Acessibilidade / Reportar erro

Linfoma primário de célula do manto da nasofaringe: uma entidade clínica rara Como citar este artigo: Kang J-H, Park Y-D, Lee C-H, Cho K-S. Primary mantle cell lymphoma of the nasopharynx: a rare clinical entity. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:447-50.

Introdução

A maioria dos linfomas não Hodgkin (LNH) na região da cabeça e pescoço desenvolve-se no sistema linfático extranodal do anel de Waldeyer.1Cho KS, Kim HJ, Lee CH, Roh HJ. Non-Hodgkin lymphoma with hemorrhagic necrosis of the nasopharynx mimicking an abscess. Am J Otolaryngol. 2012;33:184-7. No anel de Waldeyer, a nasofaringe é o segundo local mais comum de doença, depois da tonsila palatina. O linfoma nasofaríngeo primário é muito menos comum, ocorrendo em apenas 8% de todos os LNHs de cabeça e pescoço,2Cho KS, Kang DW, Kim HJ, Lee JK, Roh HJ. Differential diagnosis of primary nasopharyngeal lymphoma and nasopharyngeal carcinoma focusing on CT, MRl, and PET/CT. Otolaryngol Head Neck Surg. 2012;146:574-8. e o linfoma difuso de grandes células B (LDGCB) é o tipo histológico mais comum.3Allam W, lsmaili N, Elmajjaoui S, Elgueddari BK, lsmaili M, Errihani H. Primary nasopharyngeal non-Hodgkin lymphomas: a retrospective review of 26 Moroccan patients. BMC Ear Nose Throat Disord. 2009;9:11. O linfoma de células do manto (LCM) é um subtipo distinto de linfoma de células B e compreende cerca de 5% a 10% de todos os linfomas.4Zhou Y, Wang H, Fang W, Romaguer JE, Zhang Y, Delasalle KB, et al. lncidence trends of mantle cell lymphoma in the United States between 1992 and 2004. Cancer. 2008;113:791-8. O LCM caracteriza-se por um curso clínico agressivo, e existe um padrão de recidiva frequente após a quimioterapia convencional.4Zhou Y, Wang H, Fang W, Romaguer JE, Zhang Y, Delasalle KB, et al. lncidence trends of mantle cell lymphoma in the United States between 1992 and 2004. Cancer. 2008;113:791-8. Os LCMs que envolvem a nasofaringe e a orofaringe são extremamente raros, e até onde sabemos, ainda não foram relatados na literatura,. Nesse relato, descrevemos esta apresentação clínica rara de LCM primário que surge na nasofaringe e estende-se até a orofaringe. Este estudo foi aprovado pelo comitê de revisão institucional do Pusan National University Hospital.

Relato de caso

Um homem de 66 anos de idade, procurou nossa clínica com queixas de obstrução nasal e sensação de orelha tapada. Negava febre, calafrios e perda de peso. O exame endoscópico nasal revelou obstrução de ambas as coanas posteriores por um grande tumor nasofaríngeo acompanhado de tecido necrosado. Nenhuma linfadenopatia cervical foi palpada. A tomografia computadorizada (TC) dos seios paranasais revelou uma massa sólida homogênea com realce leve envolvendo ambas as paredes da nasofaringe e estendendo-se até orofaringe superior (fig. 1). Nas imagens de ressonância magnética (RM), o tumor apresentava baixa intensidade de sinal nas imagens ponderadas em T1 (T1WIs), intensidade intermediária do sinal em T2WIs e aumento moderado em T1WIs com gadolínio (fig. 2). Foi realizada biópsia endoscópica transnasal da massa nasofaríngea. O exame histopatológico mostrou infiltração difusa de pequenas células linfocitárias com atipia nuclear leve (fig. 3A). A coloração imunohistoquímica revelou que os linfócitos neoplásicos foram fortemente positivos para CD 20, CD5 e ciclina D1 (fig. 3B-D). Estes achados eram consistentes com LCM. Os laudos da endoscopia gastrintestinal superior, cintilografia óssea e tomografia computadorizada do tórax, abdome e pelve foram descritos como normais. A biópsia de medula óssea não apresentou alterações. O paciente foi estadiado como IE de acordo com o sistema de estadiamento Ann Arbor. O paciente recebeu quatro ciclos de quimioterapia e radioterapia R-CHOP (dose total, 40 Gy). Após 24 meses de acompanhamento pós-tratamento, o paciente não apresentou qualquer evidência de doença residual ou recorrente.

Figura 1.
Tomografia computadorizada (TC) de seios paranasais. Imagens de TC com contraste mostram massa sólida de leve contraste homogêneo bilateral de nasofaringe que se estende para a orofaringe superior em incidência axial (A), coronal (B) e sagital (C).

