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Ousadia e luta: o pensamento de defensores da floresta na Amazônia

Audacity and struggle: The thinking of forest defenders in the Amazon

Resumo

Este artigo discute a resistência de defensores ambientais na Amazônia a partir de uma perspectiva da ecologia política do pensamento de José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, assassinados em 24 de maio de 2011. Por meio de pesquisa-ação, com observação participante de processos judiciais, pesquisa documental e entrevistas no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna, Pará, investiga-se a ‘ousadia’ na luta ambiental conforme foi elaborada pelo casal, de forma a contribuir para uma compreensão mais profunda do ecologismo popular e ampliar a percepção da luta de defensores ambientais. Argumenta-se que a coragem de agir diante do terror, esta ‘ousadia’ de ‘conviver com a floresta’, impulsiona a formação de sujeitos na luta coletiva pela floresta e pela vida. Esta luta, em uma relação dialética entre subjetividade e objetividade, tal como proposta por Paulo Freire, se articula em movimentos coletivos pela libertação frente à colonialidade do poder, cuja matriz se expressa em diferentes formas de opressão e dimensões da violência que atingem tanto a natureza quanto aqueles que convivem com a floresta.

Palavras-chave
Amazônia; Ambientalismo popular; Extrativismo; Violência; Assassinato no campo

Abstract

This article discusses the resistance of environmental defenders in the Amazon from a political ecology perspective, namely the thinking of José Cláudio Ribeiro and Maria do Espírito Santo, who were murdered on May 24, 2011. This investigation focuses on ‘audacity’ in the environmental struggle typified by this couple, through active research, participative observation of legal proceedings, documentary research, and interviews in the Praialta Piranheira PAE in Nova Ipixuna, Pará to contribute to a deeper comprehension of grassroots environmentalism and expand the understanding of the struggle undertaken by environmental defenders. We argue that the courage to act in the face of terror, this ‘audacity’ of ‘living together with the forest,’ drives subjectification in the collective fight to defend the forest and life. This struggle, in a dialectical relationship between subjectivity and objectivity as proposed by Paulo Freire, is interlinked with collective movements for liberation from colonialist power, in which the power matrix is expressed in different forms of oppression and dimensions of violence that affect both nature and those who live together with the forest.

Keywords
Amazônia; Popular environmentalism; Extractivism; Violence; Rural murder

A BONITEZA DA LUTA

Neste artigo, proponho uma análise do processo de formação política, das ideias e da luta do casal Maria do Espírito Santos e José Cláudio Ribeiro a partir de seus próprios pontos de vistas, pensamentos expressos em documentos de suas autorias e em uma longa entrevista que concederam a mim sete meses antes de serem assassinados. Eram ambientalistas populares, lideranças do movimento social, agricultores extrativistas assentados no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna, no sudeste do estado do Pará, e, em 24 de maio de 2011, foram vítimas de uma emboscada e assassinados por dois pistoleiros. O crime teve grande repercussão internacional. Postumamente, foram reconhecidos ‘heróis da floresta’ pela Organização das Nações Unidas, em premiação especial, junto de uma menção honrosa ao autor deste artigo, Felipe Milanez (ONU, 2013Organização das Nações Unidas (ONU). (2013). Catalogue of the Exhibit My forest, our future: celebrating forests for sustainable development United Nations. Nações Unidas.).

Sete meses antes do assassinato, realizei uma visita de campo na casa onde viviam, em um lote com 18,5 alqueires de floresta dentro do PAE. O objetivo era documentar as ameaças de morte que sofriam e conhecer um pouco a situação de tensão que enfrentavam, em encontro mediado pelo advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Marabá, Pará, José Batista Afonso. Essa pesquisa tem início com um objetivo jornalístico de informar ameaças de morte e mobilizar atenção pública, mas se desenvolve e se aprofunda na interpretação da luta ambientalista. O casal denunciava a ação ilegal de madeireiros e carvoeiros, sobretudo a extração ilegal de castanheiras, e passaram a sofrer retaliações, aumentando a inimizade dentro do PAE e as ameaças das máfias. Também havia uma crescente tensão decorrente da intensificação da reconcentração fundiária e da chegada de um novo fazendeiro pecuarista, comprando lotes, tentado expulsar os moradores e dando início a “. . . uma violenta fase de perseguições, expulsões, queima de barraco dos agricultores, destruição das lavouras, ameaças de morte, exploração da floresta com a retirada de madeira, instalando na região um clima de medo e insegurança para todos” (Santos & Santos, 2022Santos, C., & Santos, C. (2022). Zé Cláudio e Maria: tombaram por defender a floresta em pé. In R. Almeida & E. Sacramento (Orgs.), Luta pela terra na Amazônia: Mortos na luta pela terra! Vivos na luta pela terra! (pp. 201-230). Ed Autores. https://livroaberto.ufpa.br/jspui/handle/prefix/1044
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p. 222).

Este conflito pela posse da terra levou ao duplo homicídio. O pecuarista José Rodrigues Moreira adquiriu de forma ilegal dois lotes de terra localizados dentro do PAE, onde viviam três famílias de agricultores. Por meio da CPT, o casal denunciou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a grilagem e levou o caso das práticas violentas à delegacia de Conflitos Agrários, em Marabá. O pecuarista, com apoio de um consórcio de interesses que reunia outros fazendeiros, contratou dois pistoleiros, um deles foi o seu irmão, Lindonjonson Silva, numa ‘empreitada de morte’, como veio a ser julgado. O primeiro julgamento aconteceu em Marabá, em 3 e 4 de abril de 2013. Pouco antes das jornadas de junho que mudariam os rumos políticos do país, os debates no tribunal do júri continham elementos que vieram a ganhar uma dimensão política mais ampla, tais como ódio, mentiras, fake news, antiambientalismo, fundamentalismo evangélico, moralismo e difamação de lideranças sociais. O juiz, cuja imparcialidade foi questionada pelos movimentos sociais, redigiu sentença na qual afirma que foram as vítimas que deram ‘causa ao conflito’ (Santos, 2021Santos, C. (2021). Impunidade e violência sistemática contra defensores no Brasil: os assassinatos dos ambientalistas Zé Cláudio e Maria. In F. Milanez, G. Navas, N. H. Vidal & R. Neyra (Orgs.), Senti-pensarnos Tierra: defensores ambientales: luchas por la vida (pp. 14-19). CLACSO.). Por maioria de votos, condenaram os dois pistoleiros e absolveram o mandante. A absolvição do mandante foi anulada e, em novo julgamento realizado em Belém devido à insegurança e às intimidações que ocorreram em Marabá, Moreira foi condenado a 60 anos de prisão. Está foragido desde então, enquanto o irmão Lindonjonson, que fugiu da cadeia em 2015, foi recapturado em 2020.

Estava em marcha um processo de reconcentração fundiária dentro do PAE, associado à intensificação das atividades madeireiras, carvoejamento ilegal para a indústria de ferro gusa e pecuária. Maria e José Cláudio resistiam, defendendo os princípios do agroextrativismo sustentável. A pressão sobre os recursos naturais e a terra havia sido intensificada por projetos de desenvolvimento que marcaram esse período: construção de grandes frigoríficos, expansão da lavoura de soja e ampliação da capacidade de exportação de minérios. Essa expansão do capital extrativista na região produziu o que identifiquei como efeitos da compressão e apropriação do espaço pelo tempo, em razão da ampliação da circulação do capital, como uma das contradições do neoextrativismo que marcou o período dos assassinatos (Milanez, 2018Milanez, F. (2018). Compressão e apropriação do tempo e do espaço no neoextrativismo: uma crítica pela ecologia política. In M. I. M. Marques, C. I. Bernini, E. Castro, L. Cavalieri, P. C. R. Perez, A. Cornetta, & J. S. Sobrinho (Eds.), Perspectivas de natureza: geografia, formas de natureza e política (1. ed., Vol. 1, pp. 265-284). Annablume.).

Este artigo tem por base as entrevistas que realizei neste dia de visita de campo, das quais transcrevo trechos (Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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), associada com pesquisa documental, observação participante e entrevistas nos anos subsequentes. Na documentação, merecem destaque os extraordinários trabalhos universitários realizados no âmbito do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), junto do curso de Educação no Campo, da Universidade Federal do Pará (UFPA), campus Marabá, atual Universidade Federal do Sul e do Sudeste do Pará (UNIFESSPA), por Maria, sua irmã Laisa dos Santos Sampaio, e das irmãs de José Cláudio, Claudenir Santos e Claudelice Santos (está em Direito da Terra). Maria ingressou no PRONERA em janeiro de 2000, e concluiu o trabalho de conclusão de curso (TCC) em março de 2011. Produziu artigos, ao menos quatro trabalhos, um memorial (Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M. (2004). Memórias, histórias, lembranças e esquecimentos [Memorial, Curso de Magistério, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária].) e o TCC (Espírito Santo, 2011Espírito Santo, M. (2011). Biodiversidade e sustentabilidade como práticas pedagógicas nas escolas do projeto de assentamento extrativista Praia Alta Piranheira, no município de Nova Ipixuna – Pará [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]. https://faced.unifesspa.edu.br/images/TCC_PARFOR/2011/MARIA_DO_ESP%C3%8DRITO_SANTO_DA_SILVA_compressed.pdf
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), que constitui um potente legado intelectual: “O PRONERA fez com que passasse a gostar de ler” (Espírito Santo, 2004, p. 21). Maria também escreveu um curto artigo direcionado às mulheres do movimento social, republicado em minha coluna na Carta Capital (Espírito Santo, 2015Espírito Santo, M. (2015, set. 4). Debaixo da lona preta: o começo da história de lutas. In A ousadia da mulher guerreira: a reflexão de Maria do Espírito Santo. CartaCapital. https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-ousadia-da-mulher-guerreira-a-reflexao-de-maria-do-espirito-santo-4791/
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). Tive acesso a essa documentação através do arquivo de sua irmã, Laisa Santos Sampaio, e da irmã de José Cláudio, Claudelice Santos, ambas que deram seguimento à luta e à defesa da memória e das ideias do casal.

Juntos, o casal fez ao menos 16 denúncias, por meio de cartas e informações sobre crimes ambientais entre 2001, quando afirmaram receber ameaças de morte, e 2011, já no contexto do conflito provocado por José Rodrigues Moreira. Estes documentos estão localizados no arquivo da CPT, em Marabá, e no processo judicial do homicídio, constituindo também uma fonte importante de pesquisa sobre as suas ideias.

Desde sua entrada na universidade e a militância no movimento social, Maria passou a desenvolver um pensamento original da práxis sobre a luta e a formação de sujeitos, produzindo uma poderosa autorreflexão de sua formação política, bem como uma sofisticada análise do sistema de matriz colonial de exploração da natureza e das pessoas. Esse processo intelectual singular pelo qual ela e ele atravessaram permite conhecermos melhor o processo de formação do sujeito ambientalista popular na Amazônia, sua potência crítica e insurgente, e da consciência como agente transformador da realidade. Conforme escreveu em seu memorial, em 2004:

Posso afirmar sem hesitação que este curso de formação só tem me ajudado. Continuamente, eu tenho me desenvolvido bastante. Hoje tenho outro pensamento em relação ao pensamento e as ações anteriores; hoje me aconteceram fatos marcantes, depois que eu entrei para curso de formação

(Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M. (2004). Memórias, histórias, lembranças e esquecimentos [Memorial, Curso de Magistério, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]., p. 21).

Em trabalho anterior (Araújo et al., 2019Araújo, R., Vieira, I. C. G., Toledo, P. M., Coelho, A. S., Dalla-Nora, E., & Milanez, F. (2019). Territórios e alianças políticas do pós-ambientalismo. Estudos Avançados, 33(95), 67-90. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2019.3395.0006
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), abordamos o desmatamento intenso no PAE Praialta-Piranheira, a violência de fronteira e o pós-ambientalismo. Como argumento central neste artigo, proponho uma nova interpretação a respeito do sujeito ambientalista que emerge da luta pelo convívio (com viver) com a floresta, com consciência de classe construída dentro do movimento social e coproduzida em aliança política com a floresta. Para isso, abordo o contexto dos movimentos sociais, as trajetórias e a formação dos sujeitos, a ‘coragem feminina’, e dois aspectos centrais: a ética da transformação do mundo, que impulsionava suas ações, bem como a denúncia da servidão para alcançar a libertação da classe camponesa e extrativista.

