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Alteração morfossintática de predicados no Guajá pela anteposição de expressões adverbiais

Morphosyntactic alteration of predicates in Guajá triggered by the fronting of adverbial expressions

Resumo

O artigo se propõe a descrever e analisar, na língua Guajá (família Tupí-Guaraní), o fenômeno que ocorre no núcleo de um predicado ao haver mudança de posição de uma expressão adverbial para o início da sentença. Com essa alteração de posição, surge um sufixo no núcleo do predicado e a marca de pessoa passa a ser expressa por um paradigma típico de orações menos finitas, o que nos leva a interpretar o processo como um tipo de subordinação. Do ponto de vista pragmático, a expressão adverbial, ao ser trazida para posição de destaque, ganha maior peso informacional na sentença, fazendo com que o predicado, que antes era a informação principal, se torne a informação secundária. Além de apresentar esse fenômeno no Guajá, comparamos sua ocorrência com a maneira como ele se apresenta em outras línguas da família, de modo a enfatizar as peculiaridades que ele assume nesta língua específica.

Palavras-chave
Família Tupí-Guaraní; Guajá; Predicados; Expressões adverbiais; Omnipredicatividade

Abstract

This paper proposes to describe and analyze, in the Guajá language (Tupí-Guaraní family), the phenomenon that occurs at the head of a predicate when the adverbial expression shifts from the end of the sentence to the first position. This change in position causes a morphosyntactic structural change: a suffix appears at the head of the predicate, and the person prefixes are now expressed by a paradigm typical of less finite sentences, leading us to interpret the process as a type of subordination. From a pragmatic point of view, when brought to a prominent position, the adverbial expression gains greater informational weight in the sentence, with the effect that the predicate, which previously contained the main information, now represents secondary information. In addition to discussing this phenomenon in Guajá, we compare its occurrence with the way it appears in other languages of the family in order to emphasize the peculiarities taken on in this specific language.

Keywords
Tupí-Guaraní family; Guajá; Predicates; Adverbial expressions; Omnipredicativity

INTRODUÇÃO

A língua Guajá pertence ao subgrupo VIII da família Tupí-Guaraní (Rodrigues, 1984-1985Rodrigues, A. D. (1984-1985). Relações internas na família lingüística Tupí-Guaraní. Revista de Antropologia, 27-28, 33-53.; Cabral, 1996Cabral, A. S. A. C. (1996). Algumas evidências linguísticas de parentesco genético do Jo’é com línguas Tupí-Guaraní. Moara: Revista dos Cursos de Pós-Graduação em Letras, (4), 47-76.) e é falada por cerca de 520 indivíduos (Garcia & Magalhães, 2020Garcia, U. F., & Magalhães, M. M. S. (2020, julho 3). Povos indígenas no Brasil (Guajá). Instituto Socio Ambiental. https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Guajá
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:G...
) do povo Awa Guajá, que vive no noroeste do estado do Maranhão. Nesta língua, observa-se, de maneira mais restrita do que em outras línguas da família, o fenômeno já discutido por autores que descreveram línguas geneticamente relacionadas (cf. Rodrigues, 1953Rodrigues, A. D. (1953). Morfologia do verbo Tupi. Letras, 1, 121-152., 1981Rodrigues, A. D. (1981). Estrutura do Tupinambá. [Notas do curso ministrado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) inédito]., 2001Rodrigues, A. D. (2001). Alguns problemas em torno da categoria lexical verbo em línguas Tupi-Guaraní. In A. S. A. C. Cabral & A. D. Rodrigues (Orgs.), Estudo sobre Línguas Indígenas (Vol. 1, pp. 87-100). UFPA.; Betts, 2008Betts, V. D. (2008 [1969]). Parintintin discourse. SIL Brasil. [1969]; Almeida et al., 1983Almeida, A., Irmãzinhas de Jesus & Paula, L. G. (1983). A língua Tapirapé. Xerox do Brasil.; Vieira & Leite, 1998Vieira, M. D., & Leite, Y. F. (1998). Observações preliminares sobre a língua Araweté. Moara: Revista dos Cursos de Pós-Graduação em Letras, (9), 7-31.; Rodrigues, 2001Rodrigues, A. D. (2001). Alguns problemas em torno da categoria lexical verbo em línguas Tupi-Guaraní. In A. S. A. C. Cabral & A. D. Rodrigues (Orgs.), Estudo sobre Línguas Indígenas (Vol. 1, pp. 87-100). UFPA., p. 88; Jensen, 1990Jensen, C. (1990). Cross-referencing changes in some Tupí-Guaraní languages. In D. L. Payne (Org.), Amazonian linguistics: Studies in lowland south American languages (pp. 117-158). University of Texas Press.; Praça, 2001Praça, W. N. (2001). Sobre o indicativo II no tapirapé. In A. S. A. C. Cabral & A. D. Rodrigues (Orgs.), Estudo sobre Línguas Indígenas (Vol. 1, pp. 167-176). UFPA.; Seki, 2000Seki, L. (2000). Gramática do Kamaiurá: Língua Tupí-Guaraní do Alto Xingu (Coleção Pesquisas). Editora da Unicamp.) em que a estrutura da sentença sofre alteração sintática quando iniciada por expressões adverbiais, conforme ilustrado a seguir:

(1) o-ho terẽ Ø-pepe   3.I-ir trem LK-dentro   ‘Ele foi dentro do trem.’ (Magalhães, notas de campo não publicadas)
(2) terẽ Ø-pepe i-ho-ni   trem LK-dentro 3.II-ir-SUB   ‘Dentro do trem, ele foi.’ (Praça et al., 2017, p. 51)

O exemplo (1) mostra o verbo ho ‘ir’, associado à marca de terceira pessoa da série I, exclusiva de verbos ativos, que expressa o argumento único deste verbo, seguido pela expressão adverbial formada pelo sintagma posposicional terẽ ø-pepe ‘dentro do trem’. Em (2), quando a posição é invertida e o mesmo verbo passa a ser precedido pela expressão adverbial, ele adquire um sufixo -ni (~ -ri) e passa a expressar seu argumento por meio da série II, uma série de marcadores pessoais tipicamente associada a argumentos expressos em orações subordinadas ou em itens lexicais nominalizados. Isso justifica, por ora, a escolha de glosar o referido sufixo como SUB ‘subordinador’. Tal denominação será melhor discutida na seção ‘Expressão de pessoa nas distintas classes de palavras’.

O fenômeno morfossintático ilustrado em (2) é observado no Guajá somente na fala de pessoas mais velhas. No entanto, ainda é possível encontrar, na variedade de todos os falantes – incluindo os mais jovens –, resquícios de tal estrutura em construções específicas, como em sentenças interrogativas e com partícula mostrativa, conforme será explicado mais à frente. Isso nos permite defender a hipótese de que ela está na iminência de desaparecer da língua e de permanecer apenas em ambientes em que o sufixo foi cristalizado e sua função original já não pode mais ser observada.

As evidências para a defesa desta hipótese serão apresentadas a partir da descrição pormenorizada do fenômeno no Guajá e de sua comparação com outras línguas da Família Tupí-Guaraní (FTG), mais conservadoras nesse aspecto, com o propósito de entender quais mudanças diacrônicas poderiam ser atestadas na língua que justifiquem sua perda de função e tendência ao desaparecimento.

A primeira parte deste artigo descreve as características essenciais do Guajá, necessárias para se compreender a hipótese aqui delineada sobre o fenômeno tratado, como as classes de palavras existentes, suas funções, a noção de valência associada a verbos, nomes e expressões adverbiais, além da expressão de pessoa em orações independentes, nominalizações e subordinações. A hipótese sobre as línguas Tupí-Guaraní (TG) serem descendentes de uma língua ancestral de tipologia omnipredicativa, bem como a associação das noções de construções téticas e hierarquia de predicados a essas línguas são ideias essenciais já discutidas em outros artigos, que tomamos como ponto de partida neste estudo para a explicitação do tópico central aqui abordado. Tais construtos teóricos são apresentados ao fim desta mesma seção.

A segunda parte tem como foco as sentenças com expressões adverbiais em primeira posição. Observaremos primeiramente como o fenômeno relacionado às expressões adverbiais antepostas se dá em algumas das línguas da FTG, sendo destinada uma subseção apenas para a descrição da estrutura no Guajá, com suas especificidades.

Mais à frente, é apresentada a análise do fenômeno da anteposição de expressões adverbiais, inicialmente a partir de uma perspectiva gramatical e, em seguida, a partir de uma perspectiva pragmática. Por fim, defende-se a hipótese de que tal fenômeno está desaparecendo da língua pela perda de sua função original.

CLASSES DE PALAVRAS E SUA VALÊNCIA

O Guajá possui as seguintes classes de palavras: 1) palavras lexicais: verbos, nomes e advérbios, 2) palavras gramaticais: pronomes, posposições e partículas. Interessa-nos, aqui, distinguir nomes de verbos e apresentar as características de um grupo de expressões de comportamento homogêneo, que intitulamos ‘expressões adverbiais’. Alguns elementos da classe das partículas também serão apresentados nesta seção.

No que se refere aos nomes e verbos, como em muitas outras línguas da família do Tupí-Guaraní, verifica-se também em Guajá que tanto os nomes, como nos exemplos (3) e (4), quanto os verbos, – como no exemplo (5), funcionam como predicado primariamente, isto é, não precisam receber nenhuma marca morfológica para que ocorram como predicado, conforme ilustrado a seguir. Mesmo assim, é possível distinguir uma classe gramatical da outra, uma vez que existem características únicas em cada uma das classes (Magalhães & Mattos, 2014Magalhães, M. M. S., & Mattos, A. C. R. (2014). Classes de palavras, tipos de predicados e sua relação com a intransitividade cindida em Guajá. Via Litterae: Revista de Linguística e Teoria Literária, 6(2), 251-284.).

(3) ha = r-a’y   1SG.II = LK-filho   ‘Eu tenho filho.’ (Lit: ‘Existe meu filho.’) (Magalhães & Mattos, 2014, p. 253)
(4) ha = r-a’yr-a nijã   1SG.II = LK-filho-RFR você   ‘Você é meu filho.’ (Magalhães, 2002, dado de campo não publicado)
(5) a-kere   1SG.I-dormir   ‘Eu dormi.’ (Magalhães & Mattos, 2014, p. 253)

Além das especificidades morfológicas, os verbos e nomes também têm um comportamento sintático distinto devido ao fato de que os verbos devem ser nominalizados para funcionarem como argumento – exemplo (6) –, enquanto que, no caso dos nomes, basta apenas que ocorram com o sufixo referenciante -a – exemplo (7) – para que funcionem primariamente como tal:

(6) pape Ø-japo-har-a i-muku   papel LK-fazer-NMLZ-RFR 3.II-ser.alto   ‘A professora (fazedora de papel) é alta.’ (Magalhães, 2014, dado de campo não publicado)
(7) ha = r-a’yr-a i-muku   1SG.II = LK-filho-RFR 3.II-ser.alto   ‘Meu filho é alto (longo).’ (Magalhães, 2014, dado de campo não publicado)

Com relação às expressões adverbiais, tratadas aqui como um grupo homogêneo, elas incluem a classe lexical dos advérbios – exemplo (8) –, além de sintagmas posposicionais – exemplo (9) – e nomes flexionados com o sufixo locativo -pe1 1 A distinção entre o sufixo locativo -pe e as posposições é a de que estas vêm sempre acompanhadas de um prefixo de adjacência (LK) e podem ser associadas a pronomes clíticos (série II de marcadores pessoais), enquanto o primeiro se afixa somente a nomes. – exemplo (10):

(8) a-kere awa kwatete   1SG.I-dormir CTP perto   ‘Dormi (vindo) pertinho.’ (Magalhães, 2007, p. 38)
(9) jaha mỹk-a a-myty wira r-ia   eu manga-RFR 1SG.I-puxar árvore LK-ABL   ‘Eu puxei a manga da árvore.’ (Magalhães & Mattos, 2014, p. 272)
(10) tapi’i ka’a-pe   anta mato-LOC   ‘Há anta no mato.’ (Lit.: ‘(Existe) anta no mato.’) (Praça et al., 2017, p. 49)

Tais expressões adverbiais, em geral, são termos periféricos ao núcleo oracional, isto é, adjuntos, e, apesar de possuírem maior liberdade de posição dentro da sentença, ocorrem mais comumente em posição final. Justifica-se o tratamento deste conjunto de expressões como um grupo coeso, por apresentarem uma característica importante da língua: funcionam, assim como verbos e nomes, primariamente como predicado – exemplo (11) –, isto é, elas predicam sem a necessidade de se combinar com qualquer tipo de morfema derivacional ou cópula. Além disso, precisam ser nominalizadas para funcionar como argumento – exemplo (12):

(11) tapi’ir-a ka’a-pe   anta-RFR mato-LOC   ‘A anta está no mato.’ (Praça et al., 2017, p. 53)
(12) ka’a-p-ahar-a Ø-wyhy   mata-LOC-NMLZ-RFR 3.I-correr   ‘A que é da mata correu.’ (Magalhães, 2016, dado de campo não publicado)

O exemplo (11) ilustra uma expressão adverbial como núcleo de um predicado adverbial locativo independente, que tem como argumento o nome tapi’ira ‘anta’. Em (12), a expressão adverbial ocorre nominalizada, sendo o verbo wyhy ‘correr’ o núcleo do predicado.

