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Reflexões acerca de sequências verbais da língua Apyãwa

Reflections on verbal sequences in the Apyãwa language

Resumo

Investigam-se sequências verbais da língua Apyãwa que se apresentam sob a estrutura pessoa-V1-V2, sendo V1 qualquer verbo lexical, e pertencendo V2 a um seleto grupo de verbos que geralmente manifestam semântica de aspecto ou modalidade. Selecionaram-se os verbos mais produtivos: kwããw ‘saber, conhecer’; patãr ‘querer, desejar’; pãw ‘acabar, terminar’; e kãto ‘ser bonito, ser bom’. Devido à pandemia de Covid-19, não foi possível realizar trabalho de campo; por isso, os dados, em sua maioria, foram extraídos de Praça (2007). Analisou-se a estrutura em cada verbo eleito para este estudo, destacando-se suas principais características: ambos os verbos da sequência serem verbos plenos e as sequências formarem construções mono-oracionais. Tais características apresentadas ora aproximam a estrutura de construções verbais seriais, ora a distanciam delas. O mesmo acontece quando se intenta classificar V2 como um auxiliar. Assim, propõe-se outra análise em que, para os verbos transitivos – kwããw ‘saber, conhecer’ e patãr ‘querer, desejar’ –, ocorre a incorporação do objeto oracional relativo a V1 por V2, e que, no caso dos verbos intransitivos – pãw ‘acabar, terminar’ e kãto ‘ser bonito, ser bom’ –, estes tornam-se modificadores de V1.

Palavras-chave
Apyãwa; Sequências verbais; Verbos seriais; Verbos auxiliares; Modificadores

Abstract

This article investigates verbal sequences in the Apyãwa language that follow the person-V1-V2 structure, where V1 is any lexical verb and V2 belongs to a select group of verbs that generally convey aspect or modality. We selected the most productive verbs, namely kwããw [know], patãr [want, to wish], pãw, [end, finish], and kãto [be fine, be good]. As the Covid-19 pandemic precluded field work, the data were mostly drawn from the work of Praça (2007). We analyse person-V1-V2 verbal sequences for each verb, emphasising their main characteristics: both verbs in each sequence being full-fledged verbs and the sequences forming single-clause constructions. These are sometimes close to serial verbal constructions and sometimes distant; attempting to classify V2 as an auxiliary verb is also problematic. We consequently propose a different analytical approach. For the transitive verbs, kwããw [to know] and patãr [to want, to wish], the clause object related to V1 is incorporated by V2. In the case of the intransitive verbs, pãw [to end, to finish] and kãto [to be fine, to be good], we observe that they become modifiers of V1.

Keywords
Apyãwa; Verbal sequences; Serial verbs; Auxiliary verbs; Modifiers

INTRODUÇÃO

Em várias línguas Tupí-Guaraní, manifestam-se construções com sequências verbais sob a estrutura PESSOA + V1 + V2. Para o verbo que ocupa a posição V1, não há qualquer restrição semântica ou de estrutura argumental; a posição V2, por sua vez, é ocupada por um seleto grupo de verbos que geralmente manifestam semântica aspectual ou de modalidade. Essa construção já podia ser encontrada no Tupinambá, como pode ser observado no exemplo a seguir:

    (Barbosa, 1956, p. 148, nossa análise) (1) a-karu-potar     1SG-comer-querer     ‘Quero comer.’  

No exemplo 1, a posição V1 é ocupada pelo verbo karu ‘comer’, e a posição V2, pelo verbo potar ‘querer’.

De modo geral, o tema de sequências verbais em línguas da família Tupí-Guaraní ainda é pouco estudado, podendo-se encontrar referências a ele em: Jensen (1990)Jensen, C. (1990). Cross-referencing changes in some Tupí-Guaraní languages. In D. L. Payne (Ed.), Amazonian linguistics: studies in Lowland South American languages (pp. 117-158). University of Texas Press., que, em sua proposta de reconstrução do Proto-Tupí-Guaraní, chama de verbos seriais as construções tradicionalmente conhecidas pela nomenclatura de ‘gerúndio’1 1 Para mais informações a respeito do gerúndio, ver Rodrigues (2013). ; Drude (2011)Drude, S. (2011). “Derivational verbs” and other multi-verb constructions in Awetí and Tupí-Guaraní. In A. Y. Aikhenvald, P. C. Muysken & J. Birchall (Eds.), Multi-verb constructions: a view from the Americas (pp. 213-254). Brill., que também trabalha com o chamado ‘gerúndio’ no Awetí; Rose (2009)Rose, F. (2009). The origin of serialization: the case of Emerillon. Studies in Language, 33(3), 644-684. https://doi.org/10.1075/sl.33.3.05ros
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, que oferece análise da origem da serialização no Emerillon; Velázquez-Castillo (2004)Velázquez-Castillo, M. (2004). Serial verb constructions in Paraguayan Guarani. International Journal of American Linguistics, 70(2), 187-214. http://dx.doi.org/10.1086/424554
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, que apresenta construções seriais no Guaraní paraguaio; Magalhães (2021)Magalhães, M. M. S. (2021). Elaboração e compressão de sentenças complexas em Guajá. Revista Moara, (58), 27-58. http://dx.doi.org/10.18542/moara.v0i58.10849
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, no Guajá, e Vieira e Baranger (2021)Vieira, M. D., & Baranger, E. (2021). Object sharing in Mbya Guarani: a case of asymmetrical verbal serialization? Languages, 6(1), 45. https://doi.org/10.3390/languages6010045
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, no Mbyá Guaraní, que, seguindo a classificação proposta por Aikhenvald (2006)Aikhenvald, A. Y. (2006). Serial verbs constructions in typological perspective. In A. Y. Aikhenvald & R. M. W. Dixon (Eds.), Serial verbs constructions: a cross-linguistic typology (pp. 1-68). Oxford University Press., apresentam proposta de enquadramento de certos verbos das respectivas línguas na classe de verbos seriais assimétricos; Dooley (1991)Dooley, R. A. (1991). A double-verb construction in Mbyá Guaraní. Work Papers of the Summer Institute of Linguistics, 35, 31-66. http://www.etnolinguistica.org/artigo:dooley-1991
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, que também trabalha sequências verbais no Mbyá Guaraní; Cruz (2011, p. 429)Cruz, A. (2011). Fonologia e gramática do Nheengatú: a língua geral falada pelos povos Baré, Warekena e Baniwa. LOT., que apresenta fenômeno similar do Nheengatú como uma incorporação verbal.

Dessa maneira, tem-se por objetivo neste artigo descrever e discutir tal fenômeno sintático da língua Apyãwa, uma das muitas pertencentes à família Tupí-Guaraní, no qual verbos se alinham em sequência – sem a ocorrência de qualquer elemento interferindo entre eles ou qualquer marca de dependência – e continuam a agir como um único predicado. Quatro verbos são os mais produtivos na posição V2: kwããw ‘saber, conhecer’; patãr ‘querer, desejar’; pãw ‘acabar, terminar’; e kãto ‘ser bom, ser bonito’.

Este texto está estruturado da seguinte forma. A primeira seção traz características morfofonológicas e sintáticas da língua Apyãwa importantes para a análise proposta. Na segunda seção, é apresentado o continuum da integração gramatical em construções multioracionais e seus reflexos na morfossintaxe Apyãwa. A terceira seção apresenta a sequência verbal PESSOA-V1-V2 presente em Apyãwa. Em seguida, para cada verbo deste estudo, demonstram-se as características da sequência verbal PESSOA-V1-V2 presentes neles. A próxima seção traz nossa proposta de análise da estrutura, de forma que, para os verbos transitivos, ocorre a incorporação do objeto oracional relativo a V1 por V2 e, para os verbos intransitivos, há uma extensão da semântica de V2 para V1 por meio de um paralelo com os compostos nominais com núcleo em primeira posição, nos quais V1 é o núcleo e V2, o modificador.

CARACTERÍSTICAS MORFOFONOLÓGICAS E SINTÁTICAS DA LÍNGUA APYÃWA

Os Apyãwa, tradicionalmente conhecidos por Tapirapé, habitam duas terras indígenas localizadas a nordeste do estado do Mato Grosso: a Terra Indígena (TI) Urubu Branco e a TI Tapirapé-Karajá (Paula, 2012Paula, E. D. (2012). Eventos de fala entre os Apyãwa (Tapirapé) na perspectiva da Etnossintaxe: singularidades em textos orais e escritos [Tese de doutorado, Universidade Federal de Goiás]. http://www.etnolinguistica.org/tese:paula-2012
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). Segundo Rodrigues (1964)Rodrigues, A. D. (1964). A classificação do tronco lingüístico Tupí. Revista de Antropologia, 12(1-2), 99-104. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1964.110739
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, a língua Apyãwa pertence ao subgrupo IV da família Tupí-Guaraní, do tronco Tupí.