Como enquadramento analítico, coloco suas análises sobre o padrão colonial de poder e de opressão em perspectiva dos efeitos da colonialidade do poder, tal como propõe Quijano (2005)Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Ed.), A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas (pp. 117-142). CLACSO. A colonialidade, nestes termos, revela uma origem colonial, porém mais duradoura e estável que o colonialismo em cuja matriz foi estabelecido, sendo a ideia de raça um critério de classificação social, do controle do trabalho e da exploração da natureza. Esta análise conduz a uma perspectiva de luta por libertação de forma mais ampla e complexa do que a percepção que se tornou comum, nos últimos anos, da ideia de ‘defensores ambientais’ como lutas de indivíduos, por se tratar de uma luta coletiva também anticolonial, ou decolonial. Procuro um diálogo entre o pensamento de Maria com contribuições teóricas de Paulo Freire, cuja obra contribuiu para a formação de sua visão de mundo e a subjetividade, assim como uma aproximação com o pensamento de Frantz Fanon, no diagnóstico que realiza da matriz do poder colonial, das relações de opressão, da subjetividade dos oprimidos, da internalização dos valores dos opressores e do processo de conscientização na luta. Em Freire, a ideia da subjetividade surge no ato de transformar a realidade que compôs Maria, na ‘boniteza’ da vida e da luta.

Maria e José Cláudio tiveram uma vida coerente entre suas práticas e suas ideias, e suas ações políticas eram pautadas por justiça social, ética e educação. No violento sudeste do Pará, isso significava desvios perigosos, puníveis com a morte. Mesmo diante do medo, lutaram. A ousadia era, para ela e para ele, o aspecto mais importante que destacavam de sua atuação na defesa da vida humana com a floresta. Nestes termos, a insurgência do casal pode ser encontrada como um movimento por justiça ambiental, em uma dimensão global das lutas contra a expansão do capitalismo sobre os recursos naturais (Martinez-Alier et al., 2016Martinez-Alier, J., Temper, L., Bene, D., & Scheidel, A. (2016). Is there a global environmental justice movement? The Journal of Peasant Studies, 43(3), 731-755. https://doi.org/10.1080/03066150.2016.1141198
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), assim como integra o quadro do ‘ecologismo dos pobres’ (Martinez-Alier, 2007Martinez-Alier, J. (2007). O ecologismo dos pobres. Editora Contexto.). Este artigo aparece mais de dez anos depois de suas mortes, a partir de novas reflexões sobre suas ideias, com a intensão de tornar pública parte do legado intelectual que deixaram, e contribuir para a memória da luta das populações tradicionais na Amazônia.

MOVIMENTOS SOCIAIS E A CONSTRUÇÃO DE ALTERNATIVAS TERRITORIAIS

A luta de Maria e José Cláudio estava inserida no contexto dos movimentos sociais do Pará, uma luta coletiva pela reforma agrária. A proposta de criação do PAE Praialta-Piranheira remete a reuniões que aconteceram no início dos anos 1990 e se intensificaram após o massacre de Eldorado dos Carajás, reunindo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR), a cooperativa Correntão, o Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP), o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar no Estado do Pará (FETAGRI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). A ideia de uma reforma agrária em áreas de castanhais para o uso de trabalhadores da floresta já estava presente no primeiro encontro do CNS, em 1985, para uma reserva no chamado Polígono dos Castanhais (Allegretti, 2002Allegretti, M. (2002). A construção social de políticas ambientais: Chico Mendes e o movimento dos seringueiros [Tese de doutorado, Universidade de Brasília].). Inspirado nos antigos assentamentos extrativistas de 1989, o projeto agroextrativista continha inovações à modalidade seringueira. A Portaria nº 268, de 1996Portaria INCRA nº 268. (1996, out. 23). Criar em substituição à modalidade de Projeto de Assentamento Extrativista, a modalidade de Projeto de Assentamento Agro-Extrativista (PAE). https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/index.php?action=MenuOrgao.show&id=7042&oOrgao=25#:~:text=Portaria%20INCRA%20n%C2%BA%20268%2C%20de,Agro%2DExtrativista%20(PAE)
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, do INCRA, substituiu a modalidade ‘extrativista’ pela ‘agroextrativista’, como uma alternativa para projetos de assentamento, com a distribuição de lotes individuais mediante concessão de uso, de acordo com a decisão das comunidades organizadas em associações.

Com amplo apoio e participação de 77 agricultores agroextrativistas, em junho de 1997 foi fundada a Associação de Pequenos Produtores do Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira (APAEP). José Cláudio foi eleito o primeiro presidente da associação, com a responsabilidade de liderar o primeiro assentamento desta modalidade no país, criado em agosto de 1997. O PAE Praialta-Piranheira tinha 22 mil hectares que deveriam servir ao uso de quase 400 famílias. Um dos principais desafios, desde o início, era o de acolher migrantes em busca de terra que vinham de diferentes formações e territorialidades. Pesquisas realizadas pelas entidades que apoiaram a criação do projeto identificaram que a maioria dos moradores do PAE e as famílias assentadas acreditavam no agroextrativismo como uma possibilidade de desenvolvimento sustentável (Lumiar, 1999Lumiar. (1999). Plano de desenvolvimento do assentamento: Projeto de Assentamento Extrativista Praialta-Piranheira. Equipe do Projeto Lumiar.). Formado sobre seis fazendas de pretensos proprietários, sempre houve resistência e sabotagens, com permanente omissão do INCRA na regularização fundiária, e pressões dos fazendeiros e madeireiros para fomentar oposições internas.

Por falta de implantação das políticas públicas, alguns assentados que participaram das mobilizações iniciais acabaram sendo levados a vender seus lotes. A chegada de novos ocupantes trouxe desafios para o desenvolvimento do agroextrativismo, bem como o limite da prática extrativista em pequenos lotes individuais. A pressão externa foi intensificada ao longo dos anos, primeiro com fazendeiros e grileiros, depois com madeireiros e, em seguida, com carvoeiros.

Ao assumir a presidência da APAEP, José Cláudio já era um dos maiores interessados na ideia agroextrativista. Com Maria, assumiu a liderança do desenvolvimento do projeto, mesmo diante dos desafios da regularização fundiária. E, com essa responsabilidade, passaram a ser foco de violência:

Eu era fora de movimento social. Eu não fazia parte de movimento social. Eu cuidava da minha vidinha, eu fazia minha roça, eu criava meu porco, eu vivia no meu cantinho. Em 1995, começaram a discutir. Porque essa discussão já vem há mais tempo, desde os anos 1990 que já tem a discussão para a criação de um projeto aqui. Aí ficava: “criava um projeto tradicional?” – “Não... Vamos criar uma modalidade diferente”. Criaram um PAE, que é um projeto de assentamento extrativista. Eu comecei a me envolver... Aqui tem um vizinho, o Zé Ribamar, e ele começou a me convidar pras reuniões. E eu: “Ah, rapaz, eu não vou pra essa reunião não...”. Mas eu comecei ir, e comecei a me interessar, pelo discurso dos outros, o que falavam. E comecei a me interessar pelo papo de preservação. Porque eu já era meio ambientalista. Mesmo sem saber, mas eu era. Porque eu vivia dos produtos da floresta. Não estava desmatando. Eu sei que mexe e vira, em 1997, criamos o Projeto de Assentamento, e criamos uma associação aqui dentro e me botaram como presidente dessa associação. Devido o que eu tinha aprendido já nas discussões e com o meu ideal, aí começaram as ameaças... Foi o tempo também que começou a vir as indústrias madeireiras, que foram se instalando por aí. E aí começou o ataque à floresta. E aí começou o meu embate com eles. E aí começou a perseguição. E aí começou nego a querer meu pescoço

(José Cláudio em entrevista concedida a Milanez 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 190).

Nesse processo de formação política e de luta, os assentados assumiram o protagonismo de seus destinos, de controle da força de trabalho, da produção de subsistência e da proteção da floresta. No papel de lideranças, José Cláudio e Maria lutaram para desenvolver o PAE, mas também para expandir a proposta política do agroextrativismo.

TRAJETÓRIAS COM AS CASTANHEIRAS

Maria e José Cláudio eram identificados como extrativistas tradicionais entre os ocupantes do PAE, e tiveram interesse nos temas ecológicos e ambientais desde as primeiras reuniões com os movimentos sociais. Na primeira, em 23 de fevereiro de 1997, vieram a convite do STR, e não estavam certos se valia a pena se engajar. Já na terceira reunião, em junho desse ano, quando foi criada a APAEP, José Cláudio foi eleito o seu primeiro presidente. Maria recorda que, quando chegaram para viver na terra que seu marido tinha adquirido, nos anos 1980, tinham uma “. . . ideologia bem diferente dessa que temos hoje” (Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M. (2004). Memórias, histórias, lembranças e esquecimentos [Memorial, Curso de Magistério, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]., p. 17), que José Cláudio tinha o “. . . pensamento de criar gado; já eu não, quando vi a beleza das castanheiras, e uma mata cheia de recursos naturais, comecei a pensar em preservação” (Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M., & Ribeiro, J. C. (2004b, nov. 12). Carta ao Diretor de Assentamento do INCRA, Sr. Aécio Matos. Arquivo da Comissão Pastoral da Terra, Marabá, Pará., p. 17). Recordavam que já eram ‘meio ambientalistas’, mesmo ‘sem saber’ (Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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).

Filha de migrantes do Maranhão, Maria, assim como José Cláudio, relata ter tido um pai biológico e um pai adotivo (Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M. (2004). Memórias, histórias, lembranças e esquecimentos [Memorial, Curso de Magistério, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária].). Ela nasceu em São João do Araguaia e passou a infância em um castanhal pelo qual passava o igarapé Ubá. Em 1985, a região foi palco do terror de pistoleiros liderados por Sebastião da Teresona, que promoveu um dos piores massacres registrados nesse período extremamente violento no campo, a chacina do Castanhal Ubá (Pereira, 2013Pereira, A. (2013). A luta pela terra no sul e sudeste do Pará: migrações, conflitos e violência no campo [Tese de doutorado, Universidade Federal de Pernambuco]. https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/11582
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, 2015Pereira, A. (2015). A prática da pistolagem nos conflitos de terra no sul e no sudeste do Pará (1980-1995). Revista Territórios e Fronteiras, 8(1), 229-255. https://doi.org/10.22228/rt-f.v8i1.335
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). José Cláudio recordava esse período como o ‘horror’: “Tudo era fazendeiro que mandava matar os posseiros, ou mandava matar sindicalista. Naquele tempo era um horror” (Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 294).

O pai e a mãe de Maria viviam da coleta de castanha e batalharam para comprar uma terra, o que alcançaram com renda extra que tiveram em subempregos na cidade. Como ficava longe de Marabá, Maria foi deixada numa casa de família para seguir os estudos, período sobre o qual ela relata ter passado por sofrimentos (Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M. (2004). Memórias, histórias, lembranças e esquecimentos [Memorial, Curso de Magistério, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária].), assim como o sonho de ler e escrever. Essa mudança da floresta para a cidade marcou a vida de Maria. Ela escreveu: “. . . nunca tive coragem de perguntar para meus pais o motivo por que viemos para Marabá se nós morávamos bem perto de São João do Araguaia, minha terra natal” (Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M. (2004). Memórias, histórias, lembranças e esquecimentos [Memorial, Curso de Magistério, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]., p. 2). Na cidade, onde viveu até os 15 anos, trabalhou em casas de famílias, e sua mãe temia que virasse ‘mulher solteira’ (Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M., & Ribeiro, J. C. (2004a, out. 31). Carta endereçada à Ministra do Meio Ambiente, Sra. Marina Silva. Arquivo da Comissão Pastoral da Terra, Marabá, Pará.). Esse foi um marcador de gênero e de classe na sua trajetória que ela iria recordar posteriormente. Casou-se, teve cinco filhos, sofreu violência na relação até conseguir o divórcio. Divorciada, trabalhou em uma escola no distrito de Morada Nova, entre Marabá e Bom Jesus do Tocantins. Em 1986, conheceu José Cláudio quando era mesária da sessão em que ele votava, apaixonaram-se e foram viver juntos.

