Cosmovisão andina: princípios éticos em povos aculturados, endoculturados e transculturalizados

Resumo

As mudanças políticas que ocorreram na Bolívia nos últimos 50 anos levaram a mudanças na participação de grupos subalternizados e na apreciação ética da vida. Este estudo tem como objetivo estabelecer os comportamentos bioéticos da cosmovisão andina em pessoas aculturadas, endoculturadas e transculturadas em La Paz, Bolívia. Trata-se de uma pesquisa mista, exploratória, etnográfica, transversal, comparativa, sincrônica, diacrônica e sistemática, na qual um questionário validado por especialistas (alfa de Cronbach de 0,932) foi aplicado a 399 pessoas (5,3% aculturadas, 73,9% endoculturadas e 20,8% transculturadas). Os resultados contrastados pela hermenêutica produziram cinco categorias, das quais a categoria relacionalidade era independente da aculturação (p=0,262), enquanto as categorias consciência ecológica, complementaridade, reciprocidade, conceito de saúde, modelo social e comunidade dependiam umas das outras (p=0,000). Constatou-se que os indivíduos aculturados de áreas rurais tinham maior conhecimento da ética ancestral. Recomenda-se a promoção de políticas educacionais relacionadas à ética.

Cultura; Bioética; Aculturação; Cosmovisão; Transculturação

Resumen

Los cambios políticos sucedidos en Bolivia en los últimos 50 años llevaron a modificaciones en la participación de grupos subalternizados y en la apreciación ética de la vida. Este estudio pretende establecer las conductas bioéticas de la cosmovisión andina en aculturados, endoculturados y transculturizados en La Paz, Bolivia. Se trata de una investigación mixta, exploratoria, etnográfica, transversal, comparativa sincrónica, diacrónica y sistemática, en la cual se aplicó un cuestionario validado por expertos (alfa de Cronbach de 0,932) a 399 personas (5,3% aculturadas; 73,9%, endoculturadas y 20,8%, transculturalizadas). Los resultados contrastados por hermenéutica obtuvieron cinco categorías, de las cuales la categoría relacionalidad era independiente a la culturación (p=0,262); mientras que las categorías conciencia ecológica, complementariedad, reciprocidad, concepto de salud, modelo social y comunitario dependían entre sí (p=0,000). Se constató que los sujetos aculturados del área rural presentaban mayor conocimiento de la ética ancestral. Se recomienda la promoción de políticas educativas relacionadas a ética.

Cultura; Bioética; Aculturación; Cosmovisión; Transculturación

Abstract

The political changes that have taken place in Bolivia in the last fifty years have led to modifications in the participation of subalternized groups and changes in the ethical appreciation of life. This study aims to establish the bioethical behaviors of the Andean cosmovision in acculturated, endoculturated and transculturated people in La Paz, Bolivia. It is a mixed, exploratory, ethnographic, cross-sectional, comparative, synchronic, diachronic and systematic research, in which a questionnaire validated by experts (Cronbach’s alpha 0.932) was applied to 399 people (5.3% acculturated; 73.9%, endoculturated and 20.8%, transculturated). The results contrasted by hermeneutics obtained five categories, of which the category relationality was independent of acculturation (p=0.262); while the categories ecological awareness, complementarity, reciprocity, concept of health, social model and community depended on each other (p=0.000). It was found that the acculturated subjects from the rural area presented greater knowledge of ancestral ethics. The promotion of educational policies related to ethics is recommended.

Culture; Bioethics; Acculturation; Worldview; Cultural diffusion

Na evolução histórica e complexa da Bolívia surgiram dois modelos sociais. O primeiro de espírito globalizado e economia liberal, e o segundo fundamentado na ritualidade ancestral e no reconhecimento da própria cultura e identidade, no que diz respeito ao equilíbrio ecológico, à natureza e à reciprocidade do ser humano ¹, considerando “o andino” como uma descoberta de manifestações culturais na interação e construção múltipla de padrões de visão de mundo, que pressupõem que a totalidade de uma sociedade complexa manifesta multiplicidades que se refazem, destroem e renascem de forma constante e indefinida.

A visão retrospectiva sobre a cultura em torno da década de 1960 apresenta uma perspectiva reducionista do conhecimento e da cultura andina, limitada a uma série de mitos e lendas transmitidas de geração a geração para quase todos os habitantes e famílias historicamente aculturadas desde os tempos coloniais, em que a riqueza de valores éticos sobre a vida individual e coletiva, e sua integração com o meio ambiente se destacavam em sua vida comunitária ²-⁷.