A presente seção aborda aspectos morfofonológicos e gramaticais da língua Apyãwa. A seguir, são apresentadas algumas regras morfofonêmicas de juntura dos morfemas que serão necessárias para a análise proposta neste artigo sobre o tema das sequências verbais (Praça, 2007Praça, W. N. (2007). Morfossintaxe da língua tapirapé [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. https://repositorio.unb.br/handle/10482/6626?locale=en
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, p. 73):

  1. Ocorrência de somente um acento nos compostos, formando, assim, uma só palavra fonológica;

  2. Queda do sufixo referenciante {-a} e relacional em composições;

  3. Nasalização da consoante oclusiva bilabial surda /p/ após vogal nasal.

Como outras línguas pertencentes à família Tupí-Guaraní, o Apyãwa possui quatro conjuntos de marcadores de pessoa, conforme a Tabela 1.

Tabela 1
Marcadores de pessoa do Apyãwa. Legendas: * = exceto na primeira pessoa do plural inclusiva; ** = caso haja correferência entre o possuidor do nome relativo na função de objeto e o sujeito da oração. Fonte: os dados foram retirados de Praça (2007), e a elaboração e consolidação da tabela são da autora do presente artigo.

Na língua Apyãwa, para os verbos transitivos, devido ao verbo ter uma única vaga morfológica para a marcação de pessoa, marca-se sempre a pessoa cuja graduação seja a mais alta. Tal marcação é regida segundo um sistema de hierarquia entre as pessoas do discurso que favorece as pessoas intralocutivas. Por esse sistema, primeira e segunda pessoas são hierarquicamente superiores à terceira. Sendo as pessoas do discurso gramaticalmente idênticas, sempre será marcado o agente. Quando ocorre de uma primeira pessoa agir sobre uma segunda pessoa, são usados marcadores da ‘série de hierarquização’ (Praça, 2007Praça, W. N. (2007). Morfossintaxe da língua tapirapé [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. https://repositorio.unb.br/handle/10482/6626?locale=en
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, p. 104).

O período simples da língua Apyãwa apresenta-se com dois tipos de orações: orações com predicados não verbais e orações com predicados verbais. No grupo dos predicados não verbais, encontram-se os predicados existenciais, equativos, inclusivos e locativos. Os predicados verbais, por sua vez, abrangem verbos transitivos e intransitivos, e o marcador de pessoa sempre vem prefixado ao verbo, como pode ser observado no exemplo 2.

        (Praça, 2007, p. 101, nossa análise)     A PV   (2) ãpĩ korinãka’i-ø xe=ø-mook     mamãe Korinãka’i-RFR 1SG.NA=R-molhar     ‘Mamãe, Korinãka’i me molhou.’

No exemplo 2, após o vocativo, apresenta-se o agente da ação verbal, Korinãka’i; e, conforme a hierarquia de pessoa, na única vaga morfológica do verbo, é codificada a primeira pessoa – hierarquicamente superior à terceira pessoa –, conforme o destaque.

A negação das orações é realizada por meio do morfema descontínuo {na=....-i} (nã ~ n= .....-i ~ -j ~ -ø), e o escopo do morfema é toda a oração (Praça, 2007, p. 211). No exemplo 3, destacamos o morfema descontínuo, e pode-se observar como se dá a negação em Apyãwa.

          (Praça, 2007, p. 71, nossa análise) (3) akoma’e-ø3 i-eew-ama’e-ø n=a-ãpa-j ka-ø     homem-RFR 3.NA-preguiça-N.PRED-RFR não=3.SA-fazer-NEG roça-RFR   ‘O homem que tem preguiça não faz roça.’

CONTINUUM DA INTEGRAÇÃO GRAMATICAL EM CONSTRUÇÕES MULTIORACIONAIS E SEUS REFLEXOS NA MORFOSSINTAXE APYÃWA

Como qualquer estrutura gramatical, orações multioracionais estão sujeitas a gramaticalizações, que são “. . . alterações de propriedades sintáticas, semânticas e discursivo-pragmáticas de uma unidade linguística que promovem alteração em seu estatuto categorial” (Gonçalves et al., 2007Gonçalves, S. C. L., Lima-Hernandes, M. C., & Casseb-Galvão, V. C. (Eds.). (2007). Introdução à gramaticalização. Parábola Editorial., p. 17). Nesse sentido, as sequências analisadas neste texto perpassaram por esse processo, já que V2 da sequência apresenta características mais gramaticais que lexicais, como a ausência do marcador de pessoa diante de si.

Como essas sequências verbais se originam de estruturas mais independentes gramaticalmente entre si, um instrumento útil na discussão dessas estruturas em processo de perda de independência estrutural é o continuum (Lehmann, 2002Lehmann, C. (2002). Thoughts on grammaticalization. University of Erfurt.; Payne, 2006Payne, T. E. (2006). Exploring language structure: a student’s guide. Cambridge University Press.), apresentado na Figura 1.

Figura 1
Continuum da integração gramatical.

Esse continuum identifica dois extremos: o da máxima coordenação, com duas ou mais orações completamente independentes entre si; e o da integração/subordinação, cujos elementos, um subordinando-se ao outro, associam-se em uma só oração.

Uma estratégia de ‘coordenação’ em Apyãwa é a coordenação assindética, na qual orações se justapõem sem qualquer conectivo, como pode ser visto no exemplo 4.

          (Praça, 2007, p. 202, nossa análise) (4) kwãxi-ø a-o’o ãpĩ-ø a-nopỹ-nopỹ     quati-RFR 3.SA-morder mamãe-RFR 3.SA-bater-REDUP   ‘O quati mordeu a mamãe (e), ela bateu muito nele.’

Entende-se por subordinação aquelas situações em que existe, entre os termos constituintes da oração, uma relação de determinante e determinado (Câmara Jr., 2009Câmara Jr., J. M. (2009). Dicionário de linguística e gramática: referente à língua portuguesa (27. ed.). Vozes., p. 281). O modo como a subordinação pode ser vista na língua Apyãwa será tratado mais à frente.

Ao se considerar a representação do continuum de integralidade oracional apresentada na Figura 1, percebe-se que várias delas estão presentes na língua Apyãwa.

‘Cadeia de orações’ é um mecanismo pelo qual “. . . várias orações relacionadas a eventos distintos, mas relacionados, são colocadas em sequência” (Dixon, 2010Dixon, R. M. W. (2010). Basic linguistic theory (2. v.). Oxford University Press., p. 410, tradução nossa). Há uma oração principal e uma ou mais orações dependentes unidas entre si por morfologia específica (Payne, 2006Payne, T. E. (2006). Exploring language structure: a student’s guide. Cambridge University Press., p. 300), entretanto sem qualquer marcador sintático evidente.

As ‘orações adverbiais’ apresentam marcas de dependência sintática e exercem uma função adverbial em relação à oração principal. Elas estão amplamente presentes na língua Apyãwa, e o que se observa é que, nelas, a hierarquia de pessoa não ocorre e os argumentos são codificados por índices da ‘série não ativa’ e da ‘série correferencial’. As orações adverbiais se dividem em (Praça, 2007Praça, W. N. (2007). Morfossintaxe da língua tapirapé [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. https://repositorio.unb.br/handle/10482/6626?locale=en
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):

  1. Orações subordinadas de sujeito distinto (OSSD4 4 Tradicionalmente, nas línguas Tupí, conhecidas como subjuntivo. );

  2. Orações subordinadas de sujeito idêntico (OSSI5 5 Tradicionalmente, nas línguas Tupí, conhecidas como gerúndio. );

  3. Orações consecutivas;

  4. Orações subordinadas não ativas.

As OSSD são caracterizadas pela não correferência entre o sujeito da oração principal e o da subordinada. Restringem-se à ocorrência de verbos transitivos ou intransitivos ativos na subordinada. Podem expressar circunstâncias temporais, causais ou condicionais. A dependência sintática é marcada pelo morfema {-ãramõ} (-ãramõ ~ -ramõ ~ -amõ ~ -mõ). Caso a oração subordinada seja intransitiva, seu argumento S será codificado com o mesmo índice do argumento P da oração matriz, ou seja, com índices da ‘série não ativa’. Sendo a oração subordinada transitiva, a correferência entre o argumento A ou S da oração matriz e o P da oração subordinada será feita por meio de índices da ‘série correferencial’ (Praça, 2007Praça, W. N. (2007). Morfossintaxe da língua tapirapé [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. https://repositorio.unb.br/handle/10482/6626?locale=en
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).

Os exemplos a seguir ilustram orações subordinadas de sujeito distinto.

          (Praça, 2007, p. 202, nossa análise) (5) a-yj mĩ a-ixãk-ãramõ   3.SA-correr HAB 3.C-ver-OSSD   ‘Ele sempre corre quando você o olha.’

No exemplo 5, o argumento S da oração principal é a primeira pessoa e o argumento A da oração subordinada é a segunda pessoa, ou seja, os sujeitos não são coincidentes. Para se marcar a correlação entre o argumento S da matriz e o argumento P da subordinada, a língua Apyãwa adota o uso da ‘série correferencial’.