Considerando que o conceito de valência (Gilbert, 1994Gilbert, G. G. (1994). Valency and valency grammar. In R. E. Asher & J. M. Y. Simpson (Orgs.), The Encyclopedia of Language and Linguistics (pp. 4878-4886). Pergamon Press., p. 4878) tem sido utilizado na análise linguística desde Tesnière (1959)Tesnière, L. (1959). Les éléments de syntaxe structurale. Klincksieck. e, mais recentemente, foi estendido a outras palavras lexicais (Sommerfeldt & Schreiber, 1996Sommerfeldt, K. E., & Schreiber, H. (1996). Wörterbuch der Valenz etymologisch verwandter Wörter: Verben, Adjektive, Substantive. Max Niemeyer Verlag., entre outros), e, considerando ainda, como explicado, que em línguas da família Tupí-Guaraní, verbos, nomes e expressões adverbiais podem funcionar como predicados sem morfologia derivacional ou cópula (Cruz et al., 2019Cruz, A., Magalhães, M. M. S., & Praça, W. N. (2019). A morfologia transcategorial e sua relação com o padrão omnipredicativo em línguas da família Tupi-Guarani. ReVEL, 17(32), 69-94.), para tratar das classes de palavras predicativas do Guajá adotaremos a noção de valência, que se refere ao número de argumentos que um núcleo lexical admite: um núcleo divalente admite dois argumentos; um monovalente admite apenas um.

Por fim, a classe das partículas é também importante para o presente estudo pelo fato de algumas delas ativarem a construção que analisamos aqui. As partículas do Guajá, conforme Magalhães (2007, p. 72)Magalhães, M. M. S. (2007). Sobre a morfologia e a sintaxe da língua Guajá [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]., formam uma classe fechada de elementos tônicos2 2 “As partículas diferenciam-se dos afixos por comportarem-se fonologicamente como palavras independentes. Diferenciam-se também dos clíticos (os proclíticos de negação n(a)=, de modo exortativo t(V)= e os pronomes dependentes), pois estes formam uma unidade fonológica indissolúvel com seu ‘hospedeiro’ que não pode ser interrompida por outros formativos ou palavras (a não ser por outros elementos clíticos). As partículas, por sua vez, permitem a presença de palavras independentes entre elas e o constituinte a que se associam.” (Magalhães, 2007, p. 72). , independentes, não flexionáveis, que podem se associar sintaticamente a diferentes tipos de constituintes e que, diferentemente das palavras lexicais, operam como palavras funcionais. Algumas das partículas de posição inicial fixa ativam a construção que descreveremos mais à frente, desde que o sujeito seja de terceira pessoa. São elas: a partícula mostrativa3 3 O termo ‘mostrativo’ (Brugmann, 1904; Wackernagel, 1928) é usado em referência ao ‘campo mostrativo’ e simbólico da linguagem que, no jogo intersubjetivo que envolve os interlocutores, promove a marcação imediata de alguma entidade concreta ou abstrata com olhos, dedos e cabeça. A opção por esse termo justifica-se pelo fato de a partícula mostrativa não se tratar do próprio elemento dêitico, mas introduzir orações que indicam a localização pontual de um referente vindo, geralmente, acompanhada de gestos do falante apontando a direção do referente. kwa, a partícula permissiva amẽ e a partícula interrogativa .

A partícula mostrativa kwa ocorre em orações que indicam a localização pontual de um referente. O exemplo (13) ilustra sua ocorrência:

(13) kwa a-jku ko jaha   MOSTR 1SG.I-ficar aqui eu   ‘Eu estou bem aqui!’ (Magalhães, 2007, p. 76)

A partícula amẽ ‘deixa’ é de posição fixa inicial usada para expressar permissão. Em geral, exige que o núcleo do predicado das orações iniciadas por ela ocorra no modo exortativo, como em (14):

(14) amẽ t-a-xa jaha nĩ   PERM EXO-1SG.I-ver eu INTEN   ‘Deixa que eu veja!’ (Magalhães, 2007, p. 78)

A partícula interrogativa “. . . introduz perguntas de informação e ocorre sempre combinada com outras partículas de posição fixa pós-núcleo do predicado, que exprimem os diferentes sentidos dessas perguntas” (Magalhães, 2007Magalhães, M. M. S. (2007). Sobre a morfologia e a sintaxe da língua Guajá [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]., p. 80), como em (15):

(15) mõ po-hó tá mĩpe   INT 2PL.I-ir PROJ para.onde   ‘Para onde vocês vão?’ (Magalhães, 2007, p. 80)

Como veremos mais à frente, quando o sujeito é de terceira pessoa, o núcleo do predicado precedido por essas partículas ocorre associado ao mesmo sufixo -ni (~ -ri) que caracteriza a estrutura em foco neste estudo.

EXPRESSÃO DE PESSOA NAS DISTINTAS CLASSES DE PALAVRAS

Para melhor entender as classes de palavras predicativas e sua valência, é importante apresentar as duas séries de marcadores pessoais que ocorrem na língua.

O paradigma de marcadores da série I é formado por prefixos pessoais que ocorrem exclusivamente com verbos – exemplos (16) e (17) –, expressando seu argumento com função semântica de agente. Já o paradigma da série II é formado por clíticos pronominais, ligados ao núcleo do predicado por meio de um linker (LK) prefixal cuja função sincrônica restringe-se a marcar a adjacência entre o núcleo de um predicado e seu dependente. Esta série expressa o argumento com papel semântico de paciente em predicados verbais – exemplos (18) e (19) –, o possuidor de nomes possuíveis – exemplo (20) – e o objeto de posposições – exemplo (21) –, sendo, portanto, um paradigma de marcas pessoais transcategorial. Há, ainda, conforme Magalhães e Mattos (2014)Magalhães, M. M. S., & Mattos, A. C. R. (2014). Classes de palavras, tipos de predicados e sua relação com a intransitividade cindida em Guajá. Via Litterae: Revista de Linguística e Teoria Literária, 6(2), 251-284., uma cisão da intransitividade formalmente expressa pelo uso exclusivo da série I em verbos intransitivos (monovalentes) eventivos e uso exclusivo da série II em verbos intransitivos (monovalentes) estativos. No caso da série I, a marca de terceira pessoa é prefixal, diferindo das demais, que são clíticas, conforme se pode observar na Tabela 1.

Tabela 1
Os marcadores de pessoa das séries I e II. Fonte: Alves (2018, pp. 5-6).
(16) a-pyhy   1SG.I-pegar   ‘Eu (o) peguei.’ (Magalhães & Mattos, 2014, pp. 263-264)
(17) a-wyhy   1SG.I-correr   ‘Eu corri.’ (Magalhães & Mattos, 2014, p. 258)
(18) ha=Ø-pyhy   1SG.II=LK-pegar   ‘(Ele/Você) me pegou/me pegue!’ (Magalhães & Mattos, 2014 p. 264)
(19) ha=r-ahy   1SG.II=LK-estar.doente   ‘Eu estou doente.’ (Magalhães, 2007, p. 22)
(20) a’e ha=Ø-men-a   DEM 1SG.II=LK-marido-RFR   ‘Esse é meu marido.’ (Magalhães, 2014, dado de campo não publicado)
(21) Kamajru-a ha=Ø-pyry   Kamajrú-RFR 1SG.II=LK-junto   ‘O Kamairú está junto de mim.’ (Magalhães, 2002, dado de campo não publicado)

No caso de o núcleo ser um verbo divalente, é permitida apenas a marcação de um dos argumentos por meio de uma das séries. Essa marcação de pessoa dependerá de uma hierarquia referencial que tem a seguinte ordem em termos de pessoa: 1 = 2 > 34 4 Conforme Alves (2018, p. 6), “. . . isso quer dizer que nas orações em que aparecem dois argumentos, as primeiras e segundas pessoas são hierarquicamente superiores ao argumento de terceira pessoa, sendo elas as marcadas no verbo. Caso ambos sejam de terceira pessoa, como não se aplica uma hierarquia de pessoa, a marcação no núcleo do predicado será sempre a do participante que tiver papel semântico de ‘agente’. Já nas orações em que os dois argumentos são de 1ª e 2ª pessoa, será expresso no verbo o participante que exerce a função de ‘paciente’ [independentemente da pessoa]”. .

Os nomes e as expressões adverbiais, assim como os verbos, também podem selecionar argumentos, já que possuem uma estrutura argumental com relação a um núcleo. Assim, tanto os nomes quanto as expressões adverbias do Guajá podem ser divalentes ou monovalentes, de acordo com o número de argumentos que admitem quando na função de predicado5 5 Para mais informações sobre valência nominal, entendida como aquela em que o núcleo nominal em função de predicado, devido à sua semântica lexical, pode ser monovalente ou divalente, sendo esse último aquele que ocorre associado a um argumento interno obrigatório (como os chamados nomes relacionais ou nomes possuíveis), confira Kinkade (1983), Ágel e Fischer (2012) e Vapnarsky (2013). Partindo do princípio de que o conceito de valência pode ser estendido a nomes que exigem, assim como os verbos, argumentos, também as expressões adverbiais, quando exigem argumentos obrigatórios, podem ser interpretadas como elementos providos de valência em nossa análise. Assim, as posposições, que ocorrem sempre com argumento interno obrigatório, são uma classe de palavras divalente. .

As expressões adverbiais monovalentes são aquelas que, em função de predicado, admitem apenas um argumento externo. Estas são formadas por advérbios – (22) – e por nomes associados ao sufixo locativo -pe(23). Já as expressões adverbiais divalentes são formadas por posposições que, em função de predicado, expressam sempre, além do seu argumento externo, um argumento interno, como ilustrado em (24), em que a posposição -ehe ‘sobre’ contém um argumento interno, ijakara’a ‘cabelo dele’, e um argumento externo, ikya ‘piolho dele’6 6 Seguimos a análise de Cruz et al. (2019, p. 71), que defendem que o “. . . complemento de posposições tradicionalmente chamado de ‘objeto de posposição’ é também interpretado . . . . como o argumento interno de uma posposição, uma vez que recebe o mesmo marcador morfológico que os argumentos internos de nomes e verbos . . .”. .

(22) xahu-a kwatete   porcão-RFR perto   ‘O porcão está perto.’ (Magalhães, 2018, notas de campo não publicadas)
(23) tapi’ir-a ka’a-pe   anta-RFR floresta-LOC   ‘A anta está na floresta.’ (Magalhães, 2007, p. 16)
(24) i-ky-a i-jakara’a r-ehe   3.II-piolho-RFR 3.II-cabelo LK-sobre   ‘O piolho está sobre a cabelo dele.’ (Magalhães, 2016, notas de campo não publicadas)

Considerando a estrutura argumental de sintagmas verbais, nominais e posposicionais em Guajá e a utilização da noção de valência para descrever a relação de um núcleo lexical com seus argumentos, seguimos aqui a análise de Queixalós (2005)Queixalós, F. (2005). Posse em Katukina e valência dos nomes. In A. I. Rodrigues & A. S. A. C. Cabral, Novos estudos sobre línguas indígenas brasileiras (pp. 177-202). Ed. Universidade de Brasília. para o Katukina (família Katukina), que pode ser aplicada também para o Guajá (e as línguas TG), de que a série II tem a função geral de expressar o argumento interno de qualquer uma dessas classes de palavras predicativas da língua.

No que se refere à expressão de pessoa em nominalizações e subordinações, esta não segue as mesmas regras ora apresentadas para as orações independentes.

No Guajá, há quatro tipos de nominalizações: três são sufixais e uma é prefixal. Em termos formais, a raiz verbal que ocorre com os morfemas nominalizadores compartilha com os nomes a característica de combinar apenas com as marcas de pessoa da série II, aquela que expressa o argumento interno dos diferentes tipos de sintagmas, conforme podemos verificar nos exemplos a seguir, do Guajá:

(25) awá-Ø kapijawá Ø-’ú-har-y’ým-a   Guajá-RFR capivara LK-comer-NMLZ-NEG-RFR   ‘Os Guajá são não comedores de capivara.’ (Magalhães, 2007, p. 285)
(26) a’é i-pyhyk-ahar-a   DEM 3.II-pegar-NMLZ-RFR   ‘Ele é o pegador dele.’ (Magalhães, 2007, p. 210)

Podemos dizer que, quando as nominalizações formam nomes divalentes, sempre terão um complemento nominal como seu argumento interno, expresso ou por um sintagma nominal (SN), como em (25), ou pela série II de marcadores pessoais, como em (26). Além disso, a negação de núcleos lexicais nominalizados, como em (25), ocorre com o sufixo -’ým ~ -, o mesmo que se afixa a nomes, a exemplo de (27), expressando negação privativa:

(27) kyky-y’ým-a   sal-NEG-RFR   ‘Está sem sal.’ (Magalhães, 2012, dados de campo não publicados)

No que diz respeito às orações subordinadas, estas, além de conterem um elemento subordinador, também se diferenciam das principais pelas mesmas características que as nominalizações: marcam seus argumentos sempre com a série II, sem levar em consideração a hierarquia de pessoa vigente nas orações independentes e são negadas por meio do mesmo morfema negativo -’ým ~ -7 7 As orações independentes, ou principais, por sua vez, expressam a negação por meio de outra marca morfossintática, a saber, o proclítico n(V) associado ao sufixo de negação -i. que se associa a nomes, o que caracteriza as orações subordinadas como construções menos finitas.