As mudanças históricas ocorridas em 1952 propiciaram a reforma agrária, o sufrágio universal e a nacionalização das minas no país, e fizeram com que os grupos até então excluídos participassem da tomada de decisões políticas, permitindo assim a manutenção de rituais e comportamentos do grupo indígena mesmo com a inserção de uma nova cultura na vida cotidiana ⁸-¹².

Nos anos seguintes, os avanços na comunicação por meio do rádio e depois da televisão, e os programas de alfabetização proporcionaram conhecimento aos grupos desfavorecidos sobre uma realidade até então desconhecida. Entretanto, o florescimento das universidades e a migração e a remigração de cidadãos bolivianos para o exterior levariam à internalização de uma nova concepção de “mundo” em diferentes grupos sociais, bem como a demonstração de seu potencial para o desenvolvimento local ¹³.

A partir dos anos 1990, os grupos indígenas passaram a participar de discussões sobre a cultura e valores culturais, estabelecendo um entendimento diferente do atual modelo paradigmático ocidental liberal. Isso se traduz em uma simbiose ancestral-ocidentalizada, na qual alguns princípios da conduta social ética sobrevivem sob uma estrutura mental internalizada no eurocentrismo ¹⁴-¹⁵. Essa mudança definiu uma cultura simbólica ¹, por meio da qual os indivíduos partilham experiências e crenças, inserindo-se em todos os âmbitos da sociedade, economia, saúde, religião, internalizando de forma não explícita no comportamento individual, com uma simbiose ancestral-ocidentalizada sob influências do eurocentrismo.

Essa década também evidencia a globalização da informação, na qual a subalternização e negação das sociedades indígenas e endoculturadas vem se mantendo desde as décadas de 1950-1960 ¹⁶, adotando um modelo cultural aparentemente civilizatório que considera o pensamento capitalista, meritocrático, científico como paradigma único de conhecimento e comportamento, de modo que as próximas gerações não conheçam ou desvalorizem as concepções andinas de ética e respeito aos seres vivos ¹⁷-¹⁸.

Desta forma, enquanto alguns setores da sociedade tentavam resgatar o caráter cósmico da visão andina e sua complementaridade com a natureza, a endoculturação levava à perda do conhecimento dos valores ancestrais andinos, promovendo visões produtivas e mutiladoras do ser humano e do meio ambiente ¹⁹,²⁰. Com isso, as mudanças ocorridas na política e na economia bolivianas diminuíram a produção indígena no âmbito do desenvolvimento nacional, reduzindo também a aplicação de costumes ancestrais, que regiam o comportamento de comunidades e grupos sociais do país. A ética e o respeito à vida foram descartados como elementos importantes no cotidiano dos moradores, concentrando-se apenas em pequenos grupos de indígenas que estavam distantes dos centros das cidades.

Diante disso, o estudo considerou três etapas fundamentais, nas quais as mudanças históricas poderiam ter influenciado na percepção dos princípios ancestrais: a primeira etapa começou antes de 1952 e desapareceu parcialmente em 1952, durante a Revolução Nacionalista; a segunda etapa se iniciou em 1952 e durou até 1980, quando as classes mais desfavorecidas começaram a ter acesso à informação e, ao mesmo tempo, foi introduzido um estado de endoculturação mediante a apropriação de valores dos setores das classes média e alta e daqueles cuja cultura de comunicação era dominante ²¹; a terceira etapa começou com o processo de globalização, tomando como referência a década de 1980 e as seguintes, quando a população adquire conhecimentos que modificariam ainda mais o comportamento social originário.

Diante do exposto, este estudo tem como objetivo identificar quais comportamentos bioéticos da cosmovisão milenar são praticados pelos bolivianos, que passaram pelo processo de aculturação antes de 1952 e de endoculturação entre 1952 e 1980.

Método

Trata-se de uma pesquisa mista, exploratória, etnográfica, transversal, comparativa sincrônica, diacrônica e sistemática, da qual participaram indivíduos de origem aimará do departamento de La Paz (Bolívia), especificamente das províncias de Murillo (quatro municípios) e Ingavi (seis municípios). A seleção dessas regiões se deu porque a primeira é uma metrópole e centro político-cultural do departamento e do país, e a segunda porque abrange uma população com maiores níveis de analfabetismo (33%) e de menor acesso aos meios de comunicação do departamento ²²,²³.