Nas OSSI, há a correferencialidade do sujeito da oração subordinada com o da oração matriz. Nelas, o argumento único de verbos intransitivos ‒ tanto ativos quanto descritivos ‒ é codificado por índices da ‘série correferencial’. O morfema que referencia as OSSI é o {-wo} (-wo ~ -ã ~ -ta) (Praça, 2007Praça, W. N. (2007). Morfossintaxe da língua tapirapé [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. https://repositorio.unb.br/handle/10482/6626?locale=en
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, p. 207). As OSSI podem expressar relações temporais, como um evento realizado simultaneamente ao evento da oração matriz, ou um evento realizado pelo mesmo sujeito, mas sem simultaneidade, indicando uma sequência eventiva, finalidade, causalidade ou explicação. A seguir, apresenta-se o exemplo 6, que ilustra uma OSSI.

            (Praça, 2007, nossa análise) (6) ã’ẽ=gã-ø rãka ’a ’or a-mãrãkã-wo   DEM=SG-RFR PAS.REC D.E 3.vir 3.C-cantar-OSSI   ‘Aquele veio aqui para cantar.’

No exemplo 6, está realçado o prefixo da ‘série correferencial’ de terceira pessoa. Essa é a única marca que indica a coincidência entre os sujeitos da oração principal e da subordinada.

Nas orações consecutivas, a subordinação é marcada pelo morfema {-ire} (-ire ~ -re), o sujeito pode ser ou não correferencial ao da oração principal e os núcleos dessas orações são sempre verbos ativos. Tais orações transmitem a noção de ‘depois de’. Quando o verbo da oração subordinada for monovalente, caso haja correferência entre o sujeito da oração subordinada e o da principal, faz-se necessário o uso de um índice da ‘série correferencial’ no verbo da oração subordinada, conforme pode ser visto no exemplo 7.

            (Praça, 2007, p. 189, nossa análise) (7) ã-xepyto’ak ekwe we-karõ-pãw-ire   1SG.NA-descansar F.IMI 1SG.C-comer-terminar-CONS   ‘Descansarei depois de comer tudo.’

As orações subordinadas não ativas são marcadas pelo morfema {-ãramõ} (-ãramõ ~ -ramõ). O núcleo dessas orações é um verbo descritivo ou um nome, e o sujeito delas pode ou não ser correferente ao da oração principal. Caso haja a correferência entre o sujeito da oração principal e o da subordinada, esta receberá prefixos da ‘série correferencial’. Não havendo correlação entre o sujeito da oração matriz e o da oração subordinada não ativa, serão utilizados marcadores da ‘série não ativa’.

      (Praça, 2007, p. 198, nossa análise) (8) wex-ãy-ramõ ã-nopỹ i-re-ka-wo   1SG.c-estar.com.raiva-S.P.N.AT 1SG.SA-bater 3.NA-CC-estar-OSSI   ‘Quando eu estava com raiva, eu bati nele (no cachorro).’
            (Praça, 2007, nossa análise) (9) i-yãr-aramõ karãe ara-a mãir-a ø-tãj-pe   3.NA-canoa-S.P.N.AT PAS.REM 1EXC.SA-ir não.índio-RFR R-aldeia-LOC   ‘Quando ele tinha canoa, nós fomos à cidade.’

No exemplo 8, há correspondência entre o sujeito da oração principal e o da subordinada ‒ a primeira pessoa. Portanto, a identidade entre os sujeitos de ambas as orações justifica o uso da ‘série correferencial’.

Já no exemplo 9, os sujeitos não coincidem. O sujeito da oração principal é a primeira pessoa exclusiva e o da subordinada é a terceira pessoa. Nesse caso, a não correferência é marcada por índices da ‘série não ativa’.

‘Orações relativas’ são modificadores com estrutura, geralmente, semelhante à de uma oração que sintaticamente insere-se em um sintagma nominal. Em termos funcionais, pertencem à coerência referencial, provendo indicativos catafóricos e anafóricos dos referentes dos sintagmas nominais (Givón, 2001Givón, T. (2001). Syntax: an introduction II (2 v.). John Benjamins.). Tais orações operam como modificadores sintáticos do argumento. Se fornecem mais informações sobre o argumento, são chamadas de orações relativas não restritivas. Se focalizam ou restringem o argumento, são denominadas orações relativas restritivas (Dixon, 2010Dixon, R. M. W. (2010). Basic linguistic theory (2. v.). Oxford University Press., p. 314).

O exemplo a seguir ilustra uma oração relativa restritiva da língua Apyãwa.

    (Praça, 2007, p. 17, nossa análise)   AV P       AV [S V]   (10) a-ixãk [akoma’e-ø a-yj-ama’e-ø]     3.SA-ver homem-RFR 3.SA-correr-N.PRED-RFR   ‘Ele viu o homem que correu.’  

No exemplo 10, observa-se uma oração principal cujo o argumento A é a terceira pessoa e o argumento P é oracional, uma oração relativa que atua como um modificador adjetival para o sintagma akoma’e ‘homem’. Isso é marcado pela presença do sufixo {-ama’e} (-ama’e ~ -ma’e), cuja função é nominalizar o predicado, e do referenciante – neste caso, um morfema zero – que torna o predicado um argumento.

‘Oração completiva’ é aquela que exerce a função de um argumento de outra oração, a qual é denominada matriz (Payne, 2006Payne, T. E. (2006). Exploring language structure: a student’s guide. Cambridge University Press., p. 291). Na língua Apyãwa, também está presente esse tipo de oração, como demonstra o exemplo a seguir.

          (Praça, 2007, p. 83, nossa análise)   A AV P     (11) epe=ga-ø a-kwããw [xe=r-exãk-a]     D.E=SG-RFR 3.SA-saber 1SG.NA=R-ver-RFR     ‘Aquele sabe que você me viu.’

No exemplo 11, a oração ‘você me viu’ exerce a função de objeto do verbo kwããw ‘saber, conhecer’.

Considerando-se o continuum da integração gramatical das construções multioracionais, a partir deste ponto aparecem as sequências verbais, tema de que trata este artigo.

O tópico ‘verbos serializados’ já foi abordado por um número significativo de autores na literatura teórica de cunho funcionalista – tais como Aikhenvald (2006)Aikhenvald, A. Y. (2006). Serial verbs constructions in typological perspective. In A. Y. Aikhenvald & R. M. W. Dixon (Eds.), Serial verbs constructions: a cross-linguistic typology (pp. 1-68). Oxford University Press., Haspelmath (2016)Haspelmath, M. (2016). The serial verb construction: comparative concept and cross-linguistic generalizations. Language and Linguistics, 17(3), 291-319. https://doi.org/10.1177/2397002215626895
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, Payne (2006, pp. 288-291)Payne, T. E. (2006). Exploring language structure: a student’s guide. Cambridge University Press., Anderson (2006)Anderson, G. D. (2006). Auxiliary verbs constructions. Oxford University Press., Givón (1991)Givón, T. (1991). Serial verbs and the mental reality of “event”: grammatical vs. cognitive packaging. In E. C. Traugott & B. Heine (Eds.), Approaches to grammaticalization (pp. 81-128). John Benjamins Publishing Company., Hengeveld (2000, p. 1106)Hengeveld, K. (2000). State-of-affairs concepts. In G. Booij, C. Lehmann, J. Mugdan & S. Skopeteas (Eds.), Morphology: an international handbook on inflection and word-formation (Vol. 2, pp. 1104-1110). Walter de Gruyter.. Em geral, o que se pode perceber é a não existência de um consenso nessa literatura a respeito da definição do que seriam verbos seriais. Todavia, as diversas concepções possuem pontos em comum, tais como: as construções serem mono-oracionais; os verbos, além de agirem como um único predicado, terem ocorrência individual na língua; os verbos envolvidos na estrutura não poderem ser um argumento do outro.

Entre as diferentes abordagens, duas serão tratadas com destaque neste texto: a de Aikhenvald (2006)Aikhenvald, A. Y. (2006). Serial verbs constructions in typological perspective. In A. Y. Aikhenvald & R. M. W. Dixon (Eds.), Serial verbs constructions: a cross-linguistic typology (pp. 1-68). Oxford University Press., mais ampla, e a de Haspelmath (2016)Haspelmath, M. (2016). The serial verb construction: comparative concept and cross-linguistic generalizations. Language and Linguistics, 17(3), 291-319. https://doi.org/10.1177/2397002215626895
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, mais restritiva.

Aikhenvald (2006)Aikhenvald, A. Y. (2006). Serial verbs constructions in typological perspective. In A. Y. Aikhenvald & R. M. W. Dixon (Eds.), Serial verbs constructions: a cross-linguistic typology (pp. 1-68). Oxford University Press. define as construções verbais seriais (CVS) como sendo uma sequência de verbos que agem conjuntamente como um único predicado, descrevendo um único evento, e compartilham o mesmo valor de tempo, modo e aspecto, não havendo qualquer marcador de dependência sintática entre os membros da sequência. Os verbos das CVS devem sempre compartilhar um argumento, que, predominantemente, é o sujeito. Em geral, tais construções se apresentam com dois verbos, mas é possível achar línguas em que há sequências com mais de dois verbos, como pode ser observado no exemplo 12, da língua Dâw, do noroeste da Amazônia brasileira.

