual das produções científicas2 2 O conteúdo deste artigo foi parcialmente apresentado, oralmente, em mesa redonda do VIII SIPEM – Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática –, ocorrido em novembro de 2021. . Misto de ensaio acadêmico, manifesto e resumo de artigos publicados na grande mídia, ele foi composto, principalmente, a partir de fontes jornalísticas. Em alguns poucos momentos, são feitas menções a produções acadêmicas tradicionais. Contrariando um pouco as normas, mas mantendo a opção pelo modelo alternativo segundo o qual este texto foi concebido, apresento em notas de rodapé as referências completas das fontes jornalísticas, incluindo também uma listagem de obras e sites , seguindo um modelo mais tradicional, ao final do texto.

As fontes jornalísticas consultadas são variadas, e abrangem uma série de veículos, de linhas editoriais e matizes ideológicos distintos, ainda que boa parte das informações das quais me vali neste ensaio possam ser encontradas em quase todos eles. Essa informação é importante, pois a primeira parte do texto diz respeito, mais especificamente, à administração Bolsonaro na Presidência da República, um tema polêmico, como todos sabemos, principalmente por haver apoiadores do atual Governo espalhados por todas as instituições, não fugindo dessa realidade, infelizmente, nossa comunidade de educadores matemáticos.

Esses agentes não são, definitivamente, meus interlocutores: eu não pretendo tê-los como interlocutores e não me disponho a discutir essas minhas considerações com eles. Eu não sigo, portanto, a máxima (equivocada) de que é necessário, justo e democrático dar voz a qualquer um. Este texto foi considerado finalizado em 25 de Maio de 2021, pois seria uma tarefa impossível atualizá-lo constantemente3 3 A impossibilidade de atualizar este texto pode ser exemplificada pelas notícias mais recentes que não foram, em princípio, incluídas nesse inventário de absurdos e sandices do atual governo: no momento em que decidi finalizá-lo (em Maio de 2021), ocupava as pautas jornalísticas, além da continuidade da CPI da COVID-19, implantada pelo Senado Federal, a operação Akuanduba, deflagrada pela Polícia Federal em 19 de Maio, que afastou dez funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério do Meio Ambiente, entre eles o presidente do Ibama, Eduardo Bim. Ricardo Salles, então Ministro do Meio Ambiente, foi alvo dessa operação que investigava crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando por meio da exportação ilegal de madeira. Destaca-se não apenas o envolvimento do Ministro nas ilegalidades supostamente arquitetadas dentro do Ibama, envolvendo a prática de facilitação do contrabando: o esquema de corrupção passa também – supostamente – pelo escritório de advocacia que o ministro mantém em parceria com sua mãe, em São Paulo. (Cf., p.e., https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-19/ricardo-salles-e-alvo-de-operacao-da-policia-federal-que-apura-contrabando-de-madeira-brasileira.html , https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/05/19/ricardo-salles-entenda-operacao-contra-exportacao-ilegal-de-madeira-que-mira-ministro-do-meio-ambiente.ghtml e https://www.conjur.com.br/2021-mai-19/investigacao-pf-mira-escritorio-advocacia-ricardo-salles ). Uma observação: Akuanduba é uma divindade da mitologia dos índios Araras, do Pará, que faz soar uma flauta para restabelecer a ordem quando alguém comete algum excesso, contrariando as normas. Adendo (de janeiro de 2022): em 23/06/2021, como um dos resultados dessa situação, Ricardo Salles demitiu-se do cargo de Ministro, alegando haver uma “criminalização das opiniões divergentes sobre a questão ambiental”. Para ocupar o lugar de Salles, o presidente nomeou Joaquim Álvaro Pereira Leite, que até então ocupava o cargo de secretário da Amazônia e Serviços Ambientais do ministério. ( https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-06/ricardo-salles-pede-demissao-do-ministerio-do-meio-ambiente , e https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/ricardo-salles-se-demite-do-ministerio-do-meio-ambiente/ , ambos os links acessados em 06/01/2022). Como o leitor já deve ter percebido, ignorei minha própria declaração de não atualizar as informações: optei por incluir algumas breves notas – dentre as muitas possíveis – divulgadas pela mídia, e posteriores a maio de 2021, todas elas devidamente indicadas. . Assumo, então, que, quando essas minhas notas se tornarem públicas, a coleção de desatinos, desvarios e crimes do atual Governo estará tragicamente ampliada.

2 Tempos Remotos

Tenho muitas lembranças afetivas do meu tempo de escola, de quando eu era bem pequeno e frequentava o Grupo Escolar e, depois, o Ginásio, numa pequena cidade do interior do estado de São Paulo. Mas tenho pouquíssimas lembranças dos conteúdos escolares que – agora, revisitando a memória – eu sabia muito bem recitar sem entender muito – ou absolutamente nada – o que significavam. Havia, eu me lembro, três tópicos que indefectivelmente apareciam em todos – todos – os anos escolares.

Comecei a frequentar a pré-escola em 1965, mas as leis me permitiram acessar o primeiro ano primário apenas em 1968, com seis anos incompletos. Vivi, então, o Movimento Matemática Moderna em seu auge e, portanto, os conjuntos eram um desses conteúdos que me foram apresentados e reapresentados, exaustivamente, ao longo de todo o primário e do Ginásio. Pertence, não pertence, o vazio, o Universo, a União e a Interseção, temas que, efetivamente, só fizeram algum sentido para mim quando eu já cursava Álgebra Moderna na Universidade, tendo como guia, então, os livros de Luiz Henrique Jacy Monteiro e de Richard Dean4 4 Elementos de Álgebra , de Jacy Monteiro, publicado por Ao Livro Técnico/IMPA, em 1969, e Elementos de Álgebra Abstrata , de Richard Dean, publicado pela Livros Técnicos e Científicos em 1974. .

Além dos conjuntos, havia a certeza de que numa determinada altura do campeonato eu teria que comprar uma folha de cartolina para desenhar a Roda dos Alimentos, um quadro esquemático no qual se desenham legumes, verduras, carne, ovos e grãos divididos em três categorias: os alimentos construtores, os alimentos energéticos e os alimentos reguladores.

Os conjuntos, a roda dos alimentos e... os poderes do Estado e suas funções. O legislativo (que legislava), o judiciário (que julgava) e o executivo (que executava) e eu nunca soube ao certo, durante todo esse início de escolaridade, nem a diferença entre legislar, julgar e executar, nem o que, efetivamente, o executivo executava e o judiciário julgava.

Só quando saí da casa dos meus pais para cursar a graduação comecei a entender a necessidade da alimentação saudável, ao mesmo tempo em que me debatia com o Jacy Monteiro e com o Richard Dean, e compreendi que o poder executivo executa políticas públicas.

3 Políticas Públicas no Brasil de Hoje

Políticas Públicas são, como entendo, um conjunto de ações que o Estado cria, aplica e controla, visando ao bem-estar social. Deve-se ter, entretanto, um norte para guiar o Estado de modo que suas políticas públicas sejam coordenadas, coesas, mais do que meras ações voltadas a solucionar, local e temporariamente, as necessidades da sociedade. Esse norte, usualmente, é dado pelo conjunto de interpretações que os agentes de Estado têm da Constituição ou do quanto cada um decide tê-la como parâmetro. Assim, as ações do executivo não são naturalmente políticas públicas, já que é necessário que essas ações, para se tornarem políticas públicas, façam sentido dentro do conjunto de propostas de um Governo; devem ser fundamentadas, norteadas por uma proposta de administração pública e, tanto quanto possível, contínuas, para não se reduzirem a um conjunto discreto (no sentido matemático) de intervenções.

Essas minhas memórias e as considerações gerais que delas decorrem – ainda que possam ser vistas como ingênuas e apoucadas, já adiantando as críticas – nos levam que talvez seja a mais importante constatação que apresento aqui, na tentativa de discutir o tema políticas públicas e pesquisa em Educação Matemática em tempos de pandemia: estamos órfãos de políticas públicas. Quando muito, o poder executivo reduz-se à execução de ecos do que, em outros tempos, podem ter sido políticas públicas consistentes mas que, hoje, são simplificadas e destroçadas para que delas possam dar conta tanto um presidente com uma notável deficiência moral e cognitiva, quanto sua equipe – um quadro por vezes apenas incompetente, por vezes apenas mal intencionado, mas mais usualmente incompetente e mal intencionado, composto de indivíduos voltados a atender os mandos e desmandos do que o presidente, saudoso dos idos da Ditadura, sua sagrada família, os militares e boa parte do Congresso Nacional julgam ser um nacionalismo necessário, mas perdido devido à ingerência nefasta dos partidos de esquerda, ou dos sociopatas , como as oposições têm sido indiscriminadamente chamadas pelas hordas que apoiam o atual presidente.

Voltado, desde os seus primeiros dias na presidência, a garantir sua reeleição e nutrindo-se mais das indicações que vêm das redes sociais do que por levantamentos oficiais e fundamentados sobre as necessidades da Nação, o presidente vive de ações e declarações equivocadas e mentirosas, num ímpeto insano de não só descredenciar aqueles que julga serem os detratores da Pátria5 5 Um dos exemplos dessa caçada envolve o deputado estadual de São Paulo, Douglas Garcia, do PSL, que divulgou em suas redes sociais solicitação para que seus seguidores o ajudassem a delatar antifascistas. Sua intenção declarada era enviar uma lista – a mais completa possível, com fotos, nomes, endereços eletrônicos e pessoais – para a Procuradoria Geral da República que, por sua vez, declararia serem terroristas as pessoas elencadas. A lista, efetivamente elaborada em 2019, vazou nas redes sociais em junho de 2020 ( https://www.cartacapital.com.br/politica/deputado-cria-lista-com-informacoes-pessoais-de-manifestantes-antifascistas-e-documento-e-vazado/ , https://brasil.elpais.com/politica/2020-06-05/lista-de-nomes-antifascistas-cria-clima-de-tensao-e-resistencia-as-vesperas-de-novo-ato-pro-democracia.html e https://theintercept.com/2020/08/22/dossie-antifascistas-douglas-garcia-extrema-direita/ , todos esses links acessados em janeiro de 2022) – resumidos aos que contrariam seus interesses pessoais e seus desejos de grandeza – mas de também, contínua e planejadamente, constranger esses detratores.

O cancelamento do censo realizado pelo IBGE6 6 O censo de 2020 foi cancelado devido à pandemia, prevendo-se, então, que ele seria realizado em 2021, quando foi também cancelado por restrições orçamentárias que implicaram um corte de mais de 90% no orçamento do IBGE. Mesmo já tendo sido aprovado o orçamento da União, as discussões sobre esse tema continuam. No momento em que finalizava este texto (14 de maio de 2021), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu – com um único voto contrário, o do Ministro Marques Nunes, à época o mais novo membro do STF, indicado por Jair Bolsonaro – que o Censo Demográfico do IBGE deve ser realizado em 2022. Efetivamente, tem-se que em dezembro de 2021 o IBGE abriu concurso para selecionar duzentos mil recenseadores que, em tese, realizarão a coleta de dados em 2022 ( https://censos.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/32569-ibge-abre-mais-de-200-mil-vagas-para-o-censo-2022-em-todo-o-pais , acessado em 06/01/2022). De todo modo, os dados do censo só estarão sistematizados e serão tornados públicos após o final da atual gestão do Governo Federal, sendo impossível usar essas informações para nortear qualquer política pública nessa Administração. – exigência de lei maior – é um exemplo cabal de por onde andam as intenções do Governo. Desse censo – e não das redes sociais que alimentam as ações presidenciais – vêm informações essenciais para a elaboração de políticas públicas. Veio também do IBGE – é conveniente lembrarmos – o mais significativo elemento de defesa em favor da pesquisa qualitativa7 7 Reduto clássico das pesquisas estatísticas, o IBGE foi um dos principais berços das pesquisas qualitativas no Brasil. Para essa discussão, recomenda-se o excelente texto de Maria Cecília Minayo (A turbulenta origem da pesquisa qualitativa no Brasil. In Bicudo, M.A.V. & Costa, A.P. (Orgs.). Leituras em Pesquisa Qualitativa (pp. 99-118). São Paulo: Livraria da Física). “A pesquisa qualitativa no Brasil”, afirma ela, “teve o berço mais improvável possível: o IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, centro oficial da pesquisa censitária nacional onde as grandes investigações demográficas e econômicas são realizadas. Ela foi parte do Estudo Nacional de Despesas Familiares (ENDEF), ocorrido entre 1974 e 1979” ( MINAYO, 2019, p , p. 99). Os pesquisadores, percebendo que apenas os levantamentos estatísticos e as respostas a questionários objetivos não seriam suficientes para abordar, de modo adequado, por exemplo, o problema da pobreza extrema, da fome, das necessidades básicas não atendidas pelo Estado, exigiu a inclusão – não muito bem aceita, naquele momento – de recortes de entrevistas realizadas por 1200 agentes do censo (dentre os trinta mil que atuavam nas atividades de coleta de dados) que se dispuseram a registrar informações, ao final do caderno de pesquisa, sobre aspectos não previstos no questionário e sobre suas próprias impressões a respeito da situação dos entrevistados. Não tivessem os pesquisadores considerado a viabilidade e a legitimidade de variar suas fontes e seus modos de coletar e disponibilizar informações, não teríamos um dos mais emblemáticos estudos já produzidos sobre a desigualdade social no Brasil. que, hoje, fundamenta a quase totalidade dos estudos em Educação. Sem que saibamos mais detalhadamente sobre a formação das famílias, da divisão de renda, dos modos de estudar, habitar, vestir-se, alimentar-se, das ocupações do brasileiro, seus trabalhos, seus lazeres, das sensíveis diferenças culturais de cada região, da distribuição de escolas, postos de saúde, comércio, hospitais etc., como arquitetar ações que atendam, adequada e minimamente, a população?