Um questionário foi aplicado a três especialistas, selecionados por seu conhecimento em cosmovisão andina e da cultura indígena altiplânica, que responderam a três questões abertas, que foram analisadas com Atlas.ti 8 com base em cinco categorias sensibilizadoras relacionadas a: 1) complementaridade; 2) reciprocidade; consciência ecológica; 3) modelo social e comunitário; 4) relacionalidade; e 5) conceito de saúde. Depois de codificar as respostas dos especialistas, foi realizada a triangulação dos dados, que resultou em categorias emergentes que foram apresentadas no questionário posteriormente aplicado à população ²³.

Esse questionário semiestruturado constou de 54 itens resultantes de questões norteadas pelas categorias emergentes em cada uma das categorias sensibilizadoras, aplicando-se a escala Likert. Para cada item foi criada uma ponderação baseada no peso nominal de cada categoria de acordo com a importância determinada para cada princípio ético na análise qualitativa. Na validação do questionário, foi aplicado um teste-piloto a 30 moradores das áreas urbana, periurbana e rural, com idades entre 15 e 89 anos, o que resultou em um alfa de Cronbach de 0,932, com validez de consistência interna.

O instrumento validado foi aplicado a 521 indivíduos, selecionados por amostragem intencional nos municípios de El Alto, Mecapaca, Achocalla e Palca, da província de Murillo; e de Viacha, Guaqui, Tiwanaco, Desaguadero e San Andrés de Machaca, da província de Ingavi. A exclusão de 122 questionários ocorreu por duplicidade de resposta no preenchimento. Foram analisados 399 casos levando em consideração as variáveis resultantes das categorias sensibilizadoras na análise qualitativa. Cada uma das categorias recebeu uma pontuação baseada na ponderação resultante do enraizamento e densidade das categorias emergentes, classificadas em: ruim (com pontuação de 0-27), regular (28-55), bom (56-85) e excelente (86-121).

Na análise quantitativa, a variável aculturação foi classificada com base em moradia rural exclusiva, analfabetismo, idioma nativo exclusivo e ausência ou baixo acesso a: televisão, rádio e imprensa. Os endoculturados foram classificados com moradia na área urbana ou periurbana, alfabetização, idioma nativo e espanhol, e acesso moderado a: televisão, rádio, imprensa e livros. Já os transculturalizados foram categorizados de acordo com moradia na área periurbana ou urbana, alfabetização, idioma espanhol e língua estrangeira, e grande acesso a: televisão, rádio, imprensa, internet e bibliotecas.

A avaliação dos achados ocorreu de forma independente em uma tabela de frequências relativas, frequências acumuladas e contrastes do teste qui-quadrado nas categorias de interesse, aculturação, endoculturação e transculturação em cada uma das categorias de princípios éticos. Posteriormente, os dados foram contrastados em tabelas de contingência para aplicar a análise Anova no software SPSS v.23.

Os itens de pontuação foram incorporados posteriormente em dois grandes grupos. O primeiro grupo incluía aqueles que tiveram valores inferiores a 55 pontos, sendo classificados como sujeitos que não conhecem os princípios bioéticos e de cosmovisão andina. O segundo engloba aqueles que obtiveram pontuação superior a 56 pontos, sendo categorizados como sujeitos que conheciam os princípios bioéticos em estudo.

Para analisar a relação entre o grau de cultura e o conhecimento dos princípios éticos, foram aplicados o teste qui-quadrado e a regressão linear múltipla de categorias dependentes.

Esta pesquisa foi realizada em conformidade com as diretrizes da Declaração de Helsinki II sobre as recomendações que norteiam os meios de pesquisa biomédica envolvendo seres humanos, e teve aprovação ética da Comissão Nacional de Bioética e autorização dos povos indígenas por meio do Conselho Nacional de Ayllus e Markas del Qullasuyu (Conamaq).

Resultados

Os questionários aplicados a três especialistas passaram por uma análise qualitativa no software Atlas.ti, e os dados foram organizados em categorias sensibilizadoras relacionadas à ética e à cosmovisão andina, e codificados em 17 categorias emergentes. Os especialistas realizaram uma análise de triangulação dessas categorias e, após considerarem as relações internas, selecionaram aquelas cujo valor de enraizamento e densidade foi superior à média geral (Figura 1).