      (Aikhenvald, 2006, p. 2, tradução nossa) (12) yo ̃:h bə:-hãm-yɔw     remédio derramar-ir-acontecer.imediatamente     ‘O remédio derramou de imediato.’

Aikhenvald (2006)Aikhenvald, A. Y. (2006). Serial verbs constructions in typological perspective. In A. Y. Aikhenvald & R. M. W. Dixon (Eds.), Serial verbs constructions: a cross-linguistic typology (pp. 1-68). Oxford University Press. propõe diferentes configurações para as CVS, classificando-as em relação aos parâmetros de ‘composição’ e ‘contiguidade’. No que concerne ao parâmetro composição, as CVS podem ser ‘assimétricas’ ou ‘simétricas’. Nas construções assimétricas, existe um membro principal, para cuja classe gramatical ou semântica não há restrições, e um membro secundário, um verbo de uma classe gramatical ou semântica mais restrita, como um verbo postural ou de movimento. Em geral, observa-se uma ordem fixa para os membros da sequência, que é propensa à lexicalização.

Em relação às construções simétricas, os membros da sequência detêm o mesmo status, isto é, podem ser escolhidos a partir de qualquer classe, sem qualquer restrição semântica ou gramatical. As CVS simétricas, diferentemente das CVS assimétricas, tendem a se tornar itens gramaticais.

Quanto ao parâmetro continuidade, Aikhenvald (2006)Aikhenvald, A. Y. (2006). Serial verbs constructions in typological perspective. In A. Y. Aikhenvald & R. M. W. Dixon (Eds.), Serial verbs constructions: a cross-linguistic typology (pp. 1-68). Oxford University Press. divide as CVS em ‘contíguas’ e ‘não contíguas’, sendo as primeiras aquelas em que os verbos têm que estar em sequência, próximos uns dos outros, não havendo nada intervindo entre os constituintes. As CVS não contíguas, por sua vez, são aquelas em que há a possibilidade de existência da intervenção de um outro constituinte entre os verbos.

Nas CVS propostas por Aikhenvald (2006, pp. 3-4)Aikhenvald, A. Y. (2006). Serial verbs constructions in typological perspective. In A. Y. Aikhenvald & R. M. W. Dixon (Eds.), Serial verbs constructions: a cross-linguistic typology (pp. 1-68). Oxford University Press., as categorias gramaticais – tais como negação, tempo, modo, aspecto, valência, pessoa do sujeito ou do objeto – podem ser marcadas somente uma vez na construção ou podem ser marcadas em todos os componentes, o que é chamado de marcação concordante.

Por outro lado, Haspelmath (2016, p. 292)Haspelmath, M. (2016). The serial verb construction: comparative concept and cross-linguistic generalizations. Language and Linguistics, 17(3), 291-319. https://doi.org/10.1177/2397002215626895
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apresenta as CVS como sendo construções mono-oracionais compostas por múltiplos verbos independentes, inexistindo qualquer elemento ligando-os ou qualquer relação predicado-argumento entre os verbos.

A averiguação da mono-oracionalidade da construção é feita por meio da negação. Geralmente, há somente uma maneira de se fazer a negação da CVS e, comumente, o escopo desta é toda a construção (Haspelmath, 2016Haspelmath, M. (2016). The serial verb construction: comparative concept and cross-linguistic generalizations. Language and Linguistics, 17(3), 291-319. https://doi.org/10.1177/2397002215626895
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, p. 299).

Além de todos os verbos da sequência compartilharem o mesmo tempo, modo, modalidade e evidencialidade e, ao menos, um argumento, Haspelmath (2016)Haspelmath, M. (2016). The serial verb construction: comparative concept and cross-linguistic generalizations. Language and Linguistics, 17(3), 291-319. https://doi.org/10.1177/2397002215626895
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acrescenta a restrição de considerar como CVS somente expressões de eventos dinâmicos, ou seja, verbos que apresentam um elemento inerente de mudança (Velupillai, 2012Velupillai, V. (2012). An introduction to linguistic typology (2. ed.). John Benjamins Publishing Company., p. 208).

‘Auxiliares’ situam-se no último estágio do continuum da integração gramatical e podem ser considerados um elemento com algum grau de apagamento semântico que, combinado a um verbo lexical, forma uma construção mono-oracional (Anderson, 2006Anderson, G. D. (2006). Auxiliary verbs constructions. Oxford University Press., pp. 4-5). Assim, a construção com verbo auxiliar é constituída minimamente por um verbo lexical, que atribui conteúdo lexical à construção, e um verbo auxiliar, cuja função é cooperar com algum conteúdo gramatical ou funcional.

Aikhenvald (2011)Aikhenvald, A. Y. (2011). Multi-verb constructions: setting the scene. In A. Y. Aikhenvald, P. C. Muysken & J. Birchall (Eds.), Multi-verb constructions: a view from the Americas (pp. 1-26). Brill. https://doi.org/10.1163/ej.9789004194526.i-313.8
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e Haspelmath e Sims (2010)Haspelmath, M., & Sims, A. D. (2010). Understanding morphology. In B. Comrie & G. Corbett (Eds.), Understand language series (pp. 1-357). Hodder Education. também oferecem definições de verbos auxiliares. Aikhenvald (2011, p. 14, tradução nossa)Aikhenvald, A. Y. (2011). Multi-verb constructions: setting the scene. In A. Y. Aikhenvald, P. C. Muysken & J. Birchall (Eds.), Multi-verb constructions: a view from the Americas (pp. 1-26). Brill. https://doi.org/10.1163/ej.9789004194526.i-313.8
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afirma que:

Um auxiliar é normalmente definido como uma subclasse fechada de verbos que (a) fazem parte de um predicado complexo em combinação com verbos de uma grande classe aberta; (b) tomam as especificações de pessoa, número, gênero, aspecto, tempo, modo e/ou modalidade; e (c) podem conferir um significado modal ou aspectual a toda a construção6 6 No original: “An auxiliary is usually defined as a closed subclass of verbs which (a) form part of one complex predicate in combination with a verb from a large open class; (b) take the person, number, gender, aspect, tense, mood and/ or modality specifications; and (c) may impart a modal, or an aspectual meaning to the whole construction”. .

Por sua vez, Haspelmath e Sims (2010, p. 321, tradução nossa)Haspelmath, M., & Sims, A. D. (2010). Understanding morphology. In B. Comrie & G. Corbett (Eds.), Understand language series (pp. 1-357). Hodder Education. tratam o verbo auxiliar como o “. . . verbo que coocorre com um verbo principal em um sintagma para indicar valores de características verbais, como tempo ou modo”7 7 No original: “Auxiliary: a verb that co-occurs with a main verb in a phrase to indicate values of verbal features such as tense or mood”. .

SEQUÊNCIAS VERBAIS EM APYÃWA

Neste artigo, analisamos fenômeno presente em Apyãwa – e em outras línguas da família Tupí-Guaraní –, a ocorrência de certas sequências verbais que não estão em relação de coordenação e nem de subordinação clássica. Tal estrutura é representada pelo esquema PESSOA-V1-V2, sendo:

  • PESSOA > marcador de pessoa;

  • V1 > um verbo lexical;

  • V2 > seleto grupo de verbos que geralmente manifestam uma semântica de aspecto ou modalidade.

O fenômeno pode ser observado mais produtivamente nos seguintes verbos8 8 As glosas oferecidas para esses quatro verbos são os significados de quando eles são usados independentemente. : kwããw ‘saber, conhecer’ (exemplo 13), que exprime potencialidade e habilidade; patãr ‘querer, desejar’ (exemplo 14), que exprime modalidade desiderativa; pãw ‘acabar, terminar’, que apresenta aspecto terminativo (exemplo 15); e kãto ‘ser bonito, ser bom’ (exemplo 16), o qual exprime que a ação foi realizada com um alto grau de eficiência.

        (Praça, 2007, p. 17, nossa análise) (13) akoma’e-ø i-pa-e’ym-ama’e-ø n=a-’yytã-kwããw-i   homem-RFR 3.NA-mão-NEG-N.PRED-RFR não=3.SA-nadar-saber-NEG   ‘O homem que não tem mão não sabe nadar.’
        (Praça, 2007, p. 22, nossa análise) (14) ie-ø ã-ino-patãr i-xe’eg-ãw-a     1SG-RFR 1SG.SA-ouvir-querer 3.NA-falar-n.proc-RFR     ‘Eu quero ouvir a fala dela.’  
      (Praça, 2007, p. 114, nossa análise) (15) akoma’e-kwer-a a-mãrãkã-pãw     homem-GRUP-RFR 3.SA-cantar-terminar     ‘Os homens terminaram de cantar.’  
      (Praça, 2007, p. 120, nossa análise) (16) eiri-ø a-ke-kãto     Eiri-RFR 3.SA-dormir-ser.bom     ‘Eiri dorme bem.’  

