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‘Não, eu não sofro com isso’: a análise da manipulação da subjetividade da mulher executiva na ascensão da carreira

RESUMO

A inserção das mulheres em cargos executivos tem crescido, mas elas precisam se adaptar às imposições da gestão para alcançarem e preservarem uma carreira de sucesso. Nesse contexto, este artigo buscou analisar a manipulação da subjetividade das mulheres executivas na ascensão de carreira. Para tanto, foi realizado um estudo descritivo com 14 mulheres executivas atuantes em empresa nacionais e multinacionais, sendo as informações analisadas por meio da técnica de análise de conteúdo. Os resultados mostram que as executivas se submetem às imposições do cargo e intentam se adequar a um comportamento exemplar. Elas criam estratégias de defesa para lidar com a descartabilidade, as renúncias pessoais e justificar a ocupação de seu lugar. Com uma equipe de apoio para dar conta de suas demandas, elas negam os labirintos da trajetória, evidenciando a presença do fenômeno queen bee, e reproduzem um comportamento que privilegia as masculinidades nas organizações.

PALAVRAS-CHAVE
Executivas; Dispositivos; Manipulação; Subjetividade

ABSTRACT

The insertion of women in executive positions has grown, but they need to adapt to the impositions of management to achieve and preserve a successful career. In this context, this article sought to analyze the manipulation of the subjectivity of executive women in career advancement. For this purpose, a descriptive study was carried out with 14 executive women working in national and multinational companies, with the information being analyzed using the content analysis technique. The results show that the executives conform to the impositions of the position and try to adapt themselves to exemplary behavior. They create defense strategies to deal with disposability, personal resignations and justify taking their place. With a support team to handle their demands, they deny the labyrinths of the trajectory, evidencing the presence of the queen bee phenomenon, and reproduce a behavior that privileges masculinities in organizations.

KEYWORDS
Executives Women; Dispositives; Manipulation; Subjectivity

1. INTRODUÇÃO

Os recentes modos de gestão contribuem para moldar as formas de trabalhar e viver (Grisci, 2008Grisci, C. L. I. (2008). Trabalho imaterial, controle rizomático e subjetividade no novo paradigma tecnológico. Revista de Administração de Empresas Eletrônica, 7(1).) dos profissionais, os quais precisam a elas se adaptar criativamente e responder de maneira rentável às pressões do mundo (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. de. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida: Ideias & Letras.). Na tentativa de alcançar sucesso organizacional e reconhecimento social, os executivos sujeitam-se às imposições da gestão que, manipulando sua subjetividade, moldam e controlam sua forma de trabalhar e viver. A gestão apropria-se dos executivos, utilizando, por meio de sedução, justificação, sofisticação e sutileza, estratégias e práticas controladoras dos modos de trabalhar (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. de. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida: Ideias & Letras.; Siqueira & Mendes, 2009Siqueira, M. V. S., & Mendes, A. M. (2009). Gestão de pessoas no setor público e a reprodução do discurso do setor privado. Revista do Serviço Público, 60(3), 241-250. https://doi.org/10.21874/RSP.V60I3.25
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), a fim de obter a adesão voluntária (Grisci, 2008Grisci, C. L. I. (2008). Trabalho imaterial, controle rizomático e subjetividade no novo paradigma tecnológico. Revista de Administração de Empresas Eletrônica, 7(1).).

O controle acontece através de dispositivos, em cuja essência estão a restruturação produtiva e a captura da subjetividade (Alves, 2011Alves, G. A. P. (2011). Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo.). Isso ocorre porque os dispositivos possuem a capacidade de moldar e direcionar tanto as ações quanto os pensamentos dos indivíduos (Alves, 2011Alves, G. A. P. (2011). Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo.; Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado. Resistência a poder na sociedade de controle. São Paulo: Summus.), por serem eles “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” (Agamben, 2009Agamben, G. (2009). O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos., p. 12).

A fim de atender às demandas da gestão, a subjetividade do sujeito é manipulada para que ele se auto compare, se controle e se cobre por resultados, vivendo como seu próprio patrão (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. de. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida: Ideias & Letras.; Alves, 2011Alves, G. A. P. (2011). Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo.). Em consequência, o sujeito deixa de lado sua vida pessoal, independentemente dos prejuízos que possa ter, para atender, com disponibilidade, por meio da autodisciplina, ao trabalho e às expectativas da sociedade. Portanto, o controle rizomático modifica os modos de viver dos indivíduos e da coletividade (Grisci, 2008Grisci, C. L. I. (2008). Trabalho imaterial, controle rizomático e subjetividade no novo paradigma tecnológico. Revista de Administração de Empresas Eletrônica, 7(1).). Nesse cenário, questiona-se: como ocorre a manipulação da subjetividade das mulheres executivas na ascensão de carreira? Nesse contexto, este artigo buscou analisar a manipulação da subjetividade das mulheres executivas na ascensão de carreira.

Embora estudos relacionem a ascensão de carreira das mulheres e seus comportamentos agênticos (Abele, 2003Abele, A. E. (2003). The Dynamics of Masculine-Agentic and Feminine-Communal Traits: Findings From a Prospective Study. Journal of Personality and Social Psychology, 85(4), 768-776. https://doi.org/10.1037/0022-3514.85.4.768
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), eles não aprofundam o porquê de tal comportamento. A manipulação da subjetividade por meio de dispositivos de controle, principalmente em mulheres em altos cargos hierárquicos, tem sido uma temática pouco abordada na literatura. Um levantamento realizado em periódicos, na plataforma Sucupira da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES, 2020), abrangendo 1.250 periódicos, no período de 2008 a 2018, demonstrou que a junção dos termos ‘executiva’ e ‘dispositivo’, ‘executivas’ e ‘dispositivos’ não apresenta nenhum estudo realizado, e isso sugere que a literatura não tem atrelados os termos executiva e dispositivo (Olbermann, 2017Olbermann, J. V. (2017). Captura à vida de alto executivo: dispositivos em cenas cotidianas. Dissertação de Mestrado em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS.). Quando eles foram pesquisados separadamente, verificou-se que 21 artigos estavam relacionados aos temas propostos, os quais tratavam de carreira, gênero, empregabilidade e preconceito.

Um levantamento na base de dados internacional Scopus, no período de 2008 a 2018, resultou em 195 artigos. A busca utilizando a junção dos termos não detectou nenhum estudo, o que sugere que a literatura internacional também não tem atrelados os termos executiva e dispositivo, corroborando o panorama brasileiro, conforme evidenciado por Olbermann (2017Olbermann, J. V. (2017). Captura à vida de alto executivo: dispositivos em cenas cotidianas. Dissertação de Mestrado em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS.). Não foram encontrados, portanto, na literatura brasileira e internacional, estudos sobre dispositivos relacionados à manipulação da subjetividade das executivas.

Apreciando o contexto brasileiro, percebe-se que o mercado de trabalho tem sido marcado por diversas mudanças. Contudo, o mercado de trabalho brasileiro ainda mostra desigualdade estrutural entre homens e mulheres, visto que eles alcançam rendimentos 29,7% maiores do que os obtidos por elas (IBGE, 2018IBGE. (2018). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estudos & Pesquisas. Informação Demográfica e Sócioeconômica. Síntese dos Indicadores Sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira, (39), IBGE.), mesmo quando há desempenhos iguais (Joshi, Son, & Roh, 2015Joshi, A., Son, J., & Roh, H. (2015). When Can Women Close the Gap ? a Meta-Analytic Test of Sex Differences in Performance and Rewards. Academy of Management Journal, 58(5), 1516-1545. https://doi.org/10.5465/amj.2013.0721
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). Na ocupação de cargos mais altos, há menor proporção de mulheres (Tanure, Carvalho Neto, & Andrade, 2007Tanure, B., Carvalho Neto, A. C., & Andrade, J. (2007). Executivos: sucesso e (in)felicidade. Rio de Janeiro: Elsevier.): apenas 11% dos lugares de conselheiro administrativo das 500 maiores empresas do Brasil são preenchidos por mulheres e, em quadros executivos, elas ocupam 13,6% dos postos (Instituto Ethos, 2018Instituto Ethos. (2018). O dia é da mulher, mas falta ainda muito a comemorar. Recuperado de https://www.ethos.org.br/cedoc/o-dia-e-da-mulher-m
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). Por conseguinte, é oportuno agregar novos enfoques à discussão sobre as mulheres para avançar nas discussões sobre gênero.

Por tanto, o estudo visa contribuir para a literatura ao mostrar diferentes formas pelas quais a gestão se apropria dos indivíduos, a fim de tornar as empresas mais rentáveis. Em relação aos estudos de gênero, mostra-se a reprodução de um comportamento que privilegia as masculinidades nos cargos executivos, a fim de justificar a ascensão organizacional. Torna-se necessário, portanto, rever as políticas e práticas de Gestão de Pessoas e a forma como elas privilegiam e reproduzem essas masculinidades organizacionalmente, tanto nas etapas de recrutamento e seleção como na ascensão, remuneração e avaliação de desempenho.

