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Corpo de barro, corpo de gente: metáforas na iconografia das urnas funerárias polícromas

Clay bodies, people’s bodies: metaphors in iconography of Polychrome funerary urns

Abstract

Nos últimos anos, a Etnologia amazônica tem consolidado uma teoria do corpo que propõe uma concepção deste, entre os ameríndios, como uma matriz de relações e transformações entre seres e perspectivas distintas. Esta concepção é tida como um dos pilares da organização cosmopolítica destes povos e perpassa a produção de diferentes linguagens estéticas entre imagens, ritos, cantos, danças e artefatos. Com base nestas proposições, faremos um diálogo entre Arqueologia e Etnologia, analisando a linguagem iconográfica das urnas funerárias da Tradição Polícroma da Amazônia, no baixo e médio Solimões. Tais artefatos podem ser interpretados como corpos, compostos de referenciais humanos e animais bi e tridimensionais e cobertos de grafismos elaborados. Nossa proposta, neste artigo, é interpretar a iconografia destes objetos com base em seus elementos corporais, entre forma e ‘decoração’, discutindo como esses elementos podem trazer noções relativas à produção e à constituição de corpos e agentes sociais.

Palavras-chave
Tradição Polícroma da Amazônia; Urnas antropomorfas; Iconografia

Resumo

In recent years Amazonian ethnology has proposed a theory of the Amerindian body which sees it as a matrix of relationships and transformations. The resulting possibilities of fluidity between different bodies and perspectives inscribed in these models would be some of the pillars of a Lowlands’ cosmopolitics and would be represented through different expressions such as images, rites, songs, dances and artifacts. In this sense, aesthetic expressions are understood as agent elements within the circles of human and non-human relations and can materialize certain aspects of particular universes and of social and symbolic performances. Based on these propositions, we explore a dialogue between Archaeology and Ethnology, analyzing the iconographic language of the funerary urns of the Polychrome Tradition of the Amazon, in the lower and medium Solimões River. Such artifacts can be interpreted as bodies, composed of two- and three-dimensional human and animal references and are covered with elaborate motifs. This essay aims to interpret the iconography of these objects based on their body elements and how they may reveal notions related to the production and constitution of bodies and social agents.

Keywords
Amazonian Polychrome Tradition; Anthropomorphic urns; Iconography

INTRODUÇÃO

Existem alguns artefatos arqueológicos amazônicos que se destacam por determinadas características, exercendo fascínio e interesse entre seus observadores. Estes objetos geralmente têm formas diferentes, complexas e decorações elaboradas, chamando atenção para a expertise tecnológica e os mistérios que envolvem as antigas sociedades. Ao trabalhar com a linguagem iconográfica das cerâmicas associadas à Tradição Polícroma da Amazônia, pode-se compreender o fascínio que as urnas funerárias exercem sobre as pessoas. Não há como ignorar que, ao analisá-las, é possível sentir algo como uma presença física destes objetos, enquanto seres animados com seus corpos humanos e decorações com cores contrastantes.

Não é de se surpreender, portanto, que um elemento-chave nos modelos de Meggers e Evans (1957Meggers, B. J., & Evans, C. (1957). Archaeological investigations at the mouth of the Amazon. Smithsonian Institution Bulletin, 167, 1-664., 1961Meggers, B. J., & Evans, C. (1961). An experimental formulation of horizon styles in the tropical forest of South America. In S. Lothrop (Ed.), Essays in Pre-Columbia Art and Archaeology (pp. 372-388). Cambridge, Mauss: Harvard University Press., 1968)Meggers, B. J., & Evans, C. (1968). Archeological investigations on the Rio Napo, Easthern Equador. Smitisonian Contributions to Anthropology, 6, 1-127. doi: https://doi.org/10.5479/si.00810223.6.1
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para o surgimento e a difusão dos estilos amazônicos pré-coloniais na década de 1960 fossem as urnas funerárias antropomorfas. Em especial, as cerâmicas ditas polícromas. Há um elemento particular na estética destes artefatos, para além de suas formas e decorações elaboradas, que nos prende o olhar instantaneamente: as urnas funerárias têm corpos humanos.

Antropomorfos ou zooantropomorfos, como classificados atualmente, estes objetos são modelados à forma de corpos humanos com rostos, braços, pernas, pés, mãos e sexo. Ainda que muitas vezes misturados a outros elementos estéticos, essa aparente ‘humanidade’ das urnas funerárias é um dos elementos que causa fascínio e estranhamento entre seus observadores até os dias de hoje. Se no passado acadêmico elas protagonizaram modelos teóricos de complexidade das sociedades pré-coloniais, atualmente participam de memórias e narrativas de distintos atores sociais. De um lado, sociedades indígenas reivindicam estes artefatos, relacionando-os a seus antepassados e reconhecendo-lhes poder e personitude. De outro, diferentes comunidades atribuem uma série de significados e interpretações sobre estes corpos cerâmicos.

Neste artigo, pretende-se explorar a corporalidade das urnas funerárias, em especial as urnas da Tradição Polícroma da Amazônia (TPA), à luz de determinados conceitos da Etnologia ameríndia sobre a produção e a constituição de corpos e pessoas. Para tanto, partimos da descrição de alguns artefatos provenientes de diferentes contextos da Amazônia brasileira para, então, estabelecer o diálogo com determinados conceitos etnológicos. Essa recente, e produtiva, aproximação entre a Arqueologia e a Antropologia, mais precisamente a Antropologia da Arte e a Etnologia, tem contribuído de forma significativa para a interpretação sobre as expressões estéticas e simbólicas dos povos do passado e suas articulações no presente.

URNAS ‘POLÍCROMAS’: O ESTILO DAS CORES E DA GUERRA

A origem do nome ‘Tradição Polícroma da Amazônia’ parte de uma característica em comum que ocorre entre diversos conjuntos de artefatos distribuídos pela Amazônia pré-colonial que, como o nome indica, são polícromos: pintados com mais de uma cor. Mas não se trata apenas de uma paleta de cores; mais do que isso, a Tradição Polícroma define um estilo tecnológico que teria sido amplamente compartilhado, desde a Amazônia Central, até o Peru e Equador, seguindo os principais rios, como Solimões, Ucayali e Napo. Estes conjuntos cerâmicos são definidos pela presença de morfologias específicas, como vasos quadrangulares e com flange mesial e urnas funerárias antropomorfas (Neves, 2012Neves, E. G. (2012). Sob os tempos do Equinócio: oito mil anos de história na Amazônia central (6.500 a.C. – 1.500 d. C.) (Tese livre docência). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Tamanaha, 2012Tamanaha, E. K. (2012). Ocupação Polícroma no baixo e médio rio Solimões, estado do Amazonas (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Moraes, 2013Moraes, C. P. (2013). Amazônia ano 1000: territorialidade e conflito no tempo das chefias regionais (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Belletti, 2015Belletti, J. S. (2015). A arqueologia do lago Tefé e a expansão Polícroma (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). Mais do que a tecnologia de manufatura, que pode apresentar variações regionais, a decoração, caracterizada por incisões acanaladas e campos pictóricos com vermelho e preto (marrom-escuro) sobre um fundo branco, é a principal característica compartilhada pelos conjuntos cerâmicos destas diferentes regiões (Figura 1).

Figura 1
Cerâmicas da Tradição Polícroma da Amazônia: A) prato polícromo da fase Napo, Equador (Meggers e Evans, 1968Meggers, B. J., & Evans, C. (1968). Archeological investigations on the Rio Napo, Easthern Equador. Smitisonian Contributions to Anthropology, 6, 1-127. doi: https://doi.org/10.5479/si.00810223.6.1
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, p. 2); B) prato polícromo da fase Guarita, acervo da Universidade Federal do Amazonas (foto: Eduardo K. Tamanaha, sem data); C) prato polícromo da fase Manauacá, rio Negro, acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (foto: Erêndira Oliveira, 2015); D) urna funerária Guarita do sítio Jauary, baixo rio Urubu, acervo da Universidade Federal do Amazonas (Lima, 2013Lima, H. P. (Org.). (2013). Fronteiras do passado: aportes interdisciplinares sobre a arqueologia do baixo rio Urubu, Médio Amazonas, Brasil. Manaus: Edua., p. 56); E) urna funerária polícroma, acervo do Museu Paraense Emílio Goeldi (foto: Erêndira Oliveira, 2018); F) urna polícroma do sítio Tauary, Tefé, acervo do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (foto: Erêndira Oliveira, 2014).