São exemplos de orações subordinas do Guajá os dados a seguir, que ilustram uma oração subordinada adverbial de finalidade/simultaneidade – em (28) – e uma oração subordinada adverbial temporal – em (29) –, respectivamente:

(28) a-ju ha-xak-a   1SG.I-vir 3.II-ver-FIN   ‘Vim para vê-lo.’ (Magalhães, 2007, p. 267)
(29) nijã ari-jaho aha ni = n-aka-mehẽ jaha   você 2SG.I-ir CTF 2SG.II = LK-procurar-TEMP eu   ‘Você foi embora quando eu te procurei.’ (Magalhães, 2007, p. 270)

Em resumo, podemos concluir que tanto as estruturas nominalizadas quanto as subordinadas da língua Guajá seguem um padrão ergativo de marcação de pessoa, ou seja, os verbos nominalizados ou subordinados sempre vão expressar seu argumento por meio da série II, a mesma que expressa o argumento paciente (interno) dos verbos divalentes. A ocorrência exclusiva da série II de marcadores pessoais com qualquer tipo de núcleo de predicado nominalizado ou subordinado nos leva a concluir que esta série está diretamente relacionada à expressão dos argumentos em estruturas menos finitas.

TIPOLOGIA OMNIPREDICATIVA, CONSTRUÇÕES TÉTICAS E HIERARQUIA DE PREDICADOS

Mesmo sendo possível, conforme explicado anteriormente, diferenciar as classes lexicais, a função predicativa dessas distintas classes, associada a outras características importantes a serem detalhadas nesta seção, levaram Queixalós (2001Queixalós, F. (2001). Le tupi-guarani en chantier. Lincom Europa., 2006)Queixalós, F. (2006). The Primacy and fate of predicativity in Tupi-Guarani. In V. Vapnarsky & X. Lois (Orgs.), Lexical Categories and root classes in Amerindian languages (pp. 249-287). Peter Lang Bern. a propor a hipótese de que as línguas da FTG, que têm comportamento semelhante ao do Guajá nesse aspecto, seriam descendentes de uma protolíngua em que os elementos de todas as classes lexicais eram capazes de predicar primariamente (isto é, predicavam sem a necessidade de cópula) e deixavam de ser o predicado da sentença ao serem associados a um sufixo -a cuja função é a de desempenhar um papel de criador de uma expressão capaz de referir8 8 Cabe frisar, no entanto, que nomes em função de predicado equativo recebem o sufixo referenciante, o que se justifica, segundo Queixalós (2006), pela análise de que o sufixo a- ‘referrer’ institui uma expressão capaz de referir, e não uma expressão que de fato necessariamente refere. Nesses casos, o núcleo do predicado nominal que recebe o sufixo referenciante remete a uma classe definida pelo seu elemento único, dado como entidade existente e individualmente identificável: o referente do sujeito se identifica ao elemento único da classe delimitada pela expressão em função de predicado, que recebe o referido sufixo. . Línguas que têm essa propriedade, além de outras características essenciais9 9 Launey (2004) afirma que a característica mais importante do tipo omnipredicativo é: a) a de que todos os itens lexicais podem ser usados como predicados, exceto as designações (nomes próprios e pronomes), que não predicam porque já ‘referem’ por si mesmas. Essa característica é compreendida pelo autor como necessária, mas não suficiente para definir o tipo omnipredicativo. Assim, para que esse tipo de língua seja identificado, outras características devem estar associadas: b) os argumentos são predicados subordinados (Launey, 1986, 1994; Thompson & Thompson, 1980; Jelinek, 1993); c) essa subordinação é possível se, e somente se, haja uma coindexação entre um argumento no predicado principal e no predicado subordinado (Launey, 2004); d) a predicabilidade nos nomes comuns é condição para designação, isto é, pode-se referir a uma entidade como [o peixe] se, e somente se, for previamente admitido que [isto] é um peixe; e) em outras palavras, mičin, em Nahuatl, não significa ‘peixe’, mas ‘ser peixe’, e um sintagma como «in mičin» (demonstrativo peixe), deve ser traduzido como ‘aquele que é peixe’(Launey, 2004, p. 54, tradução nossa), sendo o demonstrativo in o responsável por instituir a função argumental do termo que o segue. , podem ser consideradas de tipologia omnipredicativa, termo cunhado por Launey (2004)Launey, M. (2004). The features of omnipredicativity in Classical Nahuatl. Sprachtypologie und Universalienforschung, 57(1), 49-69., para descrever o Nahuatl Clássico.

A partir da análise de Launey (1986)Launey, M. (1986). Catégories et opérations dans la gramaire nahuatl [Thèse d’Etat, Université de Paris IV, Paris]. de que os sintagmas expletivos das línguas omnipredicativas são predicados subordinados ao predicado principal, e da comparação da propriedade similar das línguas omnipredicativas com as línguas descritas como não configuracionais (Jelinek, 1984Jelinek, E. (1984). Empty categories, case and configurationality. Natural Language & Linguistic Theory, 2, 39-76., 1993Jelinek, E. (1993). Ergative “Splits” and Argument Type. Papers on Case & Agreement, 18, 15-42.) em que os afixos pronominais presentes no predicado constituem a própria expressão dos argumentos, Queixalós (2006)Queixalós, F. (2006). The Primacy and fate of predicativity in Tupi-Guarani. In V. Vapnarsky & X. Lois (Orgs.), Lexical Categories and root classes in Amerindian languages (pp. 249-287). Peter Lang Bern. conclui, adicionalmente, que nas línguas de tipologia omnipredicativa: 1) o predicado principal, provido do seu núcleo lexical e os seus argumentos pronominais, é uma sentença morfossintaticamente completa; e 2) uma oração com mais de uma palavra lexical é na verdade uma sentença complexa, feita de vários predicados.

Levando em consideração a definição de Launey (1986)Launey, M. (1986). Catégories et opérations dans la gramaire nahuatl [Thèse d’Etat, Université de Paris IV, Paris]. e a hipótese de Queixalós (2006)Queixalós, F. (2006). The Primacy and fate of predicativity in Tupi-Guarani. In V. Vapnarsky & X. Lois (Orgs.), Lexical Categories and root classes in Amerindian languages (pp. 249-287). Peter Lang Bern., Magalhães et al. (2019)Magalhães, M. M. S., Praça, W. N., & Cruz, A. (2019). Gradação da omnipredicatividade na família Tupí-Guaraní. Forma y Función, 32(2), 151-189. compararam quatro línguas da FTG – Tupinambá, Apyãwa, Guajá e Nheengatú – em relação às suas características omnipredicativas e defenderam que essas línguas, por serem derivadas de uma protolíngua omnipredicativa comum, possuem diferentes graus de omnipredicatividade10 10 Os diferentes graus dizem respeito à perda gradativa das características omnipredicativas observadas em algumas línguas da família. , conforme a maior proximidade ou o afastamento dessas características com relação à língua ancestral.

É importante frisar, portanto, que a alegada natureza onmipredicativa Tupí-Guaraní não é afirmada nas línguas atuais, mas em um proto-Tupí, cujos descendentes atualmente observáveis mostram estágios variavelmente reduzidos de omnipredicatividade. Trata-se, portanto, de um cenário diacrônico inescapavelmente especulativo.

Vale também salientar que, em muitos aspectos, a noção de omnipredicatividade se alinha à de não configuracionalidade (Hale, 1983Hale, K. (1983). Warlpiri and the grammar of non-configurational languages. Natural Language & Linguistic Theory, 1(1), 5-47.), uma vez que ambos os tipos de línguas são descritos (a partir de perspectivas distintas) como tendo características muito semelhantes. As propriedades convergentes entre essas duas abordagens, presentes no Guajá e nas línguas TG citadas neste artigo, são: i) os nomes funcionam primariamente como predicados, sem necessidade de cópula; ii) o predicado é o único constituinte oracional obrigatório; iii) o predicado consiste em um item lexical ligado a marcas de pessoa pronominais ou morfológicas; iv) a expressão da pessoa no predicado é, de fato, a realização do argumento desse predicado (‘argumentos indexados’ no sentido de Haspelmath, 2013Haspelmath, M. (2013). Argument indexing: A conceptual framework for the syntactic status of bound person forms. In D. Bakker & M. Haspelmath (Orgs.), Languages across boundaries: Studies in memory of Anna Siewierska (pp. 197-226). De Gruyter Mouton.); v) os sintagmas nominais são opcionais e acrescentados no nível da oração (Jelinek, 1984Jelinek, E. (1984). Empty categories, case and configurationality. Natural Language & Linguistic Theory, 2, 39-76.; Baker, 1995Baker, M. (1995). The Polysynthesis Parameter. Oxford University Press.), isto é, figuram como adjuntos correferenciais às marcas de pessoa no predicado, o que equivale a afirmar que funcionam como um aposto à morfologia de indexação de argumento; vi) os constituintes, especialmente sintagmas nominais, são sintagmaticamente descontínuos (Hale, 1983Hale, K. (1983). Warlpiri and the grammar of non-configurational languages. Natural Language & Linguistic Theory, 1(1), 5-47.); vii) a ordem dos constituintes não é estabelecida por sintaxe, mas por fatores pragmáticos.

Assim, de uma perspectiva formal, outros autores apresentam análises de línguas TG como tendo propriedades não configuracionais: Leite (2001)Leite, Y. (2001). O estatuto dos sintagmas nominais de sujeito e objeto em Tapirapé. In F. Queixalós (Org.), Des noms et verbes en tupi-guarani: État de la question (Studies in Native American Languages, No. 37, pp. 89-101). Lincom Europa., para o Apyãwa (Tapirape), e Vieira (1993)Vieira, M. D. (1993). O problema da configuracionalidade na língua Assurini: Uma consequência da projeção dos argumentos do predicado verbal [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]., para o Assurini do Trocará.

Partimos, então, do pressuposto de que, apesar de hipotéticas, as análises das línguas TG como omnipredicativas têm fundamento e defendemos que o fenômeno investigado neste estudo contribui para corroborar a hipótese de Magalhães et al. (2019)Magalhães, M. M. S., Praça, W. N., & Cruz, A. (2019). Gradação da omnipredicatividade na família Tupí-Guaraní. Forma y Función, 32(2), 151-189. de que o Guajá – bem como, de acordo com as autoras, o Kamaiurá – vem perdendo suas características omnipredicativas, ao explicarmos que a anteposição das expressões adverbiais e a consequente alteração na forma do predicado verbal é uma importante ilustração da propriedade omnipredicativa dessas línguas que está desaparecendo do Guajá, conforme veremos com mais detalhes na próxima seção.

Antes disso, no entanto, é necessário esclarecermos outra característica essencial para a análise desse fenômeno: a interpretação de que as línguas TG mais conservadoras no que diz respeito à omnipredicatividade organizam as informações em termos de sentenças téticas, e não categóricas, conceitos a serem definidos a seguir.

Marty (1918Marty, A. (1918). Gesammelte schriften (Tom. 2, Part. 1). Max Niemeyer Verlag. citado em Casielles & Progovac, 2012Casielles, E., & Progovac, L. (2012). Protosyntax: A thetic (unaccusative) stage. Theoria et Historia Scientarium, 9, 29-48.) explica as construções téticas a partir da sua contraposição com relação às construções categóricas. O autor explica que as estruturas categóricas são aquelas que podem ser divididas em duas, o que ele chama de double judgement, cuja definição se dá pelo envolvimento de dois atos sucessivos – a escolha de uma entidade e o que se pode dizer sobre ela, o que é traduzido para o que conhecemos comumente, na sintaxe, como sujeito e predicado.

Em contraposição a essa estrutura de duplo julgamento, existem as construções téticas, ou simple judgments, em que a sentença inteira é a informação mais importante, não havendo divisão entre entidade e o que se diz sobre ela. Uma construção tética não leva em consideração as consequências sintáticas da estrutura informacional tema/rema (ou tópico/foco) – ou seja, tudo está no rema, não havendo tema. Trataremos mais à frente dessas noções em uma análise pragmática.

Apesar de construções com verbos existenciais ou impessoais serem comumente téticas, todos os outros tipos de verbos podem figurar nessas construções, a depender da língua. Kuroda (1972)Kuroda, S. Y. (1972). The categorical and the thetic judgement: Evidence from Japanese syntax. Foundations of Language, 9(2), 153-185., em sua análise para o japonês, mostra que a variação de um elemento morfológico na sentença pode ou não indicar uma construção tética. Em línguas de ordem sujeito-verbo (SV), como o português, o espanhol e o sérvio, conforme salienta Sasse (1987)Sasse, H. J. (1987). The thetic/categorical distinction revisited. Linguistics, 25(3), 511-580., a inversão do sujeito para uma posição pós-verbal pode caracterizar uma construção tética, como em português ‘Chegaram os convidados’, por exemplo.