A ausência de políticas públicas pode ser sentida em todas as áreas. Nossa política pública em segurança, por exemplo, transformou-se na ideia fixa de que cada brasileiro cuidaria convenientemente da própria proteção se tivesse acesso a seis armas de fogo, desconsiderando, de forma radical, não só o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003, como todos os atentados que têm ocorrido em escolas, creches e outros espaços públicos, no Brasil e no mundo, e que, segundo especialistas, talvez pudessem ser evitados com um maior controle sobre o porte e a compra de armas. A discussões como essas, relativas à flexibilização do Estatuto do Desarmamento, ficam restritas às ações de um Estado que convive com os maiores índices de violência policial do mundo8 8 Em Junho de 2020, o ministro Edson Fachin – posteriormente referendado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal – suspendeu a realização de incursões policiais em comunidades do Rio de Janeiro enquanto perdurasse o estado de calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19. (Cf. https://portal.stf.jus.br/ ), contrariando as políticas implantadas pelo então governador Wilson Witzel. Flexibilizando – segundo alguns – ou desrespeitando – segundo outros – essa decisão, uma ação policial foi realizada na Favela do Jacarezinho em 06 de maio de 2021, resultando em 28 mortes. A ação foi avaliada como uma verdadeira chacina por órgãos nacionais e internacionais – inclusive a ONU – de defesa dos Direitos Humanos. Pesquisadores dessas agências e especialistas em violência e letalidade policial afirmam que a ação foi uma resposta da polícia carioca ao que sempre julgou ser uma interferência ilegal do Supremo na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. Segundo esses especialistas, a Secretaria de Segurança Pública, inclusive, é a única presença certa nas comunidades cariocas, estando ausentes delas, invariavelmente, as demais Secretarias, como as da Educação (há pouquíssimas escolas públicas na comunidade, o que se agrava ainda mais no caso do ensino de pré-escola e das séries iniciais), da Saúde, da Cultura etc. Os índices de letalidade da polícia carioca se alteraram significativamente logo após a decisão de Fachin – houve uma queda de 73% nas mortes provocadas por agentes de estado em junho e julho de 2020, os menores índices desde dezembro de 2015 (Cf. por exemplo, https://exame.com/brasil/letalidade-policial-cai-73-com-suspensao-de-operacoes-no-rj/ ). As respostas do Governo Federal em relação à chacina foram as esperadas: nas redes sociais o presidente cumprimentou a polícia carioca – sem fazer referência alguma às 28 mortes, sobre as quais o vice-presidente Hamilton Mourão, em entrevista pública, vaticinou: Tudo bandido . Desde a aprovação, pelo STF, das restrições quanto às operações policiais nas favelas cariocas, até o dia de hoje, 25 de maio de 2021, em que redijo essa nota de rodapé, foram realizadas mais de quinhentas dessas operações, numa média de quase 1,5 ação policial coordenada por dia, o que dá uma noção de como a Segurança Pública carioca respeita os limites impostos pela legislação. , chegando ao cúmulo do extermínio ocorrido no início de maio de 2021 na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, quando 28 pessoas foram assassinadas numa ação policial que os órgãos de Segurança Pública avaliaram como necessária e bem sucedida. O Rio de Janeiro, convém lembrar, é o estado da Federação que elegeu um governador – hoje deposto, mas então apoiador do presidente – cuja ordem inequívoca e publicamente divulgada era mirar a cabecinha do bandido e atirar .

No campo das políticas relativas à família, cuja responsabilidade central é de um Ministério administrado por uma pastora evangélica, que se arvora em ser interlocutora direta de Jesus, com quem dialoga no quintal de sua casa, sob uma goiabeira, convém lembrar que as poucas políticas implementadas são voltadas às famílias cristãs e classicamente nucleadas, com pai provedor, do sexo masculino, mãe do lar , do sexo feminino, e filhos que vestem azul ou rosa, a depender do sexo de cada um. Do ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos surgem políticas pautadas pela exclusão, visando a atender uma sociedade que só existe nos devaneios do Governo que ele representa9 9 As declarações e ações absurdas de Damares Alves são em quantidade tão alarmante que um acervo delas deveria ser suficiente para comprovar não só sua total incompetência, mas também sua insanidade. Uma dessas declarações, talvez, dê ao leitor uma medida para justificar essa minha afirmação. Andrea Dip, jornalista, recorda: “O ano era 2019 e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, Damares Alves, tinha dito publicamente que meninas eram estupradas no Marajó porque ´não usavam calcinha´ e sugeriu construir uma fábrica de lingerie na região como medida para ´solucionar o problema´”. (Cf. https://www.uol.com.br/universa/colunas/andrea-dip/2021/05/21/exploracao-sexual-infantil-ate-quando-damares-vai-agir-como-a-tia-do-zap.htm ). A política pública direcionada a prevenir a gravidez precoce e conscientizar a população tem como centro o estímulo à abstinência sexual como método contraceptivo ( https://veja.abril.com.br/politica/tudo-tem-seu-tempo-prega-campanha-de-damares-por-abstinencia-sexual/ e https://oglobo.globo.com/brasil/damares-reconhece-abstinencia-sexual-como-politica-publica-em-construcao-1-24182738 , acessados em 06/01/2022) .

Cunha-se, por exemplo, a expressão ideologia de gênero , que se impõe nas mais diversas políticas, desde aquelas voltadas ao livro didático até as que cuidam de promover a diversidade e a equidade. Algumas dessas vozes medievais – que emergem das catacumbas, como disse Dráuzio Varela – vêm mesmo de antes do medievo: são as que negam a esfericidade da Terra10 10 Platão já defendia a esfericidade da terra no século VI a.C. . Aliás, é importante notar, além da (in)competência própria de cada representante do Governo, a diversidade de diretrizes que emana de cada um (no planalto convivem os terraplanistas11 11 Um dos exemplos é Dante Mantovani, presidente da FUNARTE, responsável pelas políticas públicas relacionadas às artes visuais, à música, ao teatro, à dança e ao circo no país. Mantovani não só defende o terraplanismo como associa o rock às práticas de aborto e ao satanismo. Afirmou, inclusive, que sua superior hierárquica, a atriz Regina Duarte, bolsonarista convicta, à época Secretária Especial da Cultura do Governo Bolsonaro, “só promove diálogo com a esquerda”, de onde se vê que há fascismos de vários matizes e intensidades. Particularmente interessante e inusitada é sua afirmação de que os Beatles foram uma invenção do socialismo para fazer as meninas abortarem (Ver artigo na revista Rolling Stone , de 02/12/2019) Cf. também, por exemplo, https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/05/05/dante-mantovani-volta-a-ser-nomeado-presidente-da-funarte e https://veja.abril.com.br/blog/radar/novo-presidente-da-funarte-desafia-limites-do-ministro-astronauta/ . Dante Mantovani foi exonerado da FUNARTE em março de 2020, quando Regina Duarte assumiu a Secretaria Especial da Cultura. Posteriormente, em Maio de 2020, ele foi renomeado para o mesmo cargo do qual havia sido demitido. Essa portaria de nomeação, assinada pelo Ministro da Casa Civil, Braga Netto, entretanto, foi tornada sem efeito menos de 24 horas depois de publicada Cf. https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/05/05/interna_politica,851665/governo-volta-atras-na-nomeacao-de-dante-mantovani-para-funarte.shtml ). Durante a gestão Bolsonaro, a FUNARTE teve seis diferentes presidentes. Atualmente (escrevo esse adendo em janeiro de 2022), ocupa a presidência o procurador federal Tamoio Athayde Marcondes, ex-assessor técnico da vice-presidência da República, que substituiu o coronel da reserva Lamartine Barbosa Holanda ( https://www.correiodopovo.com.br/arteagenda/tamoio-athayde-marcondes-%C3%A9-o-sexto-presidente-da-funarte-na-gest%C3%A3o-bolsonaro-1.606208 ). com um ministro-astronauta12 12 Marcos Pontes, Ministro da Ciência e da Tecnologia. , um ex-presidente da CAPES que defende o Criacionismo13 13 Trata-se de Benedito Guimarães Aguiar Neto, ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP), presidente da CAPES de janeiro de 2020 a março de 2021, que, em evento público, afirmou sua intenção: “Queremos colocar um contraponto à Teoria da Evolução”. Ver, por exemplo, https://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/novo-presidente-da-capes-e-defensor-da-teoria-criacionista/ e https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/01/28/novo-presidente-da-capes-gera-polemica-ao-defender-criacionismo.ghtml . , um presidente da Fundação Palmares14 14 Ver, por exemplo, notícia do Estado de Minas de 27/11-2019 em https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2019/11/27/interna_politica,1104183/novo-presidente-da-fundacao-palmares-nega-a-existencia-de-racismo-no-b.shtml cujo título, na íntegra, é “Novo Presidente da Fundação Palmares nega a existência de racismo no Brasil e manda artistas ´de volta para a África´. Negro, Sérgio Nascimento de Camargo defende fim do feriado da Consciência Negra e ataca diversas personalidades negras do país, /.../ e brinca com o AI-5”. que defende o fim do movimento negro que, segundo ele, é formado por uma “escória maldita” cujas mulheres são “feministas, lulistas e mimizentas”, e um Ministro da Educação para o qual os estudantes de hoje “não sabem ler mas sabem usar camisinha”. Um time perfeito – que, além dos já citados, inclui um ex-Secretário da Cultura com tendências nazistas15 15 Trata-se de Roberto Alvim, secretário da Cultura do Governo Bolsonaro de outubro de 2019 a janeiro de 2020. Ver, por exemplo, https://brasil.elpais.com/brasil/2020-01-17/secretario-da-cultura-de-bolsonaro-imita-discurso-de-nazista-goebbels-e-revolta-presidentes-da-camara-e-do-stf.html , membros do Movimento de Supremacia Branca16 16 Trata-se de Filipe Martins, assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República. Ver, por exemplo, https://www.bbc.com/portuguese/geral-49861739 . e a já citada Ministra Damares Silva, que desaprovou publicamente Elsa, a princesa do filme de animação Frozen que, segundo ela, é homossexual, e criticou os pais holandeses por masturbarem seus bebês17 17 O próprio Bolsonaro teceu crítica pública à Organização Mundial da Saúde (OMS) que, segundo ele, promove a masturbação e a homossexualidade de crianças. “Essa é a OMS que eu devo seguir no caso do Coronavírus?”, perguntou ele (Confira, por exemplo, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/29/bolsonaro-diz-que-oms-incentiva-sexualidade-infantil-mas-apaga-post.htm ). As frequentes referências sexuais de Bolsonaro e seus asseclas, entretanto, não são novidade. A lista de sandices é enorme. A última – até o fechamento deste meu texto, em Maio de 2021 – vem de uma gravação tornada pública durante uma das reuniões da CPI da COVID-19. Nessa gravação, Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, relata uma visita que fez à FioCruz: “A Fiocruz é um órgão ligado ao Ministério da Saúde, que é mantido com recursos do Ministério da Saúde, e trabalha contra todas as políticas que são contrárias à pauta deles de minorias. Tudo deles envolve LGBTI, eles têm um pênis na porta da Fiocruz , todos os tapetes das portas são a figura do Che Guevara, as salas são figurinhas do ‘Lula livre’, ‘Marielle vive´”. (Cf. p.e., https://www.hypeness.com.br/2021/05/penis-na-fiocruz-numero-2-da-saude-vira-piada-em-cpi-sobre-descontrole-da-pandemia/ , https://istoe.com.br/penis-de-mayra-pinheiro-era-logo-da-fiocruz/ . Desconfia-se que o pênis do qual Mayra fala esteja no cartaz de comemoração dos 120 anos do Instituto, que traz um grafismo que representa as janelas mouriscas do prédio da FioCruz. Não vale a pena perguntar de onde vêm as demais referências citadas pela Secretária no áudio. Essa abordagem, que envolve fixação fálica, homofobia e sexismo, é uma das características do fascismo, segundo o livro de Umberto Eco: “/.../o ur-Fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem de seu machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não conformistas, da castidade à homossexualidade)” ( O Fascismo Eterno , Editora R ecord, 2018, p , página 54-55). ), todos unidos para apoiar um presidente que declara publicamente seu apreço pela ditadura, tendo o Coronel Ustra18 18 Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015) foi um coronel do Exército Brasileiro, ex-chefe do DOI-CODI, um dos principais órgãos de repressão política durante o período da ditadura militar no Brasil. Ustra, torturador condenado, era então conhecido pelo codinome Dr. Tibiriçá. Jair Bolsonaro, em várias ocasiões, homenageou Ustra, reconhecendo-o como herói nacional. Veja, por exemplo, https://istoe.com.br/bolsonaro-chama-coronel-brilhante-ustra-de-heroi-nacional/ e https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/04/bolsonaro-homenageia-torturador-em-seu-voto-pelo-impeachment-2649/ . , notório torturador, como um de seus modelos de referência, seu herói particular.

No campo da saúde, as evidências falam por si. Nenhuma política pública decente seria mesmo possível quando ministros são trocados por não representarem fielmente as expectativas do presidente da República que, de fato, exerce a função de ministro da saúde com a prerrogativa de implementar políticas de tratamento precoce contra a COVID-19, apostando numa imunização de rebanho19 19 A imunização de rebanho, intensamente questionada pelos epidemiologistas por ser uma concepção simplista e enganosa, refere-se à imunização que ocorreria num grande grupo de indivíduos quando uma parcela significativa desse grupo já tivesse sido contaminada pela doença. Daí a insistência do presidente quanto às aglomerações, por exemplo. Acredita-se, ao contrário, que uma imunização em larga escala só pode ocorrer quando uma parcela significativa da comunidade estiver vacinada e se, até então, observar as medidas preventivas básicas, como uso de máscara, higienização e distanciamento entre as pessoas. e negando a importância das ações que, efetivamente, poderiam diminuir o contágio, como a vacinação, o uso de máscara e o afastamento social. Foram quatro, até o momento, os ministros da Saúde, todos eles, obviamente, devendo explicações à sociedade, posto que não se aceita compor impunemente um Governo como o atual.

De todos, entretanto, o mais notável20 20 As insanidades do atual Governo são, realmente alarmantes e contínuas. Não se poderia dizer, quando escrevi este texto, que o médico Marcelo Queiroga – empossado Ministro da Saúde em 23 de Março de 2021 – seria tão danoso quanto havia sido Pazuello, posto que seu discurso, à época da posse, parecia mais sensato, tendo ele inclusive promovido o uso de máscaras e outras estratégias para limitar a transmissão do vírus Corona, em confronto com o que era (e ainda é) defendido pelo Presidente da República. Ledo engano. Queiroga, em pouco tempo, mostrou-se tão atrasado quanto Pazuello, atendendo, sem crítica alguma, todas as recomendações da presidência no que diz respeito à crise relativa à pandemia de COVI-19. As últimas notícias – além do desfile de crimes já registrados pela CPI da Covid, implantada pelo Senado Federal – envolvem a vacinação de crianças de 5 a 11 anos. Empenhado em protelar tanto quanto possível a aplicação da vacina para essa faixa etária, à revelia do que recomendam os organismos internacionais, a maioria dos médicos, das instituições e dos gestores de saúde, Queiroga determinou uma consulta pública para que todo cidadão se manifestasse sobre o assunto (o processo esteve aberto de 23/12/2021 a 02/01/2022). Tendo fracassado em sua intenção (a maioria dos participantes apontou a importância da vacina e a contrariedade quanto à necessidade de prescrição médica para que crianças de 5 a 11 anos pudessem ser vacinadas, como tentava impor o Ministério), houve ainda uma audiência pública com médicos e instituições especialistas em saúde, para discutir a situação. Nessa audiência, ocorrida em 04/01/2022, os únicos votos contrários à vacinação foram os dos três médicos indicados pela deputada bolsonarista Bia Kicis como representantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados (Cf. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2021-1/dezembro/aberta-consulta-publica-sobre-vacinacao-de-criancas-contra-covid-19 , https://www.metropoles.com/brasil/indicados-por-kicis-foram-os-unicos-a-criticar-vacinacao-de-criancas ). A conferir o andamento desse processo. foi, sem dúvida, Eduardo Pazuello, general da ativa do Exército Brasileiro sem formação alguma na área de saúde. Pazuello, inacreditavelmente, é o especialista em logística que não conseguiu prever que para a aplicação de vacinas seriam necessárias agulhas e seringas, não conseguiu planejar nem a compra de vacinas em tempo hábil para diminuir os efeitos perversos de uma pandemia21 21 Hoje, parece estar claro que a demora em comprar vacinas tem, como uma de suas justificativas, um grande esquema de corrupção que envolve técnicos e funcionários do alto escalão do Ministério da Saúde, além de outros órgãos federais e empresas privadas. , declarada em março de 2020, nem a necessidade de produtos médicos e outros insumos necessários para hospitais que, certamente, sem que fosse necessária nenhuma previsão miraculosa, entrariam em colapso. Faltou vacina, faltou oxigênio, faltaram remédios, faltaram máscaras, faltaram agulhas e seringas enquanto, ecoando o presidente da república, Pazuello defendia um tratamento precoce baseado no uso de ivermectina e hidroxocloroquina, na contramão do que a comunidade médica – notadamente os epidemiologistas – defendia continuada e constantemente aos quatro ventos.