José Cláudio também cresceu e passou sua infância no contexto da economia da castanha. Descendia de migrantes do Maranhão (avô e pai adotivo), de família estabelecida no Pará (seu pai biológico) e de indígenas do povo Kayapó (sua bisavó materna). Seu pai adotivo foi coletor, produtor de farinha e comerciante, ocupando diferentes posições intermediárias no sistema extrativista da castanha. A situação mudou com a leva de migrantes e abertura de estradas na ditadura. Nos anos 1980, José Cláudio teve uma breve passagem, junto de seus irmãos, pelo garimpo de Serra Pelada. Em meados da década, adquiriu de um posseiro a área que viria a ser integrada ao PAE, com 250 hectares divididos entre ele e seu pai. Vivenciou a mudança da ‘terra livre’, quando o acesso à floresta valia mais do que o preço da terra, e os posseiros iam atrás de terra e tomavam a posse pela ocupação, para a ‘terra-mercadoria’, quando a terra passou a valer mais do que a floresta, e começou a ser grilada, especulada e negociada. Na infância, dizia que a terra era abundante, mas o acesso à floresta para realizar a coleta era controlado pela oligarquia da castanha (Emmi, 1987Emmi, M. F. (1987). A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais. UFPA/NAEA.). Seu pai foi um pequeno comerciante e intermediário entre patrões e coletores de castanha. Quando compraram o lote de floresta, ainda que pensassem em desenvolver a pecuária, para onde eram direcionados os principais incentivos, passaram a se dedicar quase exclusivamente às atividades do sistema da castanha, com a coleta e a compra do produto para revenda em Marabá. As roças de subsistência que faziam conviviam com os castanhais. Não utilizavam as mesmas áreas, e o uso cíclico do território, com a queimada da capoeira, foi interrompido com a chegada do capim. Plantar capim na área de roça passou a impedir o surgimento da capoeira, que servia para proteção do solo e, em uma nova derrubada e queima, ter as cinzas utilizadas para fertilização do solo. Encerrar o ciclo reprodutivo da floresta também interrompeu a regeneração do solo.

A conservação da floresta poderia ser feita pelo uso ecologicamente sustentável e socialmente justo dos recursos naturais, que fosse viável economicamente para as famílias trabalhadoras. Seria a possibilidade de emancipação das populações extrativistas, em conjunto com a floresta. Maria considerava este um problema central que os outros projetos de assentamento na região enfrentavam. Nos oito projetos de assentamento em Nova Ipixuna, o PAE era uma exceção: o que predominava era a criação de gado para leite e corte. A pecuária, para Maria, “. . . transforma os pequenos agricultores em monocultores, pois o que os mesmos produzem é só o leite” (Espírito Santo em entrevista concedida a Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/103...
, p. 293). Só haveria duas alternativas: sair em busca de outra área na floresta ou seguir para a periferia nos centros urbanos. Como colocou José Cláudio: “. . . tentar noutra região caçando terra de novo pra se apossar” (Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/103...
, p. 293):

Considerando que a criação dos projetos de assentamento tem sido uma ideia de grande importância para o fortalecimento da agricultura familiar na região sul e sudeste do Pará, é bom lembrar que as questões ambientais não foram levadas em consideração, talvez pelo anseio de ver as famílias produzindo na terra, não se colocando em discussão a necessidade de preservar os recursos naturais. Desta forma, foi ocorrendo a criação de vários projetos de assentamento sem a devida preocupação com a floresta, sem a visão de que manter a floresta é uma forma de garantir a subsistência humana e também garantir a diversidade biológica do planeta. Em grande parte de alguns projetos de assentamento não existe nem mesmo uma pequena reserva florestal, e como exceção estão aquelas áreas que são criados assentamentos onde não existe mais floresta. Assim, são vários os complicadores nesta questão

(Espírito Santo, 2011Espírito Santo, M. (2011). Biodiversidade e sustentabilidade como práticas pedagógicas nas escolas do projeto de assentamento extrativista Praia Alta Piranheira, no município de Nova Ipixuna – Pará [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]. https://faced.unifesspa.edu.br/images/TCC_PARFOR/2011/MARIA_DO_ESP%C3%8DRITO_SANTO_DA_SILVA_compressed.pdf
https://faced.unifesspa.edu.br/images/TC...
, pp. 24-25).

SUJEITOS NA LUTA AMBIENTALISTA

Quando perguntei a Maria qual era o seu sonho, ela afirmou ser a luta política pelo agroextrativismo. Sonho que servia, na concepção de Freire, para mobilizar a coragem de enfrentar o medo (Freire & Shor, 1987Freire, P., & Shor, I. (1987). Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Paz e Terra.). Este seria um meio de a classe trabalhadora conquistar a emancipação. Seu sonho era um sonho coletivo:

Entrevistador: Qual é o sonho da senhora aqui?

Maria: Meu sonho, hoje, eu não posso dizer mais que é um sonho individual. Porque antes era um sonho coletivo de ver essa floresta, esses 22 mil hectares, essas quase 400 famílias que hoje moram aqui, todo mundo agregando valor em sua renda com o extrativismo. Esse que era o sonho.

Entrevistador: Vivendo com a floresta?

Maria: Convivendo com a floresta de forma sustentável, ecologicamente sustentável e viável e justa, né?

(Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/103...
, p. 312).

A ideia de ‘conviver’ com a floresta era, ao mesmo tempo, uma experiência de vida e um processo de aprendizado, desde que ‘arriscassem experimentar’. Qualquer pessoa pode aprender a conviver com a floresta.

Maria aborda em seus escritos temas centrais do ecologismo popular. Ao mesmo tempo, tece uma crítica às concepções patriarcais da economia capitalista. Conviver com o ecossistema, ter uma produção econômica que fosse viável, portanto, suficiente para viver, e a ideia de justiça como parte das condições materiais de vida eram temas estruturantes para a emancipação da classe trabalhadora da floresta. Suas ideias também revelam um argumento poderoso contra a acusação de que as propostas ambientalistas são do ‘atraso’. O problema é que, para se alcançar essa possibilidade de existência emancipatória, era necessário enfrentar o latifúndio:

Companheiro, a luta não é muito fácil, não. Porque o ecologista, o ambientalista, é visto como a pessoa do atraso. Isso é o que dificulta a relação. E não tem como um ambientalista ter diálogo com grupo de agronegócio e fazendeiro. Não tem como. É inviável. De forma alguma. Nunca dá. Não dá certo. A água não se mistura com o óleo. E o ecologista é a água, o óleo é o que fica em cima, que são eles, e nós é que ficamos aqui na luta, na base mesmo

(Maria em entrevista concedida a Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/103...
, p. 315).

Para enfrentar a situação de opressão, ocupar o papel de sujeito de transformação das condições materiais de existência, na leitura política de Maria, é preciso ‘ousadia’: enfrentar a luta, insurgir-se, rebelar-se coletivamente.

Em seu TCC, Maria se identifica, com José Cláudio e Chico Mendes, como “líderes ambientalistas populares”, definindo como meta a “luta em defesa da vida e da dignidade das populações tradicionais”, enquanto aponta que a degradação era “provocada pelo modelo de desenvolvimento” (Espírito Santo, 2011Espírito Santo, M. (2011). Biodiversidade e sustentabilidade como práticas pedagógicas nas escolas do projeto de assentamento extrativista Praia Alta Piranheira, no município de Nova Ipixuna – Pará [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]. https://faced.unifesspa.edu.br/images/TCC_PARFOR/2011/MARIA_DO_ESP%C3%8DRITO_SANTO_DA_SILVA_compressed.pdf
https://faced.unifesspa.edu.br/images/TC...
, p. 46). Também emerge pelo pensamento de Maria a intersecção da opressão de gênero com a luta ambiental das mulheres no extrativismo. Maria reconhecia avanços na reforma agrária, mas, apesar disso, reconhecia haver áreas improdutivas, famílias acampadas e “lideranças sindicais e ambientalistas sendo assassinados por conta dos conflitos agrários e ambientais que ainda perduram na Amazônia”: um “modelo de exclusão das classes populares” (Espírito Santo, 2011Espírito Santo, M. (2011). Biodiversidade e sustentabilidade como práticas pedagógicas nas escolas do projeto de assentamento extrativista Praia Alta Piranheira, no município de Nova Ipixuna – Pará [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]. https://faced.unifesspa.edu.br/images/TCC_PARFOR/2011/MARIA_DO_ESP%C3%8DRITO_SANTO_DA_SILVA_compressed.pdf
https://faced.unifesspa.edu.br/images/TC...
, p. 24). Ela distinguia conflitos agrários – centrados na luta pela terra – dos ambientais – em defesa da floresta e dos rios. As lideranças sociais nessas lutas eram eliminadas por se oporem ao modelo de desenvolvimento. Isto é, o que expressa uma visão ampla e antissistêmica da luta ambiental. Esta análise da conjuntura da violência relaciona a experiência individual com o momento político mais amplo. O modelo é violento, e essa violência atinge o ecossistema, assim como a possibilidade de reprodução da vida em conjunto com o ambiente e, consequentemente, as condições de subsistência, enquanto a existência daqueles e daquelas que se opõem à predação é posta em risco.

Juntos, Maria e José Cláudio realizaram uma série de denúncias que compõem um léxico da práxis freireana de compreender o mundo e de agir. A primeira que identifiquei, no acervo da CPT, data de 19 de junho de 1997, foi quando peticionaram ao diretor do INCRA, em Marabá, a criação do projeto, antes que a área viesse a ser destruída, informando que 153 das 163 famílias locais eram a favor do agroextrativismo, e que não tinham apoio da prefeitura, pois o prefeito era “dono de uma madeireira no município, [com] interesse em continuar extraindo madeira da área” (Ribeiro, 1997Ribeiro, J. C. (1997, jun. 19). Carta ao Diretor de Assentamento do INCRA, Sr. Aécio Matos. Arquivo da Comissão Pastoral da Terra, Marabá, Pará., p. 1). Em setembro de 2001, denunciaram ao Ouvidor Agrário Nacional um “grave conflito envolvendo fazendeiros que ocupam áreas públicas no interior do PAE Praialta-Piranheira”, e que a situação iria “ficar tensa”, comunicando “o aumento da violência contra trabalhadores rurais nesta região” (CPT, 2001Comissão Pastoral da Terra (CPT). (2001, set. 24). Ofício ao Sr. Gercino José da Silva, Ouvidor Agrário Nacional. Arquivo da Comissão Pastoral da Terra, Marabá, Pará.). Nesse mesmo ano, José Cláudio passou a receber ameaças de morte de fazendeiros e entrou na lista de ameaçados da CPT. Em 2003, em razão da omissão do INCRA na regularização, ocuparam uma área da fazenda Cupu, e Maria foi levada para a delegacia por dois policiais, junto do fazendeiro (Santos & Santos, 2022Santos, C., & Santos, C. (2022). Zé Cláudio e Maria: tombaram por defender a floresta em pé. In R. Almeida & E. Sacramento (Orgs.), Luta pela terra na Amazônia: Mortos na luta pela terra! Vivos na luta pela terra! (pp. 201-230). Ed Autores. https://livroaberto.ufpa.br/jspui/handle/prefix/1044
https://livroaberto.ufpa.br/jspui/handle...
, p. 215). Em 2004, assinaram nova denúncia informando que estavam “tirando madeira ilegalmente” (Espírito Santo & Ribeiro, 2004bEspírito Santo, M., & Ribeiro, J. C. (2004b, nov. 12). Carta ao Diretor de Assentamento do INCRA, Sr. Aécio Matos. Arquivo da Comissão Pastoral da Terra, Marabá, Pará.), e, no ano seguinte, Maria, como presidenta da APAEP, informou ao INCRA haver grilagem dentro do PAE pela cartorária Neuza Maria Santis – que, em 2009, iria vender ilegalmente dois lotes, ocupados por três famílias, a José Rodrigues Moreira.

Após uma série de denúncias, declarações e informações dadas às autoridades, decidiram, em 2004, enviar uma carta emocionada à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, expondo sua defesa do extrativismo sustentável, o trabalho que faziam em defesa do ambiente, “o descaso dos órgãos competentes”, que a floresta iria virar carvão, e que estavam “sendo ameaçados de morte porque não concordamos com o que está acontecendo” (Espírito Santo & Ribeiro, 2004aEspírito Santo, M., & Ribeiro, J. C. (2004a, out. 31). Carta endereçada à Ministra do Meio Ambiente, Sra. Marina Silva. Arquivo da Comissão Pastoral da Terra, Marabá, Pará., p. 2). Era um grito de desespero. Um clamor diante da injustiça e da omissão do Estado, e da tragédia a que assistiam: “Queremos uma intervenção de imediato porque os inimigos da natureza trabalham dia e noite para destruir o projeto”. Em seguida: “Como ambientalistas que somos, estamos nos sentindo sufocados ao ver tantos madeireiros dentro do projeto e tanta fumaça nos fornos de carvão”. Por esta postura, suas vidas estavam em risco. Era uma “emergência pedindo socorro”, um “S.O.S.”, escreveram (Espírito Santo & Ribeiro, 2004aEspírito Santo, M., & Ribeiro, J. C. (2004a, out. 31). Carta endereçada à Ministra do Meio Ambiente, Sra. Marina Silva. Arquivo da Comissão Pastoral da Terra, Marabá, Pará., p. 2). Sem respostas efetivas, em 2009, apresentam ao INCRA e ao IBAMA uma carta-denúncia analisando a destruição do assentamento, que chamam de “A sanha dos madeireiros e os (des)caminhos do PAE-Praialta Piranheira”, no qual enfatizam que as serrarias estavam serrando castanheiras, que os empresários “não respeitavam nem a luta nem a cultura da população e por onde passam “vão deixando o rastro de destruição e pobreza” (Espírito Santo & Ribeiro, 2009Espírito Santo, M., & Ribeiro, J. C. (2009, out. 17). Carta Denúncia ao INCRA SR27 e ao IBAMA: a sanha dos madeireiros e os (des)caminhos do PAE-Praialta Piranheira. Arquivo da Comissão Pastoral da Terra, Marabá, Pará., p. 1).