Figura 2.
Imagens de ressonância magnética (RM) do tumor nasofaríngeo. Massa nasofaríngea bilateral revela baixa intensidade de sinal em imagem ponderada em T1 (T1WI) (A) e sinal de intensidade intermediária em T2WI (B). Imagem pós-contraste (C) demonstra aumento moderado.

Figura 3.
Achados histopatológicos de massa nasofaríngea. (A) Achado microscópico mostra infiltração difusa de pequenas células linfocitárias com atipia nuclear leve (H & E, ×200). A coloração imuno-histoquímica mostra forte positivos para o anti-CD20 (B), anti-CD5 (C) e anticorpo anti-ciclina D1 (D) (×200).

Discussão

LCM é um subtipo de linfoma de células B, derivado de células B do centro pré-germinativo virgens para antígeno CD5-positivo dentro da zona do manto que envolve os folículos normais do centro germinativo.5Kang BW, Sohn SK, Moon JH, Chae YS, Kim JG, Lee SJ, et al. Clinical features and treatment outcomes in patients with mantle cell lymphoma in Korea: study by the consortium for improving survival of lymphoma. Blood Res. 2014;49:15-21. Células de LCM geralmente sobre-expressam ciclina D1 devido a uma translocação cromossômica pelo t (11:14) no ácido desoxirribonucleico.5Kang BW, Sohn SK, Moon JH, Chae YS, Kim JG, Lee SJ, et al. Clinical features and treatment outcomes in patients with mantle cell lymphoma in Korea: study by the consortium for improving survival of lymphoma. Blood Res. 2014;49:15-21. , 6Chang CC, Rowe JJ, Hawkins P, Sadeghi EM. Mantle cell lymphoma of the hard palate: a case report and review of the differential diagnosis based on the histomorphology and immunophenotyping pattern. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Endod. 2003;96:316-20. A causa é desconhecida e nenhuma predisposição hereditária foi identificada. É responsável por cerca de 5% dos LNHs de adultos nos Estados Unidos, e, além disso, a incidência de LCM tem aumentado ao longo da última década, principalmente nos indivíduos mais idosos.7Aschebrook-Kilfoy B, Caces DB, Ollberding NJ, Smith SM, Chiu BC. An upward trend in the age-specific incidence patterns for mantle cell lymphoma in the USA. Leuk Lymphoma. 2013;54:1677-83. A população mais comumente acometida é composta por homens com idade média de 60 anos.7Aschebrook-Kilfoy B, Caces DB, Ollberding NJ, Smith SM, Chiu BC. An upward trend in the age-specific incidence patterns for mantle cell lymphoma in the USA. Leuk Lymphoma. 2013;54:1677-83.

Considerando o aspecto clínico, o LCM geralmente apresenta-se em fases da doença nos estágios III e IV e com linfadenopatia extensa, hepatoesplenomegalia e envolvimento da medula óssea. Verifica-se que 25% dos pacientes também apresentam envolvimento de sangue periférico.5Kang BW, Sohn SK, Moon JH, Chae YS, Kim JG, Lee SJ, et al. Clinical features and treatment outcomes in patients with mantle cell lymphoma in Korea: study by the consortium for improving survival of lymphoma. Blood Res. 2014;49:15-21. A doença extranodal ocorre com menos frequência, mas, quando ocorre, pode ser encontrada no trato gastrintestinal e anel de Waldeyer.6Chang CC, Rowe JJ, Hawkins P, Sadeghi EM. Mantle cell lymphoma of the hard palate: a case report and review of the differential diagnosis based on the histomorphology and immunophenotyping pattern. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Endod. 2003;96:316-20.Nos casos extremamente raros, quando LCM envolve a nasofaringe, apresenta-se com um tumor nasofaríngeo. Descrevemos aqui o primeiro caso de LCM originado na nasofaringe.

O LCM é diagnosticado pelo exame histológico, obtido a partir de uma biópsia de um nódulo linfático, tecido, medula óssea ou pelo fenótipo sanguíneo, que mostra a morfologia típica de células linfoides monomórficas de tamanho pequeno a médio com contornos nucleares irregulares.8Vose JM. Mantle cell lymphoma: 2013 update on diagnosis, risk stratification, and clinical management. Am J Hematol. 2013;88:1082-8. A imunofenotipagem é comumente utilizada com células de LCM que são CD20+, CD5+ e positivas para ciclina D1, e que são negativas para CD10 e Bcl-6.8Vose JM. Mantle cell lymphoma: 2013 update on diagnosis, risk stratification, and clinical management. Am J Hematol. 2013;88:1082-8. A maioria dos pacientes com LCM, t (11:14) e outras alterações genéticas, apresentam excesso de produção de ciclina D1, um evento precoce no LCM.9Pileri SA, Falini B. Mantle cell lymphoma. Haematologica. 2009;94:1488-92. O LCM é, atualmente, estadiado através do sistema Ann Arbor modificado. Nosso paciente apresentava doença em estágio I no momento do diagnóstico, com lesões da nasofaringe e orofaringe, que foi tratada com sucesso por imunoquimioterapia e radioterapia.