Figura 1
Triangulação dos especialistas

As categorias integração, colaboração, bem-estar social, complementação, respeito social, respeito ao meio ambiente, delimitação de funções, solução comunitária, padrões de vida e medicina tradicional apresentaram maior valor de enraizamento e de densidade, sendo consideradas como categorias emergentes necessárias à elaboração do questionário que seria aplicado à população, separando os elementos das questões em cada item para avaliação quantitativa.

Depois da aplicação do questionário validado, foi realizada uma análise estatística descritiva nas tabelas de frequência das variáveis sociais, o que resultou em 31,02% dos participantes com idade inferior a 14 anos; 62,86% com idade entre 15 e 64 anos; e 6% com 65 anos ou mais. Em relação ao acesso à informação pelas novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC), 82,37% dos participantes utilizavam rádio, 66,5% televisão, 23,56% computador, 73,49% telefone fixo ou celular e 7,96% internet.

Do total de entrevistados, 4% eram aculturados maiores de 55 anos, enquanto a idade média de vida foi predominante em endoculturalizados e transculturalizados (47% e 11%, respectivamente). Já 9% dos entrevistados eram transculturalizados com idade entre 15 e 23 anos.

Em todos os grupos culturais foi encontrada maior participação do sexo feminino (56%), principalmente nas áreas periurbana e rural; 19,5% eram da área urbana, 20% da área periurbana e 59,8% da área rural.

Depois de organizar os grupos de acordo com o grau cultural, o nível de conhecimento sobre os princípios foi avaliado individualmente, de tal forma que o grupo entre 24 e 55 anos apresentou maior conhecimento da relacionalidade (73%), enquanto a consciência ecológica foi maior no grupo de aculturados de 55 anos (62%), bem como o princípio da complementaridade (40%) e reciprocidade (28%). Na avaliação geral da categoria do modelo social e comunitário, os endoculturados com mais de 67 anos estão mais familiarizados com esse modelo (67%).

Os itens de pontuação foram incorporados posteriormente em dois grandes grupos. O primeiro grupo incluía aqueles que tiveram valores inferiores a 55 pontos, sendo classificados como sujeitos que não conhecem os princípios bioéticos e de cosmovisão andina. O segundo grupo corresponde aos que obtiveram pontuação superior a 56 pontos, o que mostra que 81% das pessoas aculturadas com mais de 55 anos conhecem os princípios éticos da cosmovisão andina dentro de seu grupo cultural, em comparação com 52% dos endoculturados e 45% dos transculturalizados entre 24 e 55 anos. E 35% das pessoas transculturalizadas com menos de 23 anos têm conhecimento desse tema.

Para avaliar a relação entre o grau de cultura e o conhecimento dos princípios éticos, foi realizado o teste qui-quadrado modificado por Fisher. Os resultados evidenciam que ambas as categorias são independentes entre si (p=0,139), entretanto, o princípio da consciência ecológica apresenta dependência de carácter cultural, assim como as categorias complementaridade, reciprocidade, conceito de saúde e modelo social e comunitário de saúde (p=0,000 em cada caso).

Para tanto, procedeu-se à análise de regressão múltipla das categorias dependentes para encontrar as correlações entre cada uma, comparando as médias de uma população em geral, preservando os valores médios semelhantes nos três grupos de comparação. No coeficiente de correlação observam-se correlações significativas superiores a 0,5, com instrumento validado entre as categorias, notas, modelo social e comunitário, consciência ecológica e reciprocidade.

Houve correlação positiva entre a categoria de cultura e as variáveis preditoras demonstradas no resumo do modelo F de Snedecor, com significância de 0,000. Assim, os resultados entre os grupos e dentro dessas variáveis são independentes, baseados nas médias quadráticas do resultado e no desvio-padrão das médias que apresentam valores próximos entre si (Tabela 1).

Tabela 1
Resumo do modelo F de Snedecor

Modelo		Soma dos quadrados	gl	Média quadrática	F	Significância
1	Regressão	22.265	8	2.783	15.054	.000
	Residual	72.101	390	0.185
	Total	94.366	398

• Teste de significância assintótica de O, compatível com correlação positiva entre a variável cultura e as variáveis preditoras

Por último, foi elaborada uma tabela de contingência para avaliar o nível de conhecimento sobre os princípios da cosmovisão andina de acordo com o nível de cultura com avaliação numérica, idade e origem (Tabela 2).