2. MULHERES EXECUTIVAS NA ASCENSÃO DE CARREIRA

Algumas empresas tomaram iniciativas para ampliar o número de mulheres executivas, porém a maioria não obteve sucesso nos resultados (Dawson, Ho, & Kauffman, 2015Dawson, G. S., Ho, M. W., & Kauffman, R. J. (2015). How are C-suite executives different? A comparative empirical study of the survival of American chief information officers. Decision Support Systems, 74(June), 88-105. https://doi.org/10.1016/j.dss.2015.03.005
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; Dewally, Flaherty, & Singer, 2014Dewally, M., Flaherty, S., & Singer, D. (2014). Executive compensation, organizational culture and the glass ceiling. Corporate Ownership and Control, 11(2 B), 239-248. https://doi.org/10.22495/cocv11i2c1p7
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; Shortland & Perkins, 2020Shortland, S., & Perkins, S. J. (2020). Women’ s expatriate careers: losing trust in organisational equality and diversity policy implementation? Jornal of Global Mobility, 8(2), 183-208. https://doi.org/10.1108/JGM-01-2020-0007
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). Isso pode estar relacionado com o fato de as executivas serem também responsáveis pelos afazeres domésticos, o que nem sempre acontece com os executivos. Para eles poderem se dedicar aos desafios da carreira profissional, a esposa cuida do bem-estar de seu marido e da família (Tanure et al., 2007Tanure, B., Carvalho Neto, A. C., & Andrade, J. (2007). Executivos: sucesso e (in)felicidade. Rio de Janeiro: Elsevier.; Brett & Stroh, 2003Brett, J. M., & Stroh, L. K. (2003). Working 61 plus hours a week: Why do managers do it? Journal of Applied Psychology, 88(1), 67-78. https://doi.org/10.1037/0021-9010.88.1.67
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). As mulheres executivas que têm filhos e cumprem longas horas de trabalho precisam, no entanto, pagar por ajuda externa para o cuidado de seus filhos (Brett & Stroh, 2003Brett, J. M., & Stroh, L. K. (2003). Working 61 plus hours a week: Why do managers do it? Journal of Applied Psychology, 88(1), 67-78. https://doi.org/10.1037/0021-9010.88.1.67
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). Embora o discurso social pregue que o casal invista em suas carreiras e compartilhe as responsabilidades da casa, estudos evidenciam que a mulher ainda é a maior responsável pelas atividades do lar (Rocha-Coutinho, 2005Rocha-Coutinho, M. L. (2005). Variações sobre um antigo tema: a maternidade para mulheres. In T. Féres-Carneiro (Org.), Família e casal: efeitos da contemporaneidade (p. 320). Rio de Janeiro: Editora PUC Rio.), por exemplo, as brasileiras, em âmbito geral, dedicam 18,1 horas por semana aos cuidados domésticos (IBGE, 2018IBGE. (2018). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estudos & Pesquisas. Informação Demográfica e Sócioeconômica. Síntese dos Indicadores Sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira, (39), IBGE.). Entre as mulheres, predomina o cumprimento da atividade profissional em apenas um turno e, se comparadas aos homens, elas tiram mais dias de folga devido aos afazeres domésticos, implicando menos horas trabalhadas e menos anos de experiência no mercado laboral (Eagly & Carli, 2007Eagly, A. H., & Carli, L. L. (2007). Women and the labyrinth of leadership. Harvard Business Review, 85(9), 62-71.).

Nesse contexto, muitas executivas que optam por associar a vida profissional à maternidade sentem-se culpadas e algumas preferem desacelerar seu investimento na carreira para garantir o reequilíbrio familiar (Tanure et al., 2007Tanure, B., Carvalho Neto, A. C., & Andrade, J. (2007). Executivos: sucesso e (in)felicidade. Rio de Janeiro: Elsevier.). Outras postergam a maternidade (Tanure, Carvalho Neto, & Andrade, 2006Tanure, B., Carvalho Neto, A., & Andrade, J. O. (2006). A super executiva às voltas com carreira, relógio biológico, maternidade, amores e preconceitos. In Anais do Encontro Nacional do Programas de Pós-Graduação em Administração. Salvador, Bahia.) ou desistem de ter filhos e família (Fidelis & Mosmann, 2013Fidelis, D. Q., & Mosmann, C. P. (2013). A não maternidade na contemporaneidade: um estudo com mulheres sem filhos acima dos 45 anos. Aletheia, 42, 122-135.; Schlickmann & Pizarro, 2013Schlickmann, E., & Pizarro, D. (2013). A evolução da mulher no trabalho: uma abordagem sob a ótica da liderança. Revista Borges, 03(1), 2179-4308.), pois “para a mulher se equiparar pelo menos em alguns pontos ao homem casado e com filhos, muitas vezes ela precisa não se casar e decidir não ter filhos” (Hryniewicz & Vianna, 2018Hryniewicz, L. G. C., & Vianna, M. A. (2018). Mulheres em posição de liderança: obstáculos e expectativas de gênero em cargos gerenciais. Cadernos EBAPE.BR, 16(3), 331-344., p. 340).

Nesse contexto, muitas vezes nem mesmo as executivas reconhecem as dificuldades existentes e o preconceito manifestado em relação ao gênero (Carvalho Neto, Tanure, & Andrade, 2010Carvalho Neto, A. C., Tanure, B., & Andrade, J. (2010). Executivas: Carreira, Maternidade, Amores e Preconceitos. Revista de Administração de Empresas Eletrônica, 9(1).; Hryniewicz & Vianna, 2018Hryniewicz, L. G. C., & Vianna, M. A. (2018). Mulheres em posição de liderança: obstáculos e expectativas de gênero em cargos gerenciais. Cadernos EBAPE.BR, 16(3), 331-344.; Mota-Santos, Tanure, & Carvalho Neto, 2014Mota-Santos, C. M., Tanure, B., & Carvalho Neto, A. M. de. (2014). Mulheres executivas brasileiras: o teto de vidro em questão. Revista Administração em Diálogo, 16(3), 56-75. https://doi.org/10.20946/rad.v16i3.13791
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). Essas circunstâncias fazem parte do fenômeno queen bee, no qual “mulheres que ascendem na carreira apresentam comportamentos que embarreiram, mais que ajudam, outras mulheres a se desenvolverem profissionalmente” (Gomes Neto, Grangeiro, & Esnard, 2020Gomes Neto, M. B., Grangeiro, R. da R., & Esnard, C. (2020). Mulheres na academia: um estudo sobre o fenômeno queen bee. Anais do Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Evento on-line, Brasil, 44., p. 2). Muitas mulheres, quando são promovidas, tendem a creditar seu sucesso a fatores aleatórios, como sorte ou estarem no lugar certo, na hora certa (Hryniewicz & Vianna, 2018Hryniewicz, L. G. C., & Vianna, M. A. (2018). Mulheres em posição de liderança: obstáculos e expectativas de gênero em cargos gerenciais. Cadernos EBAPE.BR, 16(3), 331-344.).

Um estudo averiguou que os líderes do sexo masculino são avaliados como mais bem sucedidos, mesmo quando demonstram nível equivalente de competência ao das líderes femininas (Hopkins & Bilimoria, 2008Hopkins, M. M., & Bilimoria, D. (2008). Social and emotional competencies predicting success for male and female executives. Journal of Management Development, 27(1), 13-35. https://doi.org/10.1108/02621710810840749
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). Assim, as mulheres precisam se esforçar mais que os homens para serem promovidas (Grisci, Deus, Rech, Rodrigues, & Gois, 2015Grisci, C. L. I., Deus, E. S. de, Rech, S., Rodrigues, M. F., & Gois, P. henrique de. (2015). Beleza física e trabalho imaterial: do politicamente correto à rentabilização. Psicologia: Ciência e profissão, 35(2), 406-422.) e seguir caminhos bem institucionalizados de progressão de carreira (Bowles, 2012Bowles, H. R. (2012). Claiming authority: How women explain their ascent to top business leadership positions. Research in Organizational Behavior, 32, 189-212. https://doi.org/10.1016/j.riob.2012.10.005
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). Elas também necessitam articular uma visão fortemente estratégica para captar apoiadores para suas ideias e liderança (Bowles, 2012Bowles, H. R. (2012). Claiming authority: How women explain their ascent to top business leadership positions. Research in Organizational Behavior, 32, 189-212. https://doi.org/10.1016/j.riob.2012.10.005
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).

Tais evidências expõem o fenômeno denominado ‘teto de vidro’, o qual mostra as dificuldades de ascensão das mulheres a cargos de comando nas empresas devido a disputas e preconceitos (Mota-Santos et al., 2014Mota-Santos, C. M., Tanure, B., & Carvalho Neto, A. M. de. (2014). Mulheres executivas brasileiras: o teto de vidro em questão. Revista Administração em Diálogo, 16(3), 56-75. https://doi.org/10.20946/rad.v16i3.13791
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). Eagly e Carli (2007Eagly, A. H., & Carli, L. L. (2007). Women and the labyrinth of leadership. Harvard Business Review, 85(9), 62-71.) entendem diferentemente a ascensão das mulheres em cargos de gestão, pois consideram que a metáfora do ‘teto de vidro’ não problematiza todos as dificuldades por elas enfrentadas. Essas autoras ponderam ser a metáfora do labirinto a mais apropriada para explicar as dificuldades das mulheres: “preconceitos e discriminações que eventualmente bloqueiam os caminhos das mulheres não desapareceram, mas se apresentam como labirintos” (Fraga & Rocha-de-Oliveira, 2020Fraga, A. M., & Rocha-de-Oliveira, S. (2020). Mobilidades no labirinto: tensionando as fronteiras nas carreiras de mulheres.Cadernos EBAPE. BR. Disponível em: Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/cadernosebape/article/view/81298. Acesso em 18 nov. 2020.
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, p. 5).