Atualmente, estão identificados mais de 364 sítios vinculados à Tradição Polícroma da Amazônia, em localidades nos rios Urubu e Amazonas, Uatumã, Madeira, Negro, e subindo o Solimões até os rios Marañon e Ucayali, no Peru, Napo, no Equador, e Caquetá, na Colômbia (Belletti, 2015Belletti, J. S. (2015). A arqueologia do lago Tefé e a expansão Polícroma (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). Além da ampla distribuição geográfica, as pesquisas mais recentes indicam também uma amplitude cronológica entre estas ocupações, com datas antigas, entre os séculos V e VIII, no médio Solimões e alto Madeira (Belletti, 2015Belletti, J. S. (2015). A arqueologia do lago Tefé e a expansão Polícroma (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Costa, 2012Costa, B. L. S. (2012). Levantamento arqueológico na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Amanã: estado do Amazonas (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Almeida, 2013Almeida, F. O. (2013). A Tradição Polícroma no Alto Rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.), até o século XVIII nos demais contextos, o que, se aceito, corresponde a uma ocupação contínua destes povos por 900 anos. Nessa amplitude espacial e cronológica, há uma surpreendente homogeneidade no estilo das indústrias cerâmicas identificadas, que levou à proposição de modelos interpretativos sobre a expansão e a propagação desta tradição e dos povos associados (Figura 2).

Figura 2
Mapa de dispersão dos sítios associados à Tradição Polícroma da Amazônia, de acordo com seus intervalos cronológicos. Mapa: Jaqueline Belletti e Thiago Trindade.

Atualmente, há certo consenso de que haveria uma possível filiação entre as indústrias polícromas e povos do tronco linguístico Tupi e, com isso, o compartilhamento de uma estrutura social, cosmológica e política com bases próximas às de grupos Tupi históricos e atuais, onde aspectos como a predação, a guerra e a produção de alteridades assumem um papel central à socialidade (Neves, 2012Neves, E. G. (2012). Sob os tempos do Equinócio: oito mil anos de história na Amazônia central (6.500 a.C. – 1.500 d. C.) (Tese livre docência). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). Tal relação se pauta não apenas por décadas de pesquisas arqueológicas, históricas e linguísticas, que defendem esse modelo, como também pela presença de alguns elementos no registro arqueológico vinculado às cerâmicas polícromas. Estes elementos mostram uma rápida dispersão ao longo dos principais rios, a ocupação de aldeias previamente existentes e algumas marcas na paisagem, como valas de defesa e paliçadas, interpretadas como indícios de conflito (Neves, 2012Neves, E. G. (2012). Sob os tempos do Equinócio: oito mil anos de história na Amazônia central (6.500 a.C. – 1.500 d. C.) (Tese livre docência). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Moraes & Neves, 2012Moraes, C. P., & Neves, E. G. (2012). O ano 1000: adensamento populacional, interação e conflito na Amazônia central. Amazônica, 4(1), 122-148. doi: http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v4i1.884
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). Com base nessas características, Neves (2012)Neves, E. G. (2012). Sob os tempos do Equinócio: oito mil anos de história na Amazônia central (6.500 a.C. – 1.500 d. C.) (Tese livre docência). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. propõe uma comparação entre o modelo de dispersão da cerâmica polícroma na Amazônia com a expansão dos Tupinambás históricos no litoral brasileiro, enfatizando uma associação estrutural entre ambas as sociedades.

Isso, claro, não define um movimento homogêneo de massas populacionais subindo o rio em investidas bélicas, mas sim uma série de processos dinâmicos entre conflitos e alianças e redes de comunicação que poderiam ter levado à propagação do estilo da Tradição Polícroma por diferentes regiões e, inclusive, entre diferentes povos, como vem sendo defendido atualmente por alguns(as) autores(as) (Oliveira, 2016bOliveira, E. (2016b). Potes que encantam: estilo e agência na cerâmica polícroma da Amazônia central (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Belletti, 2015Belletti, J. S. (2015). A arqueologia do lago Tefé e a expansão Polícroma (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Lopes, 2018Lopes, R. C. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil.). Os motivos que teriam levado a essa dispersão podem ser os mais diversos possíveis, mas nos parece claro que há uma potência na estética polícroma que permitiu a sobrevivência desse estilo por muito tempo, até o início da colonização.

Mais especificamente sobre a iconografia das cerâmicas da TPA, propôs-se anteriormente interpretar este estilo como uma tecnologia de prestígio, vinculada ao controle e à delimitação de territórios, bem como à hegemonia de um sistema ritual específico, pautado pela produção de imagens que materializam temas da transformação corpórea e do xamanismo (Oliveira, 2016aOliveira, E. (2016a). A serpente de várias faces: estilo e iconografia da cerâmica Guarita. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 373-382). Belém: IPHAN., 2016b; Barreto & Oliveira, 2016Barreto, C., & Oliveira, E. (2016). Para além de potes e panelas: cerâmica e ritual na Amazônia antiga. Habitus, 14(1), 51-72. doi: http://dx.doi.org/10.18224/hab.v14.1.2016.51-72
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). A análise sistemática dos campos iconográficos de uma série de artefatos desta tradição permitiu identificar uma estratégia na composição dos elementos gráficos e morfológicos, que preza pela sobreposição e desdobramento de certos referenciais imagéticos, criando novos elementos a partir dessas sobreposições, identificados como corpos humanos e animais.

Na Figura 3, o decalque dos campos iconográficos de dois vasos polícromos permite observar esse jogo de simetria e sobreposição de imagens que aludem a rostos humanos e a serpentes.

Figura 3
Decalques de vasos com flange mesial polícromos, onde é possível notar a simetria e a sobreposição de referenciais imagéticos.

Os ‘jogos visuais’ entre simetria e assimetria, claro e escuro, e embaralhamento de imagens remetem às descrições etnográficas dos sistemas de produção estética entre diversos povos indígenas atuais, feitas por autores e autoras como Barcelos Neto (2008)Barcelos Neto, A. (2008). Apapaatai: rituais de máscaras no alto Xingu. São Paulo: Edusp., Belaunde (2009)Belaunde, L. E. (2009). Kené, arte, ciencia y tradición em diseño. Lima: Instituto Nacional de Cultura., Lagrou (2007)Lagrou, E. (2007). A fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: Topbooks., van Velthem (2009)Van Velthem, L. H. (2009). Mulheres de cera, argila e arumã: princípios criativos e fabricação material entre os Wayana. Mana, 15(1), 213-236. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-93132009000100008
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e Vidal (1992a)Vidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.. Baseando-nos nestes estudos, acreditamos que exista uma ‘unidade’ conceitual nas expressões artísticas indígenas pautada por duas ideias centrais: primeiro, todas as coisas e seres são revestidos de grafismos, de ‘desenhos’, sendo estes elementos os que definem, constroem e socializam seus corpos; segundo, a produção de imagens, objetos e pessoas deve seguir regras específicas e rígidas, pois os diferentes corpos estão sujeitos ao perigo potencial da transformação corpórea e da inversão de perspectivas.

Dito isso, acreditamos que as composições estéticas das cerâmicas polícromas, que fazem alusão a estes ‘corpos misturados’ ou ‘corpos compósitos’, como definiu Nobre (2017Nobre, E. S. (2017). Objetos e imagens no Marajó antigo: agência e transformação na iconografia das tangas cerâmicas (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., 2020)Nobre, E. S. (2020). A sintaxe dos corpos compósitos: agência e transformação na iconografia das tangas cerâmicas marajoara. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(3), e20190109. doi: https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0109
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, poderiam estar materializando tais conceitos e formas de perceber e compreender o mundo. No entanto, antes de nos aprofundarmos nessa discussão, gostaríamos de voltar um pouco às iconografias polícromas, com foco nas urnas funerárias.

Nestas, as estratégias de composição gráfica mantêm a temática da sobreposição de corpos e seres, mas assumem uma forma diferente. Uma vez que este objeto possui uma forma humana, há uma aparente divisão dos campos iconográficos que segue suas partes constituintes como braços, pernas, barriga, torso, rosto, entre outros. Por um lado, há clara referência à pintura corporal como elemento gráfico a ser destacado. Por outro, a pintura e a modelagem são utilizadas para construir e compor estes corpos através de metáforas da transformação corpórea entre humanos e animais, como serpentes, pássaros, entre outros.