A maioria dos pacientes com LCM recebe tratamento uma vez realizado o diagnóstico e estadiamento. Vários tipos de combinações de quimioterapia e rituximabe, tais como R-CHOP, são utilizados para tratar pacientes com LCM. Embora a adição de rituximabe, um anticorpo monoclonal, tenha melhorado significativamente, o desfecho geral e a sobrevida global desses pacientes em cinco anos é de apenas 40%.5Kang BW, Sohn SK, Moon JH, Chae YS, Kim JG, Lee SJ, et al. Clinical features and treatment outcomes in patients with mantle cell lymphoma in Korea: study by the consortium for improving survival of lymphoma. Blood Res. 2014;49:15-21. , 1010 Rasmussen PK. Diffuse large B-cell lymphoma and mantle cell lymphoma of the ocular adnexal region, and lymphoma of the lacrimal gland: an investigation of clinical and histopathological features. Acta Ophthalmol. 2013;91:1-27.

Conclusão

Este é o primeiro caso descrito de LCM primário originário da nasofaringe, com extensão para a orofaringe, tratado com sucesso por imunoquimioterapia e radioterapia. Esta entidade deve ser reconhecida e devidamente diagnosticada, pois pode apresentar um curso clínico mais agressivo do que outros tipos de LNH na cabeça e pescoço. A avaliação morfológica detalhada com imunofenotipagem completa é essencial para um diagnóstico preciso.

References

  • 1
    Cho KS, Kim HJ, Lee CH, Roh HJ. Non-Hodgkin lymphoma with hemorrhagic necrosis of the nasopharynx mimicking an abscess. Am J Otolaryngol. 2012;33:184-7.
  • 2
    Cho KS, Kang DW, Kim HJ, Lee JK, Roh HJ. Differential diagnosis of primary nasopharyngeal lymphoma and nasopharyngeal carcinoma focusing on CT, MRl, and PET/CT. Otolaryngol Head Neck Surg. 2012;146:574-8.
  • 3
    Allam W, lsmaili N, Elmajjaoui S, Elgueddari BK, lsmaili M, Errihani H. Primary nasopharyngeal non-Hodgkin lymphomas: a retrospective review of 26 Moroccan patients. BMC Ear Nose Throat Disord. 2009;9:11.
  • 4
    Zhou Y, Wang H, Fang W, Romaguer JE, Zhang Y, Delasalle KB, et al. lncidence trends of mantle cell lymphoma in the United States between 1992 and 2004. Cancer. 2008;113:791-8.
  • 5
    Kang BW, Sohn SK, Moon JH, Chae YS, Kim JG, Lee SJ, et al. Clinical features and treatment outcomes in patients with mantle cell lymphoma in Korea: study by the consortium for improving survival of lymphoma. Blood Res. 2014;49:15-21.
  • 6
    Chang CC, Rowe JJ, Hawkins P, Sadeghi EM. Mantle cell lymphoma of the hard palate: a case report and review of the differential diagnosis based on the histomorphology and immunophenotyping pattern. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Endod. 2003;96:316-20.
  • 7
    Aschebrook-Kilfoy B, Caces DB, Ollberding NJ, Smith SM, Chiu BC. An upward trend in the age-specific incidence patterns for mantle cell lymphoma in the USA. Leuk Lymphoma. 2013;54:1677-83.
  • 8
    Vose JM. Mantle cell lymphoma: 2013 update on diagnosis, risk stratification, and clinical management. Am J Hematol. 2013;88:1082-8.
  • 9
    Pileri SA, Falini B. Mantle cell lymphoma. Haematologica. 2009;94:1488-92.
  • 10
    Rasmussen PK. Diffuse large B-cell lymphoma and mantle cell lymphoma of the ocular adnexal region, and lymphoma of the lacrimal gland: an investigation of clinical and histopathological features. Acta Ophthalmol. 2013;91:1-27.
  • Como citar este artigo: Kang J-H, Park Y-D, Lee C-H, Cho K-S. Primary mantle cell lymphoma of the nasopharynx: a rare clinical entity. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:447-50.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2015
  • Aceito
    19 Fev 2015
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br