As ameaças produzem medo. Servem para intimidar e controlar as pessoas que se insurgem. Estabelece uma relação de poder e de opressão sobre os ameaçados, que são postos em uma situação de vulnerabilidade: sua existência é posta em questão. Em entrevista, um conhecido deputado ruralista da região afirmou que ambientalistas “precisam ser excluídos da sociedade brasileira” (Loyola & Milanez, 2011Loyola, B., & Milanez, F. (Produtor e Diretor). (2011). Toxic Amazon [Filme]. Vice Media.). Nesse período, os levantamentos realizados pela CPT (2015)Comissão Pastoral da Terra (CPT). (2015). Conflitos no campo, 2014. CPT. revelavam uma exorbitante quantidade de assassinatos no sul do Pará: 31 lideranças sindicais, 212 mortes em chacinas ocorridas entre 1980 e 2013.

Diante de tanta violência, a perspectiva daqueles que lutam deve ser analisada para complexificar o problema do martírio dos ambientalistas populares. O martírio de José Cláudio e de Maria pode ser interpretado como o conceito de martírio que se refere às testemunhas, segundo análise proposta por Nixon (2019)Nixon, R. (2019). Fallen martyrs, felled trees. Conjunctions, 73, 8-29. https://www.academia.edu/67679720/Fallen_Martyrs_Felled_Trees
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para este caso. Nixon (2019)Nixon, R. (2019). Fallen martyrs, felled trees. Conjunctions, 73, 8-29. https://www.academia.edu/67679720/Fallen_Martyrs_Felled_Trees
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relaciona o martírio do casal à etimologia grega do termo: testemunhar ou dar testemunho. Este testemunho estaria ligado à ação direta pelas denúncias. A documentação que produziram dos crimes ambientais foi o testemunho da destruição da floresta. O martírio, escreve Nixon (2019, p. 10)Nixon, R. (2019). Fallen martyrs, felled trees. Conjunctions, 73, 8-29. https://www.academia.edu/67679720/Fallen_Martyrs_Felled_Trees
https://www.academia.edu/67679720/Fallen...
, é “uma ação direta em extremo”, quando defensores arriscam seus corpos por princípio e sobrevivência: “Ser um mártir é tornar-se maior do que a vida depois que sua vida tiver cessado” (Nixon, 2019Nixon, R. (2019). Fallen martyrs, felled trees. Conjunctions, 73, 8-29. https://www.academia.edu/67679720/Fallen_Martyrs_Felled_Trees
https://www.academia.edu/67679720/Fallen...
, p. 11). Mas foram “testemunhas fotográficas de crimes contra a floresta” (Nixon, 2019Nixon, R. (2019). Fallen martyrs, felled trees. Conjunctions, 73, 8-29. https://www.academia.edu/67679720/Fallen_Martyrs_Felled_Trees
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, p. 11), de que leis pudessem ser aplicadas, de um ideal cívico em meio a um mar de ilegalidades: testemunhas da possibilidade de uma coabitação entre comunidades humanas e floresta. Enfatiza Nixon (2019, p. 15)Nixon, R. (2019). Fallen martyrs, felled trees. Conjunctions, 73, 8-29. https://www.academia.edu/67679720/Fallen_Martyrs_Felled_Trees
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, a partir de sua leitura das entrevistas que realizei: “eles testemunharam em um estado de martírio antecipado”. A carta direcionada à Marina Silva é premonitória do martírio-testemunho: “como ambientalistas que somos, estamos nos sentindo sufocados ao ver tantos madeireiros dentro do projeto e tanta fumaça de fornos de carvão” (Espírito Santo & Santos, 2004aEspírito Santo, M., & Ribeiro, J. C. (2004a, out. 31). Carta endereçada à Ministra do Meio Ambiente, Sra. Marina Silva. Arquivo da Comissão Pastoral da Terra, Marabá, Pará., p. 2). O martírio em José Cláudio e Maria testemunha a morte coletiva que significa a destruição das florestas.

Em diferentes momentos, ele e ela construíram estratégias políticas que incluíam “controlar o medo sem rejeitar o sonho”, conforme Paulo Freire (1987 [1970], p. 81)Freire, P. (1987 [1970]). Pedagogia do oprimido (17. ed.). Paz e Terra.. Inspirados em Chico Mendes e em Che Guevara (José Cláudio utilizava uma boina com a imagem de Che quando o conheci), sabiam dos riscos. Relataram medo de serem assassinados por suas posições e testemunharam a possibilidade de seu próprio fim. Ainda assim, não deixariam de lutar. E deixaram reflexões a respeito do medo que sentiam e dos riscos que corriam. Maria disse:

Entrevistador: O que é muito arriscado? Não querer vender madeira?

Maria do Espírito Santo: Não, defender. Ficar assim, lutando. Denunciando madeireiro, denunciando todo mundo. Fazendo assim fotografia, fotografando caminhão madeireiro, forno de carvão, todas essas práticas de ilegalidades que a gente pode pontuar hoje dentro do assentamento. Então, tem pessoas que dizem que não vale a pena. Para mim, vale a pena. Para mim, pro meu companheiro, vale a pena, sim. E para todos os demais que acreditam que é importante. Porque, para mim, a pior fraqueza do ser humano é a omissão. É a omissão. Porque, se eu não denunciar, mesmo eu não conseguindo, ver aquilo que eu penso, que é denunciar e a efetivação da fiscalização, e eles efetivar[em] a fiscalização de fato, como é de fato por lei, mesmo eu não conseguindo, porque aí já depende mais. Mas o que é de minha condição e possibilidade, a gente faz. Mesmo não vendo nada disso acontecer, a gente não fica de braços cruzados. . . . E saber que é um risco, isso aí eu não tenho dúvida. Dizer que eu não tenho medo, tô sendo hipócrita. Isso é hipocrisia, se eu falar: – ah, não, tenho medo não. Tenho medo sim. Tenho medo porque eles não medem distância

(Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 313).

Em “Pedagogia da indignação”, um dos livros de Freire que Maria cita em seu TCC, o autor traz a importância da luta e do risco na construção da história: “Posso não saber agora que riscos corro, mas sei que, como presença no mundo, corro risco. É que o risco é um ingrediente necessário à mobilidade sem a qual não há cultura nem história” (Freire, 2000Freire, P. (2000). Pedagogia da indignação. UNESP., p. 16). José Cláudio compartilhava essa relação entre medo e sonho. Tinha consciência dos riscos que enfrentavam, e a ética que compartilhavam para transformar o mundo e lutar contra as injustiças:

Se eu disser que eu não tenho medo, eu tô mentindo, né? Porque se o todo poderoso sabia que ia morrer, mas ele ia voltar no terceiro dia e ele teve medo. Por que que eu não vou ter medo? Que a vida é muito boa, né, meu amigo? [risada] Tenho medo, mas... Eu tenho medo, mas, no mesmo instante que eu tenho medo, além de eu ter a minha obrigação como cidadão, é... o impulso que eu tenho quando eu vejo uma injustiça, me tira o medo. Me faz com que eu tenha coragem de lutar. Porque, o homem é o que ele é. Então, se você tem coragem de lutar, lute. Porque mais antes você morrer tentando, do que morrer omisso

(Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 214).

Maria e José Cláudio tinham medo e sabiam que corriam risco de vida. Mesmo assim, não iria deixar de lutar. Na concepção que construíram da luta, não poderiam ser omissos: deveriam lutar, sabendo dos limites de suas forças. Maria e José Cláudio buscavam meios institucionais de resistir por denúncias, cartas e documentos aos aparelhos do Estado. Agiam com “coragem de lutar”, nas palavras de José Cláudio, com “ousadia”, conforme descrevia Maria. Coragem e ousadia como um atributo ético:

Entrevistador: Vocês ficaram sozinhos?

Maria do Espírito Santo: Ficamos só. Parar caminhão madeireiro é ousadia para poucos. O companheiro para, a mulher faz as fotos. Descobrimos que agora que não tem como pegar mais eles aqui porque eles já descem, vem com tudo, o caminhão em silêncio, só vem reduzindo. A gente vai lá no topo da ladeira, que é o jeito mais prático, que ele não tem como ele subir, não tem como voar, aí a gente pega do jeito que a gente quer. Pelo menos que fique isso aí.

Entrevistador: A denúncia?

Maria do Espírito Santo: É, a denúncia.

Entrevistador: É o que vocês podem fazer?

Maria do Espírito Santo: É, só o que nós fazemos aqui

(Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/103...
, p. 215).

A luta não era individual, mas em defesa do comum (Milanez, 2016Milanez, F. (2016, out.). A ousadia do ambientalismo popular. In Anais do 40º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, Minas Gerais.; Barca & Milanez, 2021Barca, S., & Milanez, F. (2021). Labouring the commons: Amazonia’s extractive reserves and the legacy of Chico Mendes. In N. Räthzel, D. Stevis, & D. Uzzell (Orgs.), The palgrave handbook of environmental labour studies (1. ed., pp. 319-338). Palgrave Macmillan.). Para tanto, os sujeitos deveriam ter a consciência de lutar uma luta coletiva, como compreendiam o ambientalismo popular. Tal como o “sonho transformador”, mencionado por Paulo Freire (1987 [1970], p. 45)Freire, P. (1987 [1970]). Pedagogia do oprimido (17. ed.). Paz e Terra., Maria e José Cláudio lutavam olhando para o futuro e com esperança. Isso faz com que o sujeito ultrapasse o medo, ou seja, não deixe o medo ter o efeito paralisante. Nesse caso, o sonho não tem o caráter individualista, mas de mudança da realidade social. Como Freire escreve em obra lida por Maria:

Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas para participar de práticas com ela coerentes

(Freire, 2000Freire, P. (2000). Pedagogia da indignação. UNESP., p. 17).

Relacionando-se com o mundo, os indivíduos transformam-se em sujeitos ativos na própria recriação do mundo. A ousadia, para Maria, “é uma coisa que alimenta a luta” (Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/103...
, p. 312).

O ambientalismo popular exposto por Maria se aproxima do ecologismo dos pobres, descrito por Martinez-Alier (2007, pp. 33-34)Martinez-Alier, J. (2007). O ecologismo dos pobres. Editora Contexto., como aquele que enfrenta os impactos do crescimento econômico, do deslocamento geográfico das fronteiras de mercadorias e de extração de recursos naturais. José Cláudio definiu ser ambientalista por viver na floresta, junto com as árvores e recusar vendê-las: “O protetor da natureza sou eu que vivo aqui no meio delas [árvores] e não pretendo vendê-las” (José Cláudio em entrevista concedida a Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/103...
, p. 309). É o ecologismo que recusa a mercantilização da natureza, defende o ambiente como condição de subsistência, cuja ética se assenta na justiça social (Martinez-Alier, 2007Martinez-Alier, J. (2007). O ecologismo dos pobres. Editora Contexto., p. 34).

Maria e José Cláudio participavam das reuniões, formações, capacitações, agiam em conjunto para fiscalizar os crimes ambientais, e, nos últimos anos de vida, desenvolveram um método de documentar a violência ecológica: quando passavam caminhões de madeira em frente ao seu lote, José Cláudio parava para conversar com os caminhoneiros, saber informações de onde estavam tirando a madeira, para qual serraria se dirigiam, enquanto Maria fazia fotografias para comprovar suas denúncias junto dos órgãos de fiscalização, bem como de entidades apoiadoras, como a CPT. Na gestão de José Cláudio na presidência da APAEP, Maria participou ativamente; o mesmo aconteceu quando ela sucedeu o marido. Ambos compartilhavam a posição de liderança.

