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Um encontro Saussure-Bakhtin na episteme

RESUMO

Neste artigo, pretendemos partir de certas releituras que se têm feito a respeito do construto saussuriano sobre o objeto língua, tomando por base principalmente a noção relacional de sistema, o valor linguístico, para, então, criar possibilidades de diálogo com a perspectiva axiológica de língua presente em Mikhail Bakhtin. Tal perspectiva, neste autor, ganha corpo na conceituação de heterodiscurso e de gêneros do discurso, em que este objeto deve ser compreendido em relações de ordem social e histórica. Além disso, na elaboração linguístico-textual de um gênero, os enunciados operam em relação uns com os outros, a fim de aproximar e/ou confrontar diferentes vozes sociais e ideológicas. Enfim, partindo dessa episteme, que enxerga a língua e os efeitos que dela decorrem como objeto constitutivamente relacional, acreditamos ser possível um encontro entre os dois autores a fim de se ressignificarem formas de interpretar o mundo por meio da ciência da língua(gem).

PALAVRAS-CHAVE:
Episteme; Diálogo Saussure-Bakhtin; Teoria do valor; Heterodiscurso

ABSTRACT

In this article, we intend to start from certain reinterpretations that have been made about the Saussurean construct on the langue object, taking as a basis mainly the relational notion of system, the linguistic value, to then create possibilities of dialogue with the axiological perspective of langue present in Mikhail Bakhtin. Such perspective in this author takes shape in the concept of heteroglossia and discourse genres, in which this object must be understood in terms of social and historical relations. Also, in the linguistic-textual elaboration of a genre, the statements operate in relation to each other, in order to bring together and/or confront different social and ideological voices. Starting from this episteme, which sees langue and the effects that result from it as a constitutively relational object, we believe that a convergence between the two authors is possible in order to re-signify ways of interpreting the world through the science of language.

KEYWORDS:
Episteme; Saussure-Bakhtin dialogue; Value theory; Heteroglossia

Introdução

Na entrada no século XXI, percebemos uma necessidade premente de o homem contemporâneo revisitar e ressignificar os fundamentos que o vêm constituindo desde o longo século XX. Em nosso campo, temos assistido a um “novo” retorno às bases teóricas saussurianas sobre a fundação da Linguística Moderna em pleno momento de efervescência das atuais teorias discursivas. Nesse processo atual de ressignificação da ciência linguística, não há lugar para dicotomias que por tanto tempo polarizam noções como língua e fala, texto e discurso. Falamos, antes, em aproximações, singularidades, diferenciações, e, por essa razão, esse retorno precisa se dar em espiral, isto é, retoma-se para avançar.

Não se trata, portanto, apenas de efetuar uma revisão epistemológica, em que se esmiúça cada parte da estrutura desse objeto em busca de essências. Trata-se, antes, de um retorno contemplativo, no sentido filosófico do termo, em que nos colocamos diante do objeto língua não para decompô-la em formas dispostas para usos, mas para enxergar o homem na língua. Isso é a episteme, lugar em que neste artigo pretendemos nos colocar, já que buscamos em certo sentido não repisar os conceitos, as informações depreendidas dos estudos de Saussure e Bakhtin, os dois estudiosos em diálogo neste estudo. Buscamos desvelar o que é transversal aos dois pensadores, em um esforço de antecipar as concepções de língua(gem) neles presentes, a fim de lançarmos reflexões sobre esse importante objeto que nos constitui como humanos. É, portanto, a mesma direção conceitual de episteme em perspectiva foucaultiana, como se verá mais adiante.

Assim sendo, cumpre-nos retomar algumas questões que nortearão nossa investigação: seria possível uma leitura que aproxime Saussure e Bakhtin, ressignificando-os e mesmo reposicionando-os no campo dos estudos linguísticos? E se o for, em que medida, e por quais razões, buscar diálogos entres esses autores seria pertinente à pesquisa linguística hoje? Sabe-se que Saussure e Bakhtin desenvolveram suas teorias em períodos relativamente próximos, apesar de o primeiro não ter conhecido os trabalhos do segundo. Entre 1907 e 1911, o linguista genebrino ministra três cursos de linguística geral na Universidade de Genebra, dos quais as anotações dos alunos foram posteriormente editadas – juntamente com notas autógrafas – e publicadas como o Curso de linguística geral (1916)1 1 Doravante CLG. . Entretanto, por meio do conhecimento dos manuscritos saussurianos, pode-se dizer que a teoria saussuriana já vinha sendo elaborada desde muito antes de suas aulas em Genebra.

M. Bakhtin, por sua vez, situa-se em um período complicado na Rússia stalinista em que tanto a produção cultural do país quanto a produção intelectual eram censuradas com base nos ditames do novo regime. Por isso, entre Bakhtin e os autores do Círculo havia uma cumplicidade no processo de produção e publicação das obras, a ponto de, para se protegerem dessa vigilância, intercambiarem entre si a autoria empírica de determinadas obras. Diante disso, nós o enxergamos como fundador de discursividade, no sentido foulcaultiano de conceber o autor – e sua autoria – tendo em vista, a priori, a voz de um autor que ressoa no conjunto da obra, que a atravessa. Essa transversalidade, como nos esclarece Arán (2014)ARÁN, P. O. A questão do autor em Bakhtin. Bakhtiniana, São Paulo, Número Especial: 4-25, jan./jul. 2014. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/17700. Acesso em: 16/10/2021.
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, perpassa a produção do Círculo nos três períodos de produção científica. No primeiro, que compreende o período que vai de 1919 a 1929, obras como o livro sobre Dostoiévski, (cf. BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. Tradução direta do russo, notas e prefácio Paulo Bezerra. 4. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2010.) e Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.), ambos de 1929, surgem em um momento de intenso debate no interior do grupo, no sentido de desconstruir a visão romântica de busca da língua-mãe, da identidade linguística nacional, na contramão da própria proposta nacionalista de Stálin. O grupo precisava, portanto, combater qualquer ideia purista de língua que conduzisse essa noção a um objetivismo abstrato. Seguindo essa linha, na segunda fase de produção, que corresponde ao período de 1930 a 1959, em que Bakhtin sofreu com o exílio, emergem obras importantes, como O discurso no romance (cf. BAKHTIN, 2015BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015.), texto concluído em 1936 mas somente publicado em 1975, e ensaios como Os gêneros do discurso (cf. BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016.), escrito entre 1952 e 1953 mas somente publicado em 1978. Aqui, desenvolve-se mais apropriadamente o conceito de heterodiscurso, que atesta na materialidade do texto a presença de vozes sociais no romance, gênero condensador do quadro social e cultural de uma época. Além disso, o combate à concepção nacionalista de língua/ linguagem, ganha força em um momento em que a ascensão nazista ganhava terreno no mundo. A nosso ver, essa fase corresponde ao momento alto das concepções teóricas que delineiam o pensamento do Círculo, mas, seguindo a ideia de Arán (2014)ARÁN, P. O. A questão do autor em Bakhtin. Bakhtiniana, São Paulo, Número Especial: 4-25, jan./jul. 2014. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/17700. Acesso em: 16/10/2021.
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, em um terceiro momento, de 1960 até sua morte em 1975, Bakhtin parece ter mais clara a ideia de um campo de estudos, a Metalinguística, para o qual suas elaborações e a de seu grupo convergiam, como se pode observar em ensaios como O problema do texto (cf. BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016.), publicado pela primeira vez na Rússia em 1976.