Como interpretamos, seguindo Queixalós (2006)Queixalós, F. (2006). The Primacy and fate of predicativity in Tupi-Guarani. In V. Vapnarsky & X. Lois (Orgs.), Lexical Categories and root classes in Amerindian languages (pp. 249-287). Peter Lang Bern., que as línguas TG expressam toda a informação principal no núcleo do predicado, tanto o predicado em si como seus argumentos – por meio das marcas de pessoa –, sendo o restante adjunto11 11 Vale ressaltar que as línguas denominadas de não configuracionais (Hale, 1983; Jelinek, 1984) têm características muito similares ao fenômeno que Launey (2004) descreve como omnipredicatividade, entre elas a propriedade de expressar os argumentos por meio dos índices de pessoa, conforme explica Jelinek (1984), em sua análise dos dados Warlpiri. , apresentamos aqui a proposta de análise de que essas línguas tendem a organizar suas informações por meio de construções téticas, por serem formadas por estruturas sintaticamente mais simples, que envolvem uma “. . . unidade evento/tema”12 12 “We have questioned the assumption that SV (agent-action) structures are basic and primary and have shown that thetic VS unaccusative structures, involving an event/theme unit, are better candidates for simple, primary proto-syntactic “fossils”. We have shown that thetic unaccusative structures are simpler syntactically, prosodically, semantically and informationally. . .” (Casielles & Progovac, 2012, p. 43). (Casielles & Progovac, 2012Casielles, E., & Progovac, L. (2012). Protosyntax: A thetic (unaccusative) stage. Theoria et Historia Scientarium, 9, 29-48., p. 43), não havendo a divisão da sentença em tópico e comentário/foco (ou tema e rema, nos termos de Mathesius, 1939Mathesius, V. (1939). O tak zvaném aktuálním členění věty (On the so-called functional sentence perspective). In J. Vachek (Org.), Jazyk, kultura a slovesnost (pp. 174-178). Odeon.), como existe nas sentenças categóricas.

Como dito, essa hipótese fundamenta-se na propriedade das línguas TG de terem os sintagmas nominais funcionando não como argumentos, mas como adjuntos correferenciais13 13 Importante esclarecer desde já que os adjuntos correferenciais são diferentes dos adjuntos adverbiais (ou expressões adverbiais). Conforme Magalhães et al. (2019, p. 159), aqueles têm a função de “. . . esclarecer a referência dos índices pessoais, que são os verdadeiros argumentos. . .”, já esses, que têm função de complementar a informação expressa pelo predicado, são os únicos que causam a ocorrência do fenômeno em foco neste artigo. No entanto, o que ambos têm em comum é a característica de serem não nucleares, periféricos, daí a noção de ‘adjunto’. (Queixalós, 2006Queixalós, F. (2006). The Primacy and fate of predicativity in Tupi-Guarani. In V. Vapnarsky & X. Lois (Orgs.), Lexical Categories and root classes in Amerindian languages (pp. 249-287). Peter Lang Bern.) cuja função é a de expressar a referência dos verdadeiros argumentos: os índices de pessoa14 14 Na nossa análise, todos os SN, mesmo os que não têm morfologia correferencial marcada no verbo, são adjuntos. A hierarquia de pessoa presente na língua, que determina qual dos dois argumentos de um verbo transitivo deve ser expresso no núcleo do predicado verbal, ao realizar o mapeamento semântico dos participantes relacionados à pessoa, supre a necessidade de que ambos precisem ser concretamente expressos, uma vez que é possível saber qual será o outro participante. Além disso, propriedades morfossintáticas, como a ausência de caso nos SN, a ordem livre dos SN em relação ao núcleo do predicado e o controle da correferência e da reflexiva por parte dos índices pessoais, corroboram essa análise. No nosso entendimento, o papel dos SN se restringe somente à função de esclarecer a referência do participante de terceira pessoa. . Sendo assim, a estrutura das sentenças dessas línguas seria sintaticamente simples, não se podendo separar o comentário/foco do tópico, já que todas as informações se concentram no núcleo do predicado.

Vale ressaltar que Casielles e Progovac (2012)Casielles, E., & Progovac, L. (2012). Protosyntax: A thetic (unaccusative) stage. Theoria et Historia Scientarium, 9, 29-48. defendem a hipótese de que as construções téticas devem ser interpretadas como ‘fósseis’ proto-sintáticos, isto é, como um ponto de partida que deriva, a partir dele, novas estruturas que permitem a evolução da sintaxe.

Voltando às línguas omnipredicativas, Launey (2004)Launey, M. (2004). The features of omnipredicativity in Classical Nahuatl. Sprachtypologie und Universalienforschung, 57(1), 49-69. esclarece que, se nessas línguas todas as principais classes de palavras predicam primariamente, quando se tem mais de um predicado na sentença é necessário que haja uma hierarquia entre os predicados, havendo um que se sobressaia em relação ao outro.

É por isso que se interpreta que, nesse tipo de língua, os predicados que têm como núcleo nomes em sentenças em que há um predicado verbal expressando um evento são sintagmas que exercem a função de predicados subordinados e coindexados à marca de pessoa do predicado verbal principal. No caso das línguas TG, o sufixo referenciante (RFR) -a ~ -Ø marcaria os nomes cuja função primária como núcleo de predicado é substituída pela função de adjunto correferencial: ao receber o sufixo, eles tornam-se capazes de referir, como defende Queixalós (2006)Queixalós, F. (2006). The Primacy and fate of predicativity in Tupi-Guarani. In V. Vapnarsky & X. Lois (Orgs.), Lexical Categories and root classes in Amerindian languages (pp. 249-287). Peter Lang Bern..

Assim, levando-se em consideração as hipóteses ora apresentadas, interpretamos que o mesmo tipo de análise pode ser estendido para o caso de uma sentença formada por um predicado verbal e outro adverbial (lembrando que expressões adverbiais podem funcionar primariamente como predicados nas línguas dessa família): o verbo, sendo naturalmente o elemento mais importante da sentença, figura como núcleo do predicado hierarquicamente mais alto, enquanto o predicado adverbial, que traz informações complementares e periféricas, figura como predicado subordinado, hierarquicamente inferior ao predicado verbal.

Nesse contexto, o exemplo (30) teria três predicados, um nominal, um verbal e um adverbial, sendo naturalmente um superior ao outro, uma vez que deve haver uma hierarquia entre eles. Nesta sentença, o predicado principal, ou dominante, é o predicado verbal o-ho <3.I-ir> ‘(ele) foi embora’, acompanhado por dois predicados secundários, opcionais, adjuntos e hierarquicamente inferiores: um predicado cujo núcleo nominal Kamairu, associado ao sufixo referenciante -a, é um adjunto correferencial ao argumento o- (3.I), expresso no núcleo do predicado verbal; e um predicado cujo núcleo é uma expressão adverbial terẽ ø-pepe <trem LK-dentro> ‘de trem’15 15 Ambos os predicados, nominal e adverbial, são interpretados por nós como adjunto: o primeiro porque tem a função exclusiva de especificar a referência do participante nuclear expresso pela marca de pessoa no verbo; o segundo porque tem a função de especificar o instrumento por meio do qual o evento verbal se realizou. :

(30) (Kamairu-a) o-ho terẽ Ø-pepe   Kamairu-RFR 3.I-ir trem LK-dentro   ‘(Kamairua) Foi embora de trem.’ (Magalhães, 2006, dado de campo não publicado)

Assim, uma interpretação literal dessa sentença seria ‘(O que é Kamairu) foi embora estando em um trem’, sendo o predicado verbal naturalmente mais saliente em termos hierárquicos.

Em resumo, partimos do princípio de que no Guajá: i) todos os elementos das classes lexicais nomes, verbos, bem como as expressões adverbiais, predicam primariamente; ii) os sintagmas de núcleo lexical nominal que correferem com os prefixos verbais são adjuntos sem relação gramatical com o predicado, assim como as expressões adverbiais; iii) uma oração com mais de uma palavra lexical é na verdade uma sentença complexa, feita de vários predicados, organizados entre si hierarquicamente; iv) o predicado verbal, provido do seu núcleo lexical e os seus argumentos pronominais, é o principal, sendo os demais adjuntos, o que faz dele uma sentença morfossintaticamente completa; v) em termos informacionais, essa sentença morfossintaticamente completa forma uma ‘unidade evento/tema’, não havendo a divisão da sentença em tópico e comentário/foco.

Levando em consideração essa análise, as próximas seções apresentarão a construção que é objeto de investigação deste artigo e discorrerão sobre o efeito sintático e pragmático resultante da alteração na ordem entre os predicados verbal e adverbial na sentença.

SENTENÇAS COM SINTAGMAS ADVERBIAIS ANTEPOSTOS

Para descrever o fenômeno na língua Guajá, apresentamos, primeiramente, a ilustração de sua ocorrência num trecho de narrativa, em que um Awa Guajá narra a história do contato da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) com seu grupo familiar, que vivia como caçador e coletor, na ocasião em que foram levados da floresta para o lugar em que hoje está assentada uma das aldeias.

(31) Ø-ikwe~ karai-a are=Ø-pyry ka’a-pe         3.I-ficar não.indígena-RFR 1.PL.EXCL.II=LK-junto.de mata-LOC         ‘Os não indígenas ficaram com a gente na mata’     awa-te Jaxe’i-a a’ia wy~: Kamixa-Ø, Kamixapahu-a, Mituruhu~-a   Awa-REAL Jaxe’i-RFR ele PLU Kamixa-RFR, Kamixapahu-RFR, Mituruhũ-RFR   ‘tinha um Awá, o Jaxe’ia, e mais eles: Kamixa, Kamixapahua, Mituruhũa’     amõ-mehe~ karai-a are= Ø-ru-ni kyry’y         outro-quando não.indígena-RFR 1.PL.EXCL.II=LK-trazer-SUB MUD         ‘num outro dia, os não indígenas nos trouxeram.’ (Magalhães, 2006, dados não publicados)

A sentença destacada em sublinhado apresenta uma expressão adverbial amõ-mehe͂ ‘outro dia/tempos depois’ em posição inicial, seguida pelo predicado que tem como núcleo o verbo ru ‘trazer’ que, por sua vez, recebe o sufixo -ni, confirmando o que se observa em outras línguas da família, como o Tupinambá, Apiãwa, Kamaiurá e Parintintim, que ativam essa estrutura quando o predicado é iniciado por um elemento adverbial.

Na língua Guajá, o fenômeno em questão possui algumas especificidades quando comparado com sua manifestação em outras línguas, as quais serão apresentadas a seguir. Como nas línguas citadas, a referida estrutura ocorre com predicados que têm como núcleo verbos eventivos, sejam eles divalentes, como em (32), ou monovalentes, em (33), mas é encontrada apenas na variedade dos Awa Guajá mais velhos, o que evidencia a sua tendência a desaparecer. Na variedade desses falantes, quando o predicado tem como núcleo uma expressão adverbial que ocorre no início da sentença, há a modificação no verbo, que passa a receber o sufixo -ni ~ -ri, associado obrigatoriamente à marca da série II, como vimos na seção anterior. Essa alteração na estrutura morfossintática só ocorre com predicados que têm argumento de terceira pessoa na função de sujeito (ou argumento único, no caso dos predicados monovalentes), isto é, o predicado verbal posposto à expressão adverbial nunca vai receber o sufixo -ni ~ -ri, nem ser associado à marca da série II, se o sujeito for de primeira ou segunda pessoas.

(32) terẽ Ø-pepe ha-xa-ri (mais velhos)   trem LK-dentro 3.II-ver-SUB     ‘Viu-o dentro do trem.’ (Magalhães, 2007, p. 248)
(33) mõ Kamairu i-ho-ni mĩ-pe (mais velhos)   INT Kamairu 3.II-ir-SUB onde-LOC     ‘Para onde Kamairú foi?’ (Magalhães, 2016, notas de campo não publicadas)

Da mesma forma que no Apyãwa e no Kamaiurá, no Guajá o SN que antecede o predicado verbal subordinado nunca ocorre dentro do sintagma, isto é, o verbo obrigatoriamente expressa seu argumento por meio da série II16 16 Há também dados em que se observa a completa ausência de marcadores pessoais. Isso ocorre não apenas nas sentenças com expressão adverbial anteposta, mas também em orações subordinadas adverbiais e nominalizações. Trata-se de uma tendência mais geral, já observada em Magalhães et al. (2019) de perda da marcação da série II na língua Guajá. , mesmo que o SN referente a ele esteja contíguo à forma verbal, conforme os exemplos (34) e (33).

(34) i-ka’a r-ehe (kamara-Ø) i-’ĩ-ni (mais velhos)   3.II-mata LK-sobre índio-RFR 3.II-falar-SUB     ‘Sobre a mata deles (os índios) falaram.’ (Magalhães, 2016, notas de campo não publicadas)

Chamamos especial atenção para o exemplo (35), da fala de um Awa Guajá mais velho, em que o verbo monovalente ativo ho ‘ir’ ocorre, como esperado, com o sufixo subordinador e a marca de pessoa da série II, comparado aos exemplos (36) e (37), que explicitam a variação na fala dos mais jovens, deixando clara a transição para a perda dessa estrutura: em (36), a forma verbal ainda ocorre associada ao sufixo subordinador, mas já tem como expressão de pessoa a série I, típica de predicados finitos. Já em (37), o predicado verbal perdeu tanto o sufixo subordinador quanto a expressão da pessoa por meio da série II, típica de predicados menos finitos.