Essas construções fogem do padrão das orações subordinadas de sujeito idêntico, uma vez que o índice de pessoa não aparece diante dos dois verbos da sequência, apenas anexado ao primeiro. Também não há marcadores de subordinação, e todos os verbos existem independentemente na língua – ou seja, cada verbo também pode ocorrer como o único verbo em uma oração.

Como resultado desse impasse, buscamos uma análise alternativa para essas construções.

O primeiro passo é investigar o status de V2 quanto ao continuum de integração gramatical apresentado na Figura 1, se se trata de um verbo serial ou de auxiliar. Para isso, selecionamos quatro parâmetros de análise:

  1. Uso lexical independente, pois os verbos, além de participarem da sequência verbal, também são verbos plenos na língua, que é uma das características dos verbos seriais;

  2. O escopo da negação, pois, caso a negação recaia sobre a construção inteira e não sobre cada verbo individualmente, pode-se afirmar que se trata de uma construção mono-oracional, o que caracteriza tanto verbos seriais quanto auxiliares;

  3. Um verbo não ser argumento de outro, o que indica se tratar, também, de uma construção mono-oracional;

  4. Regras morfofonêmicas de junturas de morfemas no interior das palavras, o que igualmente tipifica construções mono-oracionais.

Em seguida, ofereceremos uma outra proposta de análise para a estrutura PESSOA-V1-V2: incorporação do objeto oracional para os verbos transitivos (kwããw ‘saber, conhecer’ e patãr ‘querer, desejar’) e, para os intransitivos (pãw ‘acabar, terminar’ e kãto ‘ser bonito, ser bom’), a hipótese de que, paralelamente ao que acontece com compostos nominais com núcleo em primeira posição, V2 assume a função de modificador de V1.

VERBO KWÃÃW ‘SABER, CONHECER’

O verbo kwããw significa ‘saber, conhecer’ e é um verbo transitivo, ou seja, seleciona dois argumentos. Seu uso lexical independente, que é um dos parâmetros de análise escolhidos, é muito produtivo. O exemplo 17 ilustra o uso desse verbo.

          (Almeida et al., 1983, p. 58, nossa análise) (17) tapirapé-ramõ ie ã-kwãaw pe-xe’eg-a       tapirapé-S.P.N.AT 1SG 1SG.SA-saber 2PL-falar-RFR     ‘Se eu fosse Tapirapé, eu sabia a língua de vocês.’(Literalmente: Se eu fosse Tapirapé, eu sabia o falar de vocês.)

O exemplo 17 apresenta duas orações, que compõem um período composto. A primeira é uma oração subordinada não ativa de semântica condicional. A segunda é a oração matriz, na qual se pode observar o verbo kwããw ‘saber, conhecer’ com seus dois argumentos: o sujeito, a primeira pessoa do singular; e o objeto, pexe’ega ‘a língua de vocês’, em destaque.

O verbo kwããw ‘saber, conhecer’ também pode ser usado na sequência verbal PESSOA-V1-V2. Nesse caso, transmite uma semântica modal de habilidade/potencialidade, como pode ser observado nos exemplos a seguir.

        (Praça, 2007, p. 119, nossa análise)   A AV1V2 P   (18) makãto-ø a-ãpa-kwããw tamãkorã-ø     Makãto-RFR 3.SA-fazer-saber tamãkorã-RFR     ‘Makãto sabe fazer tamãkorã.’
          (Praça, 2007, p. 119, nossa análise)   S SV       (19) konomĩ-ø a-’yytã-kwããw w-ow-a ø-xãwie   menino-RFR 3.SA-nadar-saber 3.c-pai-RFR R-POS   ‘O menino sabe nadar igual ao pai dele.’

Comparando-se o exemplo 18 com o 19, é possível perceber que, no caso das sequências verbais, quem comanda a valência da estrutura verbal é V1. Assim, no exemplo 18, quando kwããw ‘saber, conhecer’ combina-se com o verbo ãpa ‘fazer’, que requer dois argumentos, há a presença do argumento A e do argumento P do verbo. No exemplo 19, por sua vez, V1 é o verbo ’yytã ‘nadar’, intransitivo. Como consequência, só há um argumento, konomĩ ‘menino’, sendo wowa xãwie ‘igual ao pai dele’ um dativo.

A sequência verbal PESSOA-V1-V2 com kwããw ‘saber, conhecer’ é mono-oracional. A mono-oracionalidade dessa construção pode ser identificada por meio do parâmetro ‘escopo da negação’. A hipótese por trás do teste de negação é que, caso haja somente uma maneira de se fazer a negação, e o escopo desta seja a construção inteira, está-se diante de uma construção mono-oracional. A seguir, apresentamos exemplos que dão suporte a essa hipótese.

        (Praça, 2007, p. 119, nossa análise) (20) konomĩ-ø a-’yytã-kwããw w-ow-a ø-xãwie   menino-RFR 3.SA-nadar-saber 3.C-pai-RFR R-POS   ‘O menino sabe nadar igual ao pai dele.’  
        (Praça, 2007, p. 17, nossa análise) (21) akoma’e-ø i-pa-e’ym-ama’e-ø n=a-’yytã-kwããw-i   homem-RFR 3.NA-mão-NEG-N.PRED-RFR não=3.SA-nadar-saber-NEG   ‘O homem que não tem mão não sabe nadar.’

Os exemplos 20 e 21 mostram que a sequência verbal recebe um único morfema de negação, recaindo a negação sobre o todo da construção, e não sobre cada verbo individualmente. Esse fato sugere fortemente que essa sequência verbal é uma construção mono-oracional, o que caracteriza tanto verbos seriais quanto auxiliares.

Outra característica de verbos seriais e de auxiliares que aparece na sequência PESSOA-V1-V2 é o parâmetro ‘um verbo não poder ser argumento do outro’, como pode ser observado nos exemplos a seguir.

          (Almeida et al., 1983, p. 58, nossa análise)     A aV P   (22) tapirapé-ramõ ie ã-kwãaw [pe-xe’eg-a]SN     tapirapé-S.P.N.AT 1SG 1SG.SA-saber 2PL-falar-RFR     ‘Se eu fosse Tapirapé, eu sabia a língua de vocês.’(Literalmente: Se eu fosse Tapirapé, eu sabia o falar de vocês.)
          (Praça, 2007, p. 119, nossa análise)   A aV1V2 P     (23) makãto-ø a-ãpa-kwããw [tamãkorã-ø]SN   Makãto-RFR 3.SA-fazer-saber tamãkorã-RFR   ‘Makãto sabe fazer tamãkorã.’  

Nos exemplos 22 e 23, o objeto dos verbos é identificado entre colchetes. O exemplo 22 apresenta o verbo kwããw ‘saber, conhecer’ em seu uso lexical independente, o exemplo 23 retrata o uso do verbo kwããw ‘saber, conhecer’ na sequência PESSOA-V1-V2.

No exemplo 22, o sintagma nominal entre colchetes é o objeto do verbo. Uma oração completiva de estrutura PESSOA-verbo-RFR está na função de argumento P do verbo. A presença do morfema referenciante {-a} dá aspectos nominais ao verbo e assinala a função argumentativa do nome. Como resultado, em seu uso pleno, o verbo kwããw ‘saber, conhecer’ estabelece uma relação de predicado-argumento com o verbo xe’eg ‘falar’, já que este é parte do argumento do primeiro (Haspelmath, 2016Haspelmath, M. (2016). The serial verb construction: comparative concept and cross-linguistic generalizations. Language and Linguistics, 17(3), 291-319. https://doi.org/10.1177/2397002215626895
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, p. 305).

Ao contrário do que acontece no exemplo 22, no exemplo 23 não existe uma relação de predicado-argumento entre os dois verbos dessa construção. O objeto direto é tamãkorã, e não ãpa ‘fazer’. Propriedades de argumento identificadas no argumento P do exemplo 22 são observadas em tamãkorã – mas não em ãpa ‘fazer’ – por exemplo, a sufixação pelo morfema referenciante {-a} e a ausência do marcador da terceira pessoa da ‘série ativa’ {a-} prefixando o verbo kwããw ‘saber’. Esse fato, já esperado, constitui sólida evidência de que, nas sequências PESSOA-V1-V2, V1 não é argumento de V2.

Em relação a regras morfofonêmicas, no corpus utilizado para este trabalho, não havia dados para tal.

Em termos semânticos, o uso de kwããw ‘saber, conhecer’ nas construções PESSOA-V1-V2 expressa modalidade eventiva dinâmica habilitiva. A propriedade eventiva é observada pelo verbo estar relacionado a uma ação potencial, ou seja, apesar de o evento não ter sido realizado ainda, ele é possível ou provável. As propriedades dinâmicas desse verbo são observadas pelos fatores internos, que são os que iniciam ou condicionam a ação. Por fim, o verbo kwããw ‘saber, conhecer’ tem semântica habilitiva, pois denota-se a capacidade por parte do falante de realizar a ação (Velupillai, 2012Velupillai, V. (2012). An introduction to linguistic typology (2. ed.). John Benjamins Publishing Company., pp. 220-223).