Maria tinha consciência dos diferentes posicionamentos sociais e exposição à violência sofrida de forma desproporcional pelas mulheres, e como as opressões se imbricavam em gênero e classe. Sabia que seu companheiro poderia estar mais exposto à violência física e andava com ele para que a sua presença feminina, enquanto testemunha, pudesse intimidar um assassino. Também dizia que não a matariam só, pois José Cláudio poderia vingar sua morte. Ela deveria, entretanto, ter uma coragem a mais para lutar: a coragem que sua irmã Laisa dos Santos Sampaio chamava de “coragem feminina” (Sampaio, 2012Sampaio, L. S. (2012). Reescrevendo a história para escrever a vida: Maria do Espírito Santo presente, agora e sempre [Manuscrito não publicado].).

CORAGEM FEMININA E INSURGÊNCIA

Em um forte texto autobiográfico que chamou de “Debaixo da lona preta” (Espírito Santo, 2015Espírito Santo, M. (2015, set. 4). Debaixo da lona preta: o começo da história de lutas. In A ousadia da mulher guerreira: a reflexão de Maria do Espírito Santo. CartaCapital. https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-ousadia-da-mulher-guerreira-a-reflexao-de-maria-do-espirito-santo-4791/
https://www.cartacapital.com.br/sociedad...
), Maria descreve duas situações de revolta na formação de sua subjetividade. Esta revolta que forma o sujeito, consciente de seu papel na luta, se compõe em conjunto com a formação nos movimentos sociais: um processo de subjetivação de si, sendo também coletiva, com a formação de sujeitos coletivos.

Desafiar o poder pode ser interpretado como um processo de transformação dos sujeitos: ao enfrentar as opressões, passam a ser protagonistas das lutas coletivas. Na revolta, emerge a situação de poder. Isto é, a revolta é constituinte do processo de formação da subjetividade, ao mesmo tempo em que denuncia o poder. Na revolta, a subjetividade se introduz de maneira a compor a formação da consciência. Essa dimensão subjetiva da insurgência inspira a pensar como Maria narrou algumas passagens de sua trajetória, especialmente com os marcadores de situações de revolta frente à opressão, que, segundo ela, iriam transformar a mulher que ela era: a mulher extrativista que luta, com consciência coletiva, como uma mulher guerreira.

Em dois momentos de seus relatos, Maria narra sua constituição enquanto sujeito e a relação de desigualdade de poder que a subalternizava. Ela não aponta a data no relato, mas já estava engajada no movimento social, filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), participando de cursos de formação, encontros e ações da militância. O primeiro acontecimento foi na sua eleição para a presidência da APAEP; o segundo foi para a autodefesa frente a possível ataque de pistoleiros. Estas revoltas de Maria diante da situação de opressão foram marcos na construção da sua subjetividade, ao mesmo tempo em que denunciaram o poder que a subjugava individual e coletivamente. Foi um “marco” na sua vida quando ela foi convidada a assumir a presidência da APAEP, e daí iria surgir “uma nova fase na vida dessa mulher” (Espírito Santo, 2015Espírito Santo, M. (2015, set. 4). Debaixo da lona preta: o começo da história de lutas. In A ousadia da mulher guerreira: a reflexão de Maria do Espírito Santo. CartaCapital. https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-ousadia-da-mulher-guerreira-a-reflexao-de-maria-do-espirito-santo-4791/
https://www.cartacapital.com.br/sociedad...
, p. 1). Nesse texto, Maria faz questão de ressaltar que era “guerreira”. Numa guerra, é necessário sobreviver. Nesse contexto, narra um segundo marco, quando ela tem acesso a uma arma pela primeira vez para se defender: “naquele momento estava renascendo em si a ousadia que estava adormecida” (Espírito Santo, 2015Espírito Santo, M. (2015, set. 4). Debaixo da lona preta: o começo da história de lutas. In A ousadia da mulher guerreira: a reflexão de Maria do Espírito Santo. CartaCapital. https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-ousadia-da-mulher-guerreira-a-reflexao-de-maria-do-espirito-santo-4791/
https://www.cartacapital.com.br/sociedad...
, p. 1). Esse segundo acontecimento ocorre frente a um possível ataque de pistoleiros durante uma ocupação de uma fazenda, dentro do PAE, que deveria ter sido desapropriada pelo INCRA:

Foi um momento inesquecível. Logo que chegaram (os trabalhadores começaram a organizar o jantar fora da casa), demorou um pouco, o capataz, muito aborrecido, deixou a casa e chamou o presidente da associação, e falou que ia chamar seu patrão e a coisa não ia ser muito agradável, após a saída do capataz, começa uma nova estratégia, para aquele novo momento, o encaminhamento foi procurar um local para esperar o fazendeiro, já era noite, então foi acordado que sairiam quatro pessoas para ficar à espera, então saíram dois casais, e um desses era ela e o seu companheiro[;] para ela não seria usar algum tipo de arma para esperar o fazendeiro, conta ela que foi a primeira vez que pegou numa arma, mas afirma que se preciso usaria, pois acredita que seria mais justo, pois não estavam tomando terra de ninguém, então ficaram de tocaia até as três horas da manhã, diante ao ouvir da mesma se o fazendeiro tivesse vindo naquela noite de Nova Ipixuna, teria uma história que ainda não se tenha registro, pois geralmente as vítimas são lideranças populares. Para ela, naquele momento estava renascendo em si a ousadia que estava adormecida

(Espírito Santo, 2015Espírito Santo, M. (2015, set. 4). Debaixo da lona preta: o começo da história de lutas. In A ousadia da mulher guerreira: a reflexão de Maria do Espírito Santo. CartaCapital. https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-ousadia-da-mulher-guerreira-a-reflexao-de-maria-do-espirito-santo-4791/
https://www.cartacapital.com.br/sociedad...
, p. 1).

Essa ação direta aconteceu na área de uma das seis fazendas dentro do PAE e que resistiam à implantação do projeto, a fazenda Cupu, cujo fazendeiro se negava a negociar. Sem documentação, era o que chamavam de ‘pretenso proprietário’ – os lotes comprados em 2010 por José Rodrigues Moreira estavam justamente na área dessa fazenda. Os sem-terra ocuparam a fazenda em razão da omissão do INCRA na regularização da área. Quando Maria, ameaçada de morte, ‘pega em armas’ junto de seu companheiro, ela o faz para garantir a segurança coletiva dos acampados. Após essa ocupação, um grupo de pistoleiros, a mando do fazendeiro, ateou fogo em 22 casas dos trabalhadores. Saiu na imprensa: “Líder sindical caçado por pistoleiros em Nova Ipixuna” (2002)Líder sindical caçado por pistoleiros em Nova Ipixuna. (2002, ago. 23). O Liberal..

“Pegar em armas” funcionou de maneira subjetiva em Maria para o “renascimento de uma ousadia adormecida” (Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M., & Ribeiro, J. C. (2004b, nov. 12). Carta ao Diretor de Assentamento do INCRA, Sr. Aécio Matos. Arquivo da Comissão Pastoral da Terra, Marabá, Pará., p. 22). Em suas palavras: “a mulher pegou em armas para lutar ao lado do companheiro” (Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M. (2004). Memórias, histórias, lembranças e esquecimentos [Memorial, Curso de Magistério, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]., p. 22). Esta mulher é, na gramática local, uma guerreira que age coletivamente para transformar o mundo. Essa situação da mulher partir para o enfrentamento físico ao lado do companheiro é fundamental na interpretação da militância de Maria. Nesse momento, José Cláudio estava na lista de ameaçados de morte da CPT, e Maria descreveu em seu memorial que “as ameaças de morte eram constantes, mas em nenhum momento pensei em deixar a associação” (Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M. (2004). Memórias, histórias, lembranças e esquecimentos [Memorial, Curso de Magistério, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]., p. 22), pois seria, para ela, “covardia” deixar as famílias que precisavam de apoio sozinhas e desamparadas.

O processo de transformação de Maria contribuiu para a mobilização das mulheres no Grupo de Trabalhadoras Extrativistas (GTAE). Maria era a principal liderança feminina e inspiração para as suas companheiras. O GTAE surge, em 2006, dentro das experiências colocadas em práticas com parceiros como o Laboratório Socioagronômico do Araguaia Tocantins (LASAT) e a UFPA. Inicialmente, foi proposta a elaboração de um Plano de Manejo Florestal Comunitário Madeireiro, o que poderia oferecer uma alternativa econômica frente à pressão de madeireiros, com a regularização da exploração madeireira, inicialmente, em três lotes no Núcleo Maçaranduba-II. Segundo Claudenir Ribeiro dos Santos, irmã de José Cláudio, enquanto um grupo de agricultores percebeu a importância de dar prosseguimento às ações de manejo, houve aqueles que, “pensando no imediatismo, acaba[ra]m se rendendo às propostas dos madeireiros que extraem de forma ilegal, e por um preço irrisório, esses recursos florestais, causando com essa ação danos irreversíveis ao meio natural” (Santos, 2011Santos, C. (2011). Saberes e experiências em educação ambiental como prática pedagógica nas escolas do projeto de assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira (Nova Ipixuna-Pará) [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Pará]. https://faced.unifesspa.edu.br/images/TCC_PARFOR/2011/CLAUDENIR_RIBEIRO_DOS_SANTOS_compressed.pdf
https://faced.unifesspa.edu.br/images/TC...
, p. 57).

Claudenir relata o esforço de José Cláudio e Maria por alternativas econômicas sustentáveis. Na formação para o manejo florestal não madeireiro, trabalharam com castanha, andiroba, cipós e sementes para defender ‘o conceito de floresta em pé’. Criaram receitas de produtos, fitocosméticos, fitoterápicos, óleos e artesanatos como “exemplo concreto de sustentabilidade” (Santos, 2011Santos, C. (2011). Saberes e experiências em educação ambiental como prática pedagógica nas escolas do projeto de assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira (Nova Ipixuna-Pará) [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Pará]. https://faced.unifesspa.edu.br/images/TCC_PARFOR/2011/CLAUDENIR_RIBEIRO_DOS_SANTOS_compressed.pdf
https://faced.unifesspa.edu.br/images/TC...
, p. 57). Para Claudenir, que foi colega de Maria no PRONERA e no GTAE: “o que nos influencia a trabalhar juntas é o mesmo ideal de defender a floresta, dividir a renda proveniente da comercialização dos produtos e construir exemplos de que da floresta podemos retirar o sustento familiar sem substituí-la ou removê-la” (Santos, 2011Santos, C. (2011). Saberes e experiências em educação ambiental como prática pedagógica nas escolas do projeto de assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira (Nova Ipixuna-Pará) [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Pará]. https://faced.unifesspa.edu.br/images/TCC_PARFOR/2011/CLAUDENIR_RIBEIRO_DOS_SANTOS_compressed.pdf
https://faced.unifesspa.edu.br/images/TC...
, p. 59). As mulheres lutavam juntas, buscando alternativas coletivas.

“Coragem feminina” é expressão utilizada por Laisa Santos Sampaio para definir a força e a luta de sua irmã. Laisa aprendeu com Maria a paixão pelo ambientalismo, pela defesa da floresta e o extrativismo, e seguiu seus passos também na pedagogia. Para ela, a “coragem feminina” de Maria pode ter tido início antes da sua constituição como sujeito de luta camponesa, pois expressava coragem ao enfrentar outras formas de opressão, de gênero e de classe:

Numa sociedade onde imperava ou impera a lei do mais forte, a própria classe feminina dizia ruim com ele, pior sem ele. Maria, começando a defender seus ideais, passa a enfrentar todos os desafios para garantir em todos os aspectos o sustento de seus cinco filhos

(Sampaio, 2012Sampaio, L. S. (2012). Reescrevendo a história para escrever a vida: Maria do Espírito Santo presente, agora e sempre [Manuscrito não publicado]., p. 1).

Nos textos que escreveu sobre Maria, Laisa ressalta sua importância para o próprio engajamento de José Cláudio, como no momento em que ele assume a presidência da APAEP: “foi inevitável o incentivo e apoio da figura feminina representada por Maria como militante inserida no movimento social” (Sampaio, 2012Sampaio, L. S. (2012). Reescrevendo a história para escrever a vida: Maria do Espírito Santo presente, agora e sempre [Manuscrito não publicado]., p. 4). Sua irmã “desempenhou um papel fundamental com forte resistência ao lado do seu companheiro e dos demais” (Sampaio, 2012Sampaio, L. S. (2012). Reescrevendo a história para escrever a vida: Maria do Espírito Santo presente, agora e sempre [Manuscrito não publicado]., p. 4).