(35) mõ i-ho-ta-ni mĩ-pe (mais velhos)   INT 3.II-ir-FUT-SUB onde-LOC     ‘Para onde ele vai?’ (Magalhães, 2016, notas de campo não publicadas)
(36) mõ o-ho-ta-ni mĩ-pe (mais jovens)   INT 3.I-ir-FUT-SUB onde-LOC     ‘Para onde ele vai?’ (Magalhães, 2016, notas de campo não publicadas)
(37) mõ o-ho-ta mĩ-pe (mais jovens)   INT 3.i-ir-FUT onde-LOC     ‘Para onde ele vai?’ (Magalhães, 2016, notas de campo não publicadas)

Outra diferença importante da manifestação dessa estrutura no Guajá que o diferencia de outras línguas já documentadas é que, de acordo com Magalhães (2007)Magalhães, M. M. S. (2007). Sobre a morfologia e a sintaxe da língua Guajá [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. e Praça et al. (2017)Praça, W. N., Magalhães, M. M. S., & Cruz, A. (2017). Indicativo II da família Tupí-Guaraní: Uma questão de modo?. LIAMES: Línguas Indígenas Americanas, 17(1), 39-58. https://doi.org/10.20396/liames.v17i1.8646480
https://doi.org/10.20396/liames.v17i1.86...
, o Guajá é a única língua encontrada até o momento que apresenta a referida estrutura morfossintática ocorrendo não apenas com predicados que têm verbos eventivos como núcleo, mas também com predicados cujo núcleo é um verbo estativo ou um nome, como ilustrado em (38), com o verbo kira ‘estar.gordo’, e (39), com o nome kwarahy ‘sol’, respectivamente. Nesses casos, a estrutura é ativada por partículas de posição inicial obrigatória específicas, tais como a partícula mostrativa kwa (39), a partícula interrogativa , como em (38) e (40), e a partícula permissiva ame͂,, como em (41). Além disso, quando são essas partículas que ativam a estrutura com o sufixo -ni ~-ri, a estrutura tende a ser encontrada tanto na variedade dos falantes mais velhos quanto na dos mais jovens, apesar de já haver registros de perda da marcação mesmo nesse ambiente.

(38) mõ kararahu i-kira-ta-ni mĩmehẽ   INT paca 3.II-estar.gordo-FUT-SUB quando   ‘Quando a paca vai estar gorda?’ (Magalhães, 2016, notas de campo não publicadas)
(39) kwa kwarahy-ni mĩ-pe   MOSTR sol-SUB lá-LOC   ‘Lá está o sol.’ (Magalhães, 2007, p. 249)
(40) mõ karai ka’a Ø-jaky-ni mĩ-na’á-pe   INT não.índio mato 3.II-mexer-SUB onde-DUB-LOC   ‘Onde será que o não índio está mexendo na mata?’ (Magalhães, 2007, p. 248)
(41) amẽ kahu r-ape i-kỹ-ni nĩ   PERM carro LK-caminho 3.II-seco-SUB INTEN   ‘Deixa a estrada ficar seca!’ (Magalhães, 2007, p. 79)

Como analisar, de acordo com o que foi até agora apresentado acerca dessa construção, os exemplos (38) a (41), em que não é uma expressão adverbial que ativa a alteração morfológica no núcleo do predicado, mas três diferentes partículas: kwa, uma partícula mostrativa (Magalhães, 2007Magalhães, M. M. S. (2007). Sobre a morfologia e a sintaxe da língua Guajá [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]., p. 75) que ocorre em orações que indicam a localização pontual, , uma partícula interrogativa que introduz perguntas de informação (Magalhães, 2007Magalhães, M. M. S. (2007). Sobre a morfologia e a sintaxe da língua Guajá [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]., p. 78), e ame͂,, uma partícula que introduz pedidos de permissão (Magalhães, 2007Magalhães, M. M. S. (2007). Sobre a morfologia e a sintaxe da língua Guajá [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]., p. 79)?

Vale a pena aqui salientar que outras línguas da família, como o Parintintim e o Apyãwa, também apresentam essa mesma construção associada a partículas interrogativas na posição inicial da sentença. O Parintintim, por exemplo, ativa a estrutura aqui em análise quando o verbo é antecedido pela partícula interrogativa marã ‘como’:

(42) Ei! Marã ga h-er-eko-i ra’e?” e po.   Umm! how he 3SG.NA-COM-be-SUB already?” say indefinite.   ‘Ummm! How he is with it already (i.e., how did he do it already?) (Da) said.’ (Betts, (2008 [1969], p. 35, nossa análise)

Não temos uma resposta definitiva para esses casos, mas, por ser uma interrogação um pedido de informação sobre um elemento necessariamente novo (já que ele é solicitado), há uma afinidade natural entre a interrogação e a noção de rema. Isto é, o elemento que interroga está no lugar da informação que se espera na resposta, e que, necessariamente, será o rema da resposta, seja qual for a sintaxe da mesma. Essa linha de raciocínio vai na mesma direção da hipótese que defenderemos mais adiante sobre o elemento mais à esquerda do predicado principal estar assumindo uma função de rema.

Por outro lado, a existência de um advérbio na língua Apyãwa (Ap) – exemplo (43) – poderia ilustrar a origem adverbial da partícula interrogativa do Guajá, justificando a ativação também dessa construção nos casos em que a partícula interrogativa introduz a sentença. Assim, uma possibilidade que precisa ser melhor investigada é a de que ela teria se gramaticalizado a partir de um advérbio e, nesse processo, o sufixo -ni teria se cristalizado como parte de um dos itens lexicais da sentença, já tendo perdido sua função original.

(43) xe=r-etym-a mõ (Ap)   1SG.II=LK-casa-RFR longe     ‘Minha casa é longe.’ (Praça, 2007, p. 154)

O tipo de negação utilizado no Apyãwa associado ao dêitico , ilustrado no exemplo (44), evidencia que esta palavra, que pode ser interpretada como um advérbio locativo na língua, funciona como predicado, uma vez que a negação nã=...-j é específica de predicados no Apyãwa:

(44) nã=mõ-j xe=r-etym-a (Ap)   NEG=longe-NEG 1.II=LK-casa-RFR     ‘Minha casa não é longe.’ (W. N. Praça, comunicação pessoal, 21 nov. 2018)

No caso da anteposição da partícula mostrativa – exemplo (39) –, uma possível justificativa para a alteração morfológica do nome que ocorre como predicado é propor a hipótese de que esta partícula tenha origem locativa, uma vez que observamos, por exemplo, a existência de advérbios locativos com a mesma raiz no Guajá, como kwatete ‘perto’ e kwa’ate ‘no alto e próximo’, que poderiam atestar a origem adverbial da partícula.

Até o momento, não temos uma hipótese para reconstruir a partícula permissiva ame͂, como tendo também se gramaticalizado a partir de uma expressão adverbial. Porém, a exemplo das hipóteses tecidas para as demais partículas que ativam essa estrutura menos finita, entendemos que esta possa ter seguido percurso similar.

Observadas essas especificidades do Guajá com relação às demais línguas aqui citadas, defendemos a hipótese de que esta estrutura está na iminência de desaparecer da língua nas sentenças antecedidas por expressões adverbiais, uma vez que ela é encontrada basicamente apenas na fala dos mais velhos. Ao mesmo tempo, o sufixo -ni ~ -ri tende a permanecer em todas as variedades cristalizado em ambientes em que a sentença é iniciada por partículas de posição inicial obrigatória. Assim, o que queremos defender é que, sincronicamente, na variedade dos mais jovens, o referido sufixo se encontra desprovido de qualquer função gramatical que um dia exerceu e se cristaliza nessas estruturas iniciadas pelas três partículas, passando a fazer parte de um dos itens lexicais da sentença. Uma evidência adicional para a análise de que tal morfema perdeu sua função na fala dos mais jovens, estando cristalizado, é a constatação por Magalhães (notas de campo não publicadas) de que os falantes que ainda realizam a estrutura, ao escreverem frases como a seguinte, tendem a usar a forma verbal marcada com os prefixos da série I e a desassociar o morfema -ni da raiz do verbo que originalmente o ancorava.

Assim, ao invés de escreverem mõ ihoni mi͂pe, há registros de escrita evidenciada no exemplo (45) pelos falantes como mõ iho ni mi͂pe ou mõ iho nimi͂pe. Essa seria uma evidência de que sufixo já não é mais interpretado pelos falantes como parte da informação verbal, mas como um morfema associado ao sintagma posterior ao verbo.

(45) mõ o-ho-ni mi~-pe   INT 3.I-ir-SUB onde-LOC   ‘Para onde ele foi?’

ANÁLISE GRAMATICAL E PRAGMÁTICA DA ESTRUTURA

Vimos até aqui que as expressões adverbiais funcionam primariamente como predicado no Guajá e que normalmente ocorrem mais à direita da sentença, como uma informação adicional. No entanto, como expressões adverbiais que são, podem ocorrer também em outras posições da sentença, que não ao final.

Ater-nos-emos aqui às construções que apresentam expressões adverbiais deslocadas para o início da sentença, construções essas que, em algumas línguas Tupí-Guaraní, causam uma alteração morfossintática no núcleo do predicado verbal, conforme já descrito anteriormente.

No caso do Guajá, quando uma expressão adverbial aparece no início da sentença na variedade dos falantes mais velhos, o predicado verbal que a segue passa a receber um sufixo -ni ~ -ri, além de passar a ser associado obrigatoriamente às marcas de pessoa da série II.

Uma restrição importante para a ocorrência dessa estrutura, no Guajá, conforme explicado na seção anterior, é a de que o sujeito da oração seja de terceira pessoa, isto é, caso o sujeito seja de primeira ou segunda pessoa, mesmo que a expressão adverbial ocorra na primeira posição, não haverá qualquer mudança no padrão morfossintático do verbo. Quando comparado com outras línguas com relação a essa característica, o Guajá se assemelha ao Apyãwa (Praça, 2007Praça, W. N. (2007). Morfossintaxe da língua Tapirapé [Tese de doutorado, Universidade de Brasília, Brasília].) e Kamaiurá (Seki, 2000Seki, L. (2000). Gramática do Kamaiurá: Língua Tupí-Guaraní do Alto Xingu (Coleção Pesquisas). Editora da Unicamp.), em que o fenômeno ocorre apenas com 3ª pessoa, e se diferencia do Paritintim (Betts, 2008Betts, V. D. (2008 [1969]). Parintintin discourse. SIL Brasil. [1969]), em que a alteração no núcleo verbal ocorre com todas as pessoas do discurso, e do Tupinambá (Rodrigues, 1953Rodrigues, A. D. (1953). Morfologia do verbo Tupi. Letras, 1, 121-152.), em que ela ocorre com a 1ª e a 3ª pessoas.

Além disso, não apenas verbos eventivos divalentes e monovalentes, mas também os monovalentes estativos e predicados nominais podem ser encontrados nesse tipo de construção, o que difere o Guajá das demais línguas da família até agora descritas.

Considerando que esse tipo de construção foi muitas vezes interpretado como ‘modo’ na análise de línguas da família Tupí-Guaraní, Praça et al. (2017, p. 41)Praça, W. N., Magalhães, M. M. S., & Cruz, A. (2017). Indicativo II da família Tupí-Guaraní: Uma questão de modo?. LIAMES: Línguas Indígenas Americanas, 17(1), 39-58. https://doi.org/10.20396/liames.v17i1.8646480
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questionam a validade desse tratamento por entenderem que, na literatura especializada, o conceito de modo aparece como expressão flexional da modalidade (cf. Bybee et al., 1994Bybee, J., Perkins, R., & Pagliuca, W. (1994). The evolution of grammar: Tense, aspect, and modality in the languages of the world. The University of Chicago Press.). Assim, qual seria a validade para estudos tipológicos de se considerar uma forma menos finita do verbo como uma instância de ‘modo’, indagam as autoras.

O Guajá apresenta evidência adicional para esse questionamento, uma vez que o verbo ocorre associado ao sufixo -ni ~ -ri também quando expresso no modo exortativo, marcado pelo prefixo t- ~ ta= ~ ti=, conforme exemplo (46)17 17 Curiosamente, nos dados em que o sufixo -ni ~ -ri ocorre concomitantemente ao modo exortativo, encontramos essa marca ocorrendo em verbos cujo sujeito é de primeira pessoa, e não apenas de terceira. Isso pode indicar que, num passado remoto, a forma subordinada do verbo ocorria com todas as pessoas, como hoje é atestado no Parintintim. . O dado prova que não seria possível interpretarmos o chamado “modo indicativo II” (Rodrigues, 1953Rodrigues, A. D. (1953). Morfologia do verbo Tupi. Letras, 1, 121-152., p. 126), ou “modo circunstancial” (Seki, 2000Seki, L. (2000). Gramática do Kamaiurá: Língua Tupí-Guaraní do Alto Xingu (Coleção Pesquisas). Editora da Unicamp., p. 131), como modo, pois a mesma raiz verbal não poderia expressar ao mesmo tempo dois distintos modos.

(46) ame͂, ta=ha-puwy~-ni ni~   PERM EXO-1.II-enrolar-SUB VOL   ‘Deixa que eu enrolo (a corda).’

A hipótese geral a ser adotada aqui é a proposta de Praça et al. (2017)Praça, W. N., Magalhães, M. M. S., & Cruz, A. (2017). Indicativo II da família Tupí-Guaraní: Uma questão de modo?. LIAMES: Línguas Indígenas Americanas, 17(1), 39-58. https://doi.org/10.20396/liames.v17i1.8646480
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que defendem que a mudança ocorrida no núcleo do predicado quando uma expressão adverbial o antecede indica que ele assumiu uma forma menos finita, como ocorre com as orações subordinadas adverbiais apresentadas em seção anterior, que também recebem um sufixo subordinador e passam a expressar seus argumentos por meio da série II. Na construção aqui em foco, a expressão adverbial se tornaria a oração principal, uma vez que as expressões adverbiais em Guajá possuem a função primária de predicado, e o que antes era uma oração independente passa a ser uma oração subordinada à expressão adverbial.