Práticas organizacionais aparentemente neutras acabam moldando a estrutura do trabalho, a definição e a avaliação do desempenho e a atribuição de recompensas, reforçando a desigualdade de gênero (Joshi et al., 2015Joshi, A., Son, J., & Roh, H. (2015). When Can Women Close the Gap ? a Meta-Analytic Test of Sex Differences in Performance and Rewards. Academy of Management Journal, 58(5), 1516-1545. https://doi.org/10.5465/amj.2013.0721
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). Isso ocorre porque as organizações são contextos masculinos, tendo sido “criadas em sua grande maioria por homens e para homens” (Oliveira, Gaio, & Bonacim, 2009Oliveira, A. R. de, Gaio, L. E., & Bonacim, C. A. G. (2009). Relações de gênero e ascensão feminina no ambiente organizacional: um ensaio teórico. Revista de Administração da UFSM, 2(1), 80-97., p. 92), refletindo estruturas organizacionais baseadas em experiências masculinas (Oliveira et al., 2009Oliveira, A. R. de, Gaio, L. E., & Bonacim, C. A. G. (2009). Relações de gênero e ascensão feminina no ambiente organizacional: um ensaio teórico. Revista de Administração da UFSM, 2(1), 80-97.).

As estruturas organizacionais, ao privilegiarem as masculinidades, tendem a desvalorizar tudo o que é diferente, desqualificando o dessemelhante (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78.). Em consequência, os comportamentos esperados e tidos como ‘normais’ privilegiam as masculinidades (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78.; Oliveira et al., 2009Oliveira, A. R. de, Gaio, L. E., & Bonacim, C. A. G. (2009). Relações de gênero e ascensão feminina no ambiente organizacional: um ensaio teórico. Revista de Administração da UFSM, 2(1), 80-97.; Fraga, Antunes, & Rocha-de-Oliveira, 2020Fraga, A. M., Antunes, E. D., & Rocha-De-Oliveira, S. (2020). O/A Profissional: As Interfaces de Gênero, Carreira e Expatriação na Construção de Trajetórias de Mulheres Expatriadas. Brazilian Business Review, 17, 192-210. http://dx.doi.org/10.15728/bbr.2020.17.2.4
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), e isso induz as mulheres a reproduzirem esse tipo de comportamento, a fim de ascender organizacionalmente (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78.). Por masculinidades entendem-se os ideais de masculinidades hegemônicas, acessíveis a poucos homens, mas imitadas por todos os gêneros visando usufruir os privilégios (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78.).

As masculinidades são percebidas como uma construção social e não estão associadas às características biológicas de masculino e feminino. Essa conceituação de masculinidades vai ao encontro dos estudos de Eagly e Carli (2007Eagly, A. H., & Carli, L. L. (2007). Women and the labyrinth of leadership. Harvard Business Review, 85(9), 62-71.) e Eagly e Karau (2002Eagly, A. H., & Karau, S. J. (2002). Role Congruity Theory of Prejudice Toward Female Leaders. Psychological Review, 109(3), 573-598. https://doi.org/10.1037//0033-295X.109.3.573
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) que entendem serem os gêneros crenças consensuais sobre características de mulheres e de homens. As masculinidades dizem respeito à forma de se vestir, de se portar no trabalho e na família e à sexualidade (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78.). Os sujeitos devem se pronunciar com calma e firmeza e suas ponderações devem se basear em fatos e probabilidades, sem exposição de sentimentos ou percepções subjetivas, pois a emotividade é associada à feminilidade, sendo inclusive indesejável para as gestoras (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78.). Essas características são socialmente correlacionadas às masculinidades, no entanto isso não significa que todas as pessoas do sexo masculino - ou nenhuma pessoa do sexo feminino - as possuem, já que elas não estão conectadas às características biológicas.

2.1. Controle da Subjetividade nos Novos Modos de Gestão

O atual contexto empresarial revela a subjetividade das executivas sendo moldada, manipulada e controlada (Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado. Resistência a poder na sociedade de controle. São Paulo: Summus.), pois a gestão aproveita-se da disponibilidade das executivas que lutam para alcançar seu espaço e posições de mais prestígio, glamour e status. As mulheres devem acreditar nas propostas organizacionais ditadas, bem como disseminá-las, subordinando seus interesses pessoais, seu convívio com outras pessoas, seu tempo, seus sentimentos aos objetivos de produção (Junior, 1995Pizza Junior, W. (1995). Função do executivo. Revista de Administração Pública, 29(I), 48-62.). Quando a mulher passa a representar a empresa, sua subjetividade é capturada, pois ela precisa se transformar no personagem imposto pela gestão (Olbermann, 2017Olbermann, J. V. (2017). Captura à vida de alto executivo: dispositivos em cenas cotidianas. Dissertação de Mestrado em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS.), a fim de garantir a posição alcançada (Olbermann, Oliveira, Capaverde, & Grisci, 2017Olbermann, J. V., Oliveira, L. P. de, Capaverde, C., & Grisci, C. L. I. (2017). Dispositivos de sedução à vida executiva: visão de estudantes em fase final de formação universitária. Pensamento & Realidade, 32(2), 1-15.; Junior, 1995Pizza Junior, W. (1995). Função do executivo. Revista de Administração Pública, 29(I), 48-62.).

O processo de captura da subjetividade envolve mecanismos de manipulação, de coerção/consentimento, os quais, através de dispositivos, mobilizam, consciente ou inconscientemente, a mente humana (Alves, 2011Alves, G. A. P. (2011). Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo.). A subjetividade do indivíduo é sequestrada, e suas ações são legitimadas por uma discutível racionalidade (Siqueira & Mendes, 2009Siqueira, M. V. S., & Mendes, A. M. (2009). Gestão de pessoas no setor público e a reprodução do discurso do setor privado. Revista do Serviço Público, 60(3), 241-250. https://doi.org/10.21874/RSP.V60I3.25
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). A manipulação da subjetividade é compreendida como a mobilização de conhecimentos, atitudes, valores, capacidades - elementos necessários para que o sujeito agregue valor à produção e não somente produza (Alves, 2011Alves, G. A. P. (2011). Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo.). Os sujeitos são submetidos às imposições institucionais e, como se fossem coisificados, são considerados parte do processo produtivo (Siqueira & Mendes, 2009Siqueira, M. V. S., & Mendes, A. M. (2009). Gestão de pessoas no setor público e a reprodução do discurso do setor privado. Revista do Serviço Público, 60(3), 241-250. https://doi.org/10.21874/RSP.V60I3.25
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).

A manipulação da subjetividade realiza-se por meio de dispositivos de controle utilizados como práticas para manipular o indivíduo. Para Agamben (2009Agamben, G. (2009). O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos., p. 42), “hoje não haveria um só instante na vida dos indivíduos que não seja modelado, contaminado ou controlado por um dispositivo”, ressaltando que os dispositivos intervêm na vida dos sujeitos a todo momento, em todas as esferas.

Novos dispositivos são continuamente criados, possibilitando o controle sobre os indivíduos, gerando regras de condutas sociais e procedimentos normalizadores (Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado. Resistência a poder na sociedade de controle. São Paulo: Summus.). Conforme essa assertiva, os dispositivos tornam-se evidentes de várias maneiras na vida e nos corpos dos indivíduos. Eles atingem o sujeito por todos os lados: pela empresa, pela família, pela sociedade, pelo próprio indivíduo que permanece sendo seu prisioneiro. Para sua ascensão e seu progresso pessoal, o sujeito depende, portanto, de variáveis que escapam de seu controle (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. de. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida: Ideias & Letras.).

Os dispositivos utilizados na modernidade apresentam-se descentralizados e podem ser acionados de qualquer lugar, a qualquer momento, por qualquer pessoa, de acordo com a estratégia adotada para viabilizar esse processo (Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado. Resistência a poder na sociedade de controle. São Paulo: Summus.). Conforme o princípio do rizoma, o controle não é exercido por reprodução e hierarquia, mas por variação e fluxo (Grisci, 2008Grisci, C. L. I. (2008). Trabalho imaterial, controle rizomático e subjetividade no novo paradigma tecnológico. Revista de Administração de Empresas Eletrônica, 7(1).), evidenciando-se de modo sutil (Grisci, 2002Grisci, C. L. I. (2002). “Tempos modernos, tempos mutantes: produção da subjetividade na reestruturação do trabalho bancário”. Instituto Superior de Economia e Gestão - SOCIUS Working papers, (3).; Hardt & Negri, 2006Hardt, M., & Negri, A. (2006). Império. Rio de Janeiro: Record.).

À medida que os dispositivos afetam o cotidiano dos indivíduos e nele penetram, vão participando da produção da subjetividade (Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado. Resistência a poder na sociedade de controle. São Paulo: Summus.). Quanto menos subjetividades são formadas por dispositivos nos corpos dos indivíduos, mais dispositivos são criados de forma a tentar sua sujeição aos comandos de poder (Agamben, 2009Agamben, G. (2009). O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos.). Ao serem modelados pelos dispositivos, os sujeitos permanecem imóveis sob tais imposições, restando apenas se adequarem e se submeterem a elas (Bauman, 2007Bauman, Z. (2007). Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.). A alienação e o bloqueio frente a qualquer tentativa de modificar a realidade (Mendes, Costa, & Barros, 2003Mendes, A. M., Costa, V. P., & Barros, P. C. da R. (2003). Estratégias de enfrentamento do sofrimento psíquico no trabalho bancário. Estudos e Pesquisa em Psicologia, 3(1), 38-48.) emergem na forma de estratégias de defesa (Dejours, 1999Dejours, C. (1999). Conferências brasileiras: identidade, reconhecimento e trasngressão no trabalho. São Paulo: Fundap.) ou de enfrentamento (Mendes et al., 2003Mendes, A. M., Costa, V. P., & Barros, P. C. da R. (2003). Estratégias de enfrentamento do sofrimento psíquico no trabalho bancário. Estudos e Pesquisa em Psicologia, 3(1), 38-48.), as quais são produzidas como um meio de minimizar os sofrimentos e evitar o adoecimento no trabalho (Dejours, 1999Dejours, C. (1999). Conferências brasileiras: identidade, reconhecimento e trasngressão no trabalho. São Paulo: Fundap.).

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa possui abordagem descritiva e qualitativa, a fim de desvendar o sentido que as participantes atribuem à situação ou ao fenômeno em análise (Merrian, 2002Merrian, S. B. (2002). Qualitative research in practice. Examples for discussion and analysis. San Francisco: Jossey Bass.). Neste estudo, são denominadas mulheres executivas as que assumem a função de presidente, vice-presidente ou diretora da empresa e aquelas posicionadas no terceiro nível, ou seja, ocupantes de postos abaixo dos de vice-presidente e diretor, mas que possuem poder de decisão (Lima, Carvalho Neto, & Tanure, 2012Lima, G. S., Carvalho Neto, A., & Tanure, B. (2012). Executivos Jovens e Seniores no topo da carreira: conflitos e complementaridades. Revista Eletrônica de Administração, 71(1), 63-96.).

Como a literatura considera executivas tanto as mulheres que atuam em sua própria empresa (as empresárias) como aquelas que atuam em uma empresa de terceiros (as empregadas), aqui se analisaram somente as empregadas. Apesar de ambas as categorias partilharem significados relacionados com a vida executiva, elas são diferentes, pois as mulheres empresárias não estão submetidas às manipulações da gestão organizacional, mas, como empregadoras, exercem domínio sobre seus empregados. Por conseguinte, as relações de poder e as tensões não são as mesmas para as duas categorias. A preocupação da mulher empresária é posicionar seu negócio no mercado, enquanto a da mulher executiva é ocupar, como empregada de uma empresa, um cargo de prestígio e status, vivenciando disputas para se manter na posição alcançada (Andrade, 2014Andrade, S. R. de. (2014). Para além do “teto de vidro”: o trabalho feminino e as representações do “ideal” de mulher executiva. Revista Mosaico, 1(1), 1-17.).

Para a coleta de dados, entrou-se em contato com diversas executivas por meio de redes sociais e de indicações pessoais. A fim de encontrar diferentes perspectivas, não se levou em consideração tempo de empresa, tempo no mercado de trabalho, idade, estado civil, escolaridade, área de formação, características da empresa de atuação (tipo, porte e setor). Por meio da técnica bola de neve - quem participa indica outras pessoas a serem entrevistadas -, chegou-se a 14 entrevistadas, quando houve a saturação do campo.

Considera-se importante a adoção dessa técnica, pois, ao indicar outras executivas, as entrevistadas já evidenciam dispositivos que manipulam a subjetividade das executivas, como estilo de vida, vestimenta, eventos empresariais e sociais, importância da função exercida. Ao serem solicitadas a indicar outras executivas, as entrevistadas pediam um tempo para pensar e depois faziam a indicação disponibilizando o contato. Acredita-se que essa estratégia também representa os dispositivos agindo nas executivas. Ao mesmo tempo em que elas não querem se indispor por causa da indicação e pedem autorização prévia para repassar o contato, elas também buscam por mulheres que façam parte de seu núcleo e legitimem suas falas. Os contatos foram, portanto, enviados em momento posterior ao da solicitação e somente depois da prévia autorização da executiva indicada.

As entrevistadas estão assim identificadas: E1 até E7 - executivas que estão no topo da carreira; E8 até E14 - executivas em ascensão na carreira (Tabela 1). Foram consideradas executivas que estão no topo da carreira aquelas que se encontram em posição de direção e que não apresentaram grandes ambições profissionais durante as entrevistas. Algumas delas manifestaram que gostariam de assumir a posição de presidência, porém já se sentem muito bem na posição de direção. Ressalta-se que, geralmente, a posição de presidência é ocupada por um dos sócios da empresa. Como executivas em ascensão foram consideradas as mulheres empregadas, em cargo de gerência, que ainda não atingiram o nível de direção na carreira executiva. Elas explicaram ser necessário trilharem ainda um longo caminho para serem reconhecidas e chegarem ao topo da carreira executiva.

Tabela 1.
Perfil das Executivas participantes do estudo

O instrumento de coleta de dados foi uma entrevista semiestruturada, com um roteiro alicerçado no referencial teórico, o qual passou por um pré-teste com três executivas. A coleta das informações ocorreu entre os meses de julho e outubro de 2019. Todas as entrevistas foram realizadas on-line, devido à distância geográfica entre as participantes e as pesquisadoras. Nas entrevistas, inicialmente, era comunicado que o encontro seria gravado, havendo a garantia do anonimato e o compromisso do uso científico das informações. A duração total das entrevistas foi de 19 horas e 4 minutos, resultando em uma transcrição de 403 páginas.

Após as transcrições das entrevistas, elas foram organizadas em categorias preliminares no software Max-Qda, que auxiliou no ordenamento das categorias. Para análise das entrevistas, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, a qual consiste em descobrir a essência de sentido que compreende uma comunicação, por meio de três etapas: pré-análise; exploração do material; tratamento, inferência e interpretação dos resultados (Bardin, 2016Bardin, L. (2016). Análise de Conteúdo (3o ed). Lisboa, Portugual: Edições 70.). Depois da organização por categorias, elas foram reorganizadas, configurando o processo de categorização e resultando em onze categorias de análise (Tabela 2).

Tabela 2.
Categorias de Análise

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

As análises mostram que os dispositivos de controle normalizam as executivas, levando-as a se enquadrarem a um padrão devido às pressões do cargo. A visibilidade da executiva remete, portanto, a uma vida perfeita, mas a caminhada é longa, gradativa e cheia de percalços. A análise da manipulação da subjetividade das executivas está exposta de forma gradiente, desde a ascensão inicial (E8-E14) na carreira até sua chegada ao topo (E1-E7).

A primeira parte da análise retrata a comparação dos dois grupos sobre como elas percebem as pressões do cargo de forma diferente e sobre como a manipulação da subjetividade vai se modificando conforme o status do cargo. A segunda parte da análise evidencia que as executivas que chegaram ao topo justificam a naturalização de seus comportamentos em função das demandas do cargo, a fim de mostrarem que são únicas e exaltam comportamentos os quais privilegiam as masculinidades, negando as dificuldades da trajetória e a solidariedade com outras mulheres. Isso não significa que as executivas em ascensão não tenham relatado algumas percepções similares, mas como elas ainda têm um caminho a percorrer e não adquiriram o status do cargo, a manipulação da subjetividade manifestou-se mais explícita no outro grupo. Buscou-se, portanto, enfatizar as sutilezas e as justificativas para o comportamento, os quais foram mais evidentes nas executivas do topo.

Quanto mais as executivas justificam e naturalizam seus comportamentos em função das demandas do cargo, mais dispositivos de controle agem sobre elas, pois a reprodução do discurso da gestão é mera manifestação da atuação dessas dispositivos na sujeição das executivas às determinações impostas (Agamben, 2009Agamben, G. (2009). O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos.). Quanto mais elas negam, mais dispositivos estão atuando sobre elas. Ressalta-se que, por vezes, elas estão conscientes das regras do jogo e mostram-se dispostas a abrir mão de sua vida pessoal a favor dos benefícios do cargo. Este estudo enfatiza, no entanto, como as executivas do topo ‘vendem’ a ideia de que ‘bônus e ônus’ são algo desejado e que elas têm o controle da gestão e não o contrário.

4.1. Análise entre as executivas em ascensão de carreira e as que estão no topo da carreira

As executivas que estão em ascensão são aquelas que mais explicitam as pressões e os dispositivos requeridos para condizer com o cargo de prestígio e com o status. Elas admitem que “tem muita cobrança, muita cobrança, tem muito estresse. É tipo ter que as coisas podem não sair como esperado e a responsabilidade é tua” (E10). Ainda que a vida executiva esteja relacionada ao glamour e às viagens internacionais (Junior, 1995Pizza Junior, W. (1995). Função do executivo. Revista de Administração Pública, 29(I), 48-62.), as entrevistadas não relatam prazer em realizar as viagens, como revela E8: “eu falo: ‘pessoal, quando eu tô a viagem em que a gente trabalha, não é festa’. Quando tu vai para fora, é superpuxado”. Por vezes, elas têm que cumprir tarefas que não gostariam e as viagens inerentes ao cargo executivo tornam-se um sacrifício a ser cumprido, como expressa E9: “é o cacete da minha vida! Eu odeio viajar a trabalho”.

Conforme as executivas sobem na hierarquia organizacional, os relatos indicam a manipulação da subjetividade (Grisci, 2008Grisci, C. L. I. (2008). Trabalho imaterial, controle rizomático e subjetividade no novo paradigma tecnológico. Revista de Administração de Empresas Eletrônica, 7(1).) das entrevistadas para que se adaptem e naturalizem a rotina das viagens coerente com as funções do cargo. Esse cenário pode ser visualizado no relato de E6: “durante muitos anos, eu viajei e não conhecia nada. Tem lugar que eu já fui no mundo que eu falo: ‘meu Deus, eu só fui, vi o lugar, vi onde que eu trabalhei, vi o hotel e vim embora’. Hoje, não. Eu acho que eu aprendi isso com o tempo. Eu vou, viajo, conheço” (E6). Observa-se, pois, a gradativa diferença dos dispositivos que modelam as executivas. Aquelas que estão em ascensão precisam se submeter e realizar viagens e as que estão no topo glamourizam as viagens a trabalho.

À medida que as profissionais vão subindo na carreira, a solidão vai se instalando como consequência do alto nível de poder (Tanure et al., 2007Tanure, B., Carvalho Neto, A. C., & Andrade, J. (2007). Executivos: sucesso e (in)felicidade. Rio de Janeiro: Elsevier.). As executivas que estão no início da carreira ainda não possuem a percepção da solidão, por estarem mais próximas da equipe de trabalho: “inclusive, eventualmente, a gente até viaja junto, vamos para praia e tal coisa assim” (E10). Contudo, elas já sinalizam evidências do controle rizomático (Grisci, 2008Grisci, C. L. I. (2008). Trabalho imaterial, controle rizomático e subjetividade no novo paradigma tecnológico. Revista de Administração de Empresas Eletrônica, 7(1).), no qual os próprios colegas fazem o controle de seu comportamento, não sendo necessário que o chefe o faça (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. de. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida: Ideias & Letras.; Alves, 2011Alves, G. A. P. (2011). Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo.), conforme ilustra o relato da E11: “vai aquele efeito cadeia, um cobrando, o outro tem que passar para um, cobra de um, cobra de outro e vai descendo”.

O controle realizado pelos pares evidencia-se de modo diferente para as executivas que estão no topo da carreira. Ele é exercido por julgamentos morais e recai sobre várias manifestações pessoais, como o jeito de falar, a maneira de vestir, a escolha dos lugares a serem frequentados, o convívio com os amigos (Agamben, 2009Agamben, G. (2009). O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos.; Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado. Resistência a poder na sociedade de controle. São Paulo: Summus.). Essa forma de manipulação da subjetividade pode ser visualizada no relato de E1: “alguns colegas, pares, falaram que eu deveria ter um comportamento diferente ou falar com algumas pessoas, não falar com as outras”. Os novos modos de gestão seduzem os indivíduos (Grisci, 2008Grisci, C. L. I. (2008). Trabalho imaterial, controle rizomático e subjetividade no novo paradigma tecnológico. Revista de Administração de Empresas Eletrônica, 7(1).) e sua adequação às imposições do cargo constitui uma estratégia para ascender organizacionalmente.

A sociedade de controle pode ser caracterizada como uma intensificação e, ao mesmo tempo, uma síntese de mecanismos de normalização e disciplinaridade (Grisci, 2002Grisci, C. L. I. (2002). “Tempos modernos, tempos mutantes: produção da subjetividade na reestruturação do trabalho bancário”. Instituto Superior de Economia e Gestão - SOCIUS Working papers, (3).; Hardt & Negri, 2006Hardt, M., & Negri, A. (2006). Império. Rio de Janeiro: Record.) que atingem o modo de viver dos indivíduos (Grisci, 2002Grisci, C. L. I. (2002). “Tempos modernos, tempos mutantes: produção da subjetividade na reestruturação do trabalho bancário”. Instituto Superior de Economia e Gestão - SOCIUS Working papers, (3).). Os controles são sutis e de difícil percepção (Grisci, 2002Grisci, C. L. I. (2002). “Tempos modernos, tempos mutantes: produção da subjetividade na reestruturação do trabalho bancário”. Instituto Superior de Economia e Gestão - SOCIUS Working papers, (3).), invadindo a vida dos indivíduos sob a forma de uma avaliação moral que vigia e controla (Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado. Resistência a poder na sociedade de controle. São Paulo: Summus.), como pode ser observado no relato de E5: “eu jamais bebo, nunca, nunca em momento nenhum. Jamais abri mão de você ter a tua consciência. Até em casa eu até posso beber, mas fora não, para não perder o controle”.

A gestão apropria-se dos sujeitos que controlam os modos de trabalhar por meio de sedução, justificação, sofisticação e sutileza (Grisci, 2008Grisci, C. L. I. (2008). Trabalho imaterial, controle rizomático e subjetividade no novo paradigma tecnológico. Revista de Administração de Empresas Eletrônica, 7(1).). As executivas aceitam as condições de trabalho, tornam-se submissas (muitas vezes, inconscientemente)porque precisam se transformar no personagem imposto pela gestão (Olbermann, 2017Olbermann, J. V. (2017). Captura à vida de alto executivo: dispositivos em cenas cotidianas. Dissertação de Mestrado em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS.) a fim de garantir a posição alcançada (Olbermann et al., 2017Olbermann, J. V., Oliveira, L. P. de, Capaverde, C., & Grisci, C. L. I. (2017). Dispositivos de sedução à vida executiva: visão de estudantes em fase final de formação universitária. Pensamento & Realidade, 32(2), 1-15.; Junior, 1995Pizza Junior, W. (1995). Função do executivo. Revista de Administração Pública, 29(I), 48-62.). Os relatos mostram que, muitas vezes, elas agem conscientemente para atender às demandas do cargo. O que, no entanto, não percebem é como a gestão manipula esse comportamento e como elas justificam seu comportamento como algo natural.

Esse cenário pode ser visualizado no relato de E6: “eu tenho sofrido um pouco com algumas regras de comportamento que não condizia muito com meu jeito de ser. Mas, obviamente, um cargo de liderança exige algumas coisas porque você é referência para os outros”. Percebe-se que ‘ser referência na organização’ em função do cargo é um indicativo da manipulação da subjetividade, porque faz com que a entrevistada se comporte de acordo com as regras. A vida executiva afeta e organiza os estilos de vida das entrevistadas, “pois ao mesmo tempo em que proporciona determinadas condições, também impõe limites e regramentos” (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78., p. 67).

A competitividade durante o trajeto na carreira profissional e a adequação dos modos de viver ocasionam o enfraquecimento dos laços entre os colegas de trabalho (Olbermann, 2017Olbermann, J. V. (2017). Captura à vida de alto executivo: dispositivos em cenas cotidianas. Dissertação de Mestrado em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS.): “esse sentimento que a gente é solitária na empresa sabe, porque a maioria dos seus pares estão querendo competir com você, te veem de outra forma e você acaba não confiando” (E12). As executivas em ascensão percebem a solidão em função da competitividade, as executivas que estão no topo percebem a solidão em função de as pessoas terem segundas intenções: “as pessoas têm um pouco de dificuldade de chegar perto de você ou quando querem chegar perto de você é para pedir alguma coisa. Você acaba se blindando um pouco” (E1).

A blindagem pode ser analisada como uma estratégia de defesa (Dejours, 1999Dejours, C. (1999). Conferências brasileiras: identidade, reconhecimento e trasngressão no trabalho. São Paulo: Fundap.) que as executivas criam, porque não podem permitir que alguém fique tão próximo delas a ponto de perceber suas incertezas: “é um cargo que você demonstra menos vulnerabilidade do que o normal” (E6). Por isso, deixam de compartilhar suas dúvidas e angústias, para não se tornarem visadas (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. de. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida: Ideias & Letras.) e não se mostrarem frágeis, visto que a fragilidade não condiz com o cargo de executiva (Tanure et al., 2007Tanure, B., Carvalho Neto, A. C., & Andrade, J. (2007). Executivos: sucesso e (in)felicidade. Rio de Janeiro: Elsevier.).

Os resultados revelam que os dispositivos de controle são percebidos de diferentes formas pelas entrevistadas conforme o nível hierárquico em que elas se encontram. As executivas em ascensão percebem alguns benefícios como obrigatórios e cansativos, as executivas do topo já naturalizaram as formas de controle e buscam formas de se adaptar às pressões do cargo.

4.2. Análise das Executivas no Topo da Carreira: mais dispositivos de controle

Os resultados mostram que quanto mais alta a posição hierárquica, mais as executivas tendem a suavizar as pressões às quais estão submetidas e criam estratégias de defesa (Dejours, 1999Dejours, C. (1999). Conferências brasileiras: identidade, reconhecimento e trasngressão no trabalho. São Paulo: Fundap.), cheias de inventividade contra as dificuldades vivenciadas no trabalho, a fim de conseguirem suportá-las sem se abater (Dejours, 2007Dejours, C. (2007). A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora FGV.). As estratégias de defesa (Dejours, 1999Dejours, C. (1999). Conferências brasileiras: identidade, reconhecimento e trasngressão no trabalho. São Paulo: Fundap.) emergem na forma de justificativas para lidar com a descartabilidade (Bauman, 2007Bauman, Z. (2007). Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.) e as pressões do cargo, como exposto no relato de E1: “eu não acredito que um CEO que fique 30 anos numa empresa seja saudável. Tem que renovar. Então, eu tô sempre me preparando pro amanhã. Você não pode ser pego de surpresa nem achar que você tá por cima”.

Os novos modos de gestão fomentam nos sujeitos o medo da descartabilidade, para que se dediquem intensamente ao alcance dos resultados organizacionais (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. de. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida: Ideias & Letras.). As executivas exaltam as férias acumuladas e a agenda superlotada como forma de mostrar que são insubstituíveis e se blindarem no topo: “isso quando eu viajo a trabalho e dá para tirar uns dias porque eu sempre tenho férias acumuladas” (E6).

À medida que as executivas vão subindo na escala hierárquica, devem gradativamente ajustar seu comportamento, visando à adequação ao cargo. Ao se moldarem para atender a um estereótipo executivo, algumas entrevistadas relatam que nasceram com um perfil apropriado para o cargo, como expressa E1: “desde criança, eu era a irmã controladora, aquela que organizava tudo. Então, eu sempre tive o perfil mais de cuidar e controlar. Sempre fui, não foi o cargo de executiva que me fez ser assim, já é o perfil. Acho que você já nasce assim, você não se torna”.

Mesmo que as pesquisas evidenciem que as mulheres de altos cargos têm características agênticas (Abele, 2003Abele, A. E. (2003). The Dynamics of Masculine-Agentic and Feminine-Communal Traits: Findings From a Prospective Study. Journal of Personality and Social Psychology, 85(4), 768-776. https://doi.org/10.1037/0022-3514.85.4.768
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), alguns estudos salientam que as mulheres reproduzem comportamentos masculinos como uma das estratégias de ascensão de carreira (Gomes Neto et al., 2020Gomes Neto, M. B., Grangeiro, R. da R., & Esnard, C. (2020). Mulheres na academia: um estudo sobre o fenômeno queen bee. Anais do Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Evento on-line, Brasil, 44.). O intuito da presente análise é mostrar que as entrevistadas encontram justificativas para explicar seu lugar na organização por meio de características que remetem às masculinidades (como, o controle) e não valorizam as características que remetem a feminilidades, pois essas não são desejadas organizacionalmente (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78.). Elas fomentam, desse modo, a ideia de que as masculinidades são as características desejadas para os altos cargos hierárquicos, corroborando a ideia do homem como trabalhador ideal (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78.; Fraga et al., 2020Fraga, A. M., Antunes, E. D., & Rocha-De-Oliveira, S. (2020). O/A Profissional: As Interfaces de Gênero, Carreira e Expatriação na Construção de Trajetórias de Mulheres Expatriadas. Brazilian Business Review, 17, 192-210. http://dx.doi.org/10.15728/bbr.2020.17.2.4
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). Embora as entrevistadas possam ter adotado a reprodução desse comportamento para ascender na organização, elas já naturalizaram o discurso e não mostram alternativas para as outras mulheres que buscam ascender na organização.

As executivas que atingiram o topo chegam a negar que desejaram o cargo e, por isso, a chegada ao topo da carreira não foi difícil já que foi uma jornada natural, “foi acontecendo (...) eu nunca desejei esse meu cargo” (E1). A ascensão de carreira é relacionada a fatores aleatórios (Hryniewicz & Vianna, 2018Hryniewicz, L. G. C., & Vianna, M. A. (2018). Mulheres em posição de liderança: obstáculos e expectativas de gênero em cargos gerenciais. Cadernos EBAPE.BR, 16(3), 331-344.), como a proximidade com quem está no comando: “foi um convite. Eu era amiga do casal dos donos e quando o presidente da empresa soube que eu saí [da outra empresa] me convidou para trabalhar aqui” (E5).

Conquanto digam ter sido fácil chegar ao cargo atual, as executivas precisam se autoafirmar e percebem-se diferenciadas em meio às demais mulheres, fazendo questão de provar que são mais competentes que as outras, como ilustra o depoimento de E7: “a empresa tem quase 60 anos, eu fui a única mulher a liderar a equipe de chão de fábrica dentro do armazém”. Conforme evidenciado no estudo de Eccel e Grisci (2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78.), elas também admitem que não propiciam um ambiente com maior abertura para as mulheres: “eu não tinha o cuidado de ficar olhando para o meu time falar assim: ‘gente, precisa ter mais mulher nesse time’. Eu nunca fui de erguer bandeira alguma. Eu quero dizer que eu não fazia pouco da mulher, mas, para mim, o que importava era o bom profissional” (E2). Esse depoimento remete ao fenômeno queen bee, no qual as mulheres em altos cargos hierárquicos não se solidarizam com as outras mulheres para promover políticas de igualdade de gênero (Gomes Neto et al., 2020Gomes Neto, M. B., Grangeiro, R. da R., & Esnard, C. (2020). Mulheres na academia: um estudo sobre o fenômeno queen bee. Anais do Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Evento on-line, Brasil, 44.).

Ao analisar a vida pessoal das entrevistadas, entende-se que elas afirmam conseguir conciliar vários papéis: “o pessoal fala: ‘como que eu consigo lidar com tantas coisas?’” (E4). No entanto, elas devem “selecionar o que é importante na sua vida. Tem coisas que eu adoraria fazer? Adoraria! Mas assim, se eu quero o excelente na parte profissional, na parte pessoal, não vai dar” (E4).

Mesmo assumindo que há atividades que adoraria fazer e não consegue, E4 diz que não precisa renunciar a nada: “não, eu não sofro com isso, não sofro. Mesmo porque se no meu expediente tem uma apresentação do meu filho e eu consigo me ajeitar com agenda, eu vou”. Essas contradições reforçam a manipulação da subjetividade, contra a qual a executiva precisa desenvolver estratégias de defesa para não admitir que se depara com dificuldades para conciliar os lados pessoal e profissional. Como exemplo, E1 relata que não tem muito tempo para participar da criação do filho, justificando: “filho que não é criado direto com a mãe, fica mais forte. Tem que aprender a se virar sozinho”. Evidencia-se aí a busca de justificativas para suavizar a rotina na qual o trabalho torna-se prioridade, como se as renúncias relacionadas ao lado pessoal fossem compensadas por ganhos laborais (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. de. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida: Ideias & Letras.).

Na busca de conciliação entre o trabalho e os momentos de lazer, as executivas moldam-se, visando atender às demandas impostas pela gestão (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. de. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida: Ideias & Letras.). Por exemplo, levam trabalho para casa, preenchendo com ele os momentos que seriam dedicados ao lazer - “normalmente eu faço [trabalho em casa], mas eu faço porque eu gosto, eu sou uma pessoa noturna, eu tenho muita dificuldade de rendimento matinal” (E3). As executivas quase nem percebem que seu tempo de trabalho mistura-se com o tempo de ‘não trabalho’ (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. de. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida: Ideias & Letras.; Tanure et al., 2007Tanure, B., Carvalho Neto, A. C., & Andrade, J. (2007). Executivos: sucesso e (in)felicidade. Rio de Janeiro: Elsevier.), pois isso já faz parte de sua rotina. A adequação a tal situação é um modo de não sentir o sofrimento de ter seu espaço de lazer invadido pelo trabalho. Aqui, mais uma vez, aparecem justificativas para a adequação de seu comportamento, como ‘gostar disto’ ou ‘ser uma pessoa noturna’.

Apesar de todas as conquistas obtidas pelas mulheres na sociedade, muitas ainda são responsáveis pela maior parte das atividades do lar (Rocha-Coutinho, 2005Rocha-Coutinho, M. L. (2005). Variações sobre um antigo tema: a maternidade para mulheres. In T. Féres-Carneiro (Org.), Família e casal: efeitos da contemporaneidade (p. 320). Rio de Janeiro: Editora PUC Rio.; Eagly & Carli, 2007Eagly, A. H., & Carli, L. L. (2007). Women and the labyrinth of leadership. Harvard Business Review, 85(9), 62-71.; IBGE, 2018IBGE. (2018). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estudos & Pesquisas. Informação Demográfica e Sócioeconômica. Síntese dos Indicadores Sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira, (39), IBGE.). Essa também é a realidade das entrevistadas, pois elas se sentem responsáveis por organizarem as atividades domésticas: “eu tenho que administrar minha casa, eu viajo muito. A sorte que eu tenho uma pessoa que trabalha comigo há 15 anos” (E6). A ocupação com as atividades domésticas faz com que as mulheres tenham menos tempo laboral e, por consequência, menos experiências de trabalho. Essa explicação apoiada por Eagly e Carli (2007Eagly, A. H., & Carli, L. L. (2007). Women and the labyrinth of leadership. Harvard Business Review, 85(9), 62-71.) ajuda a entender as diferenças salariais e de ascensão entre homens e mulheres nas organizações. A carreira feminina é entendida como um labirinto (Eagly & Carli, 2007Eagly, A. H., & Carli, L. L. (2007). Women and the labyrinth of leadership. Harvard Business Review, 85(9), 62-71.; Fraga & Rocha-de-Oliveira, 2020Fraga, A. M., & Rocha-de-Oliveira, S. (2020). Mobilidades no labirinto: tensionando as fronteiras nas carreiras de mulheres.Cadernos EBAPE. BR. Disponível em: Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/cadernosebape/article/view/81298. Acesso em 18 nov. 2020.
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) porque diferentes percalços e dificuldades encontrados em sua trajetória fazem com que as mulheres se percam pelo caminho, restando poucas com possibilidade de chegar ao topo. O labirinto da carreira mostra-se diferente para homens e mulheres, já que socialmente há fatores os quais beneficiam os primeiros e penalizam as segundas (Eagly & Carli, 2007Eagly, A. H., & Carli, L. L. (2007). Women and the labyrinth of leadership. Harvard Business Review, 85(9), 62-71.).

As mulheres precisam organizar uma equipe de apoio que as auxilie nos cuidados com os filhos (Brett & Stroh, 2003Brett, J. M., & Stroh, L. K. (2003). Working 61 plus hours a week: Why do managers do it? Journal of Applied Psychology, 88(1), 67-78. https://doi.org/10.1037/0021-9010.88.1.67
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) - “eu contratei um serviço de táxi, tem uma pessoa de confiança que leva ela [a filha] e busca em todos esses locais, com horário, a gente consegue ter essa independência” (E7). O fato de as entrevistadas relatarem alguns aparatos como benefícios da vida executiva ressalta que a manipulação da subjetividade ocorre de forma sutil no atendimento às demandas da gestão (Grisci, 2008Grisci, C. L. I. (2008). Trabalho imaterial, controle rizomático e subjetividade no novo paradigma tecnológico. Revista de Administração de Empresas Eletrônica, 7(1).). Elas consideram o motorista privado ou a melhor escola para as crianças como um benefício conquistado com os recursos financeiros advindos da vida executiva, porém não percebem que essa é uma das formas como a gestão manipula sua subjetividade para que tenham mais tempo disponível para a empresa.

As executivas dizem não possuir dificuldade em conciliar trabalho e família, no entanto precisam contar com um aparato que sustente sua carreira. Ressalta-se que o intuito desta análise não é discutir a quem cabem as responsabilidades domésticas. Busca-se mostrar que as entrevistadas não percebem os aparatos que têm em casa - babás, motoristas, família, cônjuges, dentre outros - como necessários para conseguirem se dedicar exclusivamente ao seu cargo. Possivelmente, outras pessoas sem todos esses aparatos não lograriam ascender na carreira executiva, já que a gestão impõe que a ocupante de um cargo executivo esteja focada exclusivamente na organização, não sobrando tempo para o lazer. Elas apenas consideram que é possível conciliar vida profissional e pessoal, a fim de sustentarem suas falas de que não foi difícil chegar ali.

Esse tipo de reflexão é importante para se entender o que é valorizado no ambiente laboral para ascender organizacionalmente. Esse tipo de reprodução de discurso propicia políticas e práticas de Gestão de Pessoas que valorizam o excesso de trabalho, o qual tanto tem causado o adoecimento dos trabalhadores. Os executivos aumentam consideravelmente suas responsabilidades e sua carga de trabalho (Oltramari & Grisci, 2014Oltramari, A. P., & Grisci, C. L. I. (2014). Carreira e família na sociedade líquido-moderna. Revista de Administração Mackenzie, 15(1), 15-48. https://doi.org/10.1590/s1678-69712014000100002
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) e como mais horas laborais têm sido associadas a melhores recompensas e à ascensão organizacional (Eagly & Carli, 2007Eagly, A. H., & Carli, L. L. (2007). Women and the labyrinth of leadership. Harvard Business Review, 85(9), 62-71.; Hryniewicz & Vianna, 2018Hryniewicz, L. G. C., & Vianna, M. A. (2018). Mulheres em posição de liderança: obstáculos e expectativas de gênero em cargos gerenciais. Cadernos EBAPE.BR, 16(3), 331-344.), as mulheres com mais demandas domésticas são prejudicadas em sua trajetória profissional, tornando-se o tempo para o trabalho um percalço em seu labirinto profissional (Eagly & Carli, 2007Eagly, A. H., & Carli, L. L. (2007). Women and the labyrinth of leadership. Harvard Business Review, 85(9), 62-71.). As empresas devem, portanto, desenvolver políticas e práticas de Gestão de Pessoas que promovam melhores condições de conciliação entre trabalho e lazer, bem como incentivar a atribuição aos homens de benefícios familiares (Eagly & Carli, 2007Eagly, A. H., & Carli, L. L. (2007). Women and the labyrinth of leadership. Harvard Business Review, 85(9), 62-71.), tais como licença paternidade mais prolongada.

Embora se perceba o aumento das oportunidades de trabalho para as mulheres, elas ainda enfrentam dificuldades para atingir posições de poder e status nas empresas. Ainda que as pesquisas mostrem que os homens alcançam rendimentos 29,7% maiores do que os obtidos pelas mulheres (IBGE, 2018IBGE. (2018). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estudos & Pesquisas. Informação Demográfica e Sócioeconômica. Síntese dos Indicadores Sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira, (39), IBGE.), as executivas não percebem a discriminação: “as três mulheres da empresa ganham igualmente ou mais que homens. Não é por ser homem ou mulher porque não tem isso, não tem. E até porque sou eu que faço a gestão” (E6). Na realidade, não é ela que faz a gestão. Conquanto a entrevistada tome as decisões na empresa, ela não percebe que muitas das políticas e práticas de Gestão de Pessoas de ascensão e permanência na organização privilegiam as masculinidades (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78.; Fraga et al., 2020Fraga, A. M., Antunes, E. D., & Rocha-De-Oliveira, S. (2020). O/A Profissional: As Interfaces de Gênero, Carreira e Expatriação na Construção de Trajetórias de Mulheres Expatriadas. Brazilian Business Review, 17, 192-210. http://dx.doi.org/10.15728/bbr.2020.17.2.4
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), ainda que suas práticas organizacionais aparentem ser neutras (Joshi et al., 2015Joshi, A., Son, J., & Roh, H. (2015). When Can Women Close the Gap ? a Meta-Analytic Test of Sex Differences in Performance and Rewards. Academy of Management Journal, 58(5), 1516-1545. https://doi.org/10.5465/amj.2013.0721
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), pois grande parte das organizações foi estruturada por homens e para homens (Oliveira et al., 2009Oliveira, A. R. de, Gaio, L. E., & Bonacim, C. A. G. (2009). Relações de gênero e ascensão feminina no ambiente organizacional: um ensaio teórico. Revista de Administração da UFSM, 2(1), 80-97.).

As executivas que conseguiram ‘romper’ o teto de vidro (Madalozzo, 2011Madalozzo, R. (2011). CEOs e composição do conselho de administração: a falta de identificação pode ser motivo para existência de teto de vidro para mulheres no Brasil? Revista de Administração Contemporânea, 15(1), 126-137. https://doi.org/10.1590/S1415-65552011000100008
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; Meroño-Cerdán & López-Nicolás, 2017Meroño-Cerdán, Á. L., & López-Nicolás, C. (2017). Women in management: Are family firms somehow special? Journal of Management and Organization, 23(2), 224-240.) não reconhecem as dificuldades em relação ao gênero (Carvalho Neto et al., 2010Carvalho Neto, A. C., Tanure, B., & Andrade, J. (2010). Executivas: Carreira, Maternidade, Amores e Preconceitos. Revista de Administração de Empresas Eletrônica, 9(1).; Mota-Santos et al., 2014Mota-Santos, C. M., Tanure, B., & Carvalho Neto, A. M. de. (2014). Mulheres executivas brasileiras: o teto de vidro em questão. Revista Administração em Diálogo, 16(3), 56-75. https://doi.org/10.20946/rad.v16i3.13791
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), negando a existência de barreiras para chegar à posição ocupada e para nela se manter. E6 relata que há empresas, no Brasil, que discriminam “a mulher que é casada, porque a mulher vai ter filhos, porque a mulher não sei o quê... Eu acho um absurdo, mas eu não vivi isso”. Essa fala pode ser entendida como uma negação das dificuldades das mulheres no mercado de trabalho. A mesma entrevistada optou por ficar solteira, não ter filhos, morar sozinha, no entanto diz que não passou por esse tipo de discriminação.

Tal tipo de situação corrobora os estudos os quais revelam que as mulheres executivas estão desistindo de ter filhos e família (Schlickmann & Pizarro, 2013Schlickmann, E., & Pizarro, D. (2013). A evolução da mulher no trabalho: uma abordagem sob a ótica da liderança. Revista Borges, 03(1), 2179-4308.). Isso ocorre porque para a mulher poder se equiparar, pelo menos em alguns pontos, ao homem casado e com filhos, ela precisa não se casar e não ter filhos (Hryniewicz & Vianna, 2018Hryniewicz, L. G. C., & Vianna, M. A. (2018). Mulheres em posição de liderança: obstáculos e expectativas de gênero em cargos gerenciais. Cadernos EBAPE.BR, 16(3), 331-344.). Assim ela poderá dedicar seu tempo de lazer ao trabalho visto que a mulher precisa mostrar muitos mais resultados que os homens para conseguir ascender na carreira (Grisci et al., 2015Grisci, C. L. I., Deus, E. S. de, Rech, S., Rodrigues, M. F., & Gois, P. henrique de. (2015). Beleza física e trabalho imaterial: do politicamente correto à rentabilização. Psicologia: Ciência e profissão, 35(2), 406-422.), como relata a E4: “dá para você fazer uma carreira, lógico que muitas vezes você tem que trabalhar mais que os homens porque você tem que demonstrar para as pessoas”.

As entrevistadas chegam a culpar as mulheres por terem sido assediadas, considerando o assédio como uma consequência de atitudes femininas inaceitáveis, a fim de evidenciar sua conquista e seu comportamento exemplar: “e eu vou dizer que eu entendo que existe assédio, mas eu acho que a mulher só é assediada quando ela deixa ser assediada, primeiro lugar” (E1). A hegemonia das masculinidades também é validada pelas mulheres quando elas (des)qualificam o comportamento dos outros sujeitos (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78.), mostrando o que é aceitável ou não no ambiente de trabalho. Ademais, quando a entrevistada justifica o assédio moral como culpa da mulher, ela silencia a credibilidade da voz da mulher, conforme expõe Solnit (2017Solnit, R. (2017). Os homens explicam tudo para mim. São Paulo: Cultrix.).

A sedução por uma vida merecedora de destaque invade as executivas por completo, através de dispositivos, que minimizam e até negam as dificuldades (Olbermann et al., 2017Olbermann, J. V., Oliveira, L. P. de, Capaverde, C., & Grisci, C. L. I. (2017). Dispositivos de sedução à vida executiva: visão de estudantes em fase final de formação universitária. Pensamento & Realidade, 32(2), 1-15.). As executivas sujeitam-se a atos impostos pela sociedade e pelas organizações com significações coletivas e singulares, sendo delas exigida a reprodução de comportamentos de acordo com as normas fixadas. Ao se submeterem a determinadas ordens, as executivas interiorizam comportamentos e estilos de vida a serem seguidos, em um movimento que manipula sua subjetividade, mesmo que, por vezes, sejam comportamentos conscientes para ascender organizacionalmente. Esse contexto propicia a ratificação das conhecidas barreiras e dificuldades que se apresentam na ascensão organizacional das mulheres.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vida executiva na modernidade pode ser percebida através de diferentes lentes. Uma delas mostra uma vida de glamour, poder, status e dinheiro; outra evidencia sofrimento, barreiras, responsabilidades, imposições. Para alcançar e manter-se em altos cargos, a mulher submete-se a dispositivos que manipulam sua subjetividade.

A presente investigação, com o objetivo de analisar a manipulação da subjetividade das mulheres executivas, mostrou as pressões e os desafios por elas enfrentados diariamente para se manterem nas posições ocupadas. À medida que sobem na hierarquia, as executivas vão ficando cada vez mais isoladas e solitárias, por não existir mais a cumplicidade dos colegas de trabalho e por elas não poderem demonstrar fragilidade. A posição ocupada não lhes permite serem sensíveis e, muito menos, que não consigam resolver seus problemas. Pedir ajuda pode transparecer fraqueza, a qual não condiz com o cargo assumido.

As mulheres que ascenderam na carreira executiva mostram indícios da manipulação da subjetividade por dispositivos de controle, os quais são responsáveis por sua sujeição, mostrando sua imponência na manipulação e no controle do modo como elas vivem. As executivas supervalorizam-se e percebem-se como mulheres diferenciadas em meio às demais, negando as dificuldades para alcançar aquela posição, ou seja, negando o labirinto da carreira da mulher (Eagly & Carli, 2007Eagly, A. H., & Carli, L. L. (2007). Women and the labyrinth of leadership. Harvard Business Review, 85(9), 62-71.; Fraga & Rocha-de-Oliveira, 2020Fraga, A. M., & Rocha-de-Oliveira, S. (2020). Mobilidades no labirinto: tensionando as fronteiras nas carreiras de mulheres.Cadernos EBAPE. BR. Disponível em: Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/cadernosebape/article/view/81298. Acesso em 18 nov. 2020.
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) e evidenciando a ocorrência do fenômeno queen bee (Gomes Neto et al., 2020Gomes Neto, M. B., Grangeiro, R. da R., & Esnard, C. (2020). Mulheres na academia: um estudo sobre o fenômeno queen bee. Anais do Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Evento on-line, Brasil, 44.). Algumas afirmações são percebidas como estratégias de defesa (Dejours, 1999Dejours, C. (1999). Conferências brasileiras: identidade, reconhecimento e trasngressão no trabalho. São Paulo: Fundap.) necessárias para minimizar as dificuldades inerentes à carreira.

Os resultados demonstram que os comportamentos que desviam dos ideais de masculinidade são reprimidos e raramente emergem no ambiente organizacional (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78.; Fraga et al., 2020Fraga, A. M., Antunes, E. D., & Rocha-De-Oliveira, S. (2020). O/A Profissional: As Interfaces de Gênero, Carreira e Expatriação na Construção de Trajetórias de Mulheres Expatriadas. Brazilian Business Review, 17, 192-210. http://dx.doi.org/10.15728/bbr.2020.17.2.4
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). Isso leva muitas mulheres a exaltarem suas masculinidades e, por vezes, reproduzirem a discriminação de gênero sem se darem conta disso (Carvalho Neto et al., 2010Carvalho Neto, A. C., Tanure, B., & Andrade, J. (2010). Executivas: Carreira, Maternidade, Amores e Preconceitos. Revista de Administração de Empresas Eletrônica, 9(1).; Mota-Santos et al., 2014Mota-Santos, C. M., Tanure, B., & Carvalho Neto, A. M. de. (2014). Mulheres executivas brasileiras: o teto de vidro em questão. Revista Administração em Diálogo, 16(3), 56-75. https://doi.org/10.20946/rad.v16i3.13791
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). Muitos comportamentos descritos e falas expostas pelas mulheres poderiam muito bem ser atribuídos a homens, por refletirem a masculinidade valorizada social e organizacionalmente. No entanto, ressalta-se que “o posicionamento lado a lado com os homens, legitimando a dominação deles, como se não fosse diferente ser mulher, não tem o efeito de melhorar as condições de igualdade no trabalho, e, sim, de fomentar a lógica de que os homens são os trabalhadores ideais, especialmente em cargos de chefia” (Eccel & Grisci, 2011Eccel, C. S., & Grisci, C. L. I. (2011). Trabalho e Gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 57-78., pp. 73-74).

A análise dos resultados ressalta as maiores evidências de manipulação da subjetividade nas executivas ao justificarem seus comportamentos. Isso não quer dizer que elas estejam sendo completamente manipuladas pela gestão ou que elas não tenham consciência de seus atos. O intuito da investigação não foi de analisar as masculinidades das executivas, mas como elas exaltam essas masculinidades, a fim de justificar seu lugar na organização, assim revelando a manipulação da subjetividade.

Considera-se que estudar as mulheres executivas e os dispositivos que manipulam sua subjetividade contribui para que os indivíduos entendam que a negação das dificuldades potencializa as pressões e o estresse, bem como a reprodução do discurso organizacional implica as conhecidas barreiras e dificuldades na ascensão organizacional das mulheres. Motivadas por este estudo, as executivas podem procurar ter melhor conhecimento de suas necessidades e de seus desejos; promover um ambiente organizacional menos sexista; ajudar a ter mais mulheres em cargos de gestão, principalmente nos novos arranjos sociais e organizacionais consequentes da pandemia causada pelo Covid-19.

Para estudos futuros, sugere-se a análise dos dispositivos de manipulação de trabalhadores de cargos operacionais mais baixos, a fim de verificar quais dispositivos atuam na manipulação de sua subjetividade; analisar como a homogeneização do comportamento das executivas, sutilmente imposto, beneficia ou prejudica a gestão das empresas; investigar executivas aposentadas, visando resgatar sua trajetória e identificar sua percepção sobre o trabalho após terem se aposentado; investigar a trajetória de carreira das mulheres de diferentes condições sociais trazendo para a discussão as diferenças sociais.

Assinala-se, como uma das limitações do presente estudo, o tempo de duração das entrevistas. Optou-se por entrevistar somente executivas em altos cargos, cujo tempo para a interlocução revelou-se escasso devido à sua rotina. Embora os horários tenham sido previamente estabelecidos e as executivas tenham se mostrado disponíveis, houve a preocupação de não lhes tomar muito tempo. Ressalta-se que as subjetivações e manipulações aqui evidenciadas não são passíveis de generalização, sendo aplicáveis apenas para essas entrevistadas. Observa-se que todas as entrevistadas eram mulheres brancas, heterossexuais e que contavam com suporte familiar. Mesmo aquelas que relataram terem advindo de classe baixa encontram-se atualmente em posição diferenciada da realidade da maioria das mulheres brasileiras.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2020
  • Revisado
    20 Nov 2020
  • Aceito
    13 Abr 2021
  • Publicado
    07 Jan 2022
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