As mais de 620 mil mortes, contadas no momento em que finalizo este texto (janeiro de 2022)22 22 Em 08/01/2022, as estatísticas registravam 620 mil mortes, no total, Brasil, pela COVID-19 (especialistas concordam, entretanto, que há uma subnotificação de casos, internações e óbitos), mas tem sido apontada enfaticamente a necessidade de conter o contágio pela variante Ômicron, menos severa e letal (afeta mais a garganta que os pulmões, por exemplo), principalmente devido à vacinação em massa, mas de altíssima transmissibilidade. No mês de janeiro de 2022, as taxas de contágio e internação aumentaram dramaticamente – sobretudo devido às férias e às festas de final de ano. Alguns cientistas, entretanto, preveem que o surgimento da variante Ômicron pode significar estarmos entrando num estágio final da pandemia. , são a prova cabal da ineficiência do Governo e da inexistência de investimentos em uma política pública que apostasse tanto na rede de hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto na experiência brasileira, altamente positiva, do Programa Nacional de Imunização (PNI). A situação de extrema pobreza e fome voltaram a assolar o país, e são tratadas ora com o auxílio da população que se organiza em campanhas de doação que, embora necessárias e úteis, acabam desobrigando o Estado, ora com um auxílio emergencial irrisório, demorado, implementado de modo ineficaz e confuso.

Nesse ambiente de caos, em que vigora um fascismo23 23 Refiro-me, mais uma vez, ao fascismo não apenas como força de expressão, mas pautado em O fascismo eterno , de Umberto Eco, já citado. tão claro quanto a ineficiência e a incapacidade dos poderes públicos, nada de positivo parece vicejar além de um clima generalizado de desesperança, radicalização, ineficiência, violência, desamparo, autoritarismo, atraso, falso moralismo, preconceito e exclusão. Nesse cenário, a Educação padece tanto quanto padecem os demais campos nos quais a presença do Estado, com diretrizes claras e seguras (a serem seguidas ou combatidas), é vital para nossa qualidade de vida.

O que vemos é o país carente de ações sistemáticas, coesas e fundamentadas nos mais diferentes domínios. As ações do governo – que não são, efetivamente, políticas públicas – são pautadas ou pelo desejo da reeleição – cuja campanha iniciou-se exatamente no primeiro dia do atual Governo –, pela intenção de proteger a família do Presidente das malhas da lei, ou na ideia fixa de atender apenas, e mais diretamente, um eleitorado que, embora venha sendo dia a dia reduzido, via-de-regra questiona e pretende abalar os preceitos constitucionais. Tais ações são implementadas em resposta ao que mostram as pesquisas de popularidade e, mais frequentemente, ao que se comenta nas redes sociais, com a profundidade e a argumentação fundamentada que são próprias às redes sociais. Essa, pois, a constatação que trago para esta discussão: a completa ausência de políticas públicas assentadas em um planejamento coeso, a partir de informações que venham de fontes confiáveis.

4 Políticas Públicas em Educação e Ciência

No campo da ciência o que se percebe é um negacionismo exacerbado, que se une à falta de financiamentos e à interrupção de políticas de formação e fomento em pesquisa.

Os pesquisadores projetam perspectivas bastante sombrias, pela falta de financiamento, não só para os periódicos brasileiros24 24 Ver, por exemplo, https://blog.scielo.org/blog/2021/04/01/perspectivas-sombrias-para-periodicos-brasileiros/#.YJrqHLVKiUk , mas para todas as frentes de investigação científica em curso no país. A área de Humanidades, alvejada de modo sistemático desde a campanha presidencial e açoitada, continuamente, desde os primeiros momentos do Governo atual, padece ainda mais visivelmente. À falta de investimentos no Campo de Ciência, da Tecnologia e das Inovações deve-se juntar a frequência dos ataques a pesquisadores e instituições de pesquisa que não seguem a cartilha do Governo.

Já em 2018 – ainda no Governo Temer – a Revista Science publicou um editorial acompanhado de uma carta-manifesto assinada por doze pesquisadores25 25 Veja, por exemplo, https://jornal.usp.br/ciencias/na-revista-science-pesquisadores-brasileiros-defendem-investimento-em-ct/ e , tornando público o descaso com a ciência e com os pesquisadores brasileiros, e solicitando maiores investimentos. À época, o incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro – que destruiu a quase totalidade de um acervo único e vital para vários campos de pesquisa – e a impossibilidade de uso, pelos cientistas brasileiros – mais especificamente os astrônomos – do Observatório Europeu do Sul (ESO), devido à decisão do Governo de não arcar com o pagamento da taxa de adesão, eram os fatos mais óbvios do descaso do Brasil com seus pesquisadores e suas instituições de pesquisa. Hoje, mantido esse descaso, soma-se a ele a perseguição sistemática a pesquisadores que não atendem às perspectivas do atual Governo.

Mais uma vez, um editorial da Science , agora em março de 2021, chamou a atenção já em seu título26 26 Confira https://www.sciencemag.org/news/2021/04/hostile-environment-brazilian-scientists-face-rising-attacks-bolsonaro-s-regime : Um ambiente hostil – cientistas brasileiros enfrentam crescentes ataques do regime de Bolsonaro . Essa onda de perseguição ideológica sistemática talvez tenha tido um de seus primeiros momentos mais óbvios quando o Governo afirmou serem mentirosas as pesquisas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) sobre o aumento de 88% nos índices do desmatamento da Amazônia, em 2019, em comparação aos índices registrados em 2018. O conflito levou o então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, a demitir-se em agosto de 202027 27 Confira, por exemplo, https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49256294 e https://congressoemfoco.uol.com.br/meio-ambiente/diretor-do-inpe-e-demitido-apos-desafiar-bolsonaro/ . , num momento em que o Brasil já enfrentava crescentes questionamentos em relação à sua política ambiental e, mais especificamente, à flexibilização das leis sobre o meio ambiente e ao desmantelamento dos seus órgãos de controle e apoio, como a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente).

Esses questionamentos não apenas duram até hoje, como têm sido cada vez mais frequentes e graves, levando ao cancelamento de verbas internacionais significativas destinadas à preservação ambiental. A partir disso, com a epidemia, o ataque à Ciência e aos cientistas escalou consideravelmente, alcançando níveis alarmantes principalmente devido à rejeição do Governo de medidas de combate à Covid-19 recomendadas por organismos internacionais – como a OMS, Organização Mundial da Saúde – e por epidemiologistas.

O caso de Pedro Rodrigues Curi Hallal, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas, foi bastante noticiado. Segundo a Science , um grupo de pesquisadores brasileiros deixou de assinar artigos relacionados à proteção da Amazônia por medo de represálias do Governo Federal. A Lei de Segurança Nacional – estratégia legal criada no período da Ditadura28 28 Trata-se da Lei 7.170, de 14 de dezembro de 1983, que “Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências”. A Lei foi revogada pela Câmara de Deputados em maio de 2021, tendo seguido para o Senado Federal, para análise e julgamento. – e congêneres foram acionadas pela Presidência não só para impedir a divulgação de informações científicas contrárias às posições que se desejava serem as oficiais , mas também contra líderes indígenas29 29 Em março de 2021, em Genebra, o líder ianomâmi Davi Kopenawa e outras organizações apresentaram denúncia à ONU contra o presidente brasileiro por violações dos direitos dos povos indígenas, sobretudo os isolados (Veja, por exemplo, https://www.dw.com/pt-br/l%C3%ADder-ind%C3%ADgena-davi-kopenawa-denuncia-governo-bolsonaro-na-onu/a-52628645 ). Em abril de 2021, a Polícia Federal intimou a líder indígena Sonia Guajajara a prestar esclarecimentos sobre uma suposta difamação ao presidente Jair Bolsonaro (Veja, por exemplo, https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/04/30/pf-intima-lider-indigena-sonia-guajajara-por-criticas-ao-governo-bolsonaro ). Em maio de 2021, o líder Amir Suruí, coordenador da Associação Metareilá, em Rondônia, foi também intimado a depor na PF (Cf. por exemplo, https://www.terra.com.br/noticias/brasil/pf-intima-lideres-indigenas-a-depor-por-criticas-ao-governo,983555bde55019ed07a744704f5f99c35mj4f4u7.html ). Os pedidos de apuração sobre as supostas difamações ao presidente partiram da Funai, instituição pública de Estado responsável por coordenar e implementar políticas de proteção aos povos indígenas e de desenvolvimento sustentável. que, em várias ocasiões, queixaram-se do descaso do Governo Federal quanto à falta de apoio em relação à COVID nas aldeias, o desmantelamento de órgãos como a Funai e o Ibama, e o apoio – direto e indireto – dado a invasores de reservas indígenas, com a imposição de uma legislação complementar que reduz o alcance de aplicação das leis de proteção aos índios pelas equipes de vigilância e controle e flexibilizam, ao extremo, essa legislação favorecendo grileiros, madeireiras e garimpos ilegais.

A ciência brasileira, vitimada por esse cenário caótico, vive um processo de desaceleração, tanto por falta de investimentos30 30 Em Julho de 2021, por exemplo, a mídia divulgava o iminente desligamento do Tupã, supercomputador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE, utilizado em pesquisas espaciais e, principalmente, para previsões relacionadas ao clima. O Tupã, comprado por 23 milhões em 2010, já foi o principal supercomputador brasileiro, mas dada a penúria orçamentária do INPE, que implica, por exemplo, a continuada ausência de pagamento de energia elétrica pela instituição, ele corre o risco de ser desligado. Em agosto de 2021, o INPE fixou o desligamento para dezembro, mas até o momento (janeiro de 2022) ele continua em funcionamento, segundo os técnicos, devido a gambiarras que eles vêm implementando na expectativa de que algo seja feito pelo Governo Federal. (Cf. p. e. https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/07/4935464-proximo-do-fim-supercomputador-tupa-vem-operando-na--gambiarra.html , https://climainfo.org.br/2021/07/05/o-apagao-cientifico-que-sera-gerado-com-o-possivel-desligamento-do-supercomputador-tupa/ e https://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/clima/294364-supercomputador-tupa-nao-sera-desligado-em-2021-brasil-precisa-atualizar-maquina-mas-previsoes-sao-mantidas-diz-inpe.html#.YddP5prMI2w , links consultados em 06/01/2022) quanto devido ao atual ambiente hostil em que as práticas científicas são vistas como de pouca ou nenhuma relevância.

No caso da Educação, a situação não é outra: foram três, até o momento, os ministros da Educação. A gestão Bolsonaro se inicia com Ricardo Vélez Rodriguez (de janeiro a 08 de abril de 2019), passando por Abraham Weintraub (de 09 de abril de 2019 a 19 de junho de 2020), permanecendo em vacância entre 20 de junho e 16 de julho de 202031 31 Em 25 de Julho de 2020, foi publicada a nomeação de Carlos Decotelli, tornada sem efeito logo após a publicação, principalmente devido à denúncia, largamente noticiada e comprovada pela mídia, de haver informações falsas em seu curriculum . , e chegando a Milton Ribeiro, que assumiu o cargo em 16 de julho de 2020. Em comum, todos guardam a inexpressividade quanto aos vínculos com a Educação, a baixíssima – quando existente – produção na área, e a fidelidade extrema aos princípios fascistas que regem a atual gestão da República. Weintraub, o mais pernicioso e falastrão, não cansou de, durante todo o seu mandato, tentar desautorizar toda e qualquer ação educativa consistente no país, movendo-se por notícias falsas impostas para descredenciar, principalmente, as Universidades Federais que, segundo ele, eram antros de promiscuidade e campos de plantação de maconha cujos laboratórios operavam para o beneficiamento de drogas ilícitas.

Todo o sistema nacional de avaliação em larga escala foi altamente comprometido durante esse período da educação nacional, desde a posse do presidente. O SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) – de responsabilidade do Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira –, conjunto de avaliações externas em larga escala implantado em 1990 e que, em 2019 incorporou a função de também avaliar a educação infantil, sofreu recuos constantes, e desde a administração Vélez Rodriguez, a avaliação relacionada à alfabetização vem sendo um denso campo de conflitos, tendo causado a demissão do presidente do Inep, Marcus Vinicius Rodrigues, e o pedido de demissão da Secretária de Educação Básica, Tania Leme de Almeida. O imbróglio – mais um no jogo da troca de cadeiras que ocorreu no MEC durante o Governo Bolsonaro – deve-se à publicação de um edital, que o Ministro desconhecia, suspendendo a prova de alfabetização. A suspensão, entretanto, passado algum tempo, foi suspensa, e a avaliação tornou-se amostral. Esse balé de decisões e recuos, aliás, tornou-se marca de um Governo que, aparentemente, é avesso a qualquer forma de planejamento e carece de coesão técnica.

O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é outro caso emblemático no histórico das confusões e incompetência do Ministério da Educação. Criado em 1998, para avaliar o desempenho de estudantes ao final do ensino médio, com o tempo o ENEM passou a ser utilizado como parâmetro para a concessão de bolsas de estudo em instituições privadas e como parte da pontuação para ingresso dos estudantes em instituições de ensino superior. Inconformado com uma questão de linguagem relativa ao pajubá – um quase-dialeto próprio às comunidades LGBT e praticantes de religiões afro-brasileiras, que mescla ao português palavras e expressões de matriz africana – no ENEM-2018, Bolsonaro autodeclarou-se instância final para a aprovação das provas futuras, o que, embora não tenha se efetivado, mostra claramente a tendência autoritária e centralizadora do atual presidente, que negligencia não só suas enormes lacunas cognitivas e sua insensibilidade, mas também ignora a maioria das questões que dizem respeito ao país.

Esse arroubo de autoritarismo e falta de senso crítico, entretanto, não encerra a série de equívocos e distorções ocorridas nos últimos anos em relação ao ENEM. Em 201932 32 Confira, por exemplo, https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51334141#:~:text=O%20que%20aconteceu%20em%202019,de%20um%20%22erro%20mec%C3%A2nico%22 . , um suposto erro mecânico – os gabaritos dos diferentes tipos de prova haviam sido trocados – resultou na correção incorreta das provas, levando à publicação de notas erradas, o que causou não só uma crise indelével no MEC, mas, também, uma enxurrada de ações judiciais e mais de 170 mil reclamações de alunos que usaram um endereço de e-mail divulgado pelo então ministro Weintraub.

Os sites vinculados ao ENEM – por exemplo, o do SISU, Sistema de Seleção Unificado, no qual as notas do ENEM servem para ingresso em escolas de ensino superior – deixaram de funcionar, e tanto o Ministério Público Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça precisaram intervir, aumentando o desconforto do governo em face da ineficiência do MEC e do INEP. No ENEM de 2020 a crise não foi menor: houve problemas para a inscrição dos estudantes; instituiu-se uma enquete sobre a alteração de datas do exame, devido à pandemia, sem que os alunos conseguissem acessar o site no qual a enquete deveria ser respondida; não faltaram reclamações sobre a dificuldade para saber o local das provas – adiadas de novembro de 2020 para janeiro de 2021; uma quantidade significativa de candidatos foi barrada nos locais de exame devido à lotação das salas; mais de 50% dos inscritos faltaram às provas e, no caso do ENEM digital, a taxa de abstenção ultrapassou 70%. Esse estado de coisas levou à demissão de Alexandre Lopes, presidente do INEP à época, e à nomeação de Danilo Dupas Ribeiro33 33 Com a nomeação de Dupas Ribeiro em 26/02/2021, o INEP teve, desde o início do atual governo, quatro presidentes (Alexandre Ribeiro Pereira Lopes, de 17/05/2019 a 26/02/2021, Elmer Coelho Vicenzi, de 29/04/2019 a 16/05/2019 e Marcus Vinicius Rodrigues, de 22/01/2019 a 26/03/2019). . Em novembro de 2021, 37 servidores técnico-administrativos pediram exoneração de suas funções alegando “fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima”, mencionando inclusive assédios morais praticados por Dupas contra os funcionários34 34 Cf. p.e. https://g1.globo.com/educacao/noticia/2021/11/09/inep-entenda-a-crise-no-orgao-responsavel-pelo-enem-e-como-isso-pode-impactar-o-exame.ghtml e https://www.istoedinheiro.com.br/enem-2021-funcionarios-do-inep-pedem-demissao-em-massa/ ) .

A CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, órgão vinculado ao MEC, cuja função é promover, avaliar, expandir e consolidar a pós-graduação no país, merece um parágrafo especial nessa coreografia de absurdos em que se transformou a Educação brasileira na era Bolsonaro. Uma visada panorâmica, ainda que rápida, é suficiente para termos certeza da ausência de políticas públicas também para a formação de mestres e doutores. A listagem dos nomes que ocuparam a presidência da CAPES, até o momento, inclui elementos que deixam bem clara a intenção precípua de constranger, de forma cabal, a comunidade acadêmica brasileira. Anderson Correia tomou posse como o primeiro presidente da CAPES no Governo Bolsonaro, deixando o cargo para ocupar, pela segunda vez, a reitoria do ITA, Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Correia, engenheiro, tem perfil técnico e foi um dos responsáveis por recalibrar o MEC antes do início efetivo da atual presidência da república. Com a saída de Correia, assumiu a presidência da CAPES o ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Benedito Guimarães Neto, sumariamente demitido, sem explicações, em março de 2021, dando lugar a Claudia Queda de Toledo.

Aliando-se a Weintraub, Guimarães Neto apoiou a extinção da política de inclusão racial em cursos de pós-graduação, assinada dias antes de Weintraub deixar o Ministério da Educação, mas tornada sem efeito uma semana depois de ter sido assinada. Guimarães Neto defende o criacionismo e é membro da Sociedade Brasileira do Design Inteligente, o que causou um constrangimento generalizado e uma série de críticas a seu nome como gestor da CAPES, tanto no cenário nacional quanto internacional35 35 Veja, por exemplo, matéria publicada na Revista Science em 26 de janeiro de 2020 ( https://www.sciencemag.org/news/2020/01/brazil-s-pick-creationist-lead-its-higher-education-agency-rattles-scientists ) .

Claudia Queda de Toledo não escapa desse histórico de constrangimento ao qual a CAPES foi submetida, posto que ela não tem as prerrogativas mínimas para o cargo. Seu doutorado, de 2012, foi obtido na instituição criada e administrada pela própria família, no interior do estado de São Paulo. Sua produção, irrelevante, tem pouca ou nenhuma aderência à área da Educação, ainda que registre sua atuação como gestora de um programa de pós-graduação – da mesma universidade em que se doutorou – cuja nota 2, no sistema de avaliação da própria CAPES, só foi alterada para a nota 4 nos últimos dias da gestão Weintraub. A justificativa mais clara para que a nova presidente da autarquia ocupasse o atual cargo parece ser o fato de terem sido formados pela mesma universidade de sua família o atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, e André Mendonça – ex-Advogado Geral da União, ex-Ministro da Justiça do governo Bolsonaro36 36 Depois de um longo período de trâmite no Senado, em 01 de dezembro de 2021 o nome do pastor evangélico André Mendonça foi aprovado para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, com o que Bolsonaro cumpria sua disposição, explicitada inúmeras vezes, de indicar para o STF um nome “terrivelmente evangélico”, visando a agradar a Bancada da Bíblia do Congresso. A comemoração de sua indicação pelo Senado foi feita em diversos cultos evangélicos e em reuniões privadas (dentre as quais aquela em que a primeira dama, Michele Bolsonaro, “falando em línguas” foi alvo de merecida e intensa ridicularização pela mídia). (Cf. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/12/01/senado-aprova-andre-mendonca-para-o-stf e https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,video-michelle-bolsonaro-andre-mendonca-linguas-stf-voto-evangelicos,70003918387 ). , hoje ministro do Supremo Tribunal Federal.

A CAPES é mais conhecida pela avaliação quadrienal dos Programas de Pós-graduação brasileiros. Essa avaliação, implantada em 1976, teve, inicialmente, periodicidade anual, tornou-se bienal, posteriormente, trienal e, atualmente, desde 2018, é quadrienal. Queda de Toledo assumiu a presidência da CAPES no momento em que os coordenadores de pós-graduação ultimavam o preenchimento das planilhas para essa avaliação. Pressionados pelo tempo e pelo complicado sistema de prestação de contas – que permite a avaliação e pontua os programas atribuindo a eles uma nota vital para a manutenção de suas atividades – alguns coordenadores, informalmente, firmaram um pacto de conivência com a recém-presidente, que prorrogou a entrega dos relatórios por quarenta dias, sendo esse o primeiro ponto da carta de intenções divulgado por ela no momento de sua nomeação.

Entre os dez itens dessa carta de intenções constava, ainda, a garantia de manutenção do sistema de avaliação quadrienal. Negligenciando a necessidade de se comprometerem pública e politicamente com o sistema de pós-graduação, esse grupo significativo de coordenadores de programas optou pela comodidade de aceitar um acordo pautado apenas pelo pragmatismo. O sistema de avaliação da CAPES, a única política pública – implantada ainda no Governo Geisel – relativa à formação de pesquisadores em programas de mestrado e doutorado no Brasil, tem servido, atualmente, como se vê, nem mais como resíduo do que foi efetivamente – e não sem críticas ou questionamentos – uma política pública, mas como moeda de troca que visa a emplacar, de forma dócil, os desmandos e a inépcia de gestão do atual Governo. Em complemento, cumpre acrescentar que a avaliação quadrienal, relativa aos anos 2017-2020, foi abruptamente interrompida em setembro de 2021, por decisão judicial parcialmente suspensa em dezembro do mesmo ano.

A lentidão na tomada de decisões quanto à necessidade de reverter essa paralisação na avaliação, aliada à incompetência de gestão da atual presidente da CAPES levaram ao pedido de exoneração do Diretor de Avaliação, Flávio Anastácio de Oliveira Camargo, ao que se seguiu um pedido coletivo de demissão de vários coordenadores de áreas e pesquisadores que compunham equipes de avaliação. Uma entrevista desastrosa de Queda de Toledo ao O Globo , em dezembro de 2021, tornou ainda mais complicada a situação, implicando a demissão de outros coordenadores de área e a divulgação de inúmeras cartas de apoio aos demissionários, assinadas por instituições e pelos coordenadores que permaneceram em suas funções, ainda que com severas críticas à gestão atual da CAPES37 37 Cf., p. e., https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/desastre-anunciado-da-pos-graduacao-brasileira/ , https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2021/12/diretor-de-avaliacao-da-capes-pede-demissao-apos-renuncia-de-pesquisadores.shtml e https://extra.globo.com/noticias/educacao/novo-grupo-de-pesquisadores-da-capes-pede-renuncia-coletiva-ja-sao-138-baixas-25330282.html ) .

Esse breve histórico parece mostrar que não há, definitivamente, uma política pública, no Brasil, nem no campo da avaliação educacional, nem no campo da pós-graduação. Não há sequer uma ação coerente no sentido de implementar, de modo minimamente aceitável, o que já foi, em outros tempos, uma política pública, o que torna o campo da Educação um espaço em que também vicejam, como em todos os demais campos, o desarranjo, a incompetência e a sanha destrutiva do Governo Bolsonaro.

Não se deve esquecer de registrar também, dentre outros absurdos da atual situação, a escolha feita pelo pastor Milton Ribeiro, atual ministro da Educação, para a Coordenadoria-Geral de Livros Didáticos. Sandra Ramos, aliada ao Movimento Escola Sem Partido38 38 O Movimento Escola Sem Partido, criado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib, tem como principal bandeira defender uma agenda conservadora para a Educação brasileira, contrária ao que chama de “ideologização de esquerda” supostamente imposta às Escolas. Desde sua criação, inúmeras instituições, dentre as quais o Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, vêm repudiando essa iniciativa. A inconstitucionalidade do Movimento é também uma questão pendente. , buscará implementar, nos materiais e nas ações do Ministério, uma linha conservadora que evita termos e expressões como “democrático”, “respeito à diversidade”, “violência contra a mulher” e nega-se a discutir, nos textos escolares, “questões polêmicas”, como a noção de gênero, o movimento negro, a educação sexual mas impõe um “novo olhar” à História, que reavalia, por exemplo, a forma como tem sido apresentado o período da Ditadura39 39 Conferir, por exemplo, https://www.cpp.org.br/informacao/noticias/item/16575-vista-risco-para-os-materiais-didaticos e https://revistaforum.com.br/brasil/plano-nacional-do-livro-didatico-de-bolsonaro-e-pautado-no-obscurantismo-diz-daniel-cara/ . . O Programa Nacional do Livro Didático, uma política pública cujas raízes estão na criação do Instituto Nacional do Livro, ainda no final da década de 1920, é o mais antigo programa relacionado à avaliação e distribuição de livros didáticos, e uma experiência educacional única no mundo.

Já o Ministério da Ciência, Tecnologia, Informações e Comunicações, ao qual se vincula o CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –, cuja função é fomentar a pesquisa científica e tecnológica e incentivar a formação de pesquisadores –, teve um único administrador desde a posse do atual presidente da república, em janeiro de 2019: o astronauta Marcos Pontes. Se a alteração frenética dos gestores de alto escalão no Ministério da Educação40 40 Cf., por exemplo, https://educacao.uol.com.br/noticias/2020/07/01/sob-bolsonaro-mec-tem-maior-n-de-trocas-desde-a-redemocratizacao.htm . Particularmente sintética e interessante é a avaliação publicada pela BBC em português ( https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48699037 ) sob o título “Seis números que resumem seis meses da Educação na gestão Bolsonaro”. Segundo o texto, o primeiro desses itens diz respeito aos “2 ministros e muitas trocas em cargos técnicos”, vindo, em seguida, “R$ 5,8 milhões contingenciados” (em referência aos cortes implementados por Weintraub nas verbas de Universidades Federais, Institutos Federais, concessões de bolsas e programas ligados à Educação Básica); “3474 bolsas cortadas” (refere-se à decisão de “bloquear preventivamente” bolsas que até então não haviam sido concedidas, ficando mantidas as bolsas já em vigência); “2 protestos populares pela Educação (e polêmicas nas redes sociais)”, referindo-se à manifestação de 15 de maio de 2019 – cujos participantes foram chamados de “idiotas úteis, uns imbecis” pelo presidente – e a de 30 de maio de 2019, feita em resposta a um comunicado do MEC segundo o qual "professores, servidores, funcionários, alunos, pais e responsáveis não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário e no ambiente escolar”; “4 temas quentes” (são eles: os problemas com o ENEM; o FUNDEB – o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, do qual provém a maioria dos recursos, que expiraria em 2020; a BNCC – Base Nacional Comum Curricular; e o PNE – Plano Nacional de Educação –, lei aprovada pelo Congresso em 2014 com 20 metas para a educação do país a serem cumpridas em uma década, até 2024 portanto). deixa aparente a desordem e a ineficiência atuais, a estabilidade do Ministro do MCTI em seu cargo não diz absolutamente nada de positivo. Marcos Pontes nunca teve nem apoio nem reconhecimento dos pesquisadores brasileiros e bem cedo mostrou ser, como se previa, uma decepção, principalmente devido à ausência de posições firmes em defesa da comunidade científica41 41 Como exemplo significativo da total inoperância do MCTI quanto à defesa de valores caros à comunidade científica e do papel de fantoche que o Ministro Marcos Pontes desempenha em coro com seus demais colegas ministros, cabe lembrar que vinte cientistas agraciados, no ano de 2021, com a Ordem do Mérito Científico – a lista dos premiados foi divulgada no Diário Oficial da União de 04 de Novembro de 2021 – renunciaram coletivamente ao prêmio. Em carta pública, esses pesquisadores declaram sua “indignação, protesto e repúdio pela exclusão arbitrária dos colegas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda da lista de agraciados”. A listagem de premiados havia sido divulgada em 04 de Novembro, mas um novo decreto presidencial, publicado em 05 de novembro, alterou a composição da lista excluindo Benzaken e Lacerda. Benzaken, em Julho de 2019, havia sido demitida do Ministério da Saúde por ter publicado uma cartilha voltada a homens trans, e Lacerda é sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz. “Enquanto cientistas”, continuam os autores em sua carta de renúncia ao prêmio, “não compactuamos com a forma pela qual o negacionismo em geral, a perseguição a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência e tecnologia têm sido utilizados como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade científica brasileira nas últimas décadas”. Não faltam, entretanto, quem aceite condecorações do Governo Bolsonaro: a primeira dama, por exemplo, já foi condecorada três vezes – com a medalha da Ordem de Rio Branco (em 08/12/2021), com a Medalha de Mérito Oswaldo Cruz (em 28 de Julho de 2021) e como Grande Oficial da Ordem do Mérito da Defesa (em Junho de 2021). que já convivia, mesmo antes da administração Bolsonaro, com uma perda gradual e significativa de verbas e apoio institucional a projetos. A inércia de Pontes mostra-se desde a ausência de uma defesa em favor de Ricardo Galvão, diretor do INPE – episódio ao qual já fizemos referência neste texto – até a inabilidade para discutir os cortes de verba de sua pasta quando da aprovação dos orçamentos da União de 2020 e 202142 42 Em 10 maio de 2021, no momento em que eu finalizava este texto, o jornal O Estado de São Paulo denunciava a existência de um orçamento paralelo secreto , no valor de três bilhões de reais, usado pela Presidência para garantir apoio parlamentar a vários de seus projetos, e elaborado no momento em que ocorriam as negociações para as presidências da Câmara e do Senado, entre o final de 2020 e início de 2021. As compras feitas por parlamentares com acesso a essas verbas foram, segundo a denúncia, superfaturadas, ainda que não se tenha, até o momento, o nome de todos os parlamentares envolvidos. O orçamento secreto continua sendo, ainda hoje (janeiro de 2022), quando reviso este artigo, tema importante do noticiário. . As atuais verbas destinadas ao MCTI correspondem a 30% do que se investia em pesquisa, no Brasil, dez anos atrás43 43 O Jornal da USP , em 29/01/2021 anunciava: “A ciência brasileira começa 2021 com um prognóstico angustiante. Não por causa da pandemia, mas de um novo corte orçamentário que promete enviá-la de vez para a UTI do financiamento público. O já diminuto orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), retalhado por uma série de cortes aplicados à pasta nos últimos sete anos, deverá encolher mais 34% neste ano, se a proposta orçamentária do governo federal não for aprovada sem modificações no Congresso. O orçamento total previsto para a pasta é de R$ 10,4 bilhões, sendo que apenas R$ 2,8 bilhões desse valor estarão disponíveis para investimentos em pesquisa (os chamados recursos discricionários, que não incluem gastos com salários, reserva de contingência e outras despesas obrigatórias), comparado a R$ 4,2 bilhões em 2020, segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com base em dados da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020 e do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021”. ( https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/orcamento-2021-coloca-ciencia-brasileira-em-estado-vegetativo/ ). O prognóstico efetivou-se, segundo o Jornal Brasil de Fato , de 26 de março de 2021: “A área de Ciência e Tecnologia teve o segundo maior corte de orçamento, com diminuição de 28,7% em relação a 2020. Diminuir investimentos em inovação e pesquisa afetam diretamente o combate ao coronavírus, já que o país ainda não possui tecnologia própria para vacinas e tem menos de 8% da população vacinada”. ( https://www.brasildefato.com.br/2021/03/26/orcamento-2021-e-aprovado-com-cortes-em-areas-centrais-para-o-combate-a-covid-19 ). Confira, também, http://www.abc.org.br/2020/09/04/area-de-ciencia-e-tecnologia-sofre-com-cortes-maiores-no-orcamento-de-2021/ . .

Esse meu levantamento não pretende, é claro, ser exaustivo. Sua função é apenas esboçar um panorama relativamente amplo para deixar explícitas a ineficiência, a incompetência e a completa ausência de políticas públicas do atual Governo brasileiro. Essas constatações não deixam de ser óbvias. Vários outros pesquisadores, de um modo ou outro, vêm denunciando o conjunto de estratégias de extrema direita que, à revelia das pesquisas, da Ciência e do bom senso têm caracterizado a situação em que vivemos44 44 Não custa lembrar, nesse cenário de barbáries, as recentes ameaças feitas a técnicos da ANVISA – tornadas públicas pelo seu presidente, Antonio Barra Torres –, por apoiarem e aprovarem a vacinação contra a COVID de crianças de 05 a 11 anos. Segundo Barra Torres, as mais de 170 ameaças de morte e agressão física são, em boa parte, resultantes das posições defendidas pelo Presidente da República e acatadas por seus ministros, que contribuem para minar a imunização infantil e estimular grupos antivacinas (Cf. https://www.youtube.com/watch?v=KzETwsEwq4g ). . Nos termos que defendo aqui, a partir dessa rápida visão panorâmica, penso poder afirmar sobre a total ausência de políticas públicas do Governo atual ou, quando muito, da existência apenas de ecos quase inaudíveis do que já foram, em tempos passados, políticas públicas consistentes relacionadas à família, aos direitos humanos, ao meio ambiente, à cultura, à economia, à educação, às relações exteriores e à saúde.

Esses destroços de políticas públicas, hoje reduzidas a um monturo de práticas conservadoras, fascistas, pautadas na exclusão, no autoritarismo e nos conluios com o que há de pior na política nacional, reverberam valores que não deveriam mais ter lugar nos discursos e nas práticas. A direita não é, necessariamente, burra, nem o conservadorismo é, necessariamente, atrasado, e isso fica claro quando podemos evidenciar exemplos no significativo crescimento de um movimento em direção à direita e ao ultranacionalismo que tem ocorrido em todo o mundo. Seja pela incapacidade de um presidente autoritário, centralizador, com sério déficit cognitivo e uma já bem divulgada torpeza moral, manifestados não só por suas ações mas, também, por sua opção de aproximar-se do que há de pior para assessorá-lo, esse panorama pleno de negatividades foi instituído e um bom tempo passará até que possam ser revertidos os danos causados pela atual gestão.

A pandemia e as dificuldades que ela nos impõe só agravam esse quadro que trouxe implicações negativas, sérias, mesmo aos países em que houve, efetivamente, um esforço comprometido para apoiar a população e minimizar a tragédia imposta pelo Coronavírus. Num país como o nosso, a pandemia é ainda mais devastadora não só pelas tantas mortes desnecessárias causadas pela ineficiência de um projeto de governo, mas, também, porque ela exige um ritmo apressado – posto que alguns comportamentos e hábitos têm que ser alterados radicalmente de um momento a outro – num Estado que se caracteriza pela total ausência de celeridade para criar e subsidiar estratégias vitais para o bem estar de sua população45 45 É importante lembrar também, por exemplo, duas vezes em que ajudas humanitárias, em cenários catastróficos, foram oferecidas, mas recusadas pelo Governo Federal: na crise de falta de oxigênio, em Manaus, Bolsonaro recusou a ajuda da Venezuela, e nas enchentes em que milhares de vítimas ficaram desabrigadas no sul e no sudoeste da Bahia, no final de 2021, Bolsonaro recusou a ajuda humanitária oferecida pela Argentina (ainda que tenha aceito, nesse caso, a que foi oferecida pelo Japão). .

Nas salas de aula, esse estado de coisas reverbera da pior forma possível.

5 Educação a Distância, Ensino Remoto

Um levantamento de pesquisas recentes46 46 O cenário exige – e tem produzido – uma diversidade de pesquisas, pautadas em diferentes metodologias, para dar conta de um momento que é comum a todos, mas que, em muitos pontos, diferencia-se de formas marcantes a depender de fatores locais ou regionais. Dada a necessidade de considerar um período para buscar essas informações de modo a apresentá-las neste texto, optei por selecionar pesquisas de amplo espectro cujos resultados tenham sido divulgados pela mídia até o início do ano de 2021. Desses, o mais atual e abrangente é o estudo realizado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, tendo como base os indicadores do SAEB e considerando os resultados de sete mil estudantes de cada ano escolar do Ensino Básico. Outros estudos – em que predomina a abordagem quantitativa – foram realizados pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, em convênio com outros órgãos da mesma instituição, como a Esalq – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz –, pela Fundação Carlos Chagas em parceria com a UNESCO e o Banco Itaú, pela Revista Nova Escola e por Tribunais de Contas, dentre outras entidades e, em sua maioria, foram realizados ao final do primeiro semestre de 2020, e publicados em junho ou julho desse mesmo ano. Em comum eles têm o fato de terem sido realizados quando o ensino presencial havia sido totalmente paralisado – ao contrário do estudo realizado pela Secretaria da Educação de São Paulo, publicado quando já havia, em várias escolas, um tímido esboço de retorno (com restrições) às aulas presenciais. Alguns desses estudos – apresentados na íntegra, ou de forma resumida ou, ainda, em artigos publicados pela grande imprensa – podem ser acessados em (a) https://www.educacao.sp.gov.br/estudantes-dos-anos-iniciais-tiveram-regressao-na-aprendizagem-durante-pandemia-mostra-avaliacao/ , (b) https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/04/escolas-fechadas-explodem-abandono-e-derrubam-aprendizado-em-sp.shtml , (c) https://www1.folha.uol.com.br/colunas/alexandre-schneider/2021/05/o-ensino-remoto-fracassou-e-agora.shtml , (d) https://jornal.usp.br/artigos/educacao-e-pandemia-desafios-e-perspectivas/ , (e) https://www.cenpec.org.br/noticias/6-pesquisas-para-entender-como-a-pandemia-tem-afetado-a-comunidade-escolar , (f) https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/publicacoesportema?tema=Educa%C3%A7%C3%A3o , (g) https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-basica/2020/12/4897221-pandemia-evidenciou-desigualdade-na-educacao-brasileira.html , (h) https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40362020000300545 . Considerei, também, o podcast realizado pelo EduMatREMOTO, projeto da Universidade Federal da Grande Dourados, acessado em 07/07/2021 em https://open.spotify.com/episode/2T3yxAnqFg41sWaWUMzRQj sobre a educação, nesse momento de pandemia, traz informações preocupantes. Na berlinda, obviamente, ficam as atividades de ensino remoto das quais, dentre todos os campos de pesquisa em Educação e Educação Matemática, o da Educação a Distância é aquele que tem maior proximidade. Assim, enquanto os estudos avaliam o ensino escolar na pandemia, focando ora os professores, ora as instituições e redes de ensino, ora as famílias, no domínio da pesquisa coloca-se em movimento uma avaliação do alcance dos estudos sobre Educação a Distância, os sucessos e as lacunas nas propostas desenvolvidas, ao longo dos anos, nesse campo.

A Educação a Distância, no Brasil, não é recente. Já no final do século XIX47 47 À essa época, principalmente com cursos de formação estrangeiros que chegavam pelos Correios aos brasileiros. e início do século XX começaram a surgir projetos de formação por correspondência. O conhecido Instituto Universal Brasileiro foi criado em 1934 com a função de oferecer cursos de formação por correspondência – notadamente uma formação técnica – em várias áreas. Em 1937, foi criado o Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação, e em 1959, surgem, no Rio Grande do Norte, as escolas radiofônicas. Na década de 1960, as transmissões radiofônicas passam a ocupar espaço considerável nessa proposta de ensinar a distância, tendo sido implementadas, ao final dessa década e início da década seguinte, propostas como os Projetos SACI48 48 Sigla para Satélite Avançado de Comunicações Interdisciplinares, programa criado em 1974 para atender às quatro séries iniciais do antigo Primeiro Grau. (Cf. https://www.educabrasil.com.br/projeto-saci/ ) e Minerva49 49 Programa implementado pelo Serviço de Radiodifusão Educativa do MEC cujas transmissões começaram a ser feitas em setembro de 1970. Trata-se de uma série de programas de rádio para educação de adultos, de transmissão obrigatória por todas as rádios do país, logo após a Hora do Brasil. Já o programa Hora do Brasil foi criado em 1938, com a intenção de, diariamente, no início da noite, transmitir aos brasileiros informações julgadas importantes sobre a vida nacional. Deve-se considerar que “Desde 1931, com o Departamento Oficial de Publicidade, substituído em 1934 pelo Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), o governo já vinha implantando uma política de controle da informação transmitida pelo rádio e pela imprensa”. https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-45/EducacaoCulturaPropaganda/HoraDoBrasil com a intenção de formar, de maneira contínua, profissionais da área da Educação. A televisão, ao final dessa mesma época de 1960, passou a incorporar programas e cursos de formação sem, em princípio, seguir uma política setorial do Governo e sem, portanto, uma política pública específica, o que só se daria, mais explicitamente, nos anos de 1970. Já em 1967, a TV Universitária de Pernambuco entrava no ar; em 1971, nasceu a Associação Brasileira de Teleducação (ABT); em 1972, criou-se o Programa Nacional de Teleducação (Prontel) e, no período entre 1967 e 1974, nada menos que nove emissoras educativas foram criadas. Ainda nessa década de 1970, as Universidades começaram a manifestar, mais claramente, seu interesse pela Educação a Distância, tendo sido criado o conceito de Universidade Aberta. Teleconferências passaram a ser uma ferramenta disponível, já na década de 1980, ainda que precariamente, e o avanço da internet , desde meados de 1990, mas com maior ênfase a partir dos anos 2000, causou uma revolução significativa nesses processos de ensino remoto. A Educação a Distância passou a frequentar as diretrizes educacionais oficiais ao final dos anos de 199050 50 O Decreto nº 2.494, de 1998, da Presidência da República, regulamenta o artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB): “Educação a Distância é uma forma de ensino que possibilita a autoaprendizagem, com a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados, apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou combinados, e veiculados pelos diversos meios de comunicação”. , e uma série de iniciativas foram implementadas aproveitando as plataformas de ensino online , criadas e popularizadas no início do século XXI.

Se uma das disposições mais frequentes para a criação de iniciativas de ensino remoto – no período pré-pandemia – era a democratização de acesso à Educação, o histórico que apresento no parágrafo anterior – ainda que breve e lacunar – serve, ao menos, para percebermos que essas tentativas de democratização não são, portanto, recentes, nem devem ser creditadas somente à possibilidade de uso da internet , posto que, acompanhando o desenvolvimento tecnológico, várias formas de ensino remoto foram implementadas no correr do tempo. Artigos mais recentes, porém, já com foco em estratégias de Educação a Distância vinculadas à internet , apontam claramente que os processos de EaD tendem a exacerbar desigualdades já existentes quanto à renda e à origem dos usuários (ou usuários em potencial ).

A popularização dos equipamentos, com o passar do tempo – desde a correspondência por Correio, chegando ao rádio e à televisão, até alcançar os equipamentos que dispõem de internet – é um fator a ser investigado, já que a atual necessidade de uso de aparatos relativamente sofisticados está entre os motivos principais dessa desigualdade. Essa situação, certamente, fica mais clara quando o ensino remoto se torna uma exigência, e não uma opção, para aqueles que desejam continuar seus estudos. O discurso de que há uma infinidade de oportunidades se esboroa face à realidade, já que, mesmo havendo oportunidades, faltam as condições mínimas para que boa parte da população possa usufruir dessas oportunidades – o que, aliás, é um conflito bastante usual na história da Educação Brasileira51 51 A criação dos Grupos Escolares, no início do século XX, representa emblematicamente esse conflito entre discurso e prática. Grupos Escolares são instituições de ensino primário, implantadas para democratizar o acesso e elevar a qualidade de ensino ao oferecer prédio próprio adequado e normatização formal para a realização das atividades escolares. A criação dessas escolas urbanas , entretanto, desconsiderou as condições das crianças do campo (que no início do século XX abrigava a maior parte da população) já que as escolas campesinas passaram a oferecer apenas as duas primeiras séries do ensino primário, devendo as restantes serem cursadas nos Grupos Escolares sem que para as crianças do campo houvesse, por exemplo, transporte adequado, estradas adequadas, respeito à necessidade das famílias cujos filhos eram mão de obra na época das colheitas. Havia, sim, a oportunidade de continuar os estudos, sem que se tivesse pensado, entretanto, em prover as condições necessárias para que os estudos tivessem continuidade. .

Entendo que não se deve confundir Ensino Remoto Emergencial com Educação a Distância. Ainda assim, a situação negativa mostrada nas pesquisas realizadas já nessa época de pandemia, respingam, de modo muito claro, no que temos feito, estudado e proposto, em Educação Matemática, quanto ao uso das novas tecnologias e quanto à Educação a Distância. A pandemia, portanto, trouxe à cena elementos inéditos que os pesquisadores não podem negligenciar.

De um modo geral, nem a Educação a Distância é democrática, nem é estratégia que, por valer-se da tecnologia, tem em seu favor a aceitação irrestrita de estudantes, pais e professores. As pesquisas mais recentes têm apontado, claramente, desde o início da pandemia, que os estudantes – principalmente as crianças – acham extremamente enfadonhas e desinteressantes as aulas remotas, no que são apoiados por seus familiares. A perspectiva sobre o abandono dos bancos escolares não deixa o ensino remoto em posição mais confortável: 80% das redes municipais de ensino – em pesquisa realizada entre Maio e Junho de 2020, que teve como foco 232 cidades das cinco regiões brasileiras – já previam o abandono e a evasão que caracterizariam a retomada das atividades presenciais de ensino, e 30% das famílias – em pesquisa feita a partir de 1028 entrevistas com pais ou responsáveis – preocupavam-se com a possibilidade de evasão, um percentual que aumenta, consideravelmente, quando se trata de famílias vulneráveis financeira e socialmente.

Os pais apontam como principal problema do ensino remoto a dificuldade de acesso à internet , problemas com conteúdos considerados difíceis (e que, por isso, exigiriam explicações mais detalhadas, só possíveis em situação presencial), e a falta de interesse dos filhos nas aulas online . Os estudantes queixam-se, principalmente, da ausência de estratégias para gestão do tempo necessário para desenvolver as atividades propostas em aulas não presenciais, e nada menos que 50% dos 33.688 jovens das diferentes regiões do país afirmavam não ter um ambiente tranquilo e adequado, em casa, para estudar. Essa pesquisa com jovens estudantes do Ensino Médio, realizada em Maio de 2020, apontou que 28% já pensavam em não retornar às aulas presenciais, e 50% havia desistido de prestar as provas do ENEM. Artigo da Folha de São Paulo , de janeiro de 2021, informa que a taxa de abandono no Ensino Médio chegou a 10,8%, e no ensino superior a 10,3%, afastando da escola quatro milhões de estudantes.

Pesquisa realizada entre abril e maio de 2020, com 7800 professores das redes pública e privada de todos os cantos do Brasil, apontou que 88% desses professores nunca tiveram experiência com ensino remoto, e 84% deles não se sentiam preparados para o que estava por vir. 75% desses mesmos professores afirmavam não ter recebido nenhum apoio emocional e 50% não teve – e gostariam de ter tido – treinamento adequado para lidar com atividades online . Em pesquisa realizada pela Revista Nova Escola , com 9560 profissionais da educação, 45% dos respondentes afirmaram não haver participação dos alunos nas atividades remotas, e 2/3 dos professores participantes julgou a EaD como uma estratégia ruim ou, quando muito, razoável, para o aprendizado. A taxa de participação de alunos em atividades online é significativamente superior (60%) nas escolas privadas em relação à taxa verificada nas escolas públicas (30%). Dentre as famílias mais vulneráveis do ponto de vista social e financeiro, as críticas são enfáticas quanto à impossibilidade de ter um computador ou mesmo um celular e, no caso de haver o equipamento, à dificuldade de mantê-lo conectado à internet . A inexistência de aparelhos ou de acesso à internet é maior entre as famílias negras, e é ainda mais significativamente marcante nas escolas indígenas.

No Estado de São Paulo, a maior potência econômica da Federação52 52 Para situar o contexto, convém lembrar que há cerca de 180 mil escolas de Educação Básica no Brasil, atendendo a um total de 48 milhões de estudantes. A rede estadual de São Paulo, a maior do país, conta, no ensino básico, com 3,8 milhões de estudantes e duzentos mil professores. O estado tem 645 municípios. O único estado brasileiro com número maior de municípios é Minas Gerais, com 853. , duas pesquisas de amplo espectro foram desenvolvidas, a primeira delas entre Maio e Junho de 2020, a segunda entre o final de 2020 e início de 2021. A primeira dessas pesquisas, feita com professores de 544 municípios paulistas, apontou o sentimento de vulnerabilidade dos docentes quanto à pandemia, e ainda que tenha ficado clara a insegurança quanto às novas necessidades – o modelo de ensino remoto –, 70% dos quase 20 mil professores participantes afirmaram ter segurança para enfrentá-las, já que contavam com o apoio de suas escolas. A segunda pesquisa, divulgada pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo em março de 2021, mostra que essa segurança dos professores não logrou êxito significativo frente a uma situação que parece ser comum a todo o país: o impacto das atividades remotas para a aprendizagem, considerados os índices do SAEB, foi enorme, tendo sido desastroso entre os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. No total, participaram da pesquisa sete mil estudantes de cada um dos anos escolares da Educação Básica.

A avaliação da Educação a Distância resultante dessas pesquisas é muito negativa, e aponta para um fracasso, seja dos órgãos públicos como o Ministério e as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, que não apostam/apostaram em equipar adequadamente as escolas, seja das propostas de ensino remoto, que negligenciaram uma importante situação de contorno: não contaram nem com a inexistência de condições e equipamentos mínimos, nem com o desinteresse dos estudantes em relação às atividades remotas desenvolvidas continuamente.

A formação do professor que ensina Matemática, provavelmente, desempenha algum papel nesse estado de coisas. Ainda que seja cada vez mais usual haver uma ou mais disciplinas específicas, nos cursos de formação, sobre o uso da tecnologia para o ensino de Matemática, quando confrontados com a necessidade de implementar, efetivamente, um ensino online , a tendência generalizada do professor parece ser gravar e postar, em alguma das muitas plataformas existentes, as mesmas aulas com que estavam familiarizados no ensino presencial, reservando, quando muito, apenas algum tempo para interação ou atendimento mais individualizado. Essa, aliás, é uma tendência marcante nos processos de ensino remoto desde o rádio. Não raramente, os professores, em suas aulas do Projeto Minerva, por exemplo, apoiados por um ou outro material impresso elaborado e distribuído pelo próprio Projeto em algumas interações presenciais que ocorriam em polos específicos, restringiam-se a reproduzir as estratégias de aulas presenciais53 53 Conferir, por exemplo, a tese de doutorado de Thiago Pedro Pinto, Projetos Minerva: uma caixa de jogos caleidoscópica, defendida em 2013, no Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência da UNESP de Bauru. .

Em face dessa situação um tanto quanto constrangedora e preocupante, os especialistas em Educação afirmam que a EaD não pode ser a única solução para o ensino remoto, sendo premente a implementação paralela de formas presenciais de interação. Segue a essa constatação – bastante óbvia e efetivamente já implementada, por exemplo, em cursos online vinculados à formação de professores por EaD – outra constatação não menos óbvia: é preciso equipar adequadamente as escolas e ampliar os recursos e investimentos em Educação. A questão central, talvez, seja como fazer tudo isso num país que caminha apenas sob a pressão das circunstâncias mais imediatas, sem políticas públicas consistentes e sem uma equipe minimamente adequada de gestores federais para implementar estratégias consequentes. E qual o papel da pesquisa e dos pesquisadores em Educação Matemática nesse país no qual a Ciência é não só desprestigiada com a extinção de financiamentos à pesquisa, mas constante e insistentemente negada como estratégia vital para o desenvolvimento, e no qual seus pesquisadores são perseguidos?

Para o vazio das políticas públicas atuais, no plano federal, o remédio são políticas públicas consistentes e planejadas. Quando se preenche esse vazio das políticas públicas com ações implementadas em regime de urgência, sem projetos sólidos, fundamentados e competentes, só se escancara a vacuidade que, para ser preenchida, exigirá muito esforço concentrado, coeso e contínuo.

Sites 54 54 Todos os sites e links estão devidamente referenciados em notas de rodapé, e foram consultados quando da revisão final deste texto, em 07/01/2022.

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Referências

  • DEAN, R. Elementos de Álgebra Abstrata. São Paulo: Livros Técnicos e Científicos, 1974.
  • DICKINSON, E. Poesia Completa – Volume I (Os fascículos). Brasília/Campinas: UnB/UNICAMP, 2020.
  • ECO, U. O Fascismo Eterno. Rio de Janeiro: Record, 2018.
  • MINAYO, M.C. de S. A turbulenta origem da pesquisa qualitativa no Brasil. In: BICUDO, M.A.V.; COSTA, A.P. (orgs.). Leituras em Pesquisa Qualitativa. São Paulo: Livraria da Física, 2019.
  • MONTEIRO, L.H.J. Elementos de Álgebra. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico/IMPA, 1969.
  • PINTO, T.P. Projetos Minerva: uma caixa de jogos caleidoscópica. 2013. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2013.
  • 1
    Dickinson, E. Poesia Completa . V. 1. Trad. De Adalberto Müller. UnB/UNICAMP, 2020.
  • 2
    O conteúdo deste artigo foi parcialmente apresentado, oralmente, em mesa redonda do VIII SIPEM – Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática –, ocorrido em novembro de 2021.
  • 3
    A impossibilidade de atualizar este texto pode ser exemplificada pelas notícias mais recentes que não foram, em princípio, incluídas nesse inventário de absurdos e sandices do atual governo: no momento em que decidi finalizá-lo (em Maio de 2021), ocupava as pautas jornalísticas, além da continuidade da CPI da COVID-19, implantada pelo Senado Federal, a operação Akuanduba, deflagrada pela Polícia Federal em 19 de Maio, que afastou dez funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério do Meio Ambiente, entre eles o presidente do Ibama, Eduardo Bim. Ricardo Salles, então Ministro do Meio Ambiente, foi alvo dessa operação que investigava crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando por meio da exportação ilegal de madeira. Destaca-se não apenas o envolvimento do Ministro nas ilegalidades supostamente arquitetadas dentro do Ibama, envolvendo a prática de facilitação do contrabando: o esquema de corrupção passa também – supostamente – pelo escritório de advocacia que o ministro mantém em parceria com sua mãe, em São Paulo. (Cf., p.e., https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-19/ricardo-salles-e-alvo-de-operacao-da-policia-federal-que-apura-contrabando-de-madeira-brasileira.html , https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/05/19/ricardo-salles-entenda-operacao-contra-exportacao-ilegal-de-madeira-que-mira-ministro-do-meio-ambiente.ghtml e https://www.conjur.com.br/2021-mai-19/investigacao-pf-mira-escritorio-advocacia-ricardo-salles ). Uma observação: Akuanduba é uma divindade da mitologia dos índios Araras, do Pará, que faz soar uma flauta para restabelecer a ordem quando alguém comete algum excesso, contrariando as normas. Adendo (de janeiro de 2022): em 23/06/2021, como um dos resultados dessa situação, Ricardo Salles demitiu-se do cargo de Ministro, alegando haver uma “criminalização das opiniões divergentes sobre a questão ambiental”. Para ocupar o lugar de Salles, o presidente nomeou Joaquim Álvaro Pereira Leite, que até então ocupava o cargo de secretário da Amazônia e Serviços Ambientais do ministério. ( https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-06/ricardo-salles-pede-demissao-do-ministerio-do-meio-ambiente , e https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/ricardo-salles-se-demite-do-ministerio-do-meio-ambiente/ , ambos os links acessados em 06/01/2022). Como o leitor já deve ter percebido, ignorei minha própria declaração de não atualizar as informações: optei por incluir algumas breves notas – dentre as muitas possíveis – divulgadas pela mídia, e posteriores a maio de 2021, todas elas devidamente indicadas.
  • 4
    Elementos de Álgebra , de Jacy Monteiro, publicado por Ao Livro Técnico/IMPA, em 1969, e Elementos de Álgebra Abstrata , de Richard Dean, publicado pela Livros Técnicos e Científicos em 1974.
  • 5
    Um dos exemplos dessa caçada envolve o deputado estadual de São Paulo, Douglas Garcia, do PSL, que divulgou em suas redes sociais solicitação para que seus seguidores o ajudassem a delatar antifascistas. Sua intenção declarada era enviar uma lista – a mais completa possível, com fotos, nomes, endereços eletrônicos e pessoais – para a Procuradoria Geral da República que, por sua vez, declararia serem terroristas as pessoas elencadas. A lista, efetivamente elaborada em 2019, vazou nas redes sociais em junho de 2020 ( https://www.cartacapital.com.br/politica/deputado-cria-lista-com-informacoes-pessoais-de-manifestantes-antifascistas-e-documento-e-vazado/ , https://brasil.elpais.com/politica/2020-06-05/lista-de-nomes-antifascistas-cria-clima-de-tensao-e-resistencia-as-vesperas-de-novo-ato-pro-democracia.html e https://theintercept.com/2020/08/22/dossie-antifascistas-douglas-garcia-extrema-direita/ , todos esses links acessados em janeiro de 2022)
  • 6
    O censo de 2020 foi cancelado devido à pandemia, prevendo-se, então, que ele seria realizado em 2021, quando foi também cancelado por restrições orçamentárias que implicaram um corte de mais de 90% no orçamento do IBGE. Mesmo já tendo sido aprovado o orçamento da União, as discussões sobre esse tema continuam. No momento em que finalizava este texto (14 de maio de 2021), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu – com um único voto contrário, o do Ministro Marques Nunes, à época o mais novo membro do STF, indicado por Jair Bolsonaro – que o Censo Demográfico do IBGE deve ser realizado em 2022. Efetivamente, tem-se que em dezembro de 2021 o IBGE abriu concurso para selecionar duzentos mil recenseadores que, em tese, realizarão a coleta de dados em 2022 ( https://censos.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/32569-ibge-abre-mais-de-200-mil-vagas-para-o-censo-2022-em-todo-o-pais , acessado em 06/01/2022). De todo modo, os dados do censo só estarão sistematizados e serão tornados públicos após o final da atual gestão do Governo Federal, sendo impossível usar essas informações para nortear qualquer política pública nessa Administração.
  • 7
    Reduto clássico das pesquisas estatísticas, o IBGE foi um dos principais berços das pesquisas qualitativas no Brasil. Para essa discussão, recomenda-se o excelente texto de Maria Cecília Minayo (A turbulenta origem da pesquisa qualitativa no Brasil. In Bicudo, M.A.V. & Costa, A.P. (Orgs.). Leituras em Pesquisa Qualitativa (pp. 99-118). São Paulo: Livraria da Física). “A pesquisa qualitativa no Brasil”, afirma ela, “teve o berço mais improvável possível: o IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, centro oficial da pesquisa censitária nacional onde as grandes investigações demográficas e econômicas são realizadas. Ela foi parte do Estudo Nacional de Despesas Familiares (ENDEF), ocorrido entre 1974 e 1979” ( MINAYO, 2019, pMINAYO, M.C. de S. A turbulenta origem da pesquisa qualitativa no Brasil. In: BICUDO, M.A.V.; COSTA, A.P. (orgs.). Leituras em Pesquisa Qualitativa. São Paulo: Livraria da Física, 2019. , p. 99). Os pesquisadores, percebendo que apenas os levantamentos estatísticos e as respostas a questionários objetivos não seriam suficientes para abordar, de modo adequado, por exemplo, o problema da pobreza extrema, da fome, das necessidades básicas não atendidas pelo Estado, exigiu a inclusão – não muito bem aceita, naquele momento – de recortes de entrevistas realizadas por 1200 agentes do censo (dentre os trinta mil que atuavam nas atividades de coleta de dados) que se dispuseram a registrar informações, ao final do caderno de pesquisa, sobre aspectos não previstos no questionário e sobre suas próprias impressões a respeito da situação dos entrevistados. Não tivessem os pesquisadores considerado a viabilidade e a legitimidade de variar suas fontes e seus modos de coletar e disponibilizar informações, não teríamos um dos mais emblemáticos estudos já produzidos sobre a desigualdade social no Brasil.
  • 8
    Em Junho de 2020, o ministro Edson Fachin – posteriormente referendado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal – suspendeu a realização de incursões policiais em comunidades do Rio de Janeiro enquanto perdurasse o estado de calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19. (Cf. https://portal.stf.jus.br/ ), contrariando as políticas implantadas pelo então governador Wilson Witzel. Flexibilizando – segundo alguns – ou desrespeitando – segundo outros – essa decisão, uma ação policial foi realizada na Favela do Jacarezinho em 06 de maio de 2021, resultando em 28 mortes. A ação foi avaliada como uma verdadeira chacina por órgãos nacionais e internacionais – inclusive a ONU – de defesa dos Direitos Humanos. Pesquisadores dessas agências e especialistas em violência e letalidade policial afirmam que a ação foi uma resposta da polícia carioca ao que sempre julgou ser uma interferência ilegal do Supremo na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. Segundo esses especialistas, a Secretaria de Segurança Pública, inclusive, é a única presença certa nas comunidades cariocas, estando ausentes delas, invariavelmente, as demais Secretarias, como as da Educação (há pouquíssimas escolas públicas na comunidade, o que se agrava ainda mais no caso do ensino de pré-escola e das séries iniciais), da Saúde, da Cultura etc. Os índices de letalidade da polícia carioca se alteraram significativamente logo após a decisão de Fachin – houve uma queda de 73% nas mortes provocadas por agentes de estado em junho e julho de 2020, os menores índices desde dezembro de 2015 (Cf. por exemplo, https://exame.com/brasil/letalidade-policial-cai-73-com-suspensao-de-operacoes-no-rj/ ). As respostas do Governo Federal em relação à chacina foram as esperadas: nas redes sociais o presidente cumprimentou a polícia carioca – sem fazer referência alguma às 28 mortes, sobre as quais o vice-presidente Hamilton Mourão, em entrevista pública, vaticinou: Tudo bandido . Desde a aprovação, pelo STF, das restrições quanto às operações policiais nas favelas cariocas, até o dia de hoje, 25 de maio de 2021, em que redijo essa nota de rodapé, foram realizadas mais de quinhentas dessas operações, numa média de quase 1,5 ação policial coordenada por dia, o que dá uma noção de como a Segurança Pública carioca respeita os limites impostos pela legislação.
  • 9
    As declarações e ações absurdas de Damares Alves são em quantidade tão alarmante que um acervo delas deveria ser suficiente para comprovar não só sua total incompetência, mas também sua insanidade. Uma dessas declarações, talvez, dê ao leitor uma medida para justificar essa minha afirmação. Andrea Dip, jornalista, recorda: “O ano era 2019 e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, Damares Alves, tinha dito publicamente que meninas eram estupradas no Marajó porque ´não usavam calcinha´ e sugeriu construir uma fábrica de lingerie na região como medida para ´solucionar o problema´”. (Cf. https://www.uol.com.br/universa/colunas/andrea-dip/2021/05/21/exploracao-sexual-infantil-ate-quando-damares-vai-agir-como-a-tia-do-zap.htm ). A política pública direcionada a prevenir a gravidez precoce e conscientizar a população tem como centro o estímulo à abstinência sexual como método contraceptivo ( https://veja.abril.com.br/politica/tudo-tem-seu-tempo-prega-campanha-de-damares-por-abstinencia-sexual/ e https://oglobo.globo.com/brasil/damares-reconhece-abstinencia-sexual-como-politica-publica-em-construcao-1-24182738 , acessados em 06/01/2022)
  • 10
    Platão já defendia a esfericidade da terra no século VI a.C.
  • 11
    Um dos exemplos é Dante Mantovani, presidente da FUNARTE, responsável pelas políticas públicas relacionadas às artes visuais, à música, ao teatro, à dança e ao circo no país. Mantovani não só defende o terraplanismo como associa o rock às práticas de aborto e ao satanismo. Afirmou, inclusive, que sua superior hierárquica, a atriz Regina Duarte, bolsonarista convicta, à época Secretária Especial da Cultura do Governo Bolsonaro, “só promove diálogo com a esquerda”, de onde se vê que há fascismos de vários matizes e intensidades. Particularmente interessante e inusitada é sua afirmação de que os Beatles foram uma invenção do socialismo para fazer as meninas abortarem (Ver artigo na revista Rolling Stone , de 02/12/2019) Cf. também, por exemplo, https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/05/05/dante-mantovani-volta-a-ser-nomeado-presidente-da-funarte e https://veja.abril.com.br/blog/radar/novo-presidente-da-funarte-desafia-limites-do-ministro-astronauta/ . Dante Mantovani foi exonerado da FUNARTE em março de 2020, quando Regina Duarte assumiu a Secretaria Especial da Cultura. Posteriormente, em Maio de 2020, ele foi renomeado para o mesmo cargo do qual havia sido demitido. Essa portaria de nomeação, assinada pelo Ministro da Casa Civil, Braga Netto, entretanto, foi tornada sem efeito menos de 24 horas depois de publicada Cf. https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/05/05/interna_politica,851665/governo-volta-atras-na-nomeacao-de-dante-mantovani-para-funarte.shtml ). Durante a gestão Bolsonaro, a FUNARTE teve seis diferentes presidentes. Atualmente (escrevo esse adendo em janeiro de 2022), ocupa a presidência o procurador federal Tamoio Athayde Marcondes, ex-assessor técnico da vice-presidência da República, que substituiu o coronel da reserva Lamartine Barbosa Holanda ( https://www.correiodopovo.com.br/arteagenda/tamoio-athayde-marcondes-%C3%A9-o-sexto-presidente-da-funarte-na-gest%C3%A3o-bolsonaro-1.606208 ).
  • 12
    Marcos Pontes, Ministro da Ciência e da Tecnologia.
  • 13
    Trata-se de Benedito Guimarães Aguiar Neto, ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP), presidente da CAPES de janeiro de 2020 a março de 2021, que, em evento público, afirmou sua intenção: “Queremos colocar um contraponto à Teoria da Evolução”. Ver, por exemplo, https://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/novo-presidente-da-capes-e-defensor-da-teoria-criacionista/ e https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/01/28/novo-presidente-da-capes-gera-polemica-ao-defender-criacionismo.ghtml .
  • 14
    Ver, por exemplo, notícia do Estado de Minas de 27/11-2019 em https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2019/11/27/interna_politica,1104183/novo-presidente-da-fundacao-palmares-nega-a-existencia-de-racismo-no-b.shtml cujo título, na íntegra, é “Novo Presidente da Fundação Palmares nega a existência de racismo no Brasil e manda artistas ´de volta para a África´. Negro, Sérgio Nascimento de Camargo defende fim do feriado da Consciência Negra e ataca diversas personalidades negras do país, /.../ e brinca com o AI-5”.
  • 15
    Trata-se de Roberto Alvim, secretário da Cultura do Governo Bolsonaro de outubro de 2019 a janeiro de 2020. Ver, por exemplo, https://brasil.elpais.com/brasil/2020-01-17/secretario-da-cultura-de-bolsonaro-imita-discurso-de-nazista-goebbels-e-revolta-presidentes-da-camara-e-do-stf.html
  • 16
    Trata-se de Filipe Martins, assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República. Ver, por exemplo, https://www.bbc.com/portuguese/geral-49861739 .
  • 17
    O próprio Bolsonaro teceu crítica pública à Organização Mundial da Saúde (OMS) que, segundo ele, promove a masturbação e a homossexualidade de crianças. “Essa é a OMS que eu devo seguir no caso do Coronavírus?”, perguntou ele (Confira, por exemplo, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/29/bolsonaro-diz-que-oms-incentiva-sexualidade-infantil-mas-apaga-post.htm ). As frequentes referências sexuais de Bolsonaro e seus asseclas, entretanto, não são novidade. A lista de sandices é enorme. A última – até o fechamento deste meu texto, em Maio de 2021 – vem de uma gravação tornada pública durante uma das reuniões da CPI da COVID-19. Nessa gravação, Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, relata uma visita que fez à FioCruz: “A Fiocruz é um órgão ligado ao Ministério da Saúde, que é mantido com recursos do Ministério da Saúde, e trabalha contra todas as políticas que são contrárias à pauta deles de minorias. Tudo deles envolve LGBTI, eles têm um pênis na porta da Fiocruz , todos os tapetes das portas são a figura do Che Guevara, as salas são figurinhas do ‘Lula livre’, ‘Marielle vive´”. (Cf. p.e., https://www.hypeness.com.br/2021/05/penis-na-fiocruz-numero-2-da-saude-vira-piada-em-cpi-sobre-descontrole-da-pandemia/ , https://istoe.com.br/penis-de-mayra-pinheiro-era-logo-da-fiocruz/ . Desconfia-se que o pênis do qual Mayra fala esteja no cartaz de comemoração dos 120 anos do Instituto, que traz um grafismo que representa as janelas mouriscas do prédio da FioCruz. Não vale a pena perguntar de onde vêm as demais referências citadas pela Secretária no áudio. Essa abordagem, que envolve fixação fálica, homofobia e sexismo, é uma das características do fascismo, segundo o livro de Umberto Eco: “/.../o ur-Fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem de seu machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não conformistas, da castidade à homossexualidade)” ( O Fascismo Eterno , Editora R ecord, 2018, pECO, U. O Fascismo Eterno. Rio de Janeiro: Record, 2018. , página 54-55).
  • 18
    Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015) foi um coronel do Exército Brasileiro, ex-chefe do DOI-CODI, um dos principais órgãos de repressão política durante o período da ditadura militar no Brasil. Ustra, torturador condenado, era então conhecido pelo codinome Dr. Tibiriçá. Jair Bolsonaro, em várias ocasiões, homenageou Ustra, reconhecendo-o como herói nacional. Veja, por exemplo, https://istoe.com.br/bolsonaro-chama-coronel-brilhante-ustra-de-heroi-nacional/ e https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/04/bolsonaro-homenageia-torturador-em-seu-voto-pelo-impeachment-2649/ .
  • 19
    A imunização de rebanho, intensamente questionada pelos epidemiologistas por ser uma concepção simplista e enganosa, refere-se à imunização que ocorreria num grande grupo de indivíduos quando uma parcela significativa desse grupo já tivesse sido contaminada pela doença. Daí a insistência do presidente quanto às aglomerações, por exemplo. Acredita-se, ao contrário, que uma imunização em larga escala só pode ocorrer quando uma parcela significativa da comunidade estiver vacinada e se, até então, observar as medidas preventivas básicas, como uso de máscara, higienização e distanciamento entre as pessoas.
  • 20
    As insanidades do atual Governo são, realmente alarmantes e contínuas. Não se poderia dizer, quando escrevi este texto, que o médico Marcelo Queiroga – empossado Ministro da Saúde em 23 de Março de 2021 – seria tão danoso quanto havia sido Pazuello, posto que seu discurso, à época da posse, parecia mais sensato, tendo ele inclusive promovido o uso de máscaras e outras estratégias para limitar a transmissão do vírus Corona, em confronto com o que era (e ainda é) defendido pelo Presidente da República. Ledo engano. Queiroga, em pouco tempo, mostrou-se tão atrasado quanto Pazuello, atendendo, sem crítica alguma, todas as recomendações da presidência no que diz respeito à crise relativa à pandemia de COVI-19. As últimas notícias – além do desfile de crimes já registrados pela CPI da Covid, implantada pelo Senado Federal – envolvem a vacinação de crianças de 5 a 11 anos. Empenhado em protelar tanto quanto possível a aplicação da vacina para essa faixa etária, à revelia do que recomendam os organismos internacionais, a maioria dos médicos, das instituições e dos gestores de saúde, Queiroga determinou uma consulta pública para que todo cidadão se manifestasse sobre o assunto (o processo esteve aberto de 23/12/2021 a 02/01/2022). Tendo fracassado em sua intenção (a maioria dos participantes apontou a importância da vacina e a contrariedade quanto à necessidade de prescrição médica para que crianças de 5 a 11 anos pudessem ser vacinadas, como tentava impor o Ministério), houve ainda uma audiência pública com médicos e instituições especialistas em saúde, para discutir a situação. Nessa audiência, ocorrida em 04/01/2022, os únicos votos contrários à vacinação foram os dos três médicos indicados pela deputada bolsonarista Bia Kicis como representantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados (Cf. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2021-1/dezembro/aberta-consulta-publica-sobre-vacinacao-de-criancas-contra-covid-19 , https://www.metropoles.com/brasil/indicados-por-kicis-foram-os-unicos-a-criticar-vacinacao-de-criancas ). A conferir o andamento desse processo.
  • 21
    Hoje, parece estar claro que a demora em comprar vacinas tem, como uma de suas justificativas, um grande esquema de corrupção que envolve técnicos e funcionários do alto escalão do Ministério da Saúde, além de outros órgãos federais e empresas privadas.
  • 22
    Em 08/01/2022, as estatísticas registravam 620 mil mortes, no total, Brasil, pela COVID-19 (especialistas concordam, entretanto, que há uma subnotificação de casos, internações e óbitos), mas tem sido apontada enfaticamente a necessidade de conter o contágio pela variante Ômicron, menos severa e letal (afeta mais a garganta que os pulmões, por exemplo), principalmente devido à vacinação em massa, mas de altíssima transmissibilidade. No mês de janeiro de 2022, as taxas de contágio e internação aumentaram dramaticamente – sobretudo devido às férias e às festas de final de ano. Alguns cientistas, entretanto, preveem que o surgimento da variante Ômicron pode significar estarmos entrando num estágio final da pandemia.
  • 23
    Refiro-me, mais uma vez, ao fascismo não apenas como força de expressão, mas pautado em O fascismo eterno , de Umberto Eco, já citado.
  • 24
  • 25
  • 26
  • 27
  • 28
    Trata-se da Lei 7.170, de 14 de dezembro de 1983, que “Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências”. A Lei foi revogada pela Câmara de Deputados em maio de 2021, tendo seguido para o Senado Federal, para análise e julgamento.
  • 29
    Em março de 2021, em Genebra, o líder ianomâmi Davi Kopenawa e outras organizações apresentaram denúncia à ONU contra o presidente brasileiro por violações dos direitos dos povos indígenas, sobretudo os isolados (Veja, por exemplo, https://www.dw.com/pt-br/l%C3%ADder-ind%C3%ADgena-davi-kopenawa-denuncia-governo-bolsonaro-na-onu/a-52628645 ). Em abril de 2021, a Polícia Federal intimou a líder indígena Sonia Guajajara a prestar esclarecimentos sobre uma suposta difamação ao presidente Jair Bolsonaro (Veja, por exemplo, https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/04/30/pf-intima-lider-indigena-sonia-guajajara-por-criticas-ao-governo-bolsonaro ). Em maio de 2021, o líder Amir Suruí, coordenador da Associação Metareilá, em Rondônia, foi também intimado a depor na PF (Cf. por exemplo, https://www.terra.com.br/noticias/brasil/pf-intima-lideres-indigenas-a-depor-por-criticas-ao-governo,983555bde55019ed07a744704f5f99c35mj4f4u7.html ). Os pedidos de apuração sobre as supostas difamações ao presidente partiram da Funai, instituição pública de Estado responsável por coordenar e implementar políticas de proteção aos povos indígenas e de desenvolvimento sustentável.
  • 30
    Em Julho de 2021, por exemplo, a mídia divulgava o iminente desligamento do Tupã, supercomputador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE, utilizado em pesquisas espaciais e, principalmente, para previsões relacionadas ao clima. O Tupã, comprado por 23 milhões em 2010, já foi o principal supercomputador brasileiro, mas dada a penúria orçamentária do INPE, que implica, por exemplo, a continuada ausência de pagamento de energia elétrica pela instituição, ele corre o risco de ser desligado. Em agosto de 2021, o INPE fixou o desligamento para dezembro, mas até o momento (janeiro de 2022) ele continua em funcionamento, segundo os técnicos, devido a gambiarras que eles vêm implementando na expectativa de que algo seja feito pelo Governo Federal. (Cf. p. e. https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/07/4935464-proximo-do-fim-supercomputador-tupa-vem-operando-na--gambiarra.html , https://climainfo.org.br/2021/07/05/o-apagao-cientifico-que-sera-gerado-com-o-possivel-desligamento-do-supercomputador-tupa/ e https://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/clima/294364-supercomputador-tupa-nao-sera-desligado-em-2021-brasil-precisa-atualizar-maquina-mas-previsoes-sao-mantidas-diz-inpe.html#.YddP5prMI2w , links consultados em 06/01/2022)
  • 31
    Em 25 de Julho de 2020, foi publicada a nomeação de Carlos Decotelli, tornada sem efeito logo após a publicação, principalmente devido à denúncia, largamente noticiada e comprovada pela mídia, de haver informações falsas em seu curriculum .
  • 32
  • 33
    Com a nomeação de Dupas Ribeiro em 26/02/2021, o INEP teve, desde o início do atual governo, quatro presidentes (Alexandre Ribeiro Pereira Lopes, de 17/05/2019 a 26/02/2021, Elmer Coelho Vicenzi, de 29/04/2019 a 16/05/2019 e Marcus Vinicius Rodrigues, de 22/01/2019 a 26/03/2019).
  • 34
  • 35
    Veja, por exemplo, matéria publicada na Revista Science em 26 de janeiro de 2020 ( https://www.sciencemag.org/news/2020/01/brazil-s-pick-creationist-lead-its-higher-education-agency-rattles-scientists )
  • 36
    Depois de um longo período de trâmite no Senado, em 01 de dezembro de 2021 o nome do pastor evangélico André Mendonça foi aprovado para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, com o que Bolsonaro cumpria sua disposição, explicitada inúmeras vezes, de indicar para o STF um nome “terrivelmente evangélico”, visando a agradar a Bancada da Bíblia do Congresso. A comemoração de sua indicação pelo Senado foi feita em diversos cultos evangélicos e em reuniões privadas (dentre as quais aquela em que a primeira dama, Michele Bolsonaro, “falando em línguas” foi alvo de merecida e intensa ridicularização pela mídia). (Cf. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/12/01/senado-aprova-andre-mendonca-para-o-stf e https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,video-michelle-bolsonaro-andre-mendonca-linguas-stf-voto-evangelicos,70003918387 ).
  • 37
  • 38
    O Movimento Escola Sem Partido, criado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib, tem como principal bandeira defender uma agenda conservadora para a Educação brasileira, contrária ao que chama de “ideologização de esquerda” supostamente imposta às Escolas. Desde sua criação, inúmeras instituições, dentre as quais o Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, vêm repudiando essa iniciativa. A inconstitucionalidade do Movimento é também uma questão pendente.
  • 39
  • 40
    Cf., por exemplo, https://educacao.uol.com.br/noticias/2020/07/01/sob-bolsonaro-mec-tem-maior-n-de-trocas-desde-a-redemocratizacao.htm . Particularmente sintética e interessante é a avaliação publicada pela BBC em português ( https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48699037 ) sob o título “Seis números que resumem seis meses da Educação na gestão Bolsonaro”. Segundo o texto, o primeiro desses itens diz respeito aos “2 ministros e muitas trocas em cargos técnicos”, vindo, em seguida, “R$ 5,8 milhões contingenciados” (em referência aos cortes implementados por Weintraub nas verbas de Universidades Federais, Institutos Federais, concessões de bolsas e programas ligados à Educação Básica); “3474 bolsas cortadas” (refere-se à decisão de “bloquear preventivamente” bolsas que até então não haviam sido concedidas, ficando mantidas as bolsas já em vigência); “2 protestos populares pela Educação (e polêmicas nas redes sociais)”, referindo-se à manifestação de 15 de maio de 2019 – cujos participantes foram chamados de “idiotas úteis, uns imbecis” pelo presidente – e a de 30 de maio de 2019, feita em resposta a um comunicado do MEC segundo o qual "professores, servidores, funcionários, alunos, pais e responsáveis não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário e no ambiente escolar”; “4 temas quentes” (são eles: os problemas com o ENEM; o FUNDEB – o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, do qual provém a maioria dos recursos, que expiraria em 2020; a BNCC – Base Nacional Comum Curricular; e o PNE – Plano Nacional de Educação –, lei aprovada pelo Congresso em 2014 com 20 metas para a educação do país a serem cumpridas em uma década, até 2024 portanto).
  • 41
    Como exemplo significativo da total inoperância do MCTI quanto à defesa de valores caros à comunidade científica e do papel de fantoche que o Ministro Marcos Pontes desempenha em coro com seus demais colegas ministros, cabe lembrar que vinte cientistas agraciados, no ano de 2021, com a Ordem do Mérito Científico – a lista dos premiados foi divulgada no Diário Oficial da União de 04 de Novembro de 2021 – renunciaram coletivamente ao prêmio. Em carta pública, esses pesquisadores declaram sua “indignação, protesto e repúdio pela exclusão arbitrária dos colegas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda da lista de agraciados”. A listagem de premiados havia sido divulgada em 04 de Novembro, mas um novo decreto presidencial, publicado em 05 de novembro, alterou a composição da lista excluindo Benzaken e Lacerda. Benzaken, em Julho de 2019, havia sido demitida do Ministério da Saúde por ter publicado uma cartilha voltada a homens trans, e Lacerda é sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz. “Enquanto cientistas”, continuam os autores em sua carta de renúncia ao prêmio, “não compactuamos com a forma pela qual o negacionismo em geral, a perseguição a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência e tecnologia têm sido utilizados como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade científica brasileira nas últimas décadas”. Não faltam, entretanto, quem aceite condecorações do Governo Bolsonaro: a primeira dama, por exemplo, já foi condecorada três vezes – com a medalha da Ordem de Rio Branco (em 08/12/2021), com a Medalha de Mérito Oswaldo Cruz (em 28 de Julho de 2021) e como Grande Oficial da Ordem do Mérito da Defesa (em Junho de 2021).
  • 42
    Em 10 maio de 2021, no momento em que eu finalizava este texto, o jornal O Estado de São Paulo denunciava a existência de um orçamento paralelo secreto , no valor de três bilhões de reais, usado pela Presidência para garantir apoio parlamentar a vários de seus projetos, e elaborado no momento em que ocorriam as negociações para as presidências da Câmara e do Senado, entre o final de 2020 e início de 2021. As compras feitas por parlamentares com acesso a essas verbas foram, segundo a denúncia, superfaturadas, ainda que não se tenha, até o momento, o nome de todos os parlamentares envolvidos. O orçamento secreto continua sendo, ainda hoje (janeiro de 2022), quando reviso este artigo, tema importante do noticiário.
  • 43
    O Jornal da USP , em 29/01/2021 anunciava: “A ciência brasileira começa 2021 com um prognóstico angustiante. Não por causa da pandemia, mas de um novo corte orçamentário que promete enviá-la de vez para a UTI do financiamento público. O já diminuto orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), retalhado por uma série de cortes aplicados à pasta nos últimos sete anos, deverá encolher mais 34% neste ano, se a proposta orçamentária do governo federal não for aprovada sem modificações no Congresso. O orçamento total previsto para a pasta é de R$ 10,4 bilhões, sendo que apenas R$ 2,8 bilhões desse valor estarão disponíveis para investimentos em pesquisa (os chamados recursos discricionários, que não incluem gastos com salários, reserva de contingência e outras despesas obrigatórias), comparado a R$ 4,2 bilhões em 2020, segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com base em dados da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020 e do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021”. ( https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/orcamento-2021-coloca-ciencia-brasileira-em-estado-vegetativo/ ). O prognóstico efetivou-se, segundo o Jornal Brasil de Fato , de 26 de março de 2021: “A área de Ciência e Tecnologia teve o segundo maior corte de orçamento, com diminuição de 28,7% em relação a 2020. Diminuir investimentos em inovação e pesquisa afetam diretamente o combate ao coronavírus, já que o país ainda não possui tecnologia própria para vacinas e tem menos de 8% da população vacinada”. ( https://www.brasildefato.com.br/2021/03/26/orcamento-2021-e-aprovado-com-cortes-em-areas-centrais-para-o-combate-a-covid-19 ). Confira, também, http://www.abc.org.br/2020/09/04/area-de-ciencia-e-tecnologia-sofre-com-cortes-maiores-no-orcamento-de-2021/ .
  • 44
    Não custa lembrar, nesse cenário de barbáries, as recentes ameaças feitas a técnicos da ANVISA – tornadas públicas pelo seu presidente, Antonio Barra Torres –, por apoiarem e aprovarem a vacinação contra a COVID de crianças de 05 a 11 anos. Segundo Barra Torres, as mais de 170 ameaças de morte e agressão física são, em boa parte, resultantes das posições defendidas pelo Presidente da República e acatadas por seus ministros, que contribuem para minar a imunização infantil e estimular grupos antivacinas (Cf. https://www.youtube.com/watch?v=KzETwsEwq4g ).
  • 45
    É importante lembrar também, por exemplo, duas vezes em que ajudas humanitárias, em cenários catastróficos, foram oferecidas, mas recusadas pelo Governo Federal: na crise de falta de oxigênio, em Manaus, Bolsonaro recusou a ajuda da Venezuela, e nas enchentes em que milhares de vítimas ficaram desabrigadas no sul e no sudoeste da Bahia, no final de 2021, Bolsonaro recusou a ajuda humanitária oferecida pela Argentina (ainda que tenha aceito, nesse caso, a que foi oferecida pelo Japão).
  • 46
    O cenário exige – e tem produzido – uma diversidade de pesquisas, pautadas em diferentes metodologias, para dar conta de um momento que é comum a todos, mas que, em muitos pontos, diferencia-se de formas marcantes a depender de fatores locais ou regionais. Dada a necessidade de considerar um período para buscar essas informações de modo a apresentá-las neste texto, optei por selecionar pesquisas de amplo espectro cujos resultados tenham sido divulgados pela mídia até o início do ano de 2021. Desses, o mais atual e abrangente é o estudo realizado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, tendo como base os indicadores do SAEB e considerando os resultados de sete mil estudantes de cada ano escolar do Ensino Básico. Outros estudos – em que predomina a abordagem quantitativa – foram realizados pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, em convênio com outros órgãos da mesma instituição, como a Esalq – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz –, pela Fundação Carlos Chagas em parceria com a UNESCO e o Banco Itaú, pela Revista Nova Escola e por Tribunais de Contas, dentre outras entidades e, em sua maioria, foram realizados ao final do primeiro semestre de 2020, e publicados em junho ou julho desse mesmo ano. Em comum eles têm o fato de terem sido realizados quando o ensino presencial havia sido totalmente paralisado – ao contrário do estudo realizado pela Secretaria da Educação de São Paulo, publicado quando já havia, em várias escolas, um tímido esboço de retorno (com restrições) às aulas presenciais. Alguns desses estudos – apresentados na íntegra, ou de forma resumida ou, ainda, em artigos publicados pela grande imprensa – podem ser acessados em (a) https://www.educacao.sp.gov.br/estudantes-dos-anos-iniciais-tiveram-regressao-na-aprendizagem-durante-pandemia-mostra-avaliacao/ , (b) https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/04/escolas-fechadas-explodem-abandono-e-derrubam-aprendizado-em-sp.shtml , (c) https://www1.folha.uol.com.br/colunas/alexandre-schneider/2021/05/o-ensino-remoto-fracassou-e-agora.shtml , (d) https://jornal.usp.br/artigos/educacao-e-pandemia-desafios-e-perspectivas/ , (e) https://www.cenpec.org.br/noticias/6-pesquisas-para-entender-como-a-pandemia-tem-afetado-a-comunidade-escolar , (f) https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/publicacoesportema?tema=Educa%C3%A7%C3%A3o , (g) https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-basica/2020/12/4897221-pandemia-evidenciou-desigualdade-na-educacao-brasileira.html , (h) https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40362020000300545 . Considerei, também, o podcast realizado pelo EduMatREMOTO, projeto da Universidade Federal da Grande Dourados, acessado em 07/07/2021 em https://open.spotify.com/episode/2T3yxAnqFg41sWaWUMzRQj
  • 47
    À essa época, principalmente com cursos de formação estrangeiros que chegavam pelos Correios aos brasileiros.
  • 48
    Sigla para Satélite Avançado de Comunicações Interdisciplinares, programa criado em 1974 para atender às quatro séries iniciais do antigo Primeiro Grau. (Cf. https://www.educabrasil.com.br/projeto-saci/ )
  • 49
    Programa implementado pelo Serviço de Radiodifusão Educativa do MEC cujas transmissões começaram a ser feitas em setembro de 1970. Trata-se de uma série de programas de rádio para educação de adultos, de transmissão obrigatória por todas as rádios do país, logo após a Hora do Brasil. Já o programa Hora do Brasil foi criado em 1938, com a intenção de, diariamente, no início da noite, transmitir aos brasileiros informações julgadas importantes sobre a vida nacional. Deve-se considerar que “Desde 1931, com o Departamento Oficial de Publicidade, substituído em 1934 pelo Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), o governo já vinha implantando uma política de controle da informação transmitida pelo rádio e pela imprensa”. https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-45/EducacaoCulturaPropaganda/HoraDoBrasil
  • 50
    O Decreto nº 2.494, de 1998, da Presidência da República, regulamenta o artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB): “Educação a Distância é uma forma de ensino que possibilita a autoaprendizagem, com a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados, apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou combinados, e veiculados pelos diversos meios de comunicação”.
  • 51
    A criação dos Grupos Escolares, no início do século XX, representa emblematicamente esse conflito entre discurso e prática. Grupos Escolares são instituições de ensino primário, implantadas para democratizar o acesso e elevar a qualidade de ensino ao oferecer prédio próprio adequado e normatização formal para a realização das atividades escolares. A criação dessas escolas urbanas , entretanto, desconsiderou as condições das crianças do campo (que no início do século XX abrigava a maior parte da população) já que as escolas campesinas passaram a oferecer apenas as duas primeiras séries do ensino primário, devendo as restantes serem cursadas nos Grupos Escolares sem que para as crianças do campo houvesse, por exemplo, transporte adequado, estradas adequadas, respeito à necessidade das famílias cujos filhos eram mão de obra na época das colheitas. Havia, sim, a oportunidade de continuar os estudos, sem que se tivesse pensado, entretanto, em prover as condições necessárias para que os estudos tivessem continuidade.
  • 52
    Para situar o contexto, convém lembrar que há cerca de 180 mil escolas de Educação Básica no Brasil, atendendo a um total de 48 milhões de estudantes. A rede estadual de São Paulo, a maior do país, conta, no ensino básico, com 3,8 milhões de estudantes e duzentos mil professores. O estado tem 645 municípios. O único estado brasileiro com número maior de municípios é Minas Gerais, com 853.
  • 53
    Conferir, por exemplo, a tese de doutorado de Thiago Pedro Pinto, Projetos Minerva: uma caixa de jogos caleidoscópica, defendida em 2013, no Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência da UNESP de Bauru.
  • 54
    Todos os sites e links estão devidamente referenciados em notas de rodapé, e foram consultados quando da revisão final deste texto, em 07/01/2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022
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