Em (1), repetido como (47), a expressão adverbial terẽ ø-pepe ‘de trem’ está subordinada ao predicado verbal que tem como núcleo o verbo ho ‘ir’, e que é o predicado naturalmente dominante e expressa seu argumento por meio de uma marca de pessoa da série I:

(47) o-ho terẽ Ø-pepe   3SG.I-ir trem LK-de   ‘Ele foi de trem.’ (Magalhães, 2016, notas de campo não publicadas)

Em (2), repetido como (48), a expressão adverbial terẽ ø-pepe ‘de trem’ torna-se o predicado dominante, e o predicado verbal, que tem como núcleo o verbo ho ‘ir’, fica subordinado ao primeiro, tornando-se, assim, menos finito, o que é evidenciado pelo fato de que ele passa a expressar seu argumento por meio de um prefixo da série II e a receber um sufixo, como observado nas demais orações subordinadas da língua. Portanto, entendemos que o sufixo -ni ~ -ri deve ser interpretado como um sufixo subordinador em termos sintáticos18 18 No que se refere à classificação do sufixo -ni como derivacional ou flexional, entendemos que, nas línguas TG em que suas formas cognatas ocorrem, ele tem características flexionais por ocorrer com qualquer raiz verbal sem causar alteração significativa em seu conteúdo semântico e, além disso, ser requerido pela sintaxe. No entanto, não seria prototipicamente flexional pelo fato de as raízes que se associam a esse sufixo ocorrerem obrigatoriamente com os marcadores pessoais da série II, tradicionalmente associados na literatura especializada sobre a FTG a formas nominalizadas ou subordinadas dos verbos. :

(48) terẽ Ø-pepe i-ho-ni   trem LK-de 3.II-ir-SUB   ‘De trem, ele foi.’ (Praça et al., 2017, p. 51)

O fato de, em Guajá, esse fenômeno ocorrer não só com verbos, mas também com nomes, como em (39), nos leva a considerar mais adequado denominar esse sufixo de subordinador, e não de nominalizador19 19 Apesar de ser possível uma análise em que esse sufixo seja interpretado como nominalizador (Sasse, 1987) no caso das línguas em que ele não ocorre com predicados nominais, optamos por interpretar como subordinador pelos motivos apresentados nesta seção e inspiradas pela análise de Launey (1994, 2004) para as línguas omnipredicativas. . Como explicado, interpretamos que, toda vez que o sufixo ni ~ ri ocorre, ele está associado a um predicado que está subordinado a outro, uma vez que eles precisam estar hierarquicamente organizados na sentença.

Em um contexto de ordem predicado verbal/predicado adverbial, a hipótese de Alves (2020)Alves, D. O. S. (2020). Modificação de predicados por expressões adverbiais em primeira posição no Guajá [Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília, Brasília]. é a de que a expressão adverbial naturalmente já cumpre o papel de informação menos importante quando aparece em uma sentença posposta a um predicado verbal. No entanto, quando ela assume a primeira posição, o predicado verbal torna-se menos finito para se conformar à posição de predicado mais baixo na hierarquia dos predicados da sentença.

Nossa análise sobre o que ocorre em termos informacionais quando uma expressão adverbial é trazida para uma posição de destaque, ou seja, mais à esquerda da oração, é a de que a intenção do falante é a de dar a ela maior relevância, isto é, o status de informação mais importante na sentença, o que se é tradicionalmente conhecido como foco, ou rema, conforme detalharemos mais à frente.

No diálogo a seguir, do Guajá (Magalhães, 2006Magalhães, M. M. S. (2007). Sobre a morfologia e a sintaxe da língua Guajá [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]., notas de campo não publicadas), a relevância das expressões adverbiais destacadas em sublinhado é evidente. Em todos os casos, elas são a informação mais importante da sentença e ocorrem no início desta:

(49) Ma’a Ø-pepe Jakuxa’a Ø-u-ni xia?   coisa LK-INSTR Jakuxa’a 3.II-vir-SUB aqui   ‘Por meio do quê Jakuxa’a veio aqui?’       Wararakuruhu Ø-pepe Ø-u-ni Jakuxa’a xia   avião LK-INSTR 3.II-vir-SUB Jakuxa’a aqui   ‘De avião Jakuxa’a veio aqui.’       Nawani, wararakuruhu Ø-pepe rawy͂!     NEG.INDEP, avião LK-INSTR SIMIL     ‘Não, de avião não!’       kahu Ø-pepe Ø-u-ni xia     carro LK-INSTR 3.II-vir-SUB aqui     ‘De carro ele veio aqui.’ (Magalhães, 2006, notas de campo não publicadas)

Em sua análise do Parintintim, Betts (2008 [1969])Betts, V. D. (2008 [1969]). Parintintin discourse. SIL Brasil. explica o fenômeno da alteração da forma verbal nessas construções – exemplos (50) e (51) –, a que denomina ‘forma demonstrativa do verbo’ como sendo aquela relacionada ao que o narrador considera como tópico, em contraste com a forma verbal sem sufixo, a que denomina ‘forma declarativa do verbo’, que seria usada quando o narrador considera a informação como o desenvolvimento de um tópico20 20 No original: “The demonstrative-declarative distinction then enables the narrator to say which of these events he considers as topic (demonstrative) and which he considers to be a development of the topic (declarative)” (Betts, 2008 [1969], p. 10). .

Em outras palavras, “. . . a forma demonstrativa do verbo apresenta o tópico do discurso, e a forma declarativa do verbo apresenta seu desenvolvimento”21 21 No original: “The demonstrative form of the verb presents the topic of the discourse, and the declarative form of the verb presents its development” (Betts, 2008 [1969], p. 10). (Betts, 2008Betts, V. D. (2008 [1969]). Parintintin discourse. SIL Brasil. [1969], p. 10, tradução nossa). No entanto, nossa análise do Parintintim vai na mesma linha do que entendemos ser o fenômeno no Guajá: a expressão adverbial está funcionando como a informação nova apresentada na sentença, tratando-se, portanto, de foco/rema, e não de tópico.

(50) Ma r-upi nde r-ur-i ra’e? (Pt)   where LK-through 2SG.NA LK-come-NMLZ already     ‘Through where did you come already?’ (Por onde você veio?) (Betts, 2008 [1969], p. 47)

Diferentemente do Kamaiurá e Apyãwa, mas da mesma forma que no Tupinambá, no Parintintim o predicado verbal que recebe o sufixo -i pode se associar não apenas a argumentos internos expressos pela marca de pessoa mais nominal (NA) (que corresponde à série II), como em (50), mas também a SN que exercem essa mesma função, conforme o exemplo (51):

(51) ae-rẽ po jirutia r-ur-i raka’e (Pt)   This-after INDEF Jirutia LK-come-NMLZ REM.PASS     ‘Afterwards the Jirutia came a long time ago.’ (Lit.: ‘Depois disso Juritia veio, muito tempo atrás.’)(Betts, 2008 [1969], p. 39 citado em Praça et al., 2017, tradução nossa e análise das autoras)

Para interpretar os dados do Guajá, nos baseamos na análise de Alves (2020)Alves, D. O. S. (2020). Modificação de predicados por expressões adverbiais em primeira posição no Guajá [Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília, Brasília]. que propõe que as línguas da família Tupí-Guaraní são línguas que possuem, assim como o Nahuatl Clássico e o Paez, uma ‘dominância remática’ (Launey, 1998Launey, M. (1998). Le rhème attrape-tout et le rhème organisateur: Deux stratégies prédicatives contre la suprématie verbale. [Comunicação no Colloque franco-suédois em junho de 1996. Predicatión, assertion, information, Uppsala].). Isso significa que tais línguas organizam sua estrutura informacional em termos de predicado dominante, que será simplesmente o centro informativo, provido das propriedades remáticas. Para melhor entendermos essa afirmação, será necessário esclarecer o conceito de ‘rema’, que contrasta com o de ‘tema’.

Mathesius (1939)Mathesius, V. (1939). O tak zvaném aktuálním členění věty (On the so-called functional sentence perspective). In J. Vachek (Org.), Jazyk, kultura a slovesnost (pp. 174-178). Odeon. define tema como a informação que já é sabida ou facilmente presumida na situação apresentada e o rema como ‘aquilo que o falante declara sobre o tema do enunciado’. Firbas (1964Firbas, J. (1964). On defining the theme in functional sentence analysis. Travaux Linguistiques de Prague, 1, 267-280., 1972)Firbas, J. (1972). On the interplay of prosodic and non-prosodic means of functional sentence perspective. In V. Fried (Ed.), The prague school of linguistics and language teaching (pp. 77-94). Oxford University Press. define a noção de rema como a informação nova e refina a noção de tema de Mathesius (1939)Mathesius, V. (1939). O tak zvaném aktuálním členění věty (On the so-called functional sentence perspective). In J. Vachek (Org.), Jazyk, kultura a slovesnost (pp. 174-178). Odeon. como aquilo que possui menor grau de ‘dinamismo comunicativo’22 22 O conceito de dinamismo comunicativo foi apresentado para explicar que a relação tema/rema não é dicotômica (como são as de tópico e foco), podendo, inclusive, existir graus intermediários de dinamismo comunicativo. . O dinamismo comunicativo é compreendido como a contribuição que um elemento apresenta para o desenvolvimento da comunicação a partir da sua capacidade de impulsioná-la:

Pelo grau de dinamismo comunicativo realizado por um elemento linguístico, compreendo até que ponto o elemento contribui para o desenvolvimento da comunicação, e que, por assim dizer, impulsiona a comunicação. . . . o elemento que carrega o menor grau de dinamismo comunicativo é chamado de “tema” e aquele que carrega o mais alto, o rema (Firbas, 1972Firbas, J. (1972). On the interplay of prosodic and non-prosodic means of functional sentence perspective. In V. Fried (Ed.), The prague school of linguistics and language teaching (pp. 77-94). Oxford University Press., p. 79 citado em Mithun, 1987Mithun, M. (1987). Is basic word order universal?. In R. S. Tomlin (Org.), Coherence and grounding in discourse (pp. 281-328). John Benjamins., p. 16, tradução nossa)23 23 No original: “By the degree of communicative dynamism carried by a linguistic element, I understand the extent to which the element contributes to the development of the communication, to which, as it were, it ‘pushes the communication forward. . . . that element carrying the lowest degree of communicative dynamism is called the “theme”, that carrying the highest, the rheme” (Firbas, 1972, p. 79). .

Mithun (1987)Mithun, M. (1987). Is basic word order universal?. In R. S. Tomlin (Org.), Coherence and grounding in discourse (pp. 281-328). John Benjamins., Launey (2004)Launey, M. (2004). The features of omnipredicativity in Classical Nahuatl. Sprachtypologie und Universalienforschung, 57(1), 49-69. e Praça (2007)Praça, W. N. (2007). Morfossintaxe da língua Tapirapé [Tese de doutorado, Universidade de Brasília, Brasília]. são autores que adotam o conceito de tema e rema descritos pelos linguistas associados à Escola de Praga, para tratar da ordem pragmática mais comum encontrada nas línguas por eles estudadas.

No caso do Guajá e das línguas TG aqui citadas, conforme Alves (2020)Alves, D. O. S. (2020). Modificação de predicados por expressões adverbiais em primeira posição no Guajá [Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília, Brasília]., não podemos interpretar a expressão adverbial anteposta ao predicado verbal como tópico (ou tema), uma vez que ela não é o referente da proposição24 24 A noção clássica de tópico é a de que se trata da “. . . entidade sobre a qual algo é dito, enquanto aquilo que é dito sobre a entidade é o comentário” (Crystal, 1997, p. 391); ver também Dik (1978, p. 19). Para os linguistas que consideram tópico principalmente a partir de um ponto de vista discursivo (Givón, 1976, 1983, 1990; Dixon, 2010, p. 340), a função de tópico só pode ser atribuída ao argumento de uma sentença. . Não se trata também de topicalização, uma vez que o elemento da sentença que sofre inversão de ordem canônica não se torna o tópico discursivo ou oracional25 25 Topicalização se refere a construções sintáticas em que há a inversão de ordem de uma expressão que passa a funcionar como o tópico da sentença ou da oração, em oposição a uma posição canônica mais à direita. . A expressão adverbial em primeira posição também não configura uma construção de foco contrastivo26 26 Foco contrastivo é definido por Givón (2001, p. 230) como aquilo que pressupõe algo que divirja do que está em evidência, algo que se oponha ao apresentado. , ocorrendo tanto em pergunta quanto em resposta sem que necessariamente esteja pressupondo uma informação divergente. Aliás, o Guajá possui uma partícula específica para foco contrastivo, a partícula xipe (Magalhães, 2007Magalhães, M. M. S. (2007). Sobre a morfologia e a sintaxe da língua Guajá [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]., p. 96), que nunca foi encontrada associada a expressões adverbiais; somente a pronomes pessoais, nomes e verbos27 27 Exemplo da partícula de foco contrastivo xipe associada ao pronome pessoal jaha ‘eu’: jaha xipe a-mamõ <eu FOC 1.I-jogar> ‘fui eu que joguei (e não outro)’ (Magalhães, 2007, p. 95). .