O VERBO PATÃR ‘QUERER, DESEJAR’

O verbo patãr ‘querer, desejar’ também é um verbo transitivo. Pode ter ‘uso lexical independente’ e ser empregado, também, na sequência verbal PESSOA-V1-V2, sendo que, nesta, adquire semântica volitiva. A seguir, apresentamos exemplos com o verbo patãr ‘querer, desejar’ em seu uso lexical pleno.

          (Praça, 2007, p. 118, nossa análise)       aV P     (24) e-mor i-xope a-patãr [marãxi-ø]SN     2SG.IMP-DAR 3.NA-POS 3.SA-querer melancia-RFR     ‘Dê a ele. Ele quer melancia.’
        (Praça, 2007, p. 206, nossa análise)   A AV P PV1V2 (25) ã’ẽ=gã-ø a-xokã xãwãr-a i-o’o-patãr-[ãramõ]     DEM=SG-RFR 3.SA-matar cachorro-RFR 3.NA-morder-querer-OSSD     ‘Aquele matou o cachorro porque ele quis mordê-lo.’  

O exemplo 24 traz o uso pleno do verbo patãr ‘querer, desejar’, que é um verbo de dois argumentos. Entre colchetes está o objeto do verbo, marãxi ‘melancia’. No exemplo 25, os colchetes identificam o sufixo OSSD, que indica que o sujeito da oração subordinada não é o mesmo que o da oração principal. O sujeito da oração principal é a terceira pessoa, e o sujeito da subordinada é xãwãra ‘cachorro’, que é o objeto da oração principal.

Assim como o verbo kwããw ‘saber, conhecer’, o verbo patãr ‘querer, desejar’, na sequência verbal PESSOA-V1-V2, forma com V1, pelo parâmetro ‘escopo da negação’, uma única oração, pois não existe a possibilidade de ambos os verbos receberem o marcador de negação independentemente. Nos exemplos a seguir, o morfema descontínuo de negação está em negrito e a sequência verbal PESSOA-V1-V2 sublinhada.

        (Praça, 2007, p. 196, nossa análise) (26) xe=ø-kaneõ-ete ã-ke-patãr       1SG.NA=R-estar.cansado-INTNS 1SG.SA-dormir-querer     ‘Estou muito cansado. Quero dormir’.  
    (Praça, 2007, p. 118, nossa análise) (27) n=ã-ke-patãr-i     não=1SG.SA-dormir-querer-NEG     ‘Não quero dormir.’  

Outro feito que corrobora a afirmação de a sequência verbal formar uma só oração é o fato de ela estar sob ação do parâmetro ‘regras morfofonêmicas de junturas de morfemas (regra c)’, como pode ser observado no exemplo 28.

        (Praça, 2007, p. 41, nossa análise) (28) ie-ø ã-ixã-matãr ne=ø-porããj-a     1SG-RFR 1SG.SA-ver-querer 2SG.NA=R-dançar-RFR     ‘Eu quero ver sua dança.’

No exemplo 28, a consoante oclusiva bilabial surda /p/, após a queda da consoante /k/ do verbo ixãk ‘ver’, assimilou a nasalidade da vogal nasal.

Em resumo, na distribuição de patãr ‘querer, desejar’ como verbo pleno, a ausência de marcação negacional independente para V1 e V2 quando patãr preenche V2 e a aplicação de regra morfofonológica que nasaliza a consoante inicial desse verbo permitem sugerir que, na construção PESSOA-V1-V2, patãr e V1 formam uma construção mono-oracional.

Semanticamente, o verbo patãr em seu uso na construção PESSOA-V1-V2 tem modalidade eventiva, pois expressa uma ação potencial nessa construção. Soma-se a isso o fato de fatores internos iniciarem ou condicionarem a ação, adicionando à modalidade eventiva a característica de ser dinâmica. Por fim, refere-se ao desejo do falante de realizar a ação, o que enquadra a construção na modalidade eventiva dinâmica volitiva (Velupillai, 2012Velupillai, V. (2012). An introduction to linguistic typology (2. ed.). John Benjamins Publishing Company., pp. 220-223).

VERBO PÃW ‘ACABAR, TERMINAR’

O verbo pãw ‘acabar, terminar’ é um verbo intransitivo ativo. Portanto, recebe marcadores da ‘série ativa’. Além do seu ‘uso lexical independente’ (exemplo 29), também aparece com a semântica aspectual completiva quando usado na sequência verbal PESSOA-V1-V2 (exemplos 30 e 31).

      (Praça, 2007, p. 70, nossa análise) (29) ãxe’i-wãr-a a-pãw     ontem-N.CIR-RFR 3.SA-acabar     ‘O que é de ontem acabou.’
      (Praça, 2007, p. 114, nossa análise) (30) ie-ø ã-xãok-pãw-exĩ     1SG-RFR 1SG.SA-banhar-terminar-IMI     ‘Estou prestes a terminar de banhar.’
    (Almeida et al., 1983, p. 42, nossa análise) (31) n=ãxao-pãw-i     não=banhar-terminar-NEG     ‘Não terminei de banhar.’  

O parâmetro ‘escopo da negação’ (cf. exemplos 30 e 31) nos permite concluir que o verbo pãw ‘acabar, terminar’ forma com V1 uma única oração. Observe no exemplo 31 que a sequência verbal está dentro do morfema descontínuo {na=....-i}. Quando a sequência PESSOA-V1-V2 é negada e V2 é preenchido com pãw ‘acabar, terminar’, não existe a possibilidade de ambos os verbos receberem o marcador de negação independentemente, o que nos permite concluir que se trata de uma construção mono-oracional.

Também é possível dizer que, em sequências verbais PESSOA-V1-V2 formadas com pãw ‘acabar, terminar’, está presente o parâmetro de ‘um verbo não ser argumento de outro’. Observe os próximos exemplos.

        (Praça, 2007, p. 114, nossa análise)   S sV         (32) tãtã-ø a-pãw xe=ø-wi         banana-RFR 3.SA-acabar 1SG.NA=R-POS         ‘As bananas acabaram de mim.’
          (Praça, 2007, p. 110, nossa análise)   aV1V2 P       (33) ã-ãpa-pãw-akãr tope-ø ne=ø-we ipa’yw-a ø-we   1SG.SA-fazer-terminar-MASD tope-RFR 2SG.NA=R-POS Ipa’ywa-RFR R-POS   ‘Eu terminei de fazer o tope para você por meio da Ipa’ywa.’  

O exemplo 32 traz o uso pleno do verbo intransitivo pãw ‘acabar, terminar’, que possui como argumento único (S) o sintagma tãtã ‘banana’. No exemplo 33, a valência da oração é a mesma que a valência de V1, pãw ‘fazer’, verbo de dois argumentos. O argumento A é a primeira pessoa do singular e o argumento P é tope seguido do referenciante, um morfema zero, que indica que o elemento é um argumento. Portanto, nessa sequência, um verbo não é argumento do outro.

Outra evidência de que pãw ‘acabar, terminar’ como V2 em sequências PESSOA-V1-V2 forma uma unidade com V1 é o parâmetro ‘regras morfofonêmicas de junturas de morfemas’. Pode ser vista a aplicação da regra c, nasalização da consoante oclusiva bilabial surda /p/ após vogal nasal em fronteira de morfema, no exemplo 34.

      (Praça, 2007, p. 167, nossa análise) (34) w-owy-ramõ xowe rõ’õ ãkaj mĩ     3.NA-sangue-S.P.N.AT FOC N.ASS C.I.COM HAB                 xãy-ø i-piry-mãw ‘op-a ypyton-imo       lua-RFR 3.NA-ser.vermelho-acabar estar.deitado-OSSI noite-LOC       ‘Quando tem sangue dela, a lua fica completamente vermelha na noite.’

A forma piryg ‘vermelho’ termina em uma consoante nasal velar, representada pelo grafema <g>. Quando usada como V1 na sequência PESSOA-V1-V2, a consoante nasal é elidida, mas nasaliza a consoante oclusiva do morfema subsequente.

Semanticamente, pãw ‘acabar, terminar’ como V2 na sequência PESSOA-V1-V2 expressa aspecto perfectivo completivo. Aspecto é um dispositivo com o propósito de expressar gramaticalmente diferentes perspectivas da constituição temporal interna de um evento em relação aos pontos de início e fim da ação. Quando o ponto de vista recai sobre uma visão externa ao curso do evento, enxergando este como um todo delimitado, tem-se um aspecto perfectivo (Comrie, 1976Comrie, B. (1976). Aspect: an introduction to the study of verbal aspect and related problems. Cambridge University Press., p. 3; Velupillai, 2012Velupillai, V. (2012). An introduction to linguistic typology (2. ed.). John Benjamins Publishing Company., pp. 208-210).

VERBO KÃTO ‘SER BONITO, SER BOM’

O último verbo tratado neste artigo é kãto ‘ser bonito, ser bom’. Trata-se de um verbo intransitivo descritivo; portanto, flexiona-se com marcadores da ‘série não ativa’. Também aparece como V2 na sequência verbal PESSOA-V1-V2. Nesse caso, pode significar ‘realmente’ ou indicar que algo foi realizado com alto grau de eficiência. O exemplo 35 traz o verbo kãto ‘ser bonito, ser bom’ em seu ‘uso lexical independente’.