A produção de corpos compósitos nos levou a interpretar essas estéticas a partir do conceito de ‘quimera ameríndia, que, segundo Severi e Lagrou (2013)Severi, C., & Lagrou, E. (2013). Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas. Rio de Janeiro: 7 Letras., trata de uma base conceitual das artes indígenas, pautada pela produção de imagens reais e virtuais que têm por foco a transformação corporal e a fluidez entre corpos e pessoas (Severi & Lagrou, 2013Severi, C. (2013). O espaço quimérico: percepção e projeção nos atos do olhar. In C. Severi & E. Lagrou (Orgs.), Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas (pp. 25-65). Rio de Janeiro: 7 Letras.). Mesmo quando ‘abstratos’ (não reconhecíveis aos nossos olhos), os grafismos são indutores dos processos de transformação e trânsito entre diferentes mundos e sujeitos. A exemplo, os Kaxinawá compreendem que todas as coisas no mundo estão cobertas de kene (desenhos) e que estes são os elementos que definem e materializam os diferentes corpos e planos. Os kene cobrem a paisagem, os artefatos, os seres invisíveis, os animais e os humanos (Lagrou, 2007Lagrou, E. (2007). A fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: Topbooks., 2013Lagrou, E. (2013). Podem os grafismos ameríndios ser considerados quimeras abstratas? Uma reflexão sobre uma arte perspectivista. In C. Severi & E. Lagrou (Orgs.), Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas (pp. 67-109). Rio de Janeiro: 7 Letras.).

Essa relação entre os grafismos do corpo humano e os dos objetos não se aplica exclusivamente aos Kaxinawá, mas sim a diversos povos indígenas, cada qual com suas particularidades. Desta forma, esse é um tema que pode nos inspirar na interpretação dos regimes de produção de artefatos e de fruição estética da cultura material arqueológica. Para desenvolver essa relação, voltaremos um pouco aos conceitos de produção e concepção de corpos e sujeitos humanos na Etnologia. Nosso argumento passa pela relação entre a manufatura cerâmica arqueológica e a produção artefatual indígena; pelas formas de percepção e identificação de humanidade nesses sistemas; e, por fim, pela pintura corporal como ferramenta da produção e sociabilização dos corpos.

CORPO DE BARRO, CORPO DE GENTE

A morfologia das urnas polícromas apresenta alguns elementos interessantes para pensarmos sua relação com os regimes de produção material indígena no presente. Primeiro, sua forma central, apesar de ‘humana’, é, ao mesmo tempo, a de um vaso. O corpo principal da urna, onde poderíamos identificar o tórax e o quadril, é ‘lido’ e descrito na Arqueologia como bojo inferior e superior. Essa relação não é feita à toa, uma vez que a forma central é construída da mesma maneira que um vaso cerâmico. Por isso, também existem algumas urnas não antropomorfas que são comumente interpretadas como vasos (Figura 4). Nesse sentido, qual seria a diferença simbólica, então, entre a urna antropomorfa e a urna não antropomorfa? Talvez todas, talvez nenhuma.

Figura 4
A) Urna antropomorfa; B) urna não antropomorfa com a mesma morfologia, acervo da Reserva Pindorama, em Urucurituba, Amazonas.

A urna funerária não antropomorfa pode, da mesma forma, representar um corpo. A falta de elementos estéticos antropomorfos não representa, necessariamente, uma descaracterização do corpo humano, mas, talvez, uma solução estética diferente para o mesmo princípio. A sociabilização de um artefato não depende de uma figuração humana e, por isso, a decisão de materializar o antropomorfismo em algumas urnas pode trazer elementos particulares, específicos aos ritos funerários, nos quais a sua funcionalidade depende, em certa medida, da materialização deste corpo. Este ponto será discutido adiante.

O CORPO DOS ARTEFATOS

A Etnologia das terras baixas descreve uma concepção ontológica que rege a criação dos objetos, compreendendo-os como corpos agentes e sociais. Essas associações podem ser mais diretas, como no caso clássico do tipiti Wayana, que é produzido à imagem da serpente mitológica e, por isso, adquire suas capacidades constritoras (van Velthem, 2009Van Velthem, L. H. (2009). Mulheres de cera, argila e arumã: princípios criativos e fabricação material entre os Wayana. Mana, 15(1), 213-236. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-93132009000100008
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), ou mais indiretas, como na morfologia das cerâmicas dos Asurini do Xingu, em que as partes do vaso são classificadas como ‘lábio, boca e bunda’, e o processo de manufatura é descrito com analogias aos processos de produção do corpo humano (Silva, 2000Silva, F. (2000). As tecnologias e seus significados: um estudo da cerâmica dos Asurini do Xingu e da cestaria dos Kayapó-Xikrin sob uma perspectiva Etnoarqueológica (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., pp. 72-73). Neste caso, a pintura dos vasos cerâmicos é dividida entre esses segmentos, destacando-se as diferentes partes do objeto, de maneira análoga à pintura corporal. Da mesma forma, os grafismos são variações do padrão Tayngava, que é o padrão gráfico original e central aos Asurini a partir do qual se originam todos os desenhos usados nas pinturas corporais (Müller, 1992aMüller, R. P. (1992a). Tayngava, a noção de representação na arte gráfica Asurini do Xingu. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 231-248). São Paulo: Edusp.; Silva, 2000Silva, F. (2000). As tecnologias e seus significados: um estudo da cerâmica dos Asurini do Xingu e da cestaria dos Kayapó-Xikrin sob uma perspectiva Etnoarqueológica (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

Artefatos podem ser interpretados como pessoas e como seres agentes nos mais diversos domínios, sobretudo aqueles vinculados a dinâmicas rituais específicas. Por isso, determinadas máscaras e objetos que agenciam e materializam entidades sobrenaturais devem ser controlados e cuidados. A pintura é, desse modo, um elemento constituinte do corpo social dos artefatos fora e dentro das dinâmicas rituais, sendo ela um elemento de capacitação do corpo e de suas funções. No kwarup, por exemplo, um dos maiores rituais funerários do alto Xingu, os postes que personificam os mortos, recentes e antigos, são ornamentados com padrões gráficos e adornos ao modo do ‘corpo humano’, demarcando não apenas sua identidade regional, como sua potência humana (Barcelos Neto, 2008Barcelos Neto, A. (2008). Apapaatai: rituais de máscaras no alto Xingu. São Paulo: Edusp.; Barreto, 2009Barreto, C. (2009). Meios místicos de reprodução social: arte e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

A HUMANIDADE COMO UM PONTO DE RELAÇÕES

As formas de concepção e produção de corpos artefatuais definem que a personitude de um objeto não está condicionada a uma ‘aparência’ humana figurativa, mas a um conjunto de elementos e relações que o definem como humano. A humanidade é um modo de percepção acessível a todos os tipos de seres, pois a noção de humano ou de pessoa seria possível dentro de uma relação de parentesco, entre corpos que partilham das mesmas concepções e formas de experienciar o mundo (Taylor & Viveiros de Castro, 2019Taylor, A. C., & Viveiros de Castro, E. (2019). Um corpo feito de olhares (Amazônia). Revista de Antropologia, 60(3), 769-818. doi: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.165236
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; Viveiros de Castro, 2002Viveiros de Castro, E. (2002). A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify.). Por isso, no modelo do perspectivismo ameríndio, os diversos tipos de animais veem a si mesmos como humanos e aos demais como animais (Seeger et al., 1979Seeger, A., Da Matta, R., & Viveiros de Castro, E. (1979). A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. Boletim do Museu Nacional. Série Antropologia, 32, 2-19.). De acordo com Taylor & Viveiros de Castro (2019 p. 775)Taylor, A. C., & Viveiros de Castro, E. (2019). Um corpo feito de olhares (Amazônia). Revista de Antropologia, 60(3), 769-818. doi: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.165236
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Essas diversas aptidões inerentes à “personitude” atribuída pelos índios a outros humanos ou não humanos se combinam com um correlato corporal: ser um sujeito (portanto um sujeito social, portador de cultura) é dispor por conta disso de um corpo análogo àquele dos humanos por suas modalidades sensoriais, sua anatomia, sua organização interna e, sob certas circunstâncias, sua aparência.