O que está realmente acontecendo nessas sentenças em termos informacionais é que a atenção está voltada para a expressão adverbial; dá-se à expressão adverbial o status de nova informação mais importante da sentença. Isso é chamado de foco28 28 Nas abordagens que descrevem foco em termos dos seus efeitos semântico-pragmáticos, esse conceito está quase sempre ligado à ideia de novidade, de informação nova, isto é, à informação que contrasta de algum modo com porções da informação antecedente, pré-existente, no contexto de enunciação (background). , se nos pautarmos na dicotomia tópico-foco, ou rema, se nos pautarmos nas definições cunhadas por Mathesius (1939)Mathesius, V. (1939). O tak zvaném aktuálním členění věty (On the so-called functional sentence perspective). In J. Vachek (Org.), Jazyk, kultura a slovesnost (pp. 174-178). Odeon., citadas anteriormente. Uma diferença importante é a de que a relação tema-rema, conforme apresentada por Mathesius (1939)Mathesius, V. (1939). O tak zvaném aktuálním členění věty (On the so-called functional sentence perspective). In J. Vachek (Org.), Jazyk, kultura a slovesnost (pp. 174-178). Odeon. e posteriormente por Firbas (1964Firbas, J. (1964). On defining the theme in functional sentence analysis. Travaux Linguistiques de Prague, 1, 267-280., 1972)Firbas, J. (1972). On the interplay of prosodic and non-prosodic means of functional sentence perspective. In V. Fried (Ed.), The prague school of linguistics and language teaching (pp. 77-94). Oxford University Press., não é dicotômica, como a de tópico e foco, mas hierárquica, funcionando em um nível mais vasto na frase (e no discurso). Optamos por usar aquela terminologia, e não esta, para alinharmos nossa explicação da estrutura informacional do Guajá à análise de Launey (2004)Launey, M. (2004). The features of omnipredicativity in Classical Nahuatl. Sprachtypologie und Universalienforschung, 57(1), 49-69. para as línguas omnipredicativas, considerando a organização hierárquica dos predicados que compõem a sentença.

Em termos pragmáticos, Praça (2007, p. 122)Praça, W. N. (2007). Morfossintaxe da língua Tapirapé [Tese de doutorado, Universidade de Brasília, Brasília]. descreve o fenômeno, denominado por ela de Indicativo II, no Apyãwa (ou Tapirapé), como a ‘rematização’ das expressões adverbiais. Ela explica que tais expressões ocupam, no Apyãwa, usualmente a posição final da sentença, não apresentando informação essencial para o predicado em que ocorrem. No entanto, ao serem removidas para a posição esquerda da sentença, tornam-se o rema, isto é, a informação mais importante, contextualizando o evento descrito pelo verbo.

Concordando com Praça (2007)Praça, W. N. (2007). Morfossintaxe da língua Tapirapé [Tese de doutorado, Universidade de Brasília, Brasília]., e considerando nossa reflexão sobre as línguas TG apresentarem suas informações em termos de construções téticas (isto é, não separando tema de rema), teríamos nas construções com expressões adverbiais antepostas dois predicados, um adverbial e outro verbal, organizados em termos hierárquicos, sendo que o predicado verbal, que naturalmente ocupa a posição de maior relevância informacional, como ilustrado em (52), deixa de ser o rema por causa do deslocamento do advérbio para a primeira posição, assumindo este último um lugar de destaque na estrutura informacional e tornando-se o predicado mais relevante hierarquicamente, como ilustrado em (53):

  Rema     (52) o-ho (terẽ Ø-pepe)   3.I-ir trem LK-dentro   ‘Ele foi (dentro do trem).’ (Magalhães, 2016, notas de campo não publicadas)
  Novo rema verbo desrematizado (53) terẽ Ø-pepe i-ho-ni   trem LK-dentro 3.I-ir-SUB   ‘Dentro do trem, ele foi.’ (Praça et al., 2017, p. 51)

Em resumo, o verbo perde sua forma finita como resultado de toda uma reorganização hierárquica pragmática da sentença.

Essa desrematização do predicado verbal é atestada pela mudança do verbo, que toma uma forma não finita na recuperação de seus argumentos, que é a mesma forma das nominalizações e subordinações das línguas da família. Os argumentos passam, então, a ser expressos pela série II de marcadores de pessoa e a desrematização do predicado é marcada por um sufixo, cognato do sufixo -i ~ -w, reconstruído por Jensen (1990, p. 105)Jensen, C. (1990). Cross-referencing changes in some Tupí-Guaraní languages. In D. L. Payne (Org.), Amazonian linguistics: Studies in lowland south American languages (pp. 117-158). University of Texas Press. para o proto-Tupí-Guaraní, no caso do Guajá, o sufixo -ri ~ -ni. Isso significa que, não apenas qualquer raiz lexical, quando funciona como rema, atrai as marcas finitas para si, conforme explica Launey (2004)Launey, M. (2004). The features of omnipredicativity in Classical Nahuatl. Sprachtypologie und Universalienforschung, 57(1), 49-69. para as línguas omnipredicativas, mas, na direção oposta, se o verbo não é o rema, ele torna-se menos finito.

A PERDA DO FENÔMENO E SUA FUNÇÃO NO GUAJÁ

Vimos até aqui que a estrutura analisada tem forte ligação com as características de tipologia omnipredicativa, pelo fato de que, no Guajá e nas demais línguas TG citadas, as expressões adverbiais funcionam primariamente como predicado e pela análise aqui apresentada de que esses predicados, quando ocorrem em primeira posição, se tornam o predicado principal da oração. Assim, concluímos que a mudança morfossintática ativada pela anteposição das expressões adverbiais está diretamente associada à tipologia omnipredicativa das línguas da família Tupí-Guaraní e que sua ocorrência de maneira produtiva em qualquer dessas línguas atestaria um grau conservador com relação às características omnipredicativas herdadas de uma língua ancestral totalmente omnipredicativa, em que uma oração com mais de uma palavra lexical é na verdade uma sentença complexa, feita de vários predicados, organizados entre si hierarquicamente.

Se o fenômeno aqui descrito pode ser diretamente associado ao grau de omnipredicatividade da língua, o fato de ele estar na iminência de desparecer no Guajá, conforme atestado em seções anteriores, seria uma evidência de que o Guajá vem gradativamente se diferenciando das línguas mais conservadoras que mantêm grande parte dos traços omnipredicativos, como o Tupinambá e Apyãwa.

Logo, a perda da produtividade dessa estrutura subordinada do Guajá parece estar diretamente relacionada à perda da capacidade de um predicado adverbial se apresentar como hierarquicamente superior a um predicado verbal, sobrando apenas a estratégia da mudança da ordem básica verbo-advérbio para marcar o foco na informação expressa pelo advérbio, caso da variante falada pelos Guajá mais jovens.

Comparando o Guajá com as demais línguas da FTG, podemos inferir, conforme Alves (2020)Alves, D. O. S. (2020). Modificação de predicados por expressões adverbiais em primeira posição no Guajá [Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília, Brasília]., que, numa análise diacrônica, a rematização das expressões adverbiais e a consequente ativação da forma subordinada do predicado principal ocorria no Guajá com todos os tipos de predicado, incluindo verbos estativos e nomes (e possivelmente com o verbo flexionado em todas as pessoas, como atesta o Parintintim), e que a estrutura foi se perdendo gradativamente, devido à perda de sua função, ficando restrita apenas aos predicados verbais ativos, na variedade dos falantes mais velhos. No entanto, resquícios desta estrutura, que teria sido mais produtiva, permanecem nas sentenças iniciadas por partículas que podem ter se gramaticalizado a partir de advérbios e pela partícula interrogativa . Nesses casos, tanto predicados verbais, sejam eles ativos ou estativos, quanto predicados nominais são encontrados com o sufixo -ni ~ -ri atualmente. Isso parece indicar que o sufixo permaneceu petrificado à raiz de algum item lexical da sentença após as expressões adverbiais se gramaticalizarem em partículas de posição inicial, tendo o sufixo perdido sincronicamente sua função subordinadora nesses contextos. Porém, mesmo nestes casos, como dito, já é possível encontrar atualmente registros sem o referido sufixo, numa clara evidência de que também há uma tendência de desparecimento destas estruturas. Naturalmente, ele só deixa de existir fonologicamente porque o seu papel gramatical, de marcar a desrematização do predicado verbal, se tornou obsoleto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema discutido neste estudo não é novo e foi, mais recentemente, abordado em artigo de Praça et al. (2017)Praça, W. N., Magalhães, M. M. S., & Cruz, A. (2017). Indicativo II da família Tupí-Guaraní: Uma questão de modo?. LIAMES: Línguas Indígenas Americanas, 17(1), 39-58. https://doi.org/10.20396/liames.v17i1.8646480
https://doi.org/10.20396/liames.v17i1.86...
. No entanto, um estudo detalhado sobre o caso específico da língua Guajá ainda não havia sido publicado e esperamos, com o presente artigo, contribuir para essa lacuna, abordando não apenas hipóteses relacionadas aos aspectos gramaticais e pragmáticos desta construção, mas também tecendo considerações diacrônicas sobre a língua a partir da comparação de sua estrutura com outras línguas da família.

A relação com outras línguas geneticamente relacionadas, aliás, principalmente as que ainda não foram muito exploradas com relação ao fenômeno, inspiram que novos estudos sejam realizados, buscando uma investigação ainda mais aprofundada sobre esse interessante fenômeno das línguas Tupí-Guaraní.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos pareceristas e editores, que contribuíram com as suas valiosas sugestões, e ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que, por meio de bolsa de mestrado concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), possibilitou a pesquisa sobre o tema deste artigo.