      (Praça, 2007, p. 12, nossa análise) (35) ne=ø-hyj-a i-kãto     2SG.NA=R-correr-RFR 3.NA-ser.bom     ‘Sua corrida foi boa.’    

Além do parâmetro de ‘uso lexical independente’ na língua, outros diagnósticos nos permitem analisar orações com kãto ‘ser bonito, ser bom’ em posição V2, no esquema PESSOA-V1-V2, como mono-oracionais, tal como o parâmetro ‘um verbo não ser argumento de outro’ – V2 não é argumento de V1, o que sugere a inexistência de relação de predicado-argumento nessa estrutura.

      (Praça, 2007, p. 120, nossa análise)   S sV1V2   (36) eiri-ø a-ke-kãto     Eiri-RFR 3.SA-dormir-ser.bom     ‘Eiri dorme bem.’  
        (Praça, 2007, p. 36, nossa análise)   A aV1V2 P   (37) xe=r=amõj-a a-ãpa-kãto ’ywyrãpãr-a     1SG.NA=R-avô-RFR 3.SA-fazer-ser.bom arco-RFR     ‘Meu avô faz arco bem.’    
      (Praça, 2007, p. 119, nossa análise)   S sV1V2V3   (38) ie-ø ã-xemimõj-kwãã-gãto     1SG-RFR 1SG.SA-cozinhar-saber-ser.bom     ‘Eu sei cozinhar bem.’

O exemplo 36 apresenta o uso do verbo kãto ‘ser bonito, ser bom’ numa sequência em que V1 é um verbo intransitivo. Compare-o com o exemplo 37, em que V1 é um verbo transitivo. O argumento P da sequência verbal PESSOA-V1-V2 é ywyrãpãr-a ‘arco’ e há a presença do sufixo referenciante {-a}, que indica que o elemento é um argumento. Nesse caso, a sequência inteira passa a ter dois argumentos, A e P, o que demonstra que um verbo não é argumento do outro.

O exemplo 38 traz uma sequência com três verbos em que V1 é que carrega o significado lexical. Em V3, a oclusiva velar /k/ nasaliza-se na nasal velar após a aproximante lábio-velar /w/, o que tipifica a construção como mono-oracional.

Em termos semânticos, o uso de kãto ‘ser bonito, ser bom’ como V2 é apreciativo, refletindo um juízo de valor do falante em relação ao evento descrito pela proposição, e não um valor de verdade sobre a informação comunicada.

NEM VERBOS SERIAIS, NEM VERBOS AUXILIARES

Pelo que foi exposto nas seções anteriores, a hipótese de que a sequência PESSOA-V1-V2 seja verbo serial não prospera. Apesar da presença de características de construções verbais seriais, tais como os verbos que ocupam a posição V2 também serem verbos plenos na língua, e as construções serem mono-oracionais; outras particularidades distanciam a sequência PESSOA-V1-V2 dos verbos seriais, como as restrições impostas por Haspelmath (2016)Haspelmath, M. (2016). The serial verb construction: comparative concept and cross-linguistic generalizations. Language and Linguistics, 17(3), 291-319. https://doi.org/10.1177/2397002215626895
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– como a de que CVS somente expressam eventos dinâmicos – e por Givón (1991)Givón, T. (1991). Serial verbs and the mental reality of “event”: grammatical vs. cognitive packaging. In E. C. Traugott & B. Heine (Eds.), Approaches to grammaticalization (pp. 81-128). John Benjamins Publishing Company., que exclui dos verbos seriais estruturas de verbos de modalidade com complementos. Além disso, constata-se, em certas línguas Tupí-Guaraní – como no Guajá, descrito por Magalhães (2021)Magalhães, M. M. S. (2021). Elaboração e compressão de sentenças complexas em Guajá. Revista Moara, (58), 27-58. http://dx.doi.org/10.18542/moara.v0i58.10849
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e no Guaraní paraguaio, relatado por Estigarribia (2020)Estigarribia, B. (2020). A grammar of Paraguayan Guarani. UCL Press. –, a gramaticalização do verbo patãr ‘querer, desejar’ em marca de futuro, o que evidencia a tendência de apagamento semântico do morfema para algo mais gramatical.

Uma segunda hipótese seria V2 ser um auxiliar. Há características que poderiam inserir a construção nessa classificação, como o caminho tipologicamente atestado da gramaticalização do verbo kwããw ‘saber, conhecer’ em marca de habilidade e do verbo pãw ‘acabar, terminar’ em marca de aspecto completivo, como descrito em Heine e Kuteva (2004)Heine, B., & Kuteva, T. (2004). World lexicon of grammaticalization. Studies in Second Language Acquisition, 26(3), 502-503. https://doi.org/10.1017/s0272263104253062
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; a mono-oracionalidade dessas construções; e o fato de, semanticamente, todos os verbos apresentarem semântica de tempo-aspecto-modalidade (TAM), com exceção de kãto – que carrega uma semântica apreciativa e reflete o julgamento valorativo do falante a respeito do evento descrito na proposição.

Contudo, o fato de os marcadores de pessoa não ocorrerem como prefixo de V2 – o suposto auxiliar –, o que seria o mais comum nesse caso, também afasta a sequência PESSOA-V1-V2 dos auxiliares. Pelo contrário, os marcadores de pessoa permanecem na primeira posição, como se V1 e V2 agissem como um bloco de palavras.

PROPOSTA DE ANÁLISE

Sugerimos que, no caso dos verbos transitivos kwããw ‘saber, conhecer’ e patãr ‘querer, desejar’, sucede a incorporação do objeto oracional; por sua vez, com os verbos intransitivos pãw ‘acabar, terminar’ e kãto ‘ser bom, ser bonito’, estes tornam-se modificadores de V1.

Observe os exemplos a seguir com o verbo kwããw ‘saber, conhecer’.

      (Almeida et al., 1983, p. 29, nossa análise)   P AV   (39) ne=xekyj-ãw-a ã-kwããw     2SG.NA=estar.com.tosse-RFR 1SG.SA-saber     ‘Eu sei que você está gripado.’(Literalmente: Eu sei da circunstância da sua gripe.)
        (Praça, 2007, p. 119, nossa análise)   A AV1V2 P   (40) makãto-ø a-ãpa-kwããw tamãkorã-ø     Makãto-RFR 3.SA-fazer-saber tamãkorã-RFR     ‘Makãto sabe fazer tamãkorã.’

Analisando-se o exemplo 39, observa-se que o sujeito do verbo kwããw ‘saber, conhecer’ é a primeira pessoa do singular e é diferente do sujeito do verbo xekyjãw ‘estar com tosse’, que é a segunda pessoa do singular. De fato, nexekyjãwa ‘você está gripado’ é uma oração completiva que exerce a função de objeto direto do verbo kwããw ‘saber, conhecer’.

No exemplo 40, por sua vez, os dois verbos (ãpa ‘fazer’ e kwããw ‘saber’) possuem o mesmo sujeito, Makãto. Há a coincidência dos sujeitos e a sequência PESSOA-V1-V2. O mesmo padrão pode ser observado, comparando-se os exemplos 41 e 42, com o verbo patãr ‘querer, desejar’.

        (Praça, 2007, p. 118, nossa análise)   A AV P   (41) ie-ø ã-patãr ne=ø-a-ø     1SG-RFR 1SG.SA-querer 2SG.NA=R-ir-RFR     ‘Eu quero que você vá.’
        (Praça, 2007, p. 177, nossa análise)   S SV1V2     (42) eiri-ø a-xão-patãr we     Eiri-RFR 3.SA-banhar-querer PERF     ‘Eiri ainda quer banhar.’

No exemplo 41, os sujeitos dos verbos patãr ‘querer, desejar’ e a ‘ir’ são diferentes. O sujeito do primeiro verbo é a primeira pessoa do singular. Do segundo, a segunda pessoa do singular.

Já no exemplo 42, Eiri é sujeito tanto do verbo patãr ‘querer, desejar’ como de xão ‘banhar’. Novamente, há a coincidência dos sujeitos e o aparecimento da sequência PESSOA-V1-V2, de modo que a existência da sequência PESSOA-V1-V2 passa a ser um reflexo gramatical da motivação funcional dessa coincidência de sujeitos.

Observa-se, nesse caso, a incorporação do objeto oracional relativo a V1 por V2. Segundo Payne (2006, pp. 256-257, tradução nossa)Payne, T. E. (2006). Exploring language structure: a student’s guide. Cambridge University Press.:

A incorporação do nome é uma construção na qual um argumento de uma oração transitiva torna-se “anexado a” ou “incorporado” ao verbo. A incorporação exibe todas as características da composição, a saber: (1) um padrão de acentuação característico de palavras em vez de sintagmas, (2) ordem de palavras possivelmente incomum, (3) padrões morfofonêmicos característicos de palavras em vez de sintagmas, (4) possivelmente morfologia especial, e (5) significados que são mais específicos do que os significados das partes individuais.

A incorporação de objeto é mais comum do que outros tipos de incorporação de substantivo nas línguas do mundo9 9 No original: “Noun incorporation is a construction in which an argument of a transitive clause becomes ‘attached to’ or ‘incorporated into’ the verb. Incorporation exhibits all the characteristics of compounding, namely: (1) a stress pattern characteristic of words rather than phrases, (2) possibly unusual word order, (3) morphophonemic patterns characteristic of words rather than phrases, (4) possibly special morphology, and (5) meanings that are more specific than the meanings of the individual parts. Object incorporation is more common than other types of noun incorporation in the world’s languages”. .

Esse fenômeno ocorre mais frequentemente com nomes, mas como a oração completiva tem essa característica de algo nominalizado, isso é totalmente aceitável. Assim, nos exemplos 40 e 42, como o sujeito da oração principal coincide com o sujeito da oração completiva, V2 incorpora o objeto oracional e assume a segunda posição na sequência, fazendo com que o complexo formado pelos dois verbos se comporte da mesma maneira que um verbo simples.

O verbo pãw ‘acabar, terminar’, por sua vez, é um verbo intransitivo e não seleciona argumento, mas estende sua semântica de aspecto completivo a V1, funcionando como um modificador de V2, como pode ser observado no exemplo 43.

      (Praça, 2007, p. 114, nossa análise) (43) ie-ø ã-xãok-pãw-exĩ     1SG-RFR 1SG.SA-banhar-terminar-PROSP     ‘Estou prestes a terminar de banhar.’

‘Terminar de banhar’, nesse caso, traduz que a ação será realizada por completo, incluindo todas as partes do processo, o que se opõe a uma situação em que a pessoa estaria banhada apenas parcialmente. V2 adquire um caráter adverbial, e é função primordial do advérbio ser modificador do verbo.

Com o verbo kãto ‘ser bonito, ser bom’ ocorre o mesmo, como pode ser observado no exemplo 44.

      (Praça, 2007, p. 120, nossa análise) (44) eiri-ø a-ke-kãto     Eiri-RFR 3.SA-dormir-ser.bom     ‘Eiri dorme bem.’

No exemplo 44, é possível notar que o segundo verbo da sequência PESSOA-V1-V2 funciona como um modificador verbal, com uma conotação apreciativa para o primeiro verbo (V1), pois a semântica oracional é a de que o ato de dormir de Eiri é aprazível.

Sintaticamente, segundo Castilho (2014, p. 543)Castilho, A. T. (2014). Nova gramática do português brasileiro. Contexto., “os advérbios são palavras relacionadas ao verbo, ao adjetivo ou a outro advérbio, classes que ele toma por escopo”. Em termos semânticos, são “operadores que transferem para seu escopo propriedades semânticas de que elas não dispunham” e compreendem três classes: predicativos, dêiticos e de verificação (Castilho, 2014Castilho, A. T. (2014). Nova gramática do português brasileiro. Contexto., p. 551). Deste modo, pãw ‘acabar, terminar’ e kãto ‘ser bonito, ser bom’, funcionando como modificadores de V1, mesmo sendo verbos, têm valor adverbial.

Conforme Castilho (2014, p. 558)Castilho, A. T. (2014). Nova gramática do português brasileiro. Contexto.:

A predicação qualificadora é um processo semântico-sintático por meio do qual um operador incide sobre uma classe modificando ou confirmando sua intensão, isto é, suas propriedades específicas, seus traços semânticos. . . . Os advérbios predicativos qualificadores, portanto, tomam outros predicadores por escopo, predicando adjetivos, verbos e os próprios advérbios.

Acontece que tanto o verbo pãw ‘acabar, terminar’ e kãto ‘ser bonito, ser bom’ em posição V2 adicionam a V1 traços semânticos de que este não dispunha anteriormente: pãw ‘acabar, terminar’ agrega o aspecto completivo; kãto ‘ser bonito, ser bom’, a semântica apreciativa. Em outros termos, os verbos pãw ‘acabar, terminar’ e kãto ‘ser bonito, ser bom’ apresentam propriedades adjetivais, o que os torna qualificadores propriamente ditos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas análises apresentadas, observa-se que as sequências verbais da língua Apyãwa que se apresentam sob a estrutura PESSOA-V1-V2 ora aproximam-se ora distanciam-se de propostas que as classifiquem como verbos seriais ou verbos auxiliares. Por isso, aqui é sugerida esta outra análise. Com os verbos transitivos kwããw ‘saber, conhecer’ e patãr ‘querer, desejar’, ocorre a incorporação do objeto oracional relativo a V1 por V2. Os verbos intransitivos, pãw ‘acabar, terminar’ e kãto ‘ser bonito, ser bom’, por sua vez, adquirem a função de modificadores de V1.

Essa nova análise destaca que a motivação para o aparecimento da sequência sob a estrutura PESSOA-V1-V2 é a coincidência dos sujeitos das duas orações e que, apesar da estrutura semelhante (PESSOA-V1-V2) para V1 transitivo e V1 intransitivo, tal fato não implica a construção-fonte de ambos ser a mesma.

Espera-se que a abordagem aqui apresentada forneça subsídios importantes para futuros estudos morfossintáticos da língua.

ABREVIATURAS
  • 1  primeira pessoa
  • 2  segunda pessoa
  • 3  terceira pessoa
  • A  argumento mais agentivo
  • C  série correferencial
  • C.I.COM  conteúdo informacional compartilhado
  • CC  causativo comitativo
  • CONS  consecutiva
  • D.E  demonstrativo espacial
  • DEM  demonstrativo
  • EXC  plural exclusivo
  • F.IMI  futuro iminente
  • FOC  foco assertivo
  • GRUP  grupo
  • HAB  aspecto habitual
  • IMI  aspecto iminentivo
  • IMP  imperativo
  • INTSNS  intensificador
  • INC  inclusiva
  • IOC  locativo
  • MASD  mantenedor de agentividade do sujeito demovido
  • N.ASS  conteúdo informado não assumido pelo falante
  • N.CIR  nominalização de circunstância
  • N.PRED  nominalização de predicado
  • N.PROC  nominalização de instrumento, processo, local
  • NA  série não ativa
  • NEG  negação
  • OSSD  oração subordinada de sujeito distinto
  • OSSI  oração subordinada de sujeito idêntico
  • P  argumento mais paciente
  • PAS.REC  passado recente
  • PAS.REM  passado remoto atestado
  • PERF  aspecto perfeito
  • PL  plural
  • POS  posposição
  • PROSP  aspecto prospectivo
  • R  relacional
  • REDUP  reduplicação
  • RFR  referenciante
  • SA  série ativa
  • S.P.N.AT  subordinador de predicado não ativo
  • SG  singular
  • V  verbo
  • 1
    Para mais informações a respeito do gerúndio, ver Rodrigues (2013)Rodrigues, A. D. (2013). Esboço de uma introdução ao estudo da língua Tupí. Revista Brasileira de Linguística Antropológica, 3(1), 31-44. https://doi.org/10.26512/rbla.v3i1.16233
    https://doi.org/10.26512/rbla.v3i1.16233...
    .
  • 2
    Os clíticos da ‘série não ativa’ receberão acento, em geral, quando forem complemento da posposição we ‘dativo’.
  • 3
    Segundo Praça (2007, p. 39)Praça, W. N. (2007). Morfossintaxe da língua tapirapé [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. https://repositorio.unb.br/handle/10482/6626?locale=en
    https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
    , o morfema {-a} em Apyãwa é muito produtivo, o que poderia ser explicado pela forte omnipredicatividade presente na língua. Dessa maneira, por nomes e verbos – que são as principais entradas lexicais – serem gerados no léxico como predicados, eles necessitariam da presença do referido morfema para servirem como argumento.
  • 4
    Tradicionalmente, nas línguas Tupí, conhecidas como subjuntivo.
  • 5
    Tradicionalmente, nas línguas Tupí, conhecidas como gerúndio.
  • 6
    No original: “An auxiliary is usually defined as a closed subclass of verbs which (a) form part of one complex predicate in combination with a verb from a large open class; (b) take the person, number, gender, aspect, tense, mood and/ or modality specifications; and (c) may impart a modal, or an aspectual meaning to the whole construction”.
  • 7
    No original: “Auxiliary: a verb that co-occurs with a main verb in a phrase to indicate values of verbal features such as tense or mood”.
  • 8
    As glosas oferecidas para esses quatro verbos são os significados de quando eles são usados independentemente.
  • 9
    No original: “Noun incorporation is a construction in which an argument of a transitive clause becomes ‘attached to’ or ‘incorporated into’ the verb. Incorporation exhibits all the characteristics of compounding, namely: (1) a stress pattern characteristic of words rather than phrases, (2) possibly unusual word order, (3) morphophonemic patterns characteristic of words rather than phrases, (4) possibly special morphology, and (5) meanings that are more specific than the meanings of the individual parts. Object incorporation is more common than other types of noun incorporation in the world’s languages”.
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Editado por

Responsabilidade editorial: Adam Singerman

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Out 2022
  • Aceito
    19 Jun 2023
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