Nesta lógica, todos os corpos/sujeitos possuem adornos e pinturas corporais, sendo estes elementos essenciais à sua humanidade, que depende do reconhecimento entre seus semelhantes. A exemplo, a pintura de um jaguar o define enquanto jaguar em relação a seus congêneres, e por isso, entre eles, assumem a forma humana. De forma semelhante, um povo se define, entre os seus familiares em espécie e entre os demais corpos (pela diferença) através de sua ‘pele social’ (Turner, 1980Turner, T. (1980). The social skin. In J. Cherfas & R. Lewin (Eds.), Not work alone: a cross-cultural view of activities superfluous to survive (pp. 112-140). London: Temple Smith.). A utilização de adornos que são partes de outros corpos (animais) é vista, então, como uma estratégia de identificação com outros seres, a partir do reconhecimento visual de suas características. ‘Mostrar-se’ como um urubu ao urubu permite um reconhecimento entre estes corpos/sujeitos pela sua condição de humanidade e, assim, a conexão com algumas de suas aptidões, em uma lógica xamânica.

A PINTURA CORPORAL

Dentro desta lógica da produção corporal, a pintura torna-se um elemento formador do corpo humano. A socialização do corpo, ou seja, a sua constituição como um sujeito no cerne das relações em sua sociedade, e, por isso, sua humanização, se dá a partir da modelagem do corpo à semelhança de sua espécie; e as ferramentas para isso são, sobretudo, a pintura e os ornamentos corporais. Assim, o processo de pintar uma criança é essencial à produção do seu corpo humano e à socialização entre seu coletivo (Vidal, 1992aVidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.).

Embora, atualmente, a maioria dos povos indígenas não se utilize destas ferramentas o tempo todo, estes elementos são essenciais aos momentos rituais, que são as ocasiões em que as identidades, as posições sociais e os vínculos identitários são atualizados (Vidal, 1992aVidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.). Estes são também os momentos de maior vulnerabilidade dos corpos, dada a interação com outros agentes, como animais e espíritos, de forma que o conjunto de características corporais (pinturas, vestimentas, adornos) irá definir o sucesso dessas interações. A exemplo, as máscaras que materializam e personificam os espíritos e seres sobrenaturais em diversas dinâmicas rituais são como ‘roupas’ que permitem que os humanos (nossa espécie) se apresentem aos espíritos como seus congêneres, evitando, assim, que estes os vejam como presas (Taylor & Viveiros de Castro, 2019Taylor, A. C., & Viveiros de Castro, E. (2019). Um corpo feito de olhares (Amazônia). Revista de Antropologia, 60(3), 769-818. doi: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.165236
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, p. 793).

DECORAÇÃO E HUMANIZAÇÃO

Assim como a pintura e a ornamentação são atributos das “pessoas verdadeiras” (Taylor & Viveiros de Castro, 2019Taylor, A. C., & Viveiros de Castro, E. (2019). Um corpo feito de olhares (Amazônia). Revista de Antropologia, 60(3), 769-818. doi: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.165236
https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.20...
, p. 787), podemos supor que estas e outras técnicas aplicadas na ‘decoração’ dos objetos sejam também entendidas como técnicas de produção de corpos e sujeitos. Os objetos são também produzidos e ornamentados de forma a integrar um sistema de relações dentro de seu coletivo social, evitando, deste modo, que assumam outras perspectivas e possam causar males. Muito embora não haja estudos etnológicos específicos sobre a relação direta entre os grafismos das pinturas corporais e dos artefatos, essa relação está indicada em uma série de etnografias, que vai desde as considerações de Lévi-Strauss sobre a pintura corporal Kadiweu (Lévi-Strauss, 1996Lévi-Strauss, C. (1996). Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras.). É evidente que cada povo tem regras rígidas quanto à composição das pinturas corporais e à aplicabilidade destas nos corpos humanos e nos corpos dos artefatos, sendo que, na maior parte dos casos, o repertório de desenhos aplicáveis a ambos os suportes é o mesmo (Andrade, 1992Andrade, L. (1992). A marca dos tempos: identidade, estrutura e mudança entre os Asurini do Trocará. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 117-132). São Paulo: Edusp.; Amaral de Toral, 1992Amaral de Toral, A. (1992). Pintura corporal Karajá contemporânea. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 191-208). São Paulo: Edusp.; Belaunde, 2009Belaunde, L. E. (2009). Kené, arte, ciencia y tradición em diseño. Lima: Instituto Nacional de Cultura.; Garcia, 1992Garcia, S. J. (1992). A iconografia Kadiweu atual. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 265-278). São Paulo: Edusp.; Lagrou, 2007Lagrou, E. (2007). A fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: Topbooks.; Müller, 1992aMüller, R. P. (1992a). Tayngava, a noção de representação na arte gráfica Asurini do Xingu. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 231-248). São Paulo: Edusp.; van Velthem, 2009; Vidal, 1992aVidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.).

Dito isto, acreditamos que as técnicas de ornamentação dos artefatos agiriam, de maneira semelhante aos corpos humanos, como elementos definidores e capacitadores de agência e sociabilidade em estágios e contextos diferentes na vida social destes sujeitos. Talvez por isso haja a impressão de que objetos usados em contextos rituais sejam mais ornamentados do que objetos de uso cotidiano, uma vez que estes contextos são momentos perigosos, de maior vulnerabilidade e contato com outros seres não humanos. Nestes casos, os artefatos, assim como os sujeitos humanos, precisam estar caracterizados em seu corpo social e cultural, de acordo com as premissas e regras de seu coletivo. É importante dizer, no entanto, que a sociabilidade dos objetos não estaria condicionada à sua ornamentação/decoração, uma vez que, entre diversos povos indígenas, os objetos são concebidos como corpos sociais desde o início de sua produção.

O que tentamos, aqui, é tecer um paralelo entre a performance atribuída às técnicas de ornamentação corporal em corpos humanos e artefatuais, uma vez que são ambos concebidos como sujeitos agentes.

De acordo com vários estudos etnográficos, a ausência da pintura corporal está geralmente relacionada a um processo de isolamento e de afastamento da vida social, como em casos de enfermidades ou resguardos. A falta da roupa social, nesse caso, é uma estratégia de invisibilidade perante aos demais seres, animais e sobrenaturais, e mesmo entre seus semelhantes, como estratégia de preservação e sobrevivência. Em outros casos, a ausência de pintura pode ser uma estratégia dos xamãs para trafegar livremente entre diferentes perspectivas e interagir com outros seres (Vidal, 1992aVidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.).

Este não é o caso das urnas funerárias expostas neste artigo, as quais, como mostrado anteriormente, são, majoritariamente, cobertas por grafismos e decorações elaboradas. Mesmo com a ausência da pintura em algumas peças, por uma questão da conservação destes elementos, pode-se perceber os vestígios de seus campos iconográficos, o que indica que, provavelmente, todos estes artefatos eram pintados. No próximo tópico, propomos descrever a linguagem pictórica de algumas urnas polícromas, para, então, tecer possíveis interpretações com base nos conceitos expostos.

EXEGESE POLÍCROMA: PINTURA E SOCIABILIDADE

No ano de 2014, foi escavado um conjunto de urnas polícromas na localidade de Tauary, no município de Tefé, Amazonas. Não à toa, as imagens destas peças foram veiculadas em distintos canais midiáticos. As urnas ‘Tauary’, como classificadas pelos(as) pesquisadores(as), são clássicas ‘tecnologias de encantamento’1 1 As tecnologias de encantamento, como propostas por Gell (1992), seriam artefatos produzidos com um alto grau de expertise técnica, que teriam o poder de abduzir seus observadores, causando fascínio e assombro. Tal estratégia estava voltada, sobretudo, à necessidade de determinados povos em assumir uma superioridade cultural diante de outros grupos sociais.- , nos termos de Gell (1992)Gell, A. (1992). The technology of enchantment and the enchantment of technology. In J. Coote & A. Shelton (Eds.), Anthropology, art and aesthetics (pp. 40-63). Oxford: Oxford University Press., pois sua morfologia complexa e os campos pintados altamente elaborados chamam atenção e ‘abduzem’ qualquer pessoa que as observa (Figura 5).