Tabela 2
Conhecimento dos princípios éticos segundo idade e cultura

Cultura		Conhecimento dos princípios éticos
		Pouco			Bom			Excelente
		Idade			Idade			Idade
		≤23	24-55	56-94	≤23	24-55	56-94	≤23	24-55	56-94	Total
Aculturados	Urbana	0,00	0,00	0,00	0,00	0,25	0,00	0,00	0,00	0,00	0,25
	Periurbana	0,00	0,00	0,00	0,50	0,00	0,25	0,00	0,00	0,25	1,00
	Rural	0,00	0,25	0,00	0,00	0,00	1,75	0,00	0,00	2,01	4,01
Endoculturados	Urbana	0,75	0,50	0,25	0,75	4,76	1,50	0,00	0,00	0,25	8,77
	Periurbana	0,25	2,76	0,00	1,00	6,02	1,00	0,00	0,50	0,00	11,53
	Rural	1,25	5,26	2,76	6,27	25,31	8,02	0,50	2,26	2,01	53,63
Transculturados	Urbana	0,25	1,00	0,00	3,51	4,76	0,50	0,25	0,00	0,25	10,53
	Periurbana	1,25	1,00	0,00	2,26	3,26	0,00	0,00	0,25	0,00	8,02
	Rural	0,00	0,00	0,00	1,25	1,00	0,00	0,00	0,00	0,00	2,26
Total		3,75	10,78	3,01	15,54	45,36	13,03	0,75	3,01	4,76	100,00

Os dados evidenciam que os habitantes da área rural têm mais conhecimento sobre os princípios bioéticos em seu grupo de pares em comparação com os habitantes das áreas urbanas e periurbanas. Por outro lado, existe uma relação entre maior acesso à informação e menor conhecimento dos princípios éticos globais e da cosmovisão andina (p=0,035).

Isso pode estar relacionado ao fato de que o fluxo de informação e comunicação não apenas aumentou significativamente a partir da década de 1980, mas também se tornou mais acessível. Essa situação, somada ao crescente processo de globalização, leva à transculturalização das pessoas mais jovens. O avanço da tecnologia causa impacto e modifica o pensamento dessa população, levando-a a comportamentos alheios ao nativo. Dessa forma, fica evidente a influência que os processos de comunicação e a globalização tiveram na distorção dos princípios éticos de nossa cultura originária.

Considerações finais

Conclui-se que os princípios éticos da cosmovisão andina norteiam os critérios de relacionalidade, complementaridade, consciência ecológica e do modelo social e comunitário, no qual o respeito e a integralidade do ser são base das relações sociais, bem como a consciência ecológica.

O nível de conhecimento sobre os princípios bioéticos da cultura andina é maior nos habitantes aculturados da área rural, com mais de 55 anos de idade. Por outro lado, os sujeitos endoculturados entre 24 e 55 anos, moradores da área periurbana e rural, têm um bom conhecimento sobre esses princípios, enquanto os transculturalizados da área urbana pouco conhecem o assunto.

A valorização global dos princípios denota que a relacionalidade é mais conhecida no grupo dos endoculturados, enquanto a consciência ecológica e a complementaridade são maiores entre os aculturados. A separação dos princípios bioéticos pelo tipo de cultura em relação ao número dos entrevistados por grupo mostra que o grupo de pessoas aculturadas com mais de 55 anos tem um conhecimento excelente dos princípios da complementaridade, reciprocidade, solidariedade, consciência ecológica e saúde comunitária.

Os resultados encontrados podem estimular mais reflexões sobre a educação bioética e ética em jovens do departamento de La Paz (Bolívia), especialmente em regiões urbanas, onde a transculturalização está relacionada ao declínio dos princípios éticos universais e da cosmovisão originária, que reduz suas percepções individuais, levando a uma depreciação moral e da integração com a natureza, que os antepassados honravam em sua visão filosófica de vida.

Embora o acesso equitativo à educação seja um valor inegável do direito das pessoas, o tipo de informação acessada por jovens com menos de 24 anos precisa ser reanalisado.

Os resultados descritos na análise estatística permitem observar que quanto maior a informação, menor o conhecimento e a prática dos valores éticos. Isso leva à necessidade de reduzir o processo de transculturalização ao qual nossos descendentes estão sujeitos.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Academia Boliviana de Medicina pela colaboração na coleta de informações nos diferentes municípios.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  18 Dez 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  30 Maio 2022
• Revisado
  19 Jul 2022
• Aceito
  13 Abr 2023