  • 1
    A distinção entre o sufixo locativo -pe e as posposições é a de que estas vêm sempre acompanhadas de um prefixo de adjacência (LK) e podem ser associadas a pronomes clíticos (série II de marcadores pessoais), enquanto o primeiro se afixa somente a nomes.
  • 2
    “As partículas diferenciam-se dos afixos por comportarem-se fonologicamente como palavras independentes. Diferenciam-se também dos clíticos (os proclíticos de negação n(a)=, de modo exortativo t(V)= e os pronomes dependentes), pois estes formam uma unidade fonológica indissolúvel com seu ‘hospedeiro’ que não pode ser interrompida por outros formativos ou palavras (a não ser por outros elementos clíticos). As partículas, por sua vez, permitem a presença de palavras independentes entre elas e o constituinte a que se associam.” (Magalhães, 2007Magalhães, M. M. S. (2007). Sobre a morfologia e a sintaxe da língua Guajá [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]., p. 72).
  • 3
    O termo ‘mostrativo’ (Brugmann, 1904Brugmann, K. (1904). Die demonstrativpronomina der indogermanischen Sprachen: Eine bedeutungsgeschichtliche Untersuchung. Teubner.; Wackernagel, 1928Wackernagel, J. (1928). Vorlesungen über syntax (Vol. II). Birkhäuser.) é usado em referência ao ‘campo mostrativo’ e simbólico da linguagem que, no jogo intersubjetivo que envolve os interlocutores, promove a marcação imediata de alguma entidade concreta ou abstrata com olhos, dedos e cabeça. A opção por esse termo justifica-se pelo fato de a partícula mostrativa não se tratar do próprio elemento dêitico, mas introduzir orações que indicam a localização pontual de um referente vindo, geralmente, acompanhada de gestos do falante apontando a direção do referente.
  • 4
    Conforme Alves (2018, p. 6)Alves, D. O. S. (2018). Modificação de predicados por expressões adverbiais em primeira posição no Guajá [Trabalho de conclusão de curso, Universidade de Brasília]., “. . . isso quer dizer que nas orações em que aparecem dois argumentos, as primeiras e segundas pessoas são hierarquicamente superiores ao argumento de terceira pessoa, sendo elas as marcadas no verbo. Caso ambos sejam de terceira pessoa, como não se aplica uma hierarquia de pessoa, a marcação no núcleo do predicado será sempre a do participante que tiver papel semântico de ‘agente’. Já nas orações em que os dois argumentos são de 1ª e 2ª pessoa, será expresso no verbo o participante que exerce a função de ‘paciente’ [independentemente da pessoa]”.
  • 5
    Para mais informações sobre valência nominal, entendida como aquela em que o núcleo nominal em função de predicado, devido à sua semântica lexical, pode ser monovalente ou divalente, sendo esse último aquele que ocorre associado a um argumento interno obrigatório (como os chamados nomes relacionais ou nomes possuíveis), confira Kinkade (1983)Kinkade, M. D. (1983). Salish evidence against the universality of ‘noun’ and ‘verb’. Lingua, 60, 25-39., Ágel e Fischer (2012)Ágel, V., & Fischer, K. (2012). Dependency grammar and Valency theory. In B. Heine & H. Narrog (Orgs.), The Oxford handbook of linguistic analysis (2 ed., pp. 223-255). Oxford University Press. e Vapnarsky (2013)Vapnarsky, V. (2013). Is Yucatec Maya an omnipredicative language? predication, the copula and focus constructions. STUF: Language Typology and Universals, 66(1), 40–86.. Partindo do princípio de que o conceito de valência pode ser estendido a nomes que exigem, assim como os verbos, argumentos, também as expressões adverbiais, quando exigem argumentos obrigatórios, podem ser interpretadas como elementos providos de valência em nossa análise. Assim, as posposições, que ocorrem sempre com argumento interno obrigatório, são uma classe de palavras divalente.
  • 6
    Seguimos a análise de Cruz et al. (2019, p. 71)Cruz, A., Magalhães, M. M. S., & Praça, W. N. (2019). A morfologia transcategorial e sua relação com o padrão omnipredicativo em línguas da família Tupi-Guarani. ReVEL, 17(32), 69-94., que defendem que o “. . . complemento de posposições tradicionalmente chamado de ‘objeto de posposição’ é também interpretado . . . . como o argumento interno de uma posposição, uma vez que recebe o mesmo marcador morfológico que os argumentos internos de nomes e verbos . . .”.
  • 7
    As orações independentes, ou principais, por sua vez, expressam a negação por meio de outra marca morfossintática, a saber, o proclítico n(V) associado ao sufixo de negação -i.
  • 8
    Cabe frisar, no entanto, que nomes em função de predicado equativo recebem o sufixo referenciante, o que se justifica, segundo Queixalós (2006)Queixalós, F. (2006). The Primacy and fate of predicativity in Tupi-Guarani. In V. Vapnarsky & X. Lois (Orgs.), Lexical Categories and root classes in Amerindian languages (pp. 249-287). Peter Lang Bern., pela análise de que o sufixo a- ‘referrer’ institui uma expressão capaz de referir, e não uma expressão que de fato necessariamente refere. Nesses casos, o núcleo do predicado nominal que recebe o sufixo referenciante remete a uma classe definida pelo seu elemento único, dado como entidade existente e individualmente identificável: o referente do sujeito se identifica ao elemento único da classe delimitada pela expressão em função de predicado, que recebe o referido sufixo.
  • 9
    Launey (2004)Launey, M. (2004). The features of omnipredicativity in Classical Nahuatl. Sprachtypologie und Universalienforschung, 57(1), 49-69. afirma que a característica mais importante do tipo omnipredicativo é: a) a de que todos os itens lexicais podem ser usados como predicados, exceto as designações (nomes próprios e pronomes), que não predicam porque já ‘referem’ por si mesmas. Essa característica é compreendida pelo autor como necessária, mas não suficiente para definir o tipo omnipredicativo. Assim, para que esse tipo de língua seja identificado, outras características devem estar associadas: b) os argumentos são predicados subordinados (Launey, 1986Launey, M. (1986). Catégories et opérations dans la gramaire nahuatl [Thèse d’Etat, Université de Paris IV, Paris]., 1994Launey, M. (1994). Une grammaire omniprédicative. Essai sur la morphosyntaxe du nahuatl. CNRS Editions.; Thompson & Thompson, 1980Thompson, L. C., & Thompson, M. T. (1980). Thompson Salish //-xi//. International Journal of American Linguistics, 46(1), 27-32. https://doi.org/10.1086/465626
    https://doi.org/10.1086/465626...
    ; Jelinek, 1993Jelinek, E. (1993). Ergative “Splits” and Argument Type. Papers on Case & Agreement, 18, 15-42.); c) essa subordinação é possível se, e somente se, haja uma coindexação entre um argumento no predicado principal e no predicado subordinado (Launey, 2004Launey, M. (2004). The features of omnipredicativity in Classical Nahuatl. Sprachtypologie und Universalienforschung, 57(1), 49-69.); d) a predicabilidade nos nomes comuns é condição para designação, isto é, pode-se referir a uma entidade como [o peixe] se, e somente se, for previamente admitido que [isto] é um peixe; e) em outras palavras, mičin, em Nahuatl, não significa ‘peixe’, mas ‘ser peixe’, e um sintagma como «in mičin» (demonstrativo peixe), deve ser traduzido como ‘aquele que é peixe’(Launey, 2004Launey, M. (2004). The features of omnipredicativity in Classical Nahuatl. Sprachtypologie und Universalienforschung, 57(1), 49-69., p. 54, tradução nossa), sendo o demonstrativo in o responsável por instituir a função argumental do termo que o segue.
  • 10
    Os diferentes graus dizem respeito à perda gradativa das características omnipredicativas observadas em algumas línguas da família.
  • 11
    Vale ressaltar que as línguas denominadas de não configuracionais (Hale, 1983Hale, K. (1983). Warlpiri and the grammar of non-configurational languages. Natural Language & Linguistic Theory, 1(1), 5-47.; Jelinek, 1984Jelinek, E. (1984). Empty categories, case and configurationality. Natural Language & Linguistic Theory, 2, 39-76.) têm características muito similares ao fenômeno que Launey (2004)Launey, M. (2004). The features of omnipredicativity in Classical Nahuatl. Sprachtypologie und Universalienforschung, 57(1), 49-69. descreve como omnipredicatividade, entre elas a propriedade de expressar os argumentos por meio dos índices de pessoa, conforme explica Jelinek (1984)Jelinek, E. (1984). Empty categories, case and configurationality. Natural Language & Linguistic Theory, 2, 39-76., em sua análise dos dados Warlpiri.
  • 12
    “We have questioned the assumption that SV (agent-action) structures are basic and primary and have shown that thetic VS unaccusative structures, involving an event/theme unit, are better candidates for simple, primary proto-syntactic “fossils”. We have shown that thetic unaccusative structures are simpler syntactically, prosodically, semantically and informationally. . .” (Casielles & Progovac, 2012Casielles, E., & Progovac, L. (2012). Protosyntax: A thetic (unaccusative) stage. Theoria et Historia Scientarium, 9, 29-48., p. 43).
  • 13
    Importante esclarecer desde já que os adjuntos correferenciais são diferentes dos adjuntos adverbiais (ou expressões adverbiais). Conforme Magalhães et al. (2019, p. 159)Magalhães, M. M. S., Praça, W. N., & Cruz, A. (2019). Gradação da omnipredicatividade na família Tupí-Guaraní. Forma y Función, 32(2), 151-189., aqueles têm a função de “. . . esclarecer a referência dos índices pessoais, que são os verdadeiros argumentos. . .”, já esses, que têm função de complementar a informação expressa pelo predicado, são os únicos que causam a ocorrência do fenômeno em foco neste artigo. No entanto, o que ambos têm em comum é a característica de serem não nucleares, periféricos, daí a noção de ‘adjunto’.
  • 14
    Na nossa análise, todos os SN, mesmo os que não têm morfologia correferencial marcada no verbo, são adjuntos. A hierarquia de pessoa presente na língua, que determina qual dos dois argumentos de um verbo transitivo deve ser expresso no núcleo do predicado verbal, ao realizar o mapeamento semântico dos participantes relacionados à pessoa, supre a necessidade de que ambos precisem ser concretamente expressos, uma vez que é possível saber qual será o outro participante. Além disso, propriedades morfossintáticas, como a ausência de caso nos SN, a ordem livre dos SN em relação ao núcleo do predicado e o controle da correferência e da reflexiva por parte dos índices pessoais, corroboram essa análise. No nosso entendimento, o papel dos SN se restringe somente à função de esclarecer a referência do participante de terceira pessoa.
  • 15
    Ambos os predicados, nominal e adverbial, são interpretados por nós como adjunto: o primeiro porque tem a função exclusiva de especificar a referência do participante nuclear expresso pela marca de pessoa no verbo; o segundo porque tem a função de especificar o instrumento por meio do qual o evento verbal se realizou.
  • 16
    Há também dados em que se observa a completa ausência de marcadores pessoais. Isso ocorre não apenas nas sentenças com expressão adverbial anteposta, mas também em orações subordinadas adverbiais e nominalizações. Trata-se de uma tendência mais geral, já observada em Magalhães et al. (2019)Magalhães, M. M. S., Praça, W. N., & Cruz, A. (2019). Gradação da omnipredicatividade na família Tupí-Guaraní. Forma y Función, 32(2), 151-189. de perda da marcação da série II na língua Guajá.
  • 17
    Curiosamente, nos dados em que o sufixo -ni ~ -ri ocorre concomitantemente ao modo exortativo, encontramos essa marca ocorrendo em verbos cujo sujeito é de primeira pessoa, e não apenas de terceira. Isso pode indicar que, num passado remoto, a forma subordinada do verbo ocorria com todas as pessoas, como hoje é atestado no Parintintim.
  • 18
    No que se refere à classificação do sufixo -ni como derivacional ou flexional, entendemos que, nas línguas TG em que suas formas cognatas ocorrem, ele tem características flexionais por ocorrer com qualquer raiz verbal sem causar alteração significativa em seu conteúdo semântico e, além disso, ser requerido pela sintaxe. No entanto, não seria prototipicamente flexional pelo fato de as raízes que se associam a esse sufixo ocorrerem obrigatoriamente com os marcadores pessoais da série II, tradicionalmente associados na literatura especializada sobre a FTG a formas nominalizadas ou subordinadas dos verbos.
  • 19
    Apesar de ser possível uma análise em que esse sufixo seja interpretado como nominalizador (Sasse, 1987Sasse, H. J. (1987). The thetic/categorical distinction revisited. Linguistics, 25(3), 511-580.) no caso das línguas em que ele não ocorre com predicados nominais, optamos por interpretar como subordinador pelos motivos apresentados nesta seção e inspiradas pela análise de Launey (1994, 2004) para as línguas omnipredicativas.
  • 20
    No original: “The demonstrative-declarative distinction then enables the narrator to say which of these events he considers as topic (demonstrative) and which he considers to be a development of the topic (declarative)” (Betts, 2008Betts, V. D. (2008 [1969]). Parintintin discourse. SIL Brasil. [1969], p. 10).
  • 21
    No original: “The demonstrative form of the verb presents the topic of the discourse, and the declarative form of the verb presents its development” (Betts, 2008Betts, V. D. (2008 [1969]). Parintintin discourse. SIL Brasil. [1969], p. 10).
  • 22
    O conceito de dinamismo comunicativo foi apresentado para explicar que a relação tema/rema não é dicotômica (como são as de tópico e foco), podendo, inclusive, existir graus intermediários de dinamismo comunicativo.
  • 23
    No original: “By the degree of communicative dynamism carried by a linguistic element, I understand the extent to which the element contributes to the development of the communication, to which, as it were, it ‘pushes the communication forward. . . . that element carrying the lowest degree of communicative dynamism is called the “theme”, that carrying the highest, the rheme” (Firbas, 1972Firbas, J. (1972). On the interplay of prosodic and non-prosodic means of functional sentence perspective. In V. Fried (Ed.), The prague school of linguistics and language teaching (pp. 77-94). Oxford University Press., p. 79).
  • 24
    A noção clássica de tópico é a de que se trata da “. . . entidade sobre a qual algo é dito, enquanto aquilo que é dito sobre a entidade é o comentário” (Crystal, 1997Crystal, D. (1997). English as a global language. Cambridge University Press., p. 391); ver também Dik (1978, p. 19)Dik, S. C. (1978). Functional grammar (North-Holland Linguistic Series, No. 37). North-Holland Publishing Company.. Para os linguistas que consideram tópico principalmente a partir de um ponto de vista discursivo (Givón, 1976Givón, T. (1976). Topic, pronoun and grammatical agreement. In C. N. Li (Org.), Subject and topic (pp. 149-188). Academic Press., 1983Givón, T. (Org.). (1983). Topic continuity in discourse: A quantitative cross-language study. John Benjamins., 1990Givón, T. (1990). Syntax: A functional-typological introduction. Issues in Applied Linguístics, 3(2), 354-359.; Dixon, 2010Dixon, R. M. W. (2010). Basic linguistic theory (Vol. 1). Oxford University Press., p. 340), a função de tópico só pode ser atribuída ao argumento de uma sentença.
  • 25
    Topicalização se refere a construções sintáticas em que há a inversão de ordem de uma expressão que passa a funcionar como o tópico da sentença ou da oração, em oposição a uma posição canônica mais à direita.
  • 26
    Foco contrastivo é definido por Givón (2001, p. 230)Givón, T. (2001). Syntax: An introduction (Vol. 1). John Benjamins. como aquilo que pressupõe algo que divirja do que está em evidência, algo que se oponha ao apresentado.
  • 27
    Exemplo da partícula de foco contrastivo xipe associada ao pronome pessoal jaha ‘eu’: jaha xipe a-mamõ <eu FOC 1.I-jogar> ‘fui eu que joguei (e não outro)’ (Magalhães, 2007Magalhães, M. M. S. (2007). Sobre a morfologia e a sintaxe da língua Guajá [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]., p. 95).
  • 28
    Nas abordagens que descrevem foco em termos dos seus efeitos semântico-pragmáticos, esse conceito está quase sempre ligado à ideia de novidade, de informação nova, isto é, à informação que contrasta de algum modo com porções da informação antecedente, pré-existente, no contexto de enunciação (background).
  • Magalhães, M. M. S., & Alves, D. O. S. (2022). Alteração morfossintática de predicados no Guajá pela anteposição de expressões adverbiais. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 17(1), e20200112. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2020-0112

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ABREVIATURAS

1 primeira pessoa 2 segunda pessoa 3 terceira pessoa I série I II série II ABL posposição ablativa COM comitativo CTF partícula direcional centrífuga CTP partícula centrípeta DEM demonstrativo DUB partícula epistêmica dubidativa EXCL exclusivo EXO modo exortativo FIN partícula de finalidade/simultaneidade FOC partícula de foco contrastivo FUT futuro INCL inclusivo INDEF indefinido INSTR instrumental INT partícula interrogativa I INTEN partícula de intencionalidade LK linker (relacional) LOC locativo MOSTR mostrativo MUD partícula de mudança NA não ativo no Parintintim NEG negação NEG.INDEP negação independente NMLZ nominalizador PERM partícula permissiva PL plural PLU partícula pluralizadora de sujeito PROJ partícula de aspecto projetivo REAL partícula epistêmica de pressuposição REM.PASS passado remoto atestado RFR referenciante SG singular SIMIL partícula similitiva SUB subordinador TEMP partícula temporal VOL partícula volitiva

Editado por

Responsabilidade editorial: Hein van der Voort

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2020
  • Aceito
    28 Jul 2021
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