Figura 5
Urnas polícromas encontradas na localidade de Tauary, em Tefé, Amazonas, no ano de 2014.

Diferentemente das urnas polícromas do baixo Solimões, algumas das Tauary não apresentam braços e pernas modelados, mas sim sugeridos nos grafismos pintados. Ou seja, mesmo que a forma antropomorfa não esteja tão clara em um primeiro momento, a linguagem corporal dos grafismos e a presença de rostos não deixam dúvidas quanto à sua característica humana. Na Figura 6, por exemplo, pode-se notar a presença de desenhos que mimetizam os braços e as pernas na região do corpo relativa ao ‘quadril’ ou ao ‘tórax’ e que, ao mesmo tempo, fazem referência a animais como serpentes ou peixes (com corpos longilíneos). Na Figura 7, no lado B, estes elementos são ainda mais ‘figurativos’, aplicados em ambos os campos gráficos do corpo da urna.

Figura 6
Decalque dos grafismos da urna 4 do conjunto de Tauary. Foto: Erêndira Oliveira (2014).
Figura 7
Decalque dos grafismos da urna 1 do conjunto de Tauary: A) Lado da urna, em que o rosto é apresentado no corpo do vaso; B) lado da urna em que o rosto é apresentado na tampa.

A comparação com a serpente, neste caso, não é aleatória. Estudos anteriores sobre a iconografia polícroma destacam a presença de um motivo iconográfico recorrente que apresenta seres antropomorfos com braços serpentilíneos2 2 O tema do antropomorfo com braços de serpentes foi amplamente discutido em Oliveira (2016b), sendo recorrente na iconografia polícroma de diversos contextos amazônicos e interpretado como um índice dos processos de transformação corporal e da experiência xamânica.- (Oliveira, 2016aOliveira, E. (2016a). A serpente de várias faces: estilo e iconografia da cerâmica Guarita. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 373-382). Belém: IPHAN., 2016b). Nas urnas funerárias antropomorfas, este mesmo tema é materializado na composição dos corpos, em imagens bi e tridimensionais (Figura 8).

Figura 8
Destaque dos membros articulados de urnas antropomorfas que fazem referência a corpos serpentilíneos, acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.

O alto grau de preservação das urnas Tauary permite também perceber que as imagens com referências a serpentes ou a peixes não estão apenas nas áreas relacionadas aos membros articulados, mas em outros campos, como a tampa da Figura 9 e os padrões que cobrem os quatro rostos representados nas Figuras 6 e 7 (dois em cada urna, na tampa e na barriga). Esse motivo que emoldura os rostos das urnas é, talvez, o elemento mais definidor da iconografia das urnas antropomorfas polícromas. Trata-se de um ‘diadema’, interpretado como um adorno de cabeça que contorna o rosto e termina na altura das orelhas, indicando duas orelheiras ou duas cabeças de serpente (Figura 10).

Figura 9
Decalque da tampa de uma urna, onde é possível observar referência a uma serpente ou a um peixe com corpo longilíneo.
Figura 10
Exemplos de diademas nos rostos de diferentes urnas polícromas. Acima, da esquerda para direita, acervos do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, do Museu Paraense Emílio Goeldi, da Reserva Pindorama em Urucurituba. Abaixo, acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.

Além da referência mais reconhecível da serpente, estas peças apresentam pássaros modelados sobre suas cabeças/tampas (também observados em urnas de outras regiões) e alguns padrões pictóricos que poderiam fazer alusão a outros animais ou seres.

OS CORPOS COMPOSTOS DAS URNAS FUNERÁRIAS

A conjunção destes diferentes corpos constitutivos em um sujeito central (aves, serpentes, rostos múltiplos, entre outros) materializa, de maneira quase didática, a quimera ameríndia proposta por Severi (2013)Severi, C. (2013). O espaço quimérico: percepção e projeção nos atos do olhar. In C. Severi & E. Lagrou (Orgs.), Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas (pp. 25-65). Rio de Janeiro: 7 Letras.. Para o autor, a criação de estratégias de simetria e desdobramento de imagens e a justaposição de corpos de seres distintos criando outros corpos parecem ser elementos estruturais das expressões estéticas ameríndias. Estas composições são observadas não apenas nas urnas polícromas, mas em outras culturas arqueológicas amazônicas, indicando uma possível estética pan-amazônica da produção de corpos compostos e de imagens centradas no tema da transformação (Barreto, 2009Barreto, C. (2009). Meios místicos de reprodução social: arte e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

Sob outra perspectiva, o compartilhamento dessa estética transformacional se aproxima da ideia de um sistema perspectivista, onde haveria uma multidão de corpos passíveis de assumir a condição de sujeito/pessoa, entre cotias, araras, onças e demais espécies, humanizadas diante de seus semelhantes por definição (Taylor & Viveiros de Castro, 2019Taylor, A. C., & Viveiros de Castro, E. (2019). Um corpo feito de olhares (Amazônia). Revista de Antropologia, 60(3), 769-818. doi: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.165236
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).

GRAFISMOS E DESENHOS COMO PINTURA CORPORAL

Neste tópico, deixaremos um pouco de lado a discussão sobre os corpos compósitos para nos ater às estratégias de composição dos campos pictóricos nas urnas polícromas, interpretando estes padrões em referência à pintura corporal.

Voltando às peças das Figuras 6 e 7, nota-se que o corpo das urnas está inteiramente revestido de desenhos. Há uma separação dos campos que diferencia a seção do ventre da seção do torso, o rosto e o suporte da urna, ou o ‘banco’ sobre o qual está posicionada. Além disso, a frente da urna é separada em relação às suas costas na cabeça/tampa e no torso, de forma que cada segmento recebe uma decoração específica.

Em outra peça, proveniente do município de Urucurituba, próximo à cidade de Manaus, é clara a divisão dos campos pictóricos de acordo com as partes que compõem o corpo modelado: braços, pernas, barriga, ventre, costas e rosto (embora não preservado neste caso) (Figura 11). A presença de um contorno em faixas vermelhas nos braços, nas pernas e nos ângulos de divisão dos segmentos do corpo evidencia uma estratégia da composição pictórica típica das urnas polícromas, em que o vermelho é a cor que delimita os campos iconográficos, destacando-os no corpo da urna. Além disso, algumas partes do corpo, como os diademas, orelheiras, mãos e pés, podem se apresentar cobertas em vermelho.

Figura 11
Recortes dos campos iconográficos de urna polícroma encontrada no município de Urucurituba, Amazonas. Nota-se a divisão dos campos de acordo com as partes que compõem o corpo da urna, acervo da Reserva Pindorama, Urucurituba, Amazonas.

Por fim, há recorrência de pintura facial nos rostos das urnas expostas, geralmente composta por linhas mais finas e arranjos gráficos particulares, diferentes, em certa medida, dos demais campos. Isso é particularmente perceptível na pintura facial de duas urnas encontradas próximo ao baixo rio Urubu, na região de Itacoatiara, onde o campo pictórico divide o rosto em duas metades, e os grafismos se concentram na região inferior, entre o nariz e o queixo (Figura 12). Esse padrão de pintura facial tem seus atuais correlatos em diversos povos indígenas, por exemplo, os Kayapó-Xikrin ou os Asurini (Vidal, 1992aVidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.; Müller, 1992aMüller, R. P. (1992a). Tayngava, a noção de representação na arte gráfica Asurini do Xingu. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 231-248). São Paulo: Edusp.).

Figura 12
Urnas polícromas do sítio Jauary, em Itacoatiara. É possível observar no rosto (localizado no corpo da urna) uma delimitação do campo gráfico entre o nariz e o queixo, acervo do Museu Amazônico, Universidade Federal do Amazonas, Manaus.

Com base nos elementos descritos, buscamos algumas aproximações com estudos etnográficos voltados à pintura corporal e elencamos alguns aspectos que aparentam se relacionar com a iconografia das urnas.

PINTURA CORPORAL E SOCIABILIDADE

Os estudos etnográficos mostram que, apesar da ampla variabilidade dos padrões e regras que constituem a pintura corporal entre diferentes povos indígenas, há alguns elementos estruturais que são compartilhados. Primeiro, a pintura é fundamental à sociabilização, pois define o status de humano e de sujeito dentro da comunidade. Segundo, a pintura possui funções mágico-religiosas e, por isso, é essencial às dinâmicas rituais. Por fim, ela pode definir identidades específicas de etnia, posição social, gênero, idade, parentesco e função política.

A exemplo, os Xavante usam a pintura corporal, principalmente, como forma de identificar a posição social e a filiação dos indivíduos (Müller, 1992bMüller, R. P. (1992b). Mensagens visuais na ornamentação corporal Xavante. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 113-142). São Paulo: Edusp., p. 140). Já entre os Kayapó-Xikrin, ela é exaltada em suas propriedades ‘mágicas’ e ritualísticas, simbolizando os valores da cultura Kayapó, que preza por uma estética altamente elaborada (Vidal, 1992aVidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.). A expertise técnica com a qual é produzida a pintura Kayapó e o rigor de seus padrões gráficos são o que definem o corpo e a identidade Kayapó, ao modo dos Kadiwéu, que historicamente desenvolveram técnicas rebuscadas para sua arte gráfica, vista como uma arte de prestígio e de status elevado (Siqueira Jr., 1992Siqueira Jr., J. G. (1992). A iconografia Kadiweu atual. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 265-277). São Paulo: Edusp.; Lévi-Strauss, 1975Lévi-Strauss, C. (1975). Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro., 1996Lévi-Strauss, C. (1996). Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras.).

Para os Kadiwéu, assim como para os Kayapó, a pintura facial segue regras e padrões pictóricos próprios, diferenciados do restante do corpo. É no rosto dos Kadiwéu que as linhas mais finas e os desenhos mais elaborados são produzidos, criando um efeito de assimetria e desdobramento e uma estratégia de destaque e embelezamento da face (Lévi-Strauss, 1975Lévi-Strauss, C. (1975). Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro., 1996) (Figura 13A). Os Kayapó-Xikrin relacionam a cabeça com o centro da praça da aldeia e, da mesma forma, com o centro de seu universo, daí a importância do rosto como elemento estrutural do corpo humano e da especificidade da pintura facial (Vidal, 1992aVidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.) (Figura 13B).

Figura 13
Exemplos de pinturas corporais aplicadas sobre o rosto: A) padrão de pintura facial Kadiwéu; B) padrões de pintura facial Kayapó-Xikrin.

Os padrões e motivos gráficos que constituem os repertórios de diferentes povos obedecem a regras rígidas de uso e composição, vinculadas, sobretudo, à posição social destes sujeitos e aos momentos de uso das pinturas corporais, sendo estes momentos definidores da maturação e do crescimento, geralmente associados à puberdade, ao casamento, à paternidade, à maternidade e à morte. Essa tecnologia está imbricada à própria concepção de humanidade e de sujeito cultural/ativo na sociedade. Por isso, “a decoração é concebida para o corpo, mas esse só existe através dela” (Vidal, 1992bVidal, L. (1992b). A pintura corporal e a arte gráfica entre os Kayapó-Xikrin do Cateté. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 143-190). São Paulo: Edusp., p. 144). A decoração, a pintura, os ornamentos e as outras formas de ‘vestir’ um corpo são as maneiras pelas quais este é produzido e ativado em seu contexto social e cultural, desde o nascimento até a morte.

SOBRE OS DESENHOS E AS CORES

Entre os Kayapó, Kadiwéu e alguns outros povos, há um elemento estético importante a se considerar na composição dos grafismos. Geralmente, a pintura composta de linhas mais finas, em padrões mais elaborados, é a mais ‘rebuscada’ considerada ‘humana’ (Vidal, 1992aVidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.). Esta normalmente é produzida com estiletes de palha, espátulas e pincéis e com a pigmentação escura, o jenipapo. Mas o jenipapo não representa apenas a pintura humana, ele também é usado para representar os grafismos corporais de outros seres. Entre os Kayapó, as pinturas que mimetizam a pele das onças são produzidas em preto, mas são aplicadas com os dedos e pelos homens, em oposição à pintura produzida pelas mulheres, com materiais mais delicados (Vidal, 1992aVidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.). Neste caso, o que diferencia humanidade de animalidade é a expertise técnica e, por isso, a ‘arte cultural’. Os desenhos com linhas finas, elaborados, são os desenhos humanos.

A diferença das principais cores usadas na pintura corporal, vermelho e preto (urucum e jenipapo), não está essencialmente na sua produção de humanidade, mas está mais vinculada à sua performance social e cosmológica. A cor escura, preta, obtida pelo jenipapo, está relacionada à vida social ativa; é a pintura por excelência dos rituais e da caracterização individual dentro do coletivo. O vermelho do urucum aparece mais relacionado ao afastamento da vida social, à reclusão e ao isolamento em momentos como a menstruação, o pós-parto, bem como a algumas enfermidades (Vidal, 1992aVidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.). Essa cor também é comumente relacionada à morte.

A dualidade das cores, no entanto, tem suas variações a dependerem do contexto analisado. Os Karajá usam o urucum e o jenipapo combinados na pintura corporal, mas cada cor tem seu campo específico e elas não se sobrepõem. O vermelho geralmente cobre linhas mais grossas e superfícies inteiras, como mãos e pés, e uma faixa sobre os olhos, ao passo que o preto é utilizado nas linhas mais finas que preenchem os campos gráficos (Amaral de Toral, 1992Amaral de Toral, A. (1992). Pintura corporal Karajá contemporânea. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 191-208). São Paulo: Edusp.). Já os Waiãpi usam o urucum como uma base para a pintura com jenipapo, de forma que o vermelho cobre o corpo todo, sob os grafismos em preto (Gallois, 1992Gallois, D. T. (1992). Arte iconográfica Waiãpi. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 209-230). São Paulo: Edusp.). Entre os Assurini do Trocará, o indivíduo morto não é pintado com jenipapo, pois não pertence mais à vida social da aldeia, e sim com urucum, já que passa a pertencer integralmente ao mundo sobrenatural (Andrade, 1992Andrade, L. (1992). A marca dos tempos: identidade, estrutura e mudança entre os Asurini do Trocará. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 117-132). São Paulo: Edusp.). Os Araweté não fazem uso do jenipapo por ser este um elemento de uso específico dos espíritos (Vidal, 1992aVidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.).

Desta forma, embora a combinação das cores varie contextualmente há uma clara dualidade entre o preto e o vermelho e regras específicas que direcionam o seu uso nos corpos. A semelhança, por exemplo, entre a pintura corporal Karajá e o uso destas cores nas urnas antropomorfas polícromas (faixas grossas, mãos e pés vermelhos combinados a faixas finas em preto) não determina uma relação étnica entre estes povos, mas sim pode ser interpretada como um indício de que os campos gráficos das urnas estão sendo concebidos e produzidos ao modo das pinturas corporais.

Voltando aos regimes de produção de corpos e artefatos e os limites fluidos entre as pessoas e os objetos, é possível pensar que a lógica do uso e a aplicação das cores e grafismos no corpo humano são transportadas aos objetos, como prática de produção e sociabilização destes corpos.

A predominância de paletas de cores que destacam o preto e o vermelho em alguns artefatos arqueológicos pode, então, não estar condicionada a uma oferta de matéria-prima para a produção destas cores, mas sim a uma relação estrutural com a pintura corporal, que tem nas cores vermelha e preta sua fundamentação social e simbólica. Claro, existem outras cores obtidas principalmente pelo uso de resinas, seja no corpo humano, seja nos artefatos – na maioria dos casos, apresentam tonalidades amarelas – mas há uma clara predominância das cores vermelha e preta nas matizes da pintura corporal e dos artefatos cerâmicos, etnológicos e arqueológicos. No mais, a opção por estas cores pode também indicar uma escolha tecnológica direcionada pela produção de contraste e visibilidade. Nos artefatos cerâmicos, a aplicação de um fundo branco sob os grafismos cria um efeito contrastante e o decorrente destaque dos campos gráficos. O uso destes contrastes e de linhas mais grossas na iconografia polícroma foi interpretado por Almeida (2013)Almeida, F. O. (2013). A Tradição Polícroma no Alto Rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. como uma estratégia de visibilidade (a longo alcance) usada em dinâmicas de expansão e conquista de territórios pelos povos associados, demarcando um estilo hegemônico no processo de expansão da Tradição Polícroma.

Mesmo que atualmente a produção artesanal indígena tenha incorporado uma ampla variedade de cores pelo uso de materiais industrializados, a pintura corporal e a produção de alguns materiais mais específicos mantêm uma menor variação cromática. Um olhar atento às cores e à iconografia, de forma mais ampla, dos artefatos polícromos e, sobretudo, das urnas funerárias fortalece o argumento de uma estética da produção e sociabilização destes objetos enquanto corpos e sujeitos agentes, e permite algumas traduções desta linguagem em termos das estruturas cosmopolíticas que fundamentavam estas sociedades.

Em síntese, o ato de pintar os artefatos seria análogo ao ato de pintar o corpo, de forma que o ato de produzir a pintura equivaleria a produzir identidade e alteridade. Se a pintura e a ornamentação corporal definem a pessoa enquanto sujeito ativo, a mesma tecnologia pode alterar seu estado. Por isso, o conceito usado para definir a pintura corporal entre os Waiãpi representa, ao mesmo tempo, o ato de “decorar” e de “alterar o estado da pessoa” (Gallois, 1992Gallois, D. T. (1992). Arte iconográfica Waiãpi. In L. Vidal (Org.), Grafismo indígena: estudos de Antropologia estética (pp. 209-230). São Paulo: Edusp., p. 227). E é também por isso que entre alguns povos o xamã costuma não usar a pintura corporal, a fim de trafegar livremente entre mundos e perspectivas (Vidal, 1992aVidal, L. (Org.). (1992a). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Edusp.). Nesse sentido, a identificação entre uma determinada espécie se dá a partir de sua roupa/vestimenta/pintura, da mesma forma que o não pertencimento ao coletivo pode ser produzido através da caracterização corporal.

Dito isso, propomos voltar à leitura dos aspectos iconográficos das urnas polícromas e, com base nos conceitos apresentados, ensaiar uma interpretação de sua linguagem iconográfica, complementar aos estudos realizados anteriormente sobre este tema.

A ÚLTIMA MORADA: HIPÓTESES PARA UM NOVO CORPO

Até este ponto, mostrou-se como é possível destacar três principais aspectos da iconografia das urnas funerárias polícromas. Primeiro, suas formas são, majoritariamente, construídas à imagem do corpo humano. Segundo, essa imagem não revela apenas um corpo humano, mas sim um corpo composto de partes humanas e não humanas, nas quais podemos reconhecer alguns animais. Terceiro, a lógica da composição dos elementos pictóricos parece ter uma relação com as descrições etnográficas sobre pintura corporal, onde esta é um elemento definidor de humanidade e sociabilidade.

Para além dos temas iconográficos apresentados, há uma linguagem corporal das urnas polícromas que merece destaque. Os corpos das urnas estão, na maioria dos casos, sentados sobre bancos (Figura 14)3 3 Esta característica (do corpo sentado sobre um banco) é identificada em outras urnas amazônicas, sobretudo nas culturas do estuário, onde o antropomorfismo é recorrente. De forma semelhante estes elementos iconográficos têm sido interpretados como referenciais à experiência xamânica e a determinadas posições sociais (Barreto, 2009, 2014). .

Figura 14
Diferentes modos de representar o banco nas urnas polícromas. A linguagem corporal das urnas e a presença de pedestais e bancos sob seus corpos indicariam a posição sentada: A) urna polícroma de Tauary Tefé, Amazonas, com banco quadrangular, com quatro pés; B) urna do acervo do Museu Paraense Emílio Goeldi, com banco em pedestal; C e D) urnas do acervo da Reserva Pindorama, em Urucurituba, Amazonas, com bancos em cone invertido e pedestal.

O ato de se sentar sobre bancos já foi interpretado como um gesto corporal associado aos rituais xamânicos e ao uso de determinadas substâncias psicotrópicas (Barreto, 2015Barreto, C. (2015). Bancos indígenas: entre arte e artefato. In BEI (Org.), Bancos Indígenas do Brasil (1 ed., pp. 17-36). São Paulo: Autor.; McEwan, 2001McEwan, C. (2001). Seats of power: axiality and access to invisible worlds. In C. McEwan, C. Barreto & E. Neves (Eds.), Unknown Amazon: nature in culture in ancient Brazil (pp. 176-197). Londres: British Museum Press.). Essa posição representaria, por um lado, a conexão entre diferentes mundos e, por outro, uma posição de prestígio, dado que a etnografia define alguns bancos indígenas como elementos rituais, de uso específico a determinados sujeitos como xamãs e pessoas de destaque social.

No caso das urnas polícromas, a associação entre a posição sentada, o banco, os adornos e as pinturas corporais poderia, de certa forma, indicar uma posição de prestígio do morto. A recorrente presença de braços e pernas em formato de serpentes e de pássaros sobre as cabeças/tampas também traria elementos tipicamente associados à experiência xamânica, interpretados como símbolos da transformação corpórea e da passagem para outros mundos (Oliveira, 2016bOliveira, E. (2016b). Potes que encantam: estilo e agência na cerâmica polícroma da Amazônia central (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

Outra possibilidade é que, mais do que caracterizar uma posição social, as urnas possam materializar modelos corporais que enfatizem certos atributos e que demarquem o pertencimento a determinado grupo identitário, de forma semelhante aos postes Kwarup. Estes, apesar de corresponderem a indivíduos específicos que estão sendo homenageados no ritual, não diferem individualmente, mas são paramentados com os elementos corporais típicos da cultura xinguana (o motivo gráfico pintado no poste, o colar de conchas de caramujo e o diadema com plumas de arara e gavião) (Barreto, 2009Barreto, C. (2009). Meios místicos de reprodução social: arte e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

Por fim, a presença destes outros corpos que constituem a urna, a saber, os membros serpentilíneos, os pássaros e outros elementos e seres sugeridos na pintura corporal, pode representar um modelo do universo simbólico destas sociedades, ao modo do que foi sugerido por Barreto (2009)Barreto, C. (2009). Meios místicos de reprodução social: arte e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. para a iconografia das urnas funerárias marajoara.

INÍCIO E FIM: A PRODUÇÃO E A TRANSFORMAÇÃO DO CORPO

Os estudos teóricos que propõem a lógica do perspectivismo ameríndio pautam-se por uma série de narrativas mitológicas onde o estado inicial de todos os seres era o estado humano (Taylor & Viveiros de Castro, 2019Taylor, A. C., & Viveiros de Castro, E. (2019). Um corpo feito de olhares (Amazônia). Revista de Antropologia, 60(3), 769-818. doi: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.165236
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; Viveiros de Castro, 2002Viveiros de Castro, E. (2002). A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify.). Essa coletividade era formada por humanos, animais e plantas, detentores de corpos “totipotentes” (Taylor & Viveiros de Castro, 2019Taylor, A. C., & Viveiros de Castro, E. (2019). Um corpo feito de olhares (Amazônia). Revista de Antropologia, 60(3), 769-818. doi: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.165236
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, p. 780), pois tinham acesso aos diversos recursos corporais existentes. A especiação teria definido os diferentes corpos, delimitando cada povo a seu coletivo, à exceção dos espíritos, ‘donos’ e demais entidades que mantêm essa corporalidade e podem assumir potências múltiplas.

Dito isso, chegamos à nossa última consideração sobre a linguagem iconográfica das urnas polícromas, interpretadas como um novo corpo para o indivíduo morto.

Assim como as máscaras e vestimentas rituais teriam a função de se aparentar dos espíritos, as urnas poderiam materializar um novo corpo/vestimenta/pele, destinado à integração do morto em um outro coletivo. Isso foi anteriormente sugerido por Barreto (2009, p. 118)Barreto, C. (2009). Meios místicos de reprodução social: arte e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., em uma interpretação da iconografia das urnas marajoara. Nestas, a caracterização de corpos com referências animais e humanas poderia dialogar com um modelo ontológico perspectivista e com a noção de uma alma/imagem/espírito humano que, depois da morte, assumiria uma outra personitude, vinculada aos animais e/ou aos espíritos, a depender de determinados modelos de organização social. A urna, como receptáculo deste corpo não mais ‘humano’, produziria um novo corpo e, assim, uma nova posição de sujeito.

Uma observação deve ser feita, neste ponto, sobre a ideia de diferentes coletivos em relação à posição de um xamã, após sua morte. Uma vez que ele é considerado capaz de transitar e assumir diferentes corpos, este contexto não indicaria ruptura e transformação total de suas características corporais e sociais, mas sim o manejo destas características em seu corpo/forma para a integração em um dos coletivos aos quais ele já pertence/transita. Essa rede de relações poderia apresentar especificidades na linguagem iconográfica das urnas funerárias e trazer luz às posições sociais dos indivíduos enterrados.

Somada à produção de um novo corpo/receptáculo para o morto, estaria a descaracterização de seu corpo humano, cremado e depositado no interior da urna (Rapp Py-Daniel, 2014Rapp Py-Daniel, A. (2014). Os contextos funerários da arqueologia da calha do rio Amazonas (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). A destruição do corpo, como era reconhecido em seu coletivo, e a produção de um novo corpo, reconhecível ao plano sobrenatural, poderiam ser interpretadas como estratégias de afastamento/esquecimento do indivíduo em sua família/espécie e a produção de alteridade e sua inserção em um novo corpo/domínio.

Na mesma lógica, a urna funerária poderia materializar as condições pelas quais eram compostos os corpos ‘originários’, trazendo elementos referentes às narrativas mitológicas destes povos. Para Barreto (2009)Barreto, C. (2009). Meios místicos de reprodução social: arte e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., as urnas funerárias seriam produzidas com a intenção de estabilizar a instabilidade dos corpos dos mortos, que estariam em constante perigo de transformação, seja fixando sua humanidade, seja produzindo outras corporalidades.

É importante, no entanto, refletir sobre a produção da urna enquanto um novo corpo, compreendendo que a estratégia de afastamento e a inserção do indivíduo em diferentes planos e coletivos não representa, necessariamente, um afastamento total daquele indivíduo de sua família e grupo social original. A etnologia dos comportamentos funerários mostra que essas relações de continuidade e ruptura entre os coletivos sociais e os indivíduos mortos varia em diferentes escalas e, em alguns casos, a urna poderia ser utilizada como um objeto condutor de certos comportamentos mais permanentes de convivência e zelo com os indivíduos mortos, inseridos em diferentes sistemas de relações com os vivos. Por ora, voltemo-nos à discussão sobre a interpretação da linguagem iconográfica destes elementos e suas possíveis correlações com determinados regimes etnológicos de produção estética e de organização cosmológica.

Lembremos de alguns pontos levantados previamente. Primeiro, a pintura e a ornamentação corporal, de acordo com a etnografia, teriam tanto a capacidade de ‘humanizar’ quanto de ‘desumanizar’ o corpo. Na caracterização, seriam construídas as relações de parentesco e de sociabilidade. Segundo, as mesmas técnicas (pintura e ornamentação) são essenciais tanto à produção do corpo (nascimento e crescimento) quanto à sua descaracterização (morte). A morte, nesse sentido, representa uma transição entre diferentes coletivos, a partir de um afastamento corporal do coletivo de que se provém e uma possível inclusão em um outro.

Com base nestas reflexões, a produção estética das urnas funerárias polícromas foi pensada como uma técnica de transformação e sociabilização dos corpos dos indivíduos mortos dentro dos possíveis sistemas de relações entre coletivos humanos e não humanos.

Esta hipótese, no entanto, diz respeito a uma série de procedimentos e comportamentos associados aos ritos funerários e às concepções de vida e morte que deverão ser tratados em outra oportunidade. Por ora, considerou-se a análise da linguagem iconográfica das urnas funerárias a partir dos elementos de sua estética corporal e da relação com alguns dos conceitos de corporalidade estabelecidos pela etnografia amazônica.

CONCLUSÃO

Este artigo propôs mostrar como a aproximação entre a Etnologia e a Arqueologia pode auxiliar na interpretação da corporalidade das urnas funerárias polícromas, a partir da potencialidade destes artefatos enquanto corpos agentes. Primeiro, a relação entre a produção de grafismos e a produção de corpos permitiu entender estes artefatos como pessoas, concebidas de forma específica e com funções e performances específicas, imbricadas aos ritos funerários. Segundo, a posição de sujeito da urna não apenas definiria uma relação de pertencimento a determinados coletivos, como indicaria uma relação potencial como agente transformador do corpo do morto.

O processo de enterramento do indivíduo morto na urna funerária, produzida e decorada como um corpo composto de diferentes corpos, foi interpretado aqui como um processo de transformação do sujeito humano, caracterizando um novo corpo/roupagem passível de ser incorporado e reconhecido no coletivo dos espíritos.

As relações destes processos e a leitura destas características simbólicas se pautou pelos estudos etnológicos voltados à produção e à caracterização de corpos/sujeitos e pela fruição estética que envolve estes processos. Propôs-se, ainda, mostrar como a agência de determinados objetos/pessoas está intrinsicamente relacionada às formas pelas quais estes são produzidos e sociabilizados em seus coletivos. Para o desenvolvimento desta pesquisa e das relações que ela assume, deve-se, então, voltar a atenção à relação entre o corpo da urna e o corpo do morto e sobre quais são as agências que estes dois corpos operam na sociedade.

Talvez esse poder/agência/encantamento das urnas funerárias, que chama tanto a atenção, seja o caminho para pensar as relações e os processos sociais marcantes para a configuração regional e cronológica das sociedades que habitavam o Amazonas antes da colonização.

Por ora, este trabalho mostrou como esses elementos podem ser pensados, a partir de uma leitura iconográfica fundamentada pelo diálogo com a Etnologia, como marcadores de sistemas ontológicos que se atualizam e comunicam através da produção estética. Em síntese, um olhar mais atento sobre a iconografia das urnas leva a pensar sobre como tais artefatos estão relacionados não apenas à materialização de conceitos e concepções cosmológicas de determinado coletivo, mas também às dinâmicas de produção e transformação de corpos.

As considerações aqui apresentadas pautam-se por exercícios de aproximação entre os elementos observados nas urnas polícromas e teorias mais abrangentes sobre os regimes de produção estética de diferentes povos indígenas. As interpretações arqueológicas, mesmo que delimitadas por seus contextos e pela ausência de seus interlocutores originais, podem dialogar com os diversos coletivos sociais do presente, dentro de uma perspectiva de história indígena de longa duração, contribuindo para o conhecimento, a preservação e o fortalecimento destes coletivos e suas tradições.

  • 1
    As tecnologias de encantamento, como propostas por Gell (1992)Gell, A. (1992). The technology of enchantment and the enchantment of technology. In J. Coote & A. Shelton (Eds.), Anthropology, art and aesthetics (pp. 40-63). Oxford: Oxford University Press., seriam artefatos produzidos com um alto grau de expertise técnica, que teriam o poder de abduzir seus observadores, causando fascínio e assombro. Tal estratégia estava voltada, sobretudo, à necessidade de determinados povos em assumir uma superioridade cultural diante de outros grupos sociais.-
  • 2
    O tema do antropomorfo com braços de serpentes foi amplamente discutido em Oliveira (2016b)Oliveira, E. (2016b). Potes que encantam: estilo e agência na cerâmica polícroma da Amazônia central (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., sendo recorrente na iconografia polícroma de diversos contextos amazônicos e interpretado como um índice dos processos de transformação corporal e da experiência xamânica.-
  • 3
    Esta característica (do corpo sentado sobre um banco) é identificada em outras urnas amazônicas, sobretudo nas culturas do estuário, onde o antropomorfismo é recorrente. De forma semelhante estes elementos iconográficos têm sido interpretados como referenciais à experiência xamânica e a determinadas posições sociais (Barreto, 2009Barreto, C. (2009). Meios místicos de reprodução social: arte e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., 2014Barreto, C. (2014). Modos de figurar o corpo na Amazônia Pré-Colonial. In S. Rostain (Org.), Antes de Orellana: Actas del 3er Encuentro Internacional de Arqueología Amazónica (1 ed., Vol. 1, pp. 123-132). Quito: Instituto Francés de Estudios Andinos.).
  • Oliveira, E. (2020). Corpo de barro, corpo de gente: metáforas na iconografia das urnas funerárias polícromas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(3), e20190108. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0108

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2019
  • Aceito
    09 Jan 2020
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