Se tomarmos, então, a história da recepção desses autores durante o século XX, veremos que, em grande parte, eles foram considerados como pertencentes a correntes opostas no que concerne à concepção de língua: Saussure dividiria a linguagem entre língua e fala, priorizando o estudo da primeira e “excluindo” a segunda de suas elaborações. Bakhtin, por sua vez, priorizaria de modo central a interação socioideológica, ou seja, justamente o aspecto que teria sido excluído por Saussure.

Considerando essa distinção, por que seria pertinente buscar um diálogo entre esses dois autores? Perguntas como essas talvez não fossem feitas até meados do século XX, quando o Curso de linguística geral ocupava o estatuto de única obra saussuriana conhecida. Entretanto, a partir da década de 1950 uma quantidade considerável de manuscritos do linguista começa a surgir. De acordo com Marchese (2003)MARCHESE, M. P. Une source retrouvée du Cours de Linguistique Générale de F. de Saussure. Cahiers Ferdinand de Saussure. Revue suisse de linguistique générale. Genève: Librairie Droz S.A, n. 56. p.333-339. Publicado por Cercle Ferdinand de Saussure, 2003., isso se dá em quatro momentos: em janeiro de 1955, a família de Saussure doa vários manuscritos para a Biblioteca de Genebra; em novembro do mesmo ano, Mme. Bally doa os manuscritos que estavam em posse de Charles Bally; em 1968, os filhos de Ferdinand de Saussure vendem alguns manuscritos, por intermédio de Roman Jakobson, para Harvard; e, por fim, em 1996 novos manuscritos são encontrados na casa de campo de Saussure (cf. MARCHESE, 2003, p.338MARCHESE, M. P. Une source retrouvée du Cours de Linguistique Générale de F. de Saussure. Cahiers Ferdinand de Saussure. Revue suisse de linguistique générale. Genève: Librairie Droz S.A, n. 56. p.333-339. Publicado por Cercle Ferdinand de Saussure, 2003.). O aparecimento desses documentos proporcionou um movimento de releitura do CLG, com o intuito de complementar as elaborações da edição, ou mesmo elucidar aspectos que talvez tenham ficado obscuros nas elaborações do linguista.

Esse movimento de releitura teve como consequência, conforme Pereira de Castro (2016)PEREIRA DE CASTRO, M. F. Ler os manuscritos saussurianos com o. In: FARACO, Carlos A. (Org.) O efeito Saussure: cem anos do Curso de linguística geral. São Paulo: Parábola, 2016, p.49-71., a publicação de edições críticas do CLG. Já na década de 1950, de posse de alguns manuscritos saussurianos, Robert Godel publica o Les sources manuscrits du Cours de Linguistique Générale (1957), em que expõe algumas notas manuscritas em comparação ao conteúdo do CLG. Alguns anos mais tarde, em 1968, Rudolf Engler publica sua monumental edição crítica, composta por mais de 500 páginas e dividida em dois tomos, em que confronta o CLG com as anotações dos alunos e com manuscritos saussurianos. Por fim, na década de 1970, Tullio de Mauro publica sua edição crítica, com mais de 300 comentários à edição de 1916.

No final do século XX e início do século XXI, por sua vez, houve a descoberta de um conjunto de manuscritos inéditos e a edição de parte deles por Rudolf Engler e Simon Bouquet2 2 O Écrits de linguistique générale é publicado em 2002, mas não é composto somente de anotações inéditas de Saussure. Os editores se utilizam de parte das notas editadas por Engler em 1968. . Esse movimento de retomada, ao mesmo tempo histórica e bibliográfica, das releituras e edições do arcabouço saussuriano, mostra-nos que, para além da importância do CLG na fundação da linguística moderna, um retorno a Saussure é necessário – tanto à edição de 1916 quanto às notas autógrafas – para buscar não somente um maior esclarecimento sobre essa fundação, como também rever a teoria do linguista genebrino sem reduzi-la às dicotomias e às suas “exclusões”3 3 No Brasil, esse movimento de retomada e investigação das elaborações saussurianas, relacionando-as a questões centrais da linguística atual, é encontrado nas produções do Grupo de Pesquisa Ferdinand de Saussure (GPFdS/CNPq), que envolve pesquisadores de várias universidades. .

Ademais, esse retorno às elaborações saussurianas e o acesso aos novos documentos pressupõem um movimento de retomada das interpretações realizadas por estudiosos pós-saussurianos que, em alguma medida, leram o CLG e dele deduziram suas consequências teóricas. É neste ponto que Mikhail Bakhtin ocupa, para nós, um lugar de destaque. Sabe-se que o pensador russo pouco recorreu às elaborações saussurianas, em virtude do contexto político em que a Rússia está inserida nas primeiras décadas do século XX4 4 A Revolução de Outubro, como é chamado o processo pelo qual se instaura o comunismo na Rússia, ocorre em 1917. . Na verdade, o Curso não parece ter sido uma obra intensamente debatida no Círculo de Bakhtin e, quiçá, nem lida. Sobre a recepção de Saussure na Rússia, diz Sériot (2010, p.108-109)SÉRIOT, P. Voloshinov e a filosofia da linguagem. Tradução: Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2010.:

O Curso de linguística geral [CLG] de Saussure é mencionado pela primeira vez na Rússia em 1917 por Segej Karcevskij durante uma palestra num seminário da Comissão Dialetológica da Universidade de Moscou (...)

O primeiro exemplar chegou à Rússia em 1923, em Leningrado; foi apresentado no seminário de linguística do ILJaZV por S. Bernstejn. (...)

Rozalija Sor (1894-1939), autora da primeira edição anotada do Curso de Saussure em 1933, apresenta Saussure como “o maior expoente da escola francesa de linguística social”, que ela considera uma ruptura fundamental com o passado. No mesmo ano, porém, Saussure já era proclamado “o representante mais clássico da linguística burguesa” por F. Filin (1808-1982) (...) L. Jakunbinskij, professor de linguística do ILJaZV, reprova em Saussure sua incapacidade de compreender que uma política linguística é possível.

As discursividades a respeito de Saussure, portanto, já estavam lançadas e parecia predominar na Rússia, especialmente no Círculo de Bakhtin, a visão de um linguista burguês positivista, com uma concepção abstrata de língua, bem distante das perspectivas sociais e culturais que invadiam a vida intelectual da Rússia. Um exemplo dessa interpretação é encontrado em Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem, de Valentin Volóchinov, publicado em 1929.

Entretanto, como dissemos, de posse dos recentes documentos saussurianos e de suas contribuições teóricas, tem ocorrido um retorno às elaborações de Saussure e, nesse sentido, volta-se também às interpretações dos estudiosos do Círculo sobre o autor suíço. Brait (2016)BRAIT, B. A presença de Saussure em manuscritos de Mikhail Bakhtin. In: FARACO, Carlos A. (Org.). O efeito Saussure: cem anos do Curso de linguística geral. São Paulo: Parábola, 2016, p.91-109., por exemplo, centra-se na construção das ideias de Bakhtin, enfatizando a incidência ou não do arcabouço saussuriano em suas elaborações. Em nosso caso, pretendemos discutir as ideias do autor russo e possibilidades de relacioná-las em algum ponto às de Saussure. No entanto, não sairemos em busca de como Bakhtin se apropria de Saussure em sua construção teórica, como já bem fez Brait (2016)BRAIT, B. A presença de Saussure em manuscritos de Mikhail Bakhtin. In: FARACO, Carlos A. (Org.). O efeito Saussure: cem anos do Curso de linguística geral. São Paulo: Parábola, 2016, p.91-109., mas visamos especificamente ler Bakhtin e Saussure em uma perspectiva dialógica, buscando pontuar alguns aspectos metateóricos, epistemológicos, desses autores, especialmente aqueles que os colocam como autores que veem a língua(gem) em perspectiva relacional, axiológica.

Para tanto, retomaremos a seguir a leitura de autores como Brait (2016)BRAIT, B. A presença de Saussure em manuscritos de Mikhail Bakhtin. In: FARACO, Carlos A. (Org.). O efeito Saussure: cem anos do Curso de linguística geral. São Paulo: Parábola, 2016, p.91-109. sobre as apropriações teóricas de Saussure por Bakhtin. Em seguida, aventaremos possibilidades atuais que nos têm sido oferecidas para se revisitar o pensamento de Saussure. Por fim, buscaremos promover um encontro a partir de algumas bases epistemológicas desses autores que, em certa medida, poderá colaborar com as pesquisas que tomam a língua como objeto humano, social.

1 Como Bakhtin leu Saussure?

Refazendo a trilha proposta por Brait (2016)BRAIT, B. A presença de Saussure em manuscritos de Mikhail Bakhtin. In: FARACO, Carlos A. (Org.). O efeito Saussure: cem anos do Curso de linguística geral. São Paulo: Parábola, 2016, p.91-109., percebemos Bakhtin lendo Saussure especialmente em dois de seus textos principais, “O discurso no romance” e “Os gêneros do discurso”. Ambos os textos seguem uma vertente, digamos, mais linguística do autor russo e buscam, fundamentalmente, situar a língua nos fatos sociais, enquanto discurso. Nesse sentido, vale lembrar, é que o autor vai definir o enunciado, realização social e ideológica da língua. Isso o faz chegar ao conceito de dialogismo, enquanto aspecto constitutivo da linguagem que remete ao necessário posicionamento de um locutor frente ao(s) outro(s) – alteridade constitutiva.

É, portanto, nesses textos que Bakhtin parece perceber a necessidade de convocar Saussure para, como reforça Brait (2016)BRAIT, B. A presença de Saussure em manuscritos de Mikhail Bakhtin. In: FARACO, Carlos A. (Org.). O efeito Saussure: cem anos do Curso de linguística geral. São Paulo: Parábola, 2016, p.91-109., posicionar-se ante a concepção de língua enquanto sistema de signos aparentemente sem ressonâncias sociais. Mesmo se aproximando de Volóshinov (2017), para quem a língua em Saussure seria abstrata, e não concreta, social, como acreditava que se deveria tomá-la, Bakhtin retoma o autor genebrino, reconhecendo, de algum modo, a sua importância. Na obra Problemas da poética de Dostoiévski, publicada em 1929/1963, o pensador russo estabelece a distinção entre linguística e metalinguística: a primeira seria o estudo puramente gramatical, enquanto a segunda abarcaria a relação entre a linguagem e as práticas sociais. “A linguística e a metalinguística estudam um mesmo fenômeno concreto, muito complexo e multifacético – o discurso, mas estudam sob diferentes aspectos e diferentes ângulos de visão” (BAKHTIN, 2010, p.181BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. Tradução direta do russo, notas e prefácio Paulo Bezerra. 4. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2010.).

Observa-se que Bakhtin não desconsidera as elaborações saussurianas: a metalinguística dialoga em certo aspecto com a linguística. Além disso, talvez seja possível afirmar que o conceito de discurso/ slovo é bastante similar ao de linguagem, tal como elaborado por Saussure. Nessa mesma direção, se retomarmos o CLG, por exemplo, temos que a linguagem é definida como “multiforme e heteróclita; cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física, psicológica e psíquica, ela pertence, além disso, ao domínio individual e ao domínio social (...)” (SAUSSURE, 2006, p.41SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. Organização Charles Bally e Albert Sechehaye; com a colaboração de Albert Riedlingler; prefácio à edição brasileira de Isaac Nicolau Salum; tradução Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.).

Outra semelhança que salta aos olhos é a afirmação da existência de vários pontos de vista. Para Bakhtin, em virtude de sua heterogeneidade, o discurso pode ser abordado de vários pontos de vista, que, por sua vez, estariam relacionados ou à linguística ou à metalinguística. Nesse sentido, para além das semelhanças teóricas, pode-se pensar que Bakhtin considera o estudo do funcionamento interno da língua – concebida como um sistema – como necessário e importante para o estudo da linguagem e de sua relação com as práticas sociais.

Para Brait (2016)BRAIT, B. A presença de Saussure em manuscritos de Mikhail Bakhtin. In: FARACO, Carlos A. (Org.). O efeito Saussure: cem anos do Curso de linguística geral. São Paulo: Parábola, 2016, p.91-109., o pensador russo não se utiliza das elaborações saussurianas como um objeto de rejeição, mas sim como um “contraponto epistemológico necessário à constituição da argumentação bakhtiniana” (BRAIT, 2016, p.96BRAIT, B. A presença de Saussure em manuscritos de Mikhail Bakhtin. In: FARACO, Carlos A. (Org.). O efeito Saussure: cem anos do Curso de linguística geral. São Paulo: Parábola, 2016, p.91-109.). Como exemplo disso, a autora cita a referência feita por Bakhtin a uma linguística da parole em oposição a uma linguística da língua, ao tratar da estilística, em seu texto “O discurso no romance”:

No caso em questão, não nos importa em que direção segue esse tipo de análise do estilo romanesco: se no sentido de revelar certo dialeto individual do romancista (ou seja, seu vocabulário ou sua sintaxe), ou de descobrir as particularidades da obra como certo conjunto discursivo, como ‘enunciado’. Tanto num caso como no outro, o estilo é concebido como individualização da língua geral (no sentido de um sistema de normas gerais da língua). Diante disso, a estilística se transforma numa peculiar linguística de línguas individuais ou numa linguística da enunciação (BAKHTIN, 2015, p.31BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015.).

A questão do estilo coloca em relação, ao que parece, a distinção entre língua e fala no sentido de que cada romancista mobiliza o sistema da língua de uma maneira única e, nesse sentido, o estilo é uma individualização da língua geral. Para Brait (2016, p.100)BRAIT, B. A presença de Saussure em manuscritos de Mikhail Bakhtin. In: FARACO, Carlos A. (Org.). O efeito Saussure: cem anos do Curso de linguística geral. São Paulo: Parábola, 2016, p.91-109., a menção à linguística da fala é necessária para que Bakhtin apresente uma “estilística do discurso, sociológica, do gênero, que tem como objeto o romance”.

Na perspectiva da autora, não parece haver, portanto, uma postura opositiva nas elaborações bakhtinianas no que se refere à teoria de Saussure, considerando, inclusive, leviana e impressionista uma leitura que tente defender esse tipo de oposição. Concordamos com ela, mas ainda consideramos o fato de o pensador russo ter tido, principalmente nas décadas de 1920 e 1930, um contato indireto com o CLG sem uma leitura mais acurada de seu conteúdo5 5 Como já foi dito, a primeira edição russa do CLG foi publicada em 1933 por Rozalija Sor (1894-1939), entretanto o linguista suíço logo foi considerado como um pensador burguês o que, no contexto da URSS, contribuiu para sua falta de popularidade. . Ademais, somente a partir da década de 1950, os manuscritos saussurianos e as edições críticas do CLG foram amplamente divulgados, mesmo considerando que o pensamento de Saussure já havia sido objeto de discussões no interior do Círculo, como dito acima. De qualquer forma, esses podem ter impedido aproximações mais consistentes entre os pensamentos dos autores.

Apesar desses “desencontros teóricos”, baseados, a nosso ver, muito mais em questões de configuração geopolítica do que teóricas, pode-se constatar que o que se colocou aos dois autores, em épocas distintas e em contextos diferentes, foi a natureza multifacetada da linguagem e a necessidade de adotar um ponto de vista antes de abarcar o objeto. Sobre isso, Craig Brandist assim se posiciona:

Talvez o melhor aqui seja simplesmente dizer que Saussure estava tentando esboçar o domínio da linguística como uma disciplina, e Bakhtin tentava fazer uma descrição de como o romance molda e reprocessa a linguagem na década de 1930, e uma teoria dos atos do enunciado na década de 1950 (BRANDIST, 2018, p.222BRANDIST, C. Entrevista: Craig Brandist (Bakhtin Centre). Entrevista concedida a Patrícia Margarida Farias Coelho e Marcos Rogério Martins Costa. Bakhtiniana, São Paulo, 13 (2), p.212-224, maio/ago. 2018. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/32542/25433. Acesso em 16/08/2021.
https://revistas.pucsp.br/index.php/bakh...
).

Ou seja, trata-se de perceber o quanto os dois autores estavam engajados em compreender o objeto língua a partir das fissuras de seus contextos específicos. Engana-se, por isso, quem, desavisadamente, tenta imiscuir-se em afiliar, por aproximação, Bakhtin a Saussure ou colocá-los em polos definitivamente opostos. Não é disso que se trata, mas de, ao menos:

  • a) Reconhecer que a Linguística, enquanto ciência, passa a ser, no século XX, assunto das chamadas Ciências Humanas, com forte recorrência em estudiosos da Antropologia, da Psicanálise e afins.

  • b) Compreender que, nesse lugar (meta)teórico, ou epistemológico, os autores em questão convergem para as questões da linguagem enquanto lugar do homem, do locutor, vivo, e não mais como um meio de se proceder à recolha de corpora de textos antigos, por exemplo, com o intuito de unicamente “preservar” uma língua, em uma atitude meramente romântica, filológica e/ ou comparatista.

É, portanto, de posse desses dois aspectos que revisitamos a seguir alguns elementos da episteme saussuriana ignorada, em grande medida, pelos estudos linguísticos no século XX, e sob intensa averiguação no presente século.

2 Como se lê, ou se poderia ler, Ferdinand Saussure hoje?

Como dito na introdução deste artigo, após o aparecimento dos manuscritos saussurianos, na década de 1950, um processo de releitura do construto teórico saussuriano é iniciado. No final do século XX, esse processo se intensifica, tendo em vista a descoberta de um novo e extenso conjunto de manuscritos e a sua popularização por meio da publicação dos Escritos de linguística geral (ELG), editado por Simon Bouquet e Rudolf Engler.

As pesquisas desenvolvidas nesse período apontam para o fato de que, na maioria das vezes, a recepção das elaborações saussurianas foi reducionista, desconsiderando a complexidade de um pensamento que já encontra seu cerne no próprio CLG. Dizemos que há um reducionismo na medida em que, não somente em cursos de graduação, como também em correntes linguísticas bem estabelecidas, a teoria saussuriana é colocada como algo ultrapassado, restringindo-se a uma visão dicotomizada de conceitos: língua x fala, eixo sintagmático x eixo associativo, sincronia x diacronia, etc. Não podemos esquecer de mencionar ainda a famosa tese das “exclusões saussurianas”, bastante defendida entre estudiosos – inclusive brasileiros –, de acordo com a qual Saussure teria “excluído” a fala, a história, o sujeito e o referente da Linguística.

O que se vê nos manuscritos e, inclusive, já no CLG, é que há realmente uma tentativa de delimitação de conceitos, o que se constitui como um movimento típico de quem trabalhava arduamente em uma complexa arquitetura teórica emergente. Entretanto, esses conceitos não são tomados como estanques e podem ser considerados mais como um recorte epistemológico, do que como, de fato, uma exclusão6 6 Essa é também a posição defendida por Normand (2009). . Deve-se ressaltar ainda que é a delimitação desses conceitos que permitiu reposicionar, para não dizer revolucionar, o modo de conceber a língua em seu funcionamento social, além de instituí-la como objeto de estudo e colocá-la no centro das preocupações científicas mais recentes.

É nessa perspectiva que Testenoire (2016)TESTENOIRE, P-Y. O que as teorias do discurso devem a Saussure. In: CRUZ, M. A.; PIOVEZANI, C; TESTENOIRE, P.-Y. (Org.). Saussure, o texto e o discurso: cem anos de heranças e recepções. São Paulo: Parábola, 2016. tece considerações que destronam certas posições equivocadas a respeito da relação entre a linguística saussuriana e os chamados estudos do discurso. Ao mostrar a preocupação de linguistas atuais, como Jean-Michel Adam e Jean-Paul Bronckart, em atribuir ao “Saussure dos manuscritos” o importante papel de iniciar as discussões sobre o complexo conceito de discurso, alguns aspectos importantes da recepção saussuriana são apresentados. De acordo com ele, todas as teorias do discurso atuais “convergem em fazerem do discurso não mais algo a ser encontrado além da linguística saussuriana, mas, antes, um elemento fundamental de seu pensamento teórico” (TESTENOIRE, 2016, p.107TESTENOIRE, P-Y. O que as teorias do discurso devem a Saussure. In: CRUZ, M. A.; PIOVEZANI, C; TESTENOIRE, P.-Y. (Org.). Saussure, o texto e o discurso: cem anos de heranças e recepções. São Paulo: Parábola, 2016.).

Dentre os aspectos apresentados por Testenoire (2016)TESTENOIRE, P-Y. O que as teorias do discurso devem a Saussure. In: CRUZ, M. A.; PIOVEZANI, C; TESTENOIRE, P.-Y. (Org.). Saussure, o texto e o discurso: cem anos de heranças e recepções. São Paulo: Parábola, 2016., temos o fato de que esses estudiosos, que agora se mostram adeptos das elaborações saussurianas sobre o discurso, baseiam-se, principalmente, na descoberta dos novos documentos saussurianos em 1996 e, principalmente, na famosa “Nota sobre o discurso”, publicada no ELG. O curioso desse interesse e da constatação de que Saussure não teria excluído a fala de suas elaborações advém do fato de que a “Nota sobre o discurso”, publicada no ELG como pertencente aos novos documentos7 7 Designação dada por Engler e Bouquet aos documentos encontrados em 1996. , já pertencia, na verdade, ao arquivo dos antigos documentos de Saussure, ou seja, era conhecida antes de 1996, tendo sido, inclusive, publicada na década de 1970 por Jean Starobinski no Les mots sous les mots: les anagrammes de Ferdinand de Saussure.

É interessante perceber, nesse contexto, como o surgimento dos manuscritos parece proporcionar uma releitura de toda a obra saussuriana, que tem como resultado a adoção de perspectivas diferentes em relação ao constructo teórico de Ferdinand de Saussure. Dizemos isso, pois há um movimento, encabeçado por estudiosos como Simon Bouquet, partidário da concepção de que o Saussure do CLG é falseado em virtude do trabalho realizado pelos editores, enquanto o Saussure dos manuscritos – e das publicações em vida – seria o verdadeiro Saussure. A perspectiva defendida por Testenoire (2016)TESTENOIRE, P-Y. O que as teorias do discurso devem a Saussure. In: CRUZ, M. A.; PIOVEZANI, C; TESTENOIRE, P.-Y. (Org.). Saussure, o texto e o discurso: cem anos de heranças e recepções. São Paulo: Parábola, 2016. e por outros pesquisadores, dentre os quais nos inserimos, dita exatamente o contrário: não se deve realizar uma busca pelo verdadeiro Saussure, o CLG e as anotações autógrafas se complementam, não se excluem.

Ainda no que concerne às leituras atuais do constructo teórico saussuriano, em seu artigo “Os manuscritos saussurianos nas teorias contemporâneas do texto e do discurso”, Driss Ablali investiga a influência de Saussure, principalmente no que concerne à noção de discurso, nas elaborações de alguns linguistas contemporâneos, dentre os quais Jean-Michel Adam e Jean-Paul Bronckart, mencionados antes.

O primeiro, segundo Ablali (2016)ABLALI, D. Os manuscritos saussurianos nas teorias contemporâneas do texto e do discurso. In: CRUZ, M. A.; PIOVEZANI, C.; TESTENOIRE, P-Y. (Org.). Saussure, o texto e o discurso: cem anos de heranças e recepções. São Paulo: Parábola, 2016, p.125-148., apropria-se da ideia de discurso presente nos Escritos de linguística geral, organizados e editados por Simon Bouquet e Rudolf Engler, para lançar relações – anacrônicas – entre a noção de língua em Saussure e as mais recentes ideias de texto e discurso. E mais, Adam ainda diz que o Saussure das Notas parece prenunciar a linguística enunciativa de Émile Benveniste, situando este, mais uma vez de forma equivocada, como precursor das teorias do texto e do discurso atuais. Aqui, é interessante fazer um adendo: a afirmação de que Saussure prenuncia a teoria da enunciação de Benveniste é, de certa forma, algo comum nos estudos da linguagem. Obviamente, há vários pontos em que esses dois linguistas se cruzam, além da retomada de conceitos saussurianos por Benveniste em suas elaborações. Contudo, pensamos, assim como Normand (2006, p.18)NORMAND, C. Saussure-Benveniste. Letras – Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Santa Maria, n. 33, dez. 2006, p.13-21. Santa Maria. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/11920/7341. Acesso em 16/10/2021.
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, que não há filiação, mas sim um encontro teórico que diz respeito “à inteligência e ao amor, que lhes é comum, pela língua”. Em Bronckart, segundo Ablali (2016, p.135)ABLALI, D. Os manuscritos saussurianos nas teorias contemporâneas do texto e do discurso. In: CRUZ, M. A.; PIOVEZANI, C.; TESTENOIRE, P-Y. (Org.). Saussure, o texto e o discurso: cem anos de heranças e recepções. São Paulo: Parábola, 2016, p.125-148., “a língua permanece sempre sob o controle do social e que todas as produções linguageiras são de natureza fundamentalmente social. Isso ele diz com base em suas leituras a partir de ‘O caráter duplo da linguagem’”.

Em síntese, ao contrário de muitas leituras como essas, os manuscritos encontrados não invalidam o Curso, muito menos atestam inferioridade deste, mas, antes, permitem-nos constatar um intenso processo de construção e elaboração autoral, em um movimento de emergência da ciência linguística moderna, como atestam Silveira et.al. (2019). Para esses autores, nem os manuscritos, nem o Curso de linguística geral devem ser lidos separadamente, mas em estreita relação.

Seguindo suas reflexões, que vão contra a apropriação imatura das ideias de Saussure, Testenoire (2016)TESTENOIRE, P-Y. O que as teorias do discurso devem a Saussure. In: CRUZ, M. A.; PIOVEZANI, C; TESTENOIRE, P.-Y. (Org.). Saussure, o texto e o discurso: cem anos de heranças e recepções. São Paulo: Parábola, 2016. nos revela que aquilo que autores, como os citados, usam para apoiarem seus argumentos se localiza em uma nota pertencente a um “conjunto de cadernos de anagramas elaborados por Saussure, considerada em sua extensão máxima” (TESTENOIRE, 2016, p.110TESTENOIRE, P-Y. O que as teorias do discurso devem a Saussure. In: CRUZ, M. A.; PIOVEZANI, C; TESTENOIRE, P.-Y. (Org.). Saussure, o texto e o discurso: cem anos de heranças e recepções. São Paulo: Parábola, 2016.). Ou seja, é, inclusive, condenável a atitude de Bouquet e Engler ao simplesmente inserir tal nota ao final dos escritos sobre a dupla essência da linguagem, sem, ao menos, dizerem de onde originalmente fora retirada. Produz, portanto, nos Escritos, um efeito de continuidade, uma espécie de corolário do que Saussure nos quis dizer sobre a tal dupla essência. Vale ainda pontuar aqui que, para Testenoire (2016)TESTENOIRE, P-Y. O que as teorias do discurso devem a Saussure. In: CRUZ, M. A.; PIOVEZANI, C; TESTENOIRE, P.-Y. (Org.). Saussure, o texto e o discurso: cem anos de heranças e recepções. São Paulo: Parábola, 2016., houve etapas de cristalização dessa equivocada interpretação sobre o “discurso” em Saussure:

As etapas de cristalização da locução ‘nota sobre o discurso’ podem ser reconstituídas: Starobinski (1971) fala de um ‘texto isolado, [que] lança a problemática [do discurso]’; Amacker (1989) e Fehr (1995) falam de uma ‘nota de F. de Saussure referente ao discurso’; Adam (2001) fala da ‘chamada nota sobre o discurso’; e, finalmente, Engler e Bouquet (2002), nos ELG, optam por intitulá-la ‘Nota sobre o discurso’, sem assinalar que se trata de uma escolha deles... (TESTENOIRE, 2016, p.110TESTENOIRE, P-Y. O que as teorias do discurso devem a Saussure. In: CRUZ, M. A.; PIOVEZANI, C; TESTENOIRE, P.-Y. (Org.). Saussure, o texto e o discurso: cem anos de heranças e recepções. São Paulo: Parábola, 2016.).

Mas, afinal, o que diz a tal nota que tanto interesse vem gerando? Eis um trecho interessante:

A língua só é criada em vista do discurso, mas o que separa o discurso da língua ou o que, em dado momento, permite dizer que a língua entra em ação como discurso? [...] o discurso consiste, quer seja de maneira rudimentar e por vias que ignoramos, em afirmar uma ligação entre dois dos conceitos que se apresentam revestidos da forma linguística, enquanto a língua realiza, anteriormente, apenas conceitos isolados, que esperam ser postos em relação entre si para que haja significação de pensamento (SAUSSURE, 2002, p.237SAUSSURE, F. Escritos de linguística geral. Organizado por Simon Bouquet e Rudolf Engler. Tradução de Carlos Augusto L. Salum e Ana Lucia Franco. São Paulo: Cultrix, 2002.).

Desse modo, se nos valemos de toda a criteriosa averiguação empreendida por Testenoire (2016)TESTENOIRE, P-Y. O que as teorias do discurso devem a Saussure. In: CRUZ, M. A.; PIOVEZANI, C; TESTENOIRE, P.-Y. (Org.). Saussure, o texto e o discurso: cem anos de heranças e recepções. São Paulo: Parábola, 2016., não é difícil percebermos que a nota trata das longas reflexões de Saussure sobre o objeto língua e a fala, parole, tomada aqui em sua acepção francesa “discours”.

Ora, se negamos tais visões impressionistas que, de algum modo, tentam revisitar e reposicionar as leituras sobre Saussure, descolando-o das supostas dicotomias – estanques –, em que podemos nos apoiar para negar as visões infundadas que ainda têm certo alcance hoje? Em princípio, podemos reafirmar que tais leituras, embora predominantes, nem sempre foram únicas. Albert Sechehaye, por exemplo, um dos editores do terceiro Curso, é um dos que nos mostra o quanto as ideias de Saussure ganham frutíferas afiliações, como é o caso do Círculo Linguístico de Praga. Em seu Les trois linguistiques saussuriennes, o autor aponta caminhos possíveis de ir a Saussure sem reproduzir leituras impressionistas como aquelas dos pares dicotômicos. É interessante o quanto a postura do autor nos ensina em relação à atitude madura de alguém que se diz cientista – da língua – ao dedicar-se a ler o Curso:

De qualquer forma, a verdadeira crítica ao Curso é colaborar com seu autor, seja para aprofundar mais do que ele foi capaz de fazer os fundamentos da ciência linguística ou para editar de maneira mais definitiva a construção de que o Curso só poderia fornecer um primeiro rascunho imperfeito (SECHEHAYE, 1940, p.3SECHEHAYE, A. Les trois linguistique saussuriennes. Vox Romanica, 1940., tradução nossa)8 8 “De toutes façons, la vraie critique du Cours consiste a collaborer avec son auteur, soit pour creuser plus avant qu'il n'a pu le faire les assises de la science linguistique, soit pour editier d'une facon plus definitive la construction dont le Cours n'a pu fournir qu'une première et imparfaite ébauche”. .

Isso posto, Albert Sechehaye toma a primeira via – a de aprofundar – e propõe as três linguísticas saussurianas: um estado da linguagem (linguística estática), as funções dessa linguagem (fala organizada) e as evoluções dessa linguagem (linguística evolutiva). A linguística da fala organizada se posiciona entre a linguística estática e a linguística evolutiva e diz respeito ao lugar do criativo na língua, mas sempre tendo a norma como lugar de regularidades. Essa visão vai ao encontro do que, mais tarde, na década de 1970, vai definir Coseriu (1979)COSERIU, E. Sistema, norma e fala. In: COSERIU, E. Teoria da linguagem e linguística geral. Rio de Janeiro: Presença, 1979, p.13-85. como sistema, norma e fala. Para Coseriu (1992)COSERIU, E. Competencia linguística: elementos de la teoría del hablar. Madrid: Editorial Gredos, 1992., a norma é o lugar das regularidades, da manifestação da competência textual dos usuários.

3 Um encontro Saussure-Bakhtin na episteme: quais ressonâncias desse encontro seriam possíveis hoje?

Por episteme entende-se, na verdade, o conjunto das relações que podem unir, em uma dada época, as práticas discursivas que dão lugar a figuras epistemológicas, a ciências, eventualmente a sistemas formalizados; o modo segundo o qual, em cada uma dessas formações discursivas, se situam e se realizam as passagens à epistemologização, à cientificidade, à formalização; a repartição desses limiares que podem coincidir, ser subordinados uns aos outros, ou estar defasados no tempo; as relações laterais que podem existir entre figuras epistemológicas ou ciências, na medida em que se prendam a práticas discursivas vizinhas mas distintas. A episteme não é uma forma de conhecimento, ou um tipo de racionalidade que, atravessando as ciências mais diversas, manifestaria a unidade soberana de um sujeito, de um espírito ou de uma época; é o conjunto das relações que podem ser descobertas, para uma época dada, entre as ciências, quando estas são analisadas no nível das regularidades discursivas (FOUCAULT, 2008, p.214FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.).

Foucault é certeiro ao definir a episteme como lugar de relações e, por isso, de diálogos possíveis entre ciências, apontando para regularidades discursivas que tecem as diferentes malhas teóricas em determinada época. Outra característica importante refere-se ao fato de que a episteme não consagra um autor específico, mas permite-nos vislumbrar os contornos teóricos emergentes, seu alcance e suas limitações. Nesse contexto, a episteme também aponta defasagens de teorias que já não mais respondem às demandas que outrora sustentavam.

É nesse sentido, portanto, que partimos para nossa reflexão central que toma as ideias de Saussure e Bakhtin, passíveis de serem retomadas e, ao mesmo tempo, necessariamente ressignificadas. Ou seja, é uma retomada em espiral em que, o retorno, quando se faz, avança e jamais toca o mesmo ponto, mas identifica-se de algum modo com ele. É importante ainda reforçar que a episteme não diz respeito a correntes ou tendências teóricas de determinada época, mas consegue delimitar certas práticas discursivas – teóricas – que podem, aparentemente, ser consideradas antagônicas ou semelhantes e como tais práticas se colocaram na ordem do discurso.

Mas como procederíamos a uma análise epistemológica que conseguisse enxergar, em nosso caso, relações (meta)teóricas que nos permitissem uma aproximação mais profícua entre Saussure e Bakhtin de modo a possibilitar a ressignificação, em certa medida, de nossos parâmetros de investigação linguística já postos? A dimensão dessa questão talvez não seja respondida aqui, mas lançamos reflexões que direcionam para uma possibilidade concreta de redimensionamento desses parâmetros. Sobre o modo como se olha para a episteme a fim de se lançar luz a certas práticas discursivas, assim diz Foucault (2008, p.215)FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.:

Finalmente, vê-se que a análise da episteme não é uma maneira de retomar a questão crítica (“sendo apresentado algo como uma ciência, qual é seu direito ou sua legitimidade?”); é uma interrogação que só acolhe o dado da ciência a fim de se perguntar o que é, para essa ciência, o fato de ser conhecida. No enigma do discurso científico, o que ela põe em jogo não é o seu direito de ser uma ciência, é o fato de que ele existe. E o ponto onde se separa de todas as filosofias do conhecimento é que ela não relaciona tal fato à instância de uma doação originária que fundaria, em um sujeito transcendental, o fato e o direito; mas sim aos processos de uma prática histórica.

Ou seja, a episteme nos permite olhar para o discurso científico tendo em vista o amplo processo histórico no qual se engendram embates e construções teóricas. Não trata, por isso, de uma mera reconstrução histórica, ou de um inventário bio(biblio)gráfico, mas de “mostrar como se formaram uma prática discursiva e um saber revolucionário que estão envolvidos em comportamentos e estratégias, que dão lugar a uma teoria da sociedade e que operam a interferência e a mútua transformação de uns e outros” (FOUCAULT, 2008, p.218FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.).

É a episteme, enquanto lugar dos jogos discursivos que buscam pôr em relação o funcionamento das práticas discursivas em questão, que nos permite desautorizar, em certo sentido, algumas interpretações, expostas acima, que ganharam corpo e foram cristalizadas em dado período, como é o caso das dicotomias saussurianas predominantes no século XX. Desconstruídos esses discursos reducionistas, somos convocados a colocar ao lado das “novas” perspectivas de compreensão sobre Saussure, outras práticas teóricas que nos constituem enquanto pesquisadores. Ora, se Saussure é posto enquanto autor (cf. SILVEIRA et.al., 2019) que, no século XX, desloca profundamente o olhar dos estudos sobre a linguagem no sentido de apresentar os fundamentos da Linguística Moderna, e assim o cremos, torna-se necessário aproximá-lo de outros estudiosos da linguagem que lhe são posteriores com vistas a perceber possíveis diálogos. Como em um golpe de vista, propomos uma entrada nos escritos de Saussure e Bakhtin, reforçando aqui uma metáfora comum aos dois autores, a sinfonia / a orquestra. Eis as citações:

Pode-se comparar a língua a uma sinfonia, cuja realidade independe da maneira por que é executada; os erros que podem cometer os músicos que a executam não comprometem em nada tal realidade (SAUSSURE, 2006, p.26SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. Organização Charles Bally e Albert Sechehaye; com a colaboração de Albert Riedlingler; prefácio à edição brasileira de Isaac Nicolau Salum; tradução Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.; itálico nosso).

Enquanto para Bakhtin, por meio do heterodiscurso social e da dissonância individual, que floresce no solo do heterodiscurso,

(...) o romance orquestra todos os seus temas, todo o seu universo de objetos e sentidos que representa e exprime. O discurso do autor, os discursos dos narradores, os gêneros intercalados e os discursos dos heróis são apenas as unidades basilares de composição através das quais o heterodiscurso se introduz no romance; cada uma delas admite uma diversidade de vozes sociais e uma variedade de nexos e correlações entre si (sempre dialogadas em maior ou menor grau) (BAKHTIN, 2015, p.30BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015.; itálico nosso).

Um leitor desavisado, nem um pouco interessado no diálogo que aqui propomos, já “de cara” rejeita qualquer aproximação possível a partir dessas citações. Ao contrário, reforçaria posicionamentos evidentemente antagônicos tomando, inclusive, tais citações por base. Bom, se assim procede algum leitor deste artigo, sugerimos uma interrupção nesta leitura. Mas, se mesmo desconfiando das possibilidades aqui aventadas, ainda assim o leitor “paga para ver” se há, de fato, alguma possibilidade de aproximação entre os autores mencionados, convidamos ao debate.

De um lado, Saussure direciona-nos a olhar internamente para a língua, enquanto sistema de signos verbais. O sistema, linguístico, como em uma sinfonia, antes mesmo de ser executado – usado – pressupõe um funcionamento já dado a priori pela massa falante. Assim, havendo erros de execução, nada impede que se reconheça tal erro e se retome a organização sistêmica, já pressuposta. De outro lado, Bakhtin nos mostra o caráter constitutivamente dialógico da língua e nos revela que, quando concretizada em algum gênero, no caso, o romance, sempre aparece orquestrando diferentes vozes sociais. Ou seja, é na realização da língua, na forma de enunciados concretos, que o locutor se posiciona frente ao mundo e, para isso, sempre o faz relacionando por aproximação ou refração outros posicionamentos sociais.

Visto apenas da perspectiva acima abordada, que olha internamente as teorizações de cada autor, permaneceríamos apontando as profundas diferenças entre Saussure e Bakhtin e atestaríamos as interpretações do próprio autor russo, como nos fez ver Brait (2016)BRAIT, B. A presença de Saussure em manuscritos de Mikhail Bakhtin. In: FARACO, Carlos A. (Org.). O efeito Saussure: cem anos do Curso de linguística geral. São Paulo: Parábola, 2016, p.91-109., distanciando-se das ideias saussurianas. Mas não é disso que tratamos. Ora, se retomarmos a citação de Saussure reposicionando-a no bojo de seu construto teórico, recuperamos a ideia de que a língua é sim um sistema, mas de que natureza é tal sistema? A resposta pode nos ser dada no processo de elaboração do conceito de valor. Isto é, a língua é um sistema de valores. Tais valores, por sua vez, embora remetam para o funcionamento da língua no interior do sistema, partem da sociedade, ou seja, são da ordem do coletivo, e não um produto cognitivo de um indivíduo isolado: “A coletividade é necessária para estabelecer os valores cuja única razão de ser está no uso e no consenso geral: o indivíduo, por si só, é incapaz de fixar um que seja” (SAUSSURE, 2006, p.132SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. Organização Charles Bally e Albert Sechehaye; com a colaboração de Albert Riedlingler; prefácio à edição brasileira de Isaac Nicolau Salum; tradução Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.). Mais adiante, Saussure ainda mostra que o valor, por ser relacional, opera por semelhança e dessemelhança entre os elementos linguísticos que o constituem. Em uma intensa investigação das “Notas para o Curso III”, em que se verifica nos manuscritos o processo de construção do conceito de valor na elaboração teórica saussuriana, Coelho (2015, p.146)COELHO, M. P. Sistema e relação na teoria do valor de Ferdinand de Saussure. Estudos Linguísticos, São Paulo, 44, jan.-abr., 2015, p.135-147. Disponível em: https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/issue/view/26. Acesso em: 16/10/2021.
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reafirma justamente a ideia de que a noção de valor está intrinsecamente relacionada à noção de sistema e conclui:

Desse modo, é notável a existência de um vínculo entre o processo de elaboração da Teoria do Valor e o movimento de construção da noção saussuriana de sistema. Esse vínculo, por sua vez, só pode ser efetivado pela noção de relação, a qual, segundo o que é exposto no conjunto de manuscritos, só existe devido ao valor, e pode ser notada no laço existente entre o sistema e o caráter trocável dos termos que o compõem.

Chama-nos a atenção a referência da autora à ideia de relação como aporte teórico que aparece no fundamento de dois dos conceitos saussurianos principais de língua e sistema. O Círculo Linguístico de Praga que, como dissemos, reconhece em suas bases as ideias saussurianas, já nos mostrava que um fonema só se define por relação de aproximação e oposição com outros fonemas no sistema de uma língua. Isso nos leva, portanto, a aceitar a ideia de que o linguista genebrino direciona suas considerações para uma perspectiva axiológica, relacional de linguagem, e jamais dicotômica.

E, aqui, entra o ponto central que emerge de nossas investigações sobre o tema: é possível dizer que, em grande medida, Saussure sofre influências profundas das ideias neokantianas que, na virada do século XIX para o século XX, eclodiam na Europa como resposta à visão romântica antecedente. Se, neste caso, os estudiosos da linguagem se dedicavam, como já dissemos linhas acima, a uma visão nacionalista de língua, enquanto instrumento a ser estudado para ser preservado e, quiçá, encontrar a suposta língua-mãe que teria originado as demais, com Saussure, a língua passa a ser vista como um sistema verificável apenas na coletividade, presentificado na sociedade. Assim, ao estudar um signo linguístico que seja, torna-se possível compreender boa parte desse sistema, uma vez que tal elemento – signo – só pode ser definido em relação aos outros. Desse modo, seria tarefa do linguista descrever tