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Efeito do nível de células somáticas sobre os constituintes do leite I-gordura e proteína

Effects of somatic cell levels on milk components I-fat and protein

Resumos

Foram analisadas eletronicamente 6.112 amostras de leite para CCS e concentração de gordura e proteína com o objetivo de verificar como estes teores são alterados pelo aumento da CCS. A CCS foi transformada para escore linear. O aumento do escore levou a um aumento da concentração de gordura, e a um aumento da concentração de proteína. Estes aumentos foram altamente significativos (p<0,0001), porém apenas 6,97% da variação da concentração de gordura e 12,3% da variação da concentração de proteína foram devidos à variação das CCS.

Contagem de células somáticas; Gordura; Proteína


To evaluate the effects of somatic cell count (SCC) on the concentrations of milk fat and protein, eletronic analysis of 6112 samples were carried out at the Laboratory of Lactation Phisiology from the Department of Zoology, ESALQ - Univesity of São Paulo. All the SCC data were transformed to a linear score. Increases in the SCC score were associated with increases in fat and protein concentrations. This relationship was highly significant (p<0.0001), but only 6.97% of the fat concentration and 12.3 % of the protein concentration could be accounted for variation of the SCC.

Somatic cell count; Fat; Protein


Efeito do nível de células somáticas sobre os constituintes do leite I-gordura e proteína

Effects of somatic cell levels on milk components I-fat and protein

Alfredo Ribeiro PEREIRA1 1 Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da USP, Piracicaba – SP 2 Médica Veterinária Autônoma ; Luís Felipe PRADA e SILVA1 1 Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da USP, Piracicaba – SP 2 Médica Veterinária Autônoma ; Leonardo Kehdi MOLON1 1 Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da USP, Piracicaba – SP 2 Médica Veterinária Autônoma ; Paulo Fernando MACHADO1 1 Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da USP, Piracicaba – SP 2 Médica Veterinária Autônoma ; Giovana BARANCELLI2 1 Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da USP, Piracicaba – SP 2 Médica Veterinária Autônoma

CORRESPONDÊNCIA PARA:

Paulo Fernando Machado

Departamento de Zoologia

Escola Superior de Agricultura

"Luiz de Queiroz" – USP

Av. Pádua Dias, 11 – Caixa Postal 9

13418-900 – Piracicaba – SP

e-mail: pfmachad@esalq.usp.br

RESUMO

Foram analisadas eletronicamente 6.112 amostras de leite para CCS e concentração de gordura e proteína com o objetivo de verificar como estes teores são alterados pelo aumento da CCS. A CCS foi transformada para escore linear. O aumento do escore levou a um aumento da concentração de gordura, e a um aumento da concentração de proteína. Estes aumentos foram altamente significativos (p<0,0001), porém apenas 6,97% da variação da concentração de gordura e 12,3% da variação da concentração de proteína foram devidos à variação das CCS.

UNITERMOS: Contagem de células somáticas; Gordura; Proteína.

INTRODUÇÃO

A colonização da glândula mamária bovina por bactérias patogênicas resulta em uma série de eventos que conduzem a alterações na composição do leite. Inicialmente foram encontrados níveis elevados de bactérias patogênicas, seguidos pelo aumento marcante do número de células somáticas, devido à resposta imunológica do animal. Ocorre uma ampla gama de efeitos secundários. Por exemplo, a produção total de leite cai como resultado de o tecido secretor ter sido prejudicado pelo patógeno e pela passagem de glóbulos brancos do sangue para o interior da glândula, e também ocorrem mudanças marcantes nos níveis de macro (gordura, proteína, lactose) e microconstituintes (minerais) do leite. A mudança na composição do leite é causada pela alteração da permeabilidade dos capilares sangüíneos e pela redução da capacidade de síntese das células secretoras. Essas mudanças refletem o grau de prejuízo causado às células secretoras e ao complexo de capilares sangüíneos da glândula6,9. Como exemplo da redução da capacidade de síntese, temos a redução das concentrações de lactose e caseína no leite mastítico, e, exemplificando a alteração da permeabilidade dos capilares sangüíneos, temos o aumento na concentração de íons (Na, Cl) e proteínas sangüíneas no leite6.

A literatura revela resultados conflitantes quanto ao efeito da mastite sobre a concentração de gordura do leite. Em geral, a porcentagem de gordura do leite cai como resultado da infecção do úbere, mas apenas uma pequena queda (0,45 pontos percentuais)3,6. No entanto, alguns trabalhos mostram que a gordura pode ser concentrada no leite quando a produção de leite é reduzida mais intensamente que a síntese de gordura6.

Asby et al.3, analisando a contagem de células somáticas e a composição de leite do tanque de 445 rebanhos por 2 anos, encontraram uma tendência de queda da concentração de gordura à medida que aumentava a contagem de células somáticas. Entretanto, apenas 4% da variação da concentração de gordura do leite dos rebanhos foi creditada à variação na contagem de células.

Alguns autores afirmam que as mudanças no nível e composição de gordura do leite causadas pela mastite são relativamente pequenas e, em muitos casos, não irá ocorrer até que a infecção se torne severa, isto é, o animal apresente altas contagens de células somáticas. Afirmam, ainda, que a mudança nos níveis de ácidos graxos livres não é marcante, até que a contagem de células somáticas seja maior que 2,0 x 106 por ml6.

O conteúdo de proteína e sua composição são os fatores mais importantes na determinação da qualidade do produto láctico final7.

A infecção na glândula mamária ocasiona uma mudança na permeabilidade da membrana que separa o sangue do leite levando a um influxo de albumina, aumento de 252% no leite, e de imunoglobulinas, aumento de 316% para o interior da glândula, levando a um aumento na concentração de proteína total e do soro do leite5,7,12.

Ng-kwai-hang et al.7 reportaram um aumento de 0,099% na concentração de proteína total para cada aumento de unidade logarítmica de contagem de células somáticas.

O objetivo deste trabalho é estudar as alterações que ocorrem nas concentrações de gordura e proteína devido ao aumento da contagem de células somáticas do leite.

MATERIAL E MÉTODO

No laboratório de Fisiologia da Lactação do Departamento de Zoologia da ESALQ-USP, foram analisadas 6.112 amostras de leite para contagem de células somáticas (CCS) e avaliação da concentração de gordura e de proteína. As concentrações de gordura e proteína foram determinadas por leitura de absorção infravermelha1 no equipamento Bentley 2000, e a contagem de células somáticas foi executada no equipamento Somacount 300 por citometria fluxométrica2.

A CCS foi transformada em escore linear4 (EL = [Log2 (CCS/100.000)] + 3), e as amostras foram agrupadas em dez grupos distintos, de acordo com o nível de infecção. O nível zero continha as amostras com EL de 0,0 a 0,9, o grupo um de 1,0 a 1,9 e assim sucessivamente.

As amostras com contagem de células somáticas menor que 283 mil células/ml foram consideradas não-mastíticas, e as amostras com contagem maior ou igual a 283 mil células/ml foram consideradas mastíticas10.

As análises estatísticas foram realizadas no pacote estatístico SAS11, utilizando-se do procedimento de modelos lineares gerais (Proc GLM).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos 6.112 dados de contagem de células somáticas, porcentagem de gordura e de proteína revelou uma média de 470 mil células por ml e um escore linear médio de 4,0 (Tab. 1). Notamos que o escore linear da média de CCS é 5,2 (470 mil células/ml), tal disparidade é devido ao fato de que a média é uma medida de tendência central que sofre grande influência de valores aberrantes. Assim, o escore linear médio, ao transformar o valor de CCS pela função log, limita a ação dos valores muito altos de CCS sobre a média, e, desse modo, possui maior representatividade do espaço amostral.

A média da concentração de gordura de 3,64% encontrada neste trabalho é um pouco inferior ao valor de 3,80% citado por Oliveira; Caruso8 como média de gordura encontrada por diversos autores. Quanto à proteína, a média encontrada de 3,32% foi semelhante à média citada por aqueles autores (3,3%).

Tabela 1

I-Gordura

Correlação com escore linear

As concentrações de gordura apresentaram correlação positiva com o escore linear (Tab. 2). Foi encontrada forte evidência estatística (p>0,001) de que o valor esperado de gordura esteja relacionado com o escore linear; entretanto, uma variação pequena de gordura pode ser explicada pelo escore linear (r = 0,06974).

Tabela 2

Teste de médias

Foi efetuado o teste de mínimos quadrados em um nível de significância de 5% para determinar as diferenças entre os grupos. Os dados se encontram na Tab. 3.

Tabela 3

Podemos observar que, com um escore linear de 2, já encontramos um aumento significativo na concentração de gordura do leite quando comparado ao nível 0, sendo que a partir de então, apesar da tendência de aumento da concentração de gordura, não houve diferença estatística entre os grupos.

Comparação entre leite mastítico e não-mastítico

A comparação entre dados de leite mastítico e não-mastítico (Tab. 4) mostrou uma concentração de gordura média de 3,69% para o leite mastítico e 3,58% para o leite não-mastítico que diferiram estatisticamente pelo teste F em um nível de 5% de significância.

Tabela 4

Este aumento da concentração de gordura pode ser ocasionado pela diminuição da produção de leite devido a infecção da glândula mamária, como descrito por Kitchen6.

II-Proteína

Correlação com escore linear

Assim como para a gordura, as concentrações de proteína apresentaram correlação positiva com o escore linear (Tab. 2). Foi encontrada forte evidência estatística (p>0,001) de que o valor esperado de proteína esteja relacionado com a forma do escore linear; entretanto, uma pequena variação de proteína pode ser explicada pelo escore linear (r = 0,12305).

Teste de médias

Pode-se notar na Tab. 5 que o aumento da concentração de proteína ocorreu do grupo 0 para o grupo 2 (0,12 unidade), após o que encontramos aumento de 0,02 unidade percentual entre os grupos de escore linear.

Tabela 5

Comparação entre leite mastítico e não-mastítico

A comparação entre dados de leite mastítico e não-mastítico (Tab. 4) mostrou uma concentração de proteína média de 3,36% para o leite mastítico e 3,26% para o leite não-mastítico diferindo estatisticamente pelo teste F em um nível de 5% de significância.

Entretanto, este aumento da concentração de proteína não deve ser considerado favorável à qualidade do leite, pois é devido ao aporte de proteínas plasmáticas para a glândula a fim de combater a infecção. Durante o processamento industrial do leite, estas proteínas são perdidas, enquanto a caseína, que realmente interessa ao processo industrial, é diminuída pela ocorrência da mastite9.

CONCLUSÃO

Ao contrário do esperado, o aumento do escore linear das amostras mostrou-se relacionado com o aumento da concentração de gordura. A proteína, como esperado, também se mostrou relacionada positivamente. Estes aumentos foram altamente significativos (p<0,0001), porém apenas 6,97% da variação da concentração de gordura, e 12,3% da variação da concentração de proteína pode ser explicada pela variação do escore linear.

SUMMARY

To evaluate the effects of somatic cell count (SCC) on the concentrations of milk fat and protein, eletronic analysis of 6112 samples were carried out at the Laboratory of Lactation Phisiology from the Department of Zoology, ESALQ – Univesity of São Paulo. All the SCC data were transformed to a linear score. Increases in the SCC score were associated with increases in fat and protein concentrations. This relationship was highly significant (p<0.0001), but only 6.97% of the fat concentration and 12.3 % of the protein concentration could be accounted for variation of the SCC.

UNITERMS: Somatic cell count; Fat; Protein.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- BENTLEY 2000 operator’s manual. Chaska, EUA : Bentley Instruments, 1995. p.77.

2- SOMACOUNT 300 operator’s manual. Chaska, EUA : Bentley Instruments, 1995. p.12.

3- ASBY, C.B.; GARD, R.P.; WATKINS, J.H. The relationship between herd bulk milk composition and cell count in commercial dairy herds. Journal of Dairy Research, v.44, n.3, p.585-7, 1977.

4- DABDOUTB, S.A.M.; SHOOK, G.E. Phenotypic relations among milk yeld, somatic cell count, and clinical mastitis. Journal of Dairy Science, v.67, p.163-4, 1984. Supplement 1.

5- HAENLEIN, G.F.W.; SCHULTZ, L.H.; ZIKAKIS, J.P. Composition of proteins in milk with varying leucocyte contents. Journal of Dairy Science, v.56, n.8, p.1017-24, 1973.

6- KITCHEN, B.J. Review of the progress of dairy science: bovine mastitis: milk compositional changes and related diagnostic tests. Journal of Dairy Research, v.48, n.1, p.167-88, 1981.

7- NG-KWAI-HANG, F.K.; HAYES, J.F.; MOXLEY, J.E.; MONARDES, H.G. Environmental influences on protein content and composition of bovine milk. Journal of Dairy Science, v.65, n.10, p.1993-8, 1993.

8- OLIVEIRA, A.J.; CARUSO, J.G.B. Leite obtenção e qualidade do produto fluido e derivados. Piracicaba : FEALQ, 1996. p.80.

9- PEREIRA, A.R.; MACHADO, P.F.; BARANCELLI, G.; SILVA, L.V.F. Contagem de células somáticas e qualidade do leite. Revista do Criador, ano LXVII, n.807, p.19-21, 1997.

10- RENEAU, J.K. Effective use of dairy herd improvement somatic cell count in mastitis control. Journal of Dairy Science, v.69, n.6, p.1708-20, 1986.

11- SAS/STAT. User’s guide version 6, 4.ed. Cary : SAS Institute, 1990. p.1022.

12- WEAVER, J.C.; KROGER, M. Protein, casein, and noncasein protein percentages in milk with high somatic cell counts. Journal of Dairy Science, v.60, n.6, p.878-81, 1977.

Recebido para publicação: 05/05/1998

Aprovado para publicação: 26/11/1998

  • 3
    - ASBY, C.B.; GARD, R.P.; WATKINS, J.H. The relationship between herd bulk milk composition and cell count in commercial dairy herds. Journal of Dairy Research, v.44, n.3, p.585-7, 1977.
  • 4
    - DABDOUTB, S.A.M.; SHOOK, G.E. Phenotypic relations among milk yeld, somatic cell count, and clinical mastitis. Journal of Dairy Science, v.67, p.163-4, 1984. Supplement 1.
  • 5
    - HAENLEIN, G.F.W.; SCHULTZ, L.H.; ZIKAKIS, J.P. Composition of proteins in milk with varying leucocyte contents. Journal of Dairy Science, v.56, n.8, p.1017-24, 1973.
  • 6
    - KITCHEN, B.J. Review of the progress of dairy science: bovine mastitis: milk compositional changes and related diagnostic tests. Journal of Dairy Research, v.48, n.1, p.167-88, 1981.
  • 7
    - NG-KWAI-HANG, F.K.; HAYES, J.F.; MOXLEY, J.E.; MONARDES, H.G. Environmental influences on protein content and composition of bovine milk. Journal of Dairy Science, v.65, n.10, p.1993-8, 1993.
  • 8
    - OLIVEIRA, A.J.; CARUSO, J.G.B. Leite obtenção e qualidade do produto fluido e derivados Piracicaba : FEALQ, 1996. p.80.
  • 9
    - PEREIRA, A.R.; MACHADO, P.F.; BARANCELLI, G.; SILVA, L.V.F. Contagem de células somáticas e qualidade do leite. Revista do Criador, ano LXVII, n.807, p.19-21, 1997.
  • 10
    - RENEAU, J.K. Effective use of dairy herd improvement somatic cell count in mastitis control. Journal of Dairy Science, v.69, n.6, p.1708-20, 1986.
  • 12
    - WEAVER, J.C.; KROGER, M. Protein, casein, and noncasein protein percentages in milk with high somatic cell counts. Journal of Dairy Science, v.60, n.6, p.878-81, 1977.
  • 1
    Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da USP, Piracicaba – SP
    2 Médica Veterinária Autônoma
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2000
    • Data do Fascículo
      1999

    Histórico

    • Recebido
      05 Maio 1998
    • Aceito
      26 Nov 1998
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