As mulheres ficavam à margem dessa luta, pois se dizia que mulher tinha que cuidar da casa e dos filhos. Maria nos deixa o exemplo de quebra de paradigma, pois, mesmo sendo mulher, se tornou possível delinear, na sociedade, sua coragem e ousadia em busca da tão esperada reforma agrária, e algum dos seus direitos oficializados. Seja em qual for a frente de luta, a mulher passou a atingir um novo patamar, representado pelo mérito de sua força na persistência, para conseguir seus objetivos

(Sampaio, 2012Sampaio, L. S. (2012). Reescrevendo a história para escrever a vida: Maria do Espírito Santo presente, agora e sempre [Manuscrito não publicado]., p. 1).

Quando esteve à frente da APAEP, recebeu no PAE e orientou para o agroextrativismo 43 novas famílias que estavam em busca de terra. Essa liderança de Maria em acolher novas famílias foi um marco da “luta feminina” no PAE, como descreveu Sampaio (2012)Sampaio, L. S. (2012). Reescrevendo a história para escrever a vida: Maria do Espírito Santo presente, agora e sempre [Manuscrito não publicado].. O ambientalismo de Maria é também um ecofeminismo popular, tal como sua irmã se identifica. A luta das mulheres no assentamento era contra o latifúndio, mas também era uma luta contra a opressão de gênero entre as próprias famílias agricultoras. A criação do GTAE para organizar as mulheres tinha também o objetivo de organizar a ‘luta feminina’ de forma mais ampla. Sampaio descreveu duplas e triplas jornadas de trabalho, e situações em que para trabalhar como extrativistas as mulheres deveriam:

Enfrentar a não permissão do marido, porque os direitos iguais ainda não são válidos em algumas situações das mulheres da localidade, e quando têm permissão do marido, devem sair depois de deixar a alimentação pronta, além de ter que levar até o local da roça, e, em seguida, têm que andar a pé até oito quilômetros, sem menor infraestrutura básica de estradas e muito menos o transporte para o seu deslocamento, sendo que as crianças elas têm que levar consigo por não ter com quem deixar

(Sampaio, 2009Sampaio, L. S. (2009). Mulheres: da luta pela terra à economia sustentável [Manuscrito não publicado]., página não numerada).

A proposta econômica do GTAE procurava fazer com que toda a cadeia de produção extrativista fosse feita por mulheres, que passavam a ter mais autonomia nas relações domésticas, apesar do aumento da jornada de trabalho. Extraíam as frutas e beneficiavam a coleta através da produção de cosméticos e fitoterápicos, em busca de agregar valor aos produtos da floresta. Conforme Sampaio (2009)Sampaio, L. S. (2009). Mulheres: da luta pela terra à economia sustentável [Manuscrito não publicado]., o lucro pelo produto beneficiado favoreceria a luta das mulheres dentro do assentamento. Tal como as mulheres do GTAE, Maria cumpria diversas jornadas: “Desempenhando seu papel de dona de casa, mãe, coletora dos produtos da floresta, ainda buscava tempo para estudar, e mesmo em meio a tantas atividades, não perdia a sua essência” (Sampaio, 2012Sampaio, L. S. (2012). Reescrevendo a história para escrever a vida: Maria do Espírito Santo presente, agora e sempre [Manuscrito não publicado]., p. 6). Trabalhos que ‘não contam’, conforme Silvia Federici (2017)Federici, S. (2017). Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Ed. Elefante., invisibilizados, estruturalmente livres de custos.

As mulheres do GTAE, lideradas por Maria, perceberam a relação entre a opressão às mulheres e a natureza. Igualmente, perceberam que a relação com a natureza poderia ter um potencial emancipatório. Esse movimento no interior do PAE representa também um movimento contra-hegemônico na estrutura agrária que avança sobre a Amazônia. Todos os interesses externos que visavam aos recursos da floresta – o papel de negociação e de mercantilização da natureza, a negociação com as serrarias, a venda das árvores e de todo o sistema da vida da floresta, do qual as mulheres dependiam para sobreviver – são socialmente atribuídos aos homens. São os homens que dominam essas transações ilegais, que negociam com os madeireiros, com os carvoeiros, com os fazendeiros. A rede de saque da floresta que cerca o PAE é toda masculinizada. A defesa da natureza e o processo de formação das mulheres em sujeitos políticos não eram movimentos separados, e muito menos essencialistas na sua relação com a floresta. Tal como sugere Barca (2020)Barca, S. (2020). Forces of reproduction. Cambridge University Press., esta luta coletiva liderada pelas mulheres no PAE, uma força da reprodução, era uma luta contra o cercamento do comum.

ÉTICA E TRANSFORMAÇÃO DO MUNDO

Maria começou a ler intensamente desde que cursou o magistério pelo PRONERA, quando teve contato com os livros de Paulo Freire. As leituras de Freire se intensificaram com a proximidade com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ler passou a ser uma paixão, e as leituras passaram a formar a sua visão de mundo, como escreve em seu memorial:

A minha bandeira de luta tem tudo a ver com as ideias de Paulo Freire, pois que eu também não acredito que se constrói algo sozinho, porque é dentro de um coletivo que, a cada dia, nos humanizamos cada vez mais

(Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M. (2004). Memórias, histórias, lembranças e esquecimentos [Memorial, Curso de Magistério, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]., p. 26).

A riqueza dos detalhes expostos por Maria e por José Cláudio de indignação diante das injustiças e a decisão de se insurgir compõem um repertório fundamental para se compreender a dimensão profunda da luta ambientalista na Amazônia. Esta relação de cuidado de si e da formação da subjetividade compõe uma ética que significa também o cuidado dos outros, o cuidado do comum, em uma relação com a dialética entre subjetividade e objetividade, proposta por Paulo Freire: cuidar de si para transformar o mundo. Em Freire, a relação dialética entre subjetividade e objetividade tanto perpassa a formação dos sujeitos críticos, com uma educação e um processo formativo para a liberdade, quanto dos sujeitos éticos, que possuem consciência das opressões sociais e do dever de agir para melhorar o mundo.

O objetivo político do casal era transformar o mundo a partir de onde viviam. Por isso, as reflexões de suas trajetórias permitiam perceberem-se como se situavam no mundo e, diante desse contexto, construir estratégias de ação. No PRONERA, Maria teve a oportunidade de refletir sobre sua trajetória e aprender o pensamento freireano de sujeito e de práxis, sendo a educação libertadora uma forma de intervenção e de transformação do mundo. Ao se autorreconhecer como agricultora extrativista, se via como sujeito inserido no contexto de classe. A ‘coragem feminina’ se constituiu desde um processo de saber-poder no cotidiano das relações, seja pela mediação e pelo trabalho comunitário no PAE, seja no enfrentamento aos crimes ambientais por meio das denúncias.

Paulo Freire teve profunda influência na formação da consciência política de Maria e José Cláudio, e na percepção que expuseram da violência epistêmica. Em “Extensão ou comunicação?”, Freire (1997)Freire, P. (1997). Extensão ou comunicação? Paz e Terra. discute o papel dos formadores agrônomos, questiona o extensionismo agrícola que desprezava os saberes camponeses, denuncia a ‘invasão cultural’, o desprezo pelo conhecimento empírico e a dimensão domesticadora da extensão com as fórmulas prontas. Por isso, Maria dedicava-se a pensar uma educação libertadora entre os jovens do PAE que valorizasse o saber camponês e o conhecimento tradicional, enquanto criticava pesquisas que visavam objetificar e coisificar a vida dos agricultores, e que não compartilhavam os resultados com a comunidade. Para ela, estas pesquisas tinham um sentido predatório do extrativismo e serviam tão somente para fundamentar monografias a partir das suas vivências.

O sujeito em Freire é consciente das estruturas políticas e econômicas de dominação, mas tem capacidade de intervenção no mundo e de construir o mundo. Por isso, ao se tornar apto a reconhecer como as estruturas o influenciam e condicionam, é que faz com que tenham capacidade de intervir na realidade. Conhecer as estruturas de dominação, para Freire, não deveria ser um processo paralisante ou que provocasse imobilidade. Ao contrário: é a partir dessa consciência que se “abre o caminho à sua intervenção no mundo” (Freire, 2000Freire, P. (2000). Pedagogia da indignação. UNESP., p. 27). Freire descreve a dialética entre subjetividade e objetividade:

É nas condições materiais da sociedade que se gestam a luta e as transformações políticas, não é possível, de outro, negar a importância fundamental da subjetividade na história. Nem a subjetividade faz, todo poderosamente, a objetividade nem está perfila, inapelavelmente, a subjetividade. Para mim, não é possível falar de subjetividade a não ser se compreendida em sua dialética relação com a objetividade

(Freire, 2000Freire, P. (2000). Pedagogia da indignação. UNESP., p. 27).

Essa relação permitia ao indivíduo a capacidade de escolhas por princípios éticos da vida. Maria, em seu processo formativo, percebia a si e a seu companheiro intervindo eticamente e mudando concretamente o mundo. É nisso que reside a diferença primordial entre condicionamento e determinação, segundo Freire (2000, p. 27)Freire, P. (2000). Pedagogia da indignação. UNESP.: “Só é possível, inclusive, falar em ética se há escolha que advém da capacidade de comparar, se há responsabilidade assumida”. É na luta que se faz o futuro, que se transforma o mundo. Ao conhecer as estruturas de dominação, emerge a rebeldia dos sujeitos – que se posicionavam como sujeitos coletivos, por sonhos coletivos, como Maria enfatizou, e não sonhos individuais.

Maria acreditava que a educação seria capaz de transformar o mundo, formando sujeitos críticos. Sabia dos limites da escola – e inclusive narrou, com tristeza, ter sido professora de um dos pistoleiros que assassinaram a família do sindicalista José Pinheiro Lima, o Dedé, amigo próximo de Maria e José Cláudio, na chacina de Morada Nova, em 2001 (Espírito Santo, 2004Espírito Santo, M. (2004). Memórias, histórias, lembranças e esquecimentos [Memorial, Curso de Magistério, Universidade Federal do Pará/ Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária].). Sabia que a educação era um processo longo e lento, enquanto o momento de ataques era de urgência. Por isso, enquanto sua irmã Laisa passou a atuar na escola, Maria passou a trabalhar no “sistema informal fora” (Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 315). O “sistema fora” era como se referia ao enfrentamento dos crimes ambientais: “O caso agora é de denúncia” (Maria em entrevista concedida a Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 315). Denunciar os crimes implicava arriscar a vida para informar os aparelhos do Estado que deveriam agir para proteger o assentamento e cumprir a lei, mas estavam sendo omissos.

SERVIDÃO E LIBERTAÇÃO

As descrições de Maria e José Cláudio contêm um teor profundamente revolucionário, que convoca à ação. Por isso, ressalto a importância de interpretar seu pensamento em diálogo com autores revolucionários, seja na perspectiva da práxis, em Paulo Freire, seja com a leitura anticolonial de Frantz Fanon, cujos paralelos encontro na análise da potência do sujeito ambientalista.

Maria descrevia conscientemente o papel masculino nas transações ilegais, na venda de madeira e carvão, e as relações entre patriarcado, capitalismo e predação da floresta. O motor dessa engrenagem masculina antiambientalista girava em torno da ‘alienação’. Através dela, madeireiros e fazendeiros “conseguem colocar os trabalhadores contra a gente” (Maria em entrevista concedida a Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 229). Em entrevista, apontou: “Eu não coloco agricultor como o principal culpado. Porque a pessoa, quando não tem o conhecimento, é fácil de ser enganada” (Maria em entrevista concedida a Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 321). Perguntei quem seria o culpado: “Culpado é o empresário do carvão, que aliena as pessoas, que engana as pessoas com as propostas indecentes” (Maria em entrevista concedida a Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 183).

A alta dos preços das commodities na primeira década do século pressionou a região de todas as formas: valorização do preço da terra, expansão das fronteiras agrícolas da soja, da pecuária, para abastecer os grandes frigoríficos construídos com financiamento público, e uma corrida por produção de carvão, para abastecer as usinas siderúrgicas em Marabá em razão do alto valor do ferro no mercado internacional. O carvoejamento era o principal motor do desmatamento na região (Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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), e, como mostrou Monteiro (2006)Monteiro, M. A. (2006). Em busca de carvão vegetal barato: o deslocamento da indústria siderúrgica para Amazônia. Novos Cadernos NAEA, 9(2), 55-97. http://dx.doi.org/10.5801/ncn.v9i2.67
https://doi.org/10.5801/ncn.v9i2.67...
, o maior lucro das guseiras vinha justamente da superexploração da floresta pelo carvão. A chegada da luz elétrica no PAE – que, apesar de ser banhado pelo lago da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, foi apenas em 2007, e com um programa social específico – trouxe melhoria das condições de vida, mas também endividamento. Sem regularização fundiária, sem créditos específicos, sem apoio para o escoamento da produção, sem regularização fundiária, os moradores do PAE ficavam vulneráveis, junto da floresta, à expansão do capital extrativista. Esta foi uma das contradições do período que se denominou ‘neoextrativismo’, em que políticas públicas de combate às desigualdades eram financiadas pela exportação de recursos naturais (Milanez, 2018Milanez, F. (2018). Compressão e apropriação do tempo e do espaço no neoextrativismo: uma crítica pela ecologia política. In M. I. M. Marques, C. I. Bernini, E. Castro, L. Cavalieri, P. C. R. Perez, A. Cornetta, & J. S. Sobrinho (Eds.), Perspectivas de natureza: geografia, formas de natureza e política (1. ed., Vol. 1, pp. 265-284). Annablume.). O aumento da repressão por operações de comando e controle brecava o desmatamento, mas não continha a pressão produzida pelos investimentos econômicos do Estado.

Em 2009, uma operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) havia fechado a maior serraria da cidade. Essa ação provocou um momentâneo declínio da economia, a demissão de trabalhadores e, por um tempo, interrupção da venda ilegal de madeira no PAE. Tal como as circunstâncias que levaram à operação Arco de Fogo e à criação da Força Nacional, houve uma reação violenta. Essa ação aumentou a inimizade contra o casal, pois suspeitava-se, na região, que a operação decorria de suas denúncias – e não da implantação de um programa maior, e nacional, de controle do desmatamento na Amazônia. Maria me relatou uma intimidação que sofreu, por uma mulher assentada, que era contrária ao fechamento das serrarias. Ela estava dentro de um micro-ônibus, junto de Claudenir:

Porque eu vinha dentro da van, logo assim que foi uns 3 ou 4 dias que lacraram a serraria, aí eu estava pra Marabá. Daí, quando chegou em frente (a madeireira) à van, a mulher falou: olha aí, o que que fizeram com o IBAMA que o IBAMA fez. Trancou as serrarias aí, lacrou as serrarias tudo aí. Agora, como é que o pessoal vão viver. E aí? E um homem falou: isso aí é só lá um homem e uma mulher que tem lá pro rumo da Massaranduba que não deixa o povo ter sossego... A mulher falou: é o pessoal do atraso, é o pessoal do atraso. Hoje tá aí, todo mundo de cara pra cima, porque... Aí, a Claudenir [irmã de José Cláudio] olhou pra mim, sorriu. E a mulher: É o atraso! Aí, um homem lá atrás falou assim: – É, mais enquanto eles vivem trabalhando na ilegalidade vai acontecer é isso mesmo. Não, né, não, é porque tem gente atrasado, aí agora tá maior prejuízo; aí ela falou o nome do madeireiro: pegou a multa, mais de 300 mil reais, e não vai ter condição de pagar... Tipo assim: lá, o oprimido defendendo o opressor. E eles conseguem fazer isso. O oprimido consegue defender o opressor, que é o patrão. E recebe lá, uma hora extra, recebe um salário mínimo. Escravos: são escravos mesmo

(Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 321).

A alienação, na concepção de Maria, era daquelas e daqueles que, enganados, aceitavam ser explorados. Isso leva à servidão voluntária do oprimido, que defende o opressor. Está em Freire (1987 [1970], p. 32)Freire, P., & Shor, I. (1987). Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Paz e Terra., em “Pedagogia do oprimido”, a descrição da relação: “Quase sempre, num primeiro momento deste descobrimento, os oprimidos, em vez de buscar a libertação na luta e por ela, tendem a ser opressores também, ou subopressores”. Freire explica que a aderência ao opressor não possibilita a consciência de si como pessoa e, como exemplo, cita a reforma agrária: “querem a reforma agrária, não para se libertarem, mas para passarem a ter terra e, com esta, tornar-se proprietários ou, mais precisamente, patrões de novos empregados” (Freire, 1987Freire, P. (1987 [1970]). Pedagogia do oprimido (17. ed.). Paz e Terra. [1970], p. 33).

Essa crítica contundente de Maria, tal como em Freire, dirigia-se contra aqueles que haviam conseguido ser assentados, tinham o controle da terra, possuíam a floresta em toda a sua diversidade e integridade. Ou seja, dispunham das condições necessárias para viver de forma autônoma e digna. Mas, frente às pressões e à falta de alternativa, optaram por vender a floresta, entregar a terra e alienar a sua força de trabalho para os patrões – no caso, madeireiros ou fazendeiros. Relatou Maria:

Nem a carteira assinada, a maioria não assina mesmo. Inventa um negócio de um serviço temporário, que é justamente para poder ludibriar a lei mesmo. E aí fica enganando. Final de ano são muito gentis. Ave Maria, são “bons demais”! Faz cesta básica, colocam um vinho, colocam aquele panetone da mais ruim que tem. Aí, o patrão faz uma cesta, e leva, e todos os funcionários à tarde recebendo aquela... que o patrão é muito bom, todo fim de ano dá uma cesta básica. Todo fim de ano, dia 23 de dezembro. E o que ele vai comer daqui pra chegar o outro 23 de dezembro. Mas, infelizmente, são alienados ao sistema. Ninguém não os pode culpar. São alienados

(Maria em entrevista concedida a Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/103...
, p. 321).

Ao contrário de tornar-se proprietário, essa aderência dos opressores causava uma imersão ainda mais profunda na engrenagem: a exploração por dívida, que pode se desenvolver pela servidão, associada ao paternalismo e a outras formas de violência. Há uma longa literatura sobre a servidão voluntária na Amazônia, especialmente o trabalho de Geffray (1995)Geffray, C. (1995). Chroniques de la servitude en Amazonie bresilienne: essai sur léxploitation paternaliste. Karthala., que mostra como o paternalismo se exerce pela violência.

Nesse caso, no entanto, a análise crítica vem de dentro da própria classe, e é marcante a potência da consciência desenvolvida por Maria e José Cláudio e a sua passagem à ação para a libertação coletiva. O sonho do rápido enriquecimento, a ganância, a aderência aos valores dos opressores acabavam servido de forma eficaz para o exercício da dominação. No caso do PAE, a única forma de enriquecer seria descolar-se de sua classe e aliar-se ao patrão: o ‘bom patrão’. Teriam um ganho rápido, e dali mudariam de lugar. Havia uma forma de servidão voluntária que Maria e José Cláudio denunciaram, relacionada à alienação. Compunha um ciclo de dominação que partia da alienação da consciência até a negociação do ambiente e das condições ecológicas de trabalho, mobilizadas pelo desejo de ‘enricar’ e sair de sua classe. José Cláudio descreveu da seguinte forma:

O camarada quer enricar num piscar de olho. Quer possuir, digamos, uma moto, quer possuir, digamos, uma geladeira, uma televisão, e o cara não procura o meio para fazer isso sem destruir o meio ambiente. Então, ele se vale. A primeira coisa que ele faz: vende a madeira. Com tudo. Porque ele vai fazendo de parcela. Ele vende primeiro a madeira que serve, e deixa a castanha. Ele compra uma moto ‘véia’, aí a moto começa... tem que ter combustível, tem que ter pneu, tem que ter a manutenção. Aí, ele começa a vender as castanheiras dele até quando resulta zerando. Aí, ele se volta para o carvão, que é outra prática predatória que tem aqui na nossa região, que as guseiras que estão ali em Marabá tão detonando toda a região com carvão vegetal. Aí, o madeireiro tira a principal de fazer madeira, e eles vêm e acaba de achatar o resto. Tirar os restos tudo em carvão. E, o camarada vai jogando semente de capim, pra acabar de resolver o problema

(José Cláudio em entrevista concedida a Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 292).

Nessa ordem, primeiro se vende a floresta, as madeiras de maior valor. Após isso, vendem-se as castanheiras, que constituem efetivamente a possibilidade de autonomia do trabalho num contexto extrativista. Sem condições ecológicas de viver a partir dos recursos da floresta, que já foi desmatada, o passo seguinte é produzir carvão ilegal com o restante de mata que sobrou. Com isso, vendem a matéria-prima da fertilização do solo para uma roça ou outra produção agrícola. Para começar a produção de carvão, contraem uma dívida inicial da construção do forno, adiantada pelos carvoeiros. Seguindo o sonho de ser o patrão, plantam pasto e partem para a pecuária. Com a terra desfertilizada, sem recursos para adquirir gado, e uma pastagem que não permite a concentração bovina, são levados a abandonar a terra ou trabalhar de ‘meia’. O destino é a cidade, caçar uma terra para tomar posse, trabalhar na madeireira ou servir ao pecuarista dentro de seu próprio lote. Em todo esse processo, o trabalhador é esbulhado. Pelos valores que eram oferecidos à época, como em torno de 50 a 100 reais uma árvore de castanha, significava que os madeireiros pagavam muito menos do que a floresta valia no mercado. Com a floresta degradada, sem frutos para coleta, resta o carvão. É emblemática a consciência que José Cláudio tinha dessa situação de dominação e como expunha isso para os outros agricultores assentados. Assim relatou uma discussão com um assentado:

Outro dia, um carvoeiro: é, seu Zé Cláudio, você é contra a fazeção de carvão, a tiração de madeira... Eu falei: – Não, senhor. Eu não, não sou o homem da caverna não. Eu tenho uma cabeça evoluída. Eu sou contra o sistema que vocês trabalham. A maneira que vocês trabalham. Vocês são escravos. Vocês são escravos. Você não tem controle, e vocês não ganham nada. Vocês trabalham altamente pros outros, destruindo um bem comum de vocês, sem ter dinheiro pra vocês

(José Cláudio em entrevista concedida a Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 306).

Através da dívida, o carvoeiro poderia “manter ele na mão pagando uma mixaria pelo produto que ele faz” (Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/103...
, p. 232). Contra esse movimento, haveria duas saídas: a fiscalização do poder público e a organização dos trabalhadores. Mas a organização implicava uma consciência de classe contra o enriquecimento individual. O que significa enricar, a não ser transformar-se em patrão? O sonho sempre inalcançável de ser igual ao opressor, o desejo do caboclo de se tornar o senhor, a mentalidade do pequeno que quer ser grande, do assentado que quer ser fazendeiro.

A descrição oferecida por José Cláudio e Maria é a da dialética da servidão dentro da situação agroextrativista. Nela, o morador do PAE quer deixar de ser quem é para se tornar o patrão. Acontece que o patrão não enxerga, no espelho do reconhecimento, a humanidade do assentado. Chamado em outros contextos de ‘peão’, uma não pessoa na Amazônia. Não um igual. Tal como o escravo em Fanon, o peão é uma mercadoria, uma força animal de trabalho, um objeto a ser expulso da terra que o fazendeiro quer conquistar, ou da floresta que o madeireiro quer serrar.

A aceitação da condição de dominação, expressa por José Cláudio e por Maria, narra o processo em que um trabalhador liberto, por ter o controle da terra e da sua força de trabalho, se deixa escravizar. Seduzido pelas promessas de ganho rápido, almeja tornar-se patrão vendendo a floresta. Internaliza valores e desejos dos opressores. Ao contrário do escravo raptado pelo ‘gato’, levado para fazendas distantes onde é submetido à escravização, no PAE, o assentando podia ser escravizado na sua própria terra. Ao aceitar vender a floresta para o enriquecimento rápido, acaba por perder as condições de sobrevivência e libertação. Era evidente que essa crítica contundente que faziam a seus pares, diante da incompreensão da condição de classe trabalhadora em que viviam, provocava inimizade entre os assentados. Por isso, Maria acreditava na importância do processo pedagógico para combater a alienação.

A descrição do sistema capaz de tirar a dignidade dos agricultores extrativistas, bem como promover a internalização dos valores dos opressores, tal como em Frantz Fanon, faz de Maria e de José Cláudio também pensadores da ‘condição colonial’, mas no enfrentamento aos padrões da dominação da colonialidade do poder. O mundo do assentamento era um mundo compartimentado, um mundo cindido, tal como Fanon (2006)Fanon, F. (2006). Os condenados da terra. Ed. UFJV. descreve a cidade do colonizado. O PAE dos assentados era oposto às fazendas do latifúndio. Esse mundo representava a situação colonial reproduzida pela colonialidade do poder, presente na desigualdade da Amazônia, sobretudo nos violentos sul e sudeste do Pará. O problema não se limitava à classe social, pois envolvia o racismo como estruturante da colonialidade. Nessa situação, a infraestrutura e a superestrutura se confundiam, tal como, para Fanon, na situação colonial: se é rico porque se é branco, se é branco porque se é rico. Essa produção de modos abissais de exclusão pode explicar a eliminação física, o assassinato, a execução. Para que ocorra essa eliminação física, a humanidade dos camponeses, ‘caboclos’, ‘maranhenses’, já havia sido posta em questão. Fanon (2006)Fanon, F. (2006). Os condenados da terra. Ed. UFJV. convoca a pensar a desumanização dos sujeitos excluídos. Maria e José Cláudio tinham consciência de pertencer a esses grupos, e tentavam ajudar os companheiros a terem consciência de situação objetiva e subjetiva, e a organizarem-se para transformar o mundo.

Nesse sentido, a servidão denunciada por Maria e por José Cláudio se relaciona com dialética de Fanon do jogo incompleto de reciprocidade e do reconhecimento, isto é, mais precisamente, a ‘interdição do reconhecimento’: a negação do outro (Faustino, 2021Faustino, D. (2021). A “interdição do reconhecimento” em Frantz Fanon: a negação colonial, a dialética hegeliana e a apropriação calibanizada dos cânones. Revista de Filosofia Aurora, 33(59), 455-481. https://doi.org/10.7213/1980-5934.33.059.DS07
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). O processo de identificação através do espelho da alteridade não se realiza também na situação abissal da colonialidade na Amazônia. Essa interpretação permite uma analogia mais próxima da racialização, pois agroextrativistas como Maria e José Cláudio se reconheciam como ‘caboclos’ (José Cláudio afirmava sua ascendência Kayapó), ou chamados de ‘maranhenses’ (origem de Maria), num processo de racialização recorrente na região. ‘Brancos’ são fazendeiros, madeireiros, donos das serrarias, são os ‘gaúchos’, os ‘paulistas’.

No contundente “Pele negra, máscara branca”, Fanon (2008)Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA. descreve a dimensão psicológica que o racismo opera quando “o preto quer ser como o senhor” (Fanon, 2008Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA., p. 229). Tal como a situação colonial, esta sociedade racialmente hierarquizada da Amazônia oferece uma interessante proximidade entre as descrições de Frantz Fanon, a “Pedagogia do oprimido”, de Paulo Freire (1987 [1970])Freire, P. (1987 [1970]). Pedagogia do oprimido (17. ed.). Paz e Terra., com o episódio descrito por Maria, que sofreu na van, a respeito da internalização dos valores do opressor pelos oprimidos. Esta proximidade do colonialismo com a colonialidade convoca a uma reflexão de paralelos entre seus pensamentos e a dimensão desumanizadora do racismo pela ‘máscara branca’: “O preto é um escravo a quem se permitiu adotar uma atitude de senhor. O branco é um senhor que permitiu a seus escravos comer na sua mesa” (Fanon, 2008Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA., p. 182).

O problema da servidão opera em um efeito de consciência de si muito similar ao que coloca Maria, e da falta da reciprocidade que constitui o sujeito, do não reconhecimento da humanidade do outro, da construção do outro como objeto de exploração. “Sentar-se à mesa como senhor”, em Fanon (2008)Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA., lembra quando Maria narra que, no final de ano, os donos das serrarias, ou seja, os ‘senhores’, ofereciam cestas básicas para os assentados no Natal.

A implantação do PAE foi uma conquista do movimento social. Acontece que a memória da luta coletiva estava sendo perdida, e Maria se preocupava em construir a memória dos enfrentamentos. Insistia na escola, em falas públicas, em documentos. Na crítica de Fanon (2008, p. 230)Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA., “o antigo escravo, que não encontra na memória nem a luta pela liberdade, nem a angústia da liberdade”, encontra um paralelo com a alienação dos assentados que se esquecem da luta pela terra. Como muitas famílias foram incorporadas ao projeto e ganharam lotes posteriormente, não haviam participado dessa luta e não aprenderam a memória da luta. Maria queria reforçar a memória da luta pela libertação dos trabalhadores e trabalhadoras da floresta que estava em vias de desaparecer, ao mesmo momento em que repensava suas estratégias de luta. Fazia isso na prática pedagógica, e fazia nos enfrentamentos. Foi assim que ressaltou a ‘memória da luta’ em audiência na prefeitura para a criação da Comissão Pró-S.O.S. Agroextrativista. Em 2005, havia uma forte representação dos trabalhadores na Câmara Municipal, e o prefeito era o líder sindical José Pereira de Almeida, conhecido como Zezão (do PT), ex-presidente da cooperativa Correntão, a principal organização do movimento social no município. Maria e José Cláudio eram filiados ao PT desde o ano 2000. Reeleito em 2004, Zezão governou até 2007, quando sofreu impeachment (que denuncia ter sido golpe). Mas, em 2005, ainda tinha força política. O movimento social havia conseguido conquistar a prefeitura, eleger vereadores e vereadoras, criar o Praialta-Piranheira e mais oito assentamentos. Mas, se o agroextrativista existia formalmente, estava sendo destruído. Os maiores índices de desmatamento ocorreram entre 2004 e 2006 (Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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; Araújo et al., 2019Araújo, R., Vieira, I. C. G., Toledo, P. M., Coelho, A. S., Dalla-Nora, E., & Milanez, F. (2019). Territórios e alianças políticas do pós-ambientalismo. Estudos Avançados, 33(95), 67-90. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2019.3395.0006
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). Consta na ata da reunião que Maria afirmou que “a luta continua”, que era hora de “ir para o enfrentamento para proteger a floresta”, ressaltando que “tudo foi conquistado” na luta (Nova Ipixuna, 2005Nova Ipixuna. (2005, abr. 13). Ata da Reunião da Comissão Pró-SOS Agroextrativista Praialta Piranheira. Arquivo da Comissão Pastoral da Terra, Marabá, Pará.).

A ambientalista Maria e o revolucionário Fanon, em comum, reafirmam a importância da luta pela liberdade e a memória da luta como sentido histórico. Essa memória implica o reconhecimento de si, a consciência de si e o enfrentamento à inferiorização e à hierarquização impostas pela matriz colonial do poder. Para Fanon (2008, p. 25)Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA., o único meio para se romper o que ele chama de “círculo infernal” é a ação, como na conhecida frase: “ainda é muito cedo... ou tarde demais”. Para Maria, uma percepção equivalente é quando ela convoca o movimento social ao ‘enfrentamento’ em defesa do PAE. Escreve Fanon (2008, p. 184)Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA.: “Conduzir o homem a ser racional, mantendo na sua esfera de influência o respeito pelos valores fundamentais que fazem um mundo humano, tal é a primeira urgência daquele que, após ter refletido, se prepara para agir”. O pensamento revolucionário de Fanon (2008)Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA. era, para Maria, mediado pela leitura que Paulo Freire fez de “Os condenados da terra” em “Pedagogia do oprimido”, e, nesse sentido, do chamamento à ação, quando Freire reforça que não basta os oprimidos compreenderem a relação dialética com os opressores, sendo, entretanto, preciso “que se entreguem à práxis libertadora” (Freire, 1987Freire, P., & Shor, I. (1987). Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Paz e Terra. [1970], p. 36).

Para Fanon, a liberdade somente vem da luta. A luta de Maria e José Cláudio em defesa da floresta era, nesse mesmo sentido, uma luta por libertação. Ser livre significa não servir. Significa ter autonomia e controle coletivo sobre o corpo, o trabalho e a floresta. Esta é a possibilidade de se libertar da subordinação ao madeireiro, ao carvoeiro, ao fazendeiro, que explora tanto a natureza quanto a força de trabalho. Associar-se com a floresta é a única forma de conquistar essa liberdade: defender a floresta para defender a si em coletividade. E, com a floresta, conquistar autonomia. Com a floresta, expressa a agência da floresta na relação com humanos: “convivendo com a floresta”, descreveu Maria em entrevista (Milanez, 2015Milanez, F. (2015). A ousadia de conviver com a floresta: uma ecologia política do extrativismo na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/29762
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, p. 314), é uma relação. Esta associação, que significava aprender com uma pedagogia da floresta, era uma visão política de agir para transformar o mundo. A luta pela liberdade era a luta com a floresta, em defesa da vida em sentido amplo: a vida humana em relação com o território de vida.

CONCLUSÃO

Nos dez anos após os assassinatos, familiares de José Cláudio e a irmã de Maria, Laisa, souberam manter vivo o sonho do casal, ocupando o lote que hoje leva o nome de Reserva José Cláudio e Maria, reflorestando áreas degradadas e criando o Instituto Zé Cláudio e Maria, para manter viva a proposta do agroextrativismo e a pulsão de suas ideias. Laisa vive na mesma casa, no mesmo lote, onde recebia visitas diárias de sua irmã Maria. A região foi devastada, o assentamento praticamente sucumbiu, e há tentativas de se transformar o nome para que se torne um projeto de assentamento sem o caráter agroextrativista. Foi diretamente impactado pelas políticas antiambientalistas do governo Bolsonaro. Mas, a tenacidade daquelas que resistem, sobretudo as mulheres extrativistas organizadas no GTAE, resistiu contra a devastação.

Este artigo analisou um aspecto das ideias do casal nos diálogos intelectuais que mobilizaram, desde o pensamento que narraram a partir das lutas coletivas das populações tradicionais. Teve por objetivo apresentar, refletir, aprender, e, dessa maneira, contribuir com a documentação das experiências de defensores ambientais na Amazônia, revelando a complexidade revolucionária de suas ideias. Nesse sentido, e em luta contra a injustiça e a impunidade marcadas pela inaceitável fuga do mandante dos assassinatos, visa também insurgir-se contra as tentativas de difamação que culpabilizaram as vítimas por seus trágicos destinos, que são parte das tentativas de silenciamento de suas memórias. A luta hoje segue viva com as corajosas mulheres das famílias, com as romarias anuais que organizam no PAE em memória dos mártires da Amazônia, com o Instituto Zé Cláudio e Maria, a CPT, o CNS e os movimentos sociais que seguem atuantes no Pará. As memórias aqui retratadas são uma pequena contribuição de um movimento amplo da documentação das resistências (como Almeida & Sacramento, 2022Almeida, R., & Sacramento, E. (2022). Luta pela terra na Amazônia: mortos na luta pela terra! Vivos na luta pela terra! Edição dos Autores.).

Ofereço uma interpretação da ousadia e da luta de Maria e José Cláudio, colocando seu pensamento em diálogo com autores que contribuíram na sua formação, sobretudo Paulo Freire, com o qual construíram um rico diálogo intelectual em seus trabalhos na universidade. Através de Freire, Maria interpreta a si e à sua luta. A tenacidade do enfrentamento que tiveram frente à matriz colonial do poder na Amazônia, por sua vez, é analisada junto do pensamento do teórico e militante anticolonial Frantz Fanon.

O martírio do casal José Cláudio e Maria foi um martírio-testemunho da destruição da Amazônia, sobretudo dos grandes castanhais do Pará, praticamente extintos, hoje uma ex-floresta. Agiram inspirados pela ética para transformar o mundo desigual e injusto em que viviam. Refletiram e deixaram suas experiências narradas a companheiros e companheiras do movimento social, junto de seus familiares que seguem a luta em defesa da floresta, e em relatos e documentos que procurei organizar neste artigo. Em suas palavras, percebemos que a luta dos defensores da Amazônia é uma luta pelo convívio (com viver) com a floresta, em uma verdadeira aliança política com a floresta em defesa do comum. Esta análise conduz a uma perspectiva de luta anticolonial pela libertação de maneira mais instigante do que a percepção que se tornou comum da ideia de ‘defensores ambientais’ como indivíduos ativistas. Contra a colonialidade do poder, do ser, do saber, mas também contra a colonialidade da natureza, tiveram uma vida coerente entre as práticas e suas ideias, uma vida dedicada à defesa da floresta, do comum, e do planeta para as futuras gerações. Mesmo diante do medo, ousaram lutar.

AGRADECIMENTOS

A Claudelice Santos, José Batista Afonso e Laisa Santos Sampaio; aos acervos da Comissão Pastoral da Terra, em Marabá, e do Instituto Zé Cláudio e Maria. A European Union’s Seventh Framework Programme for Research, Technological Development and Demonstration (Marie Curie Actions) (processo 289374).

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Editado por

Responsabilidade editorial: Lucia Hussak van Velthem

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2022
  • Aceito
    14 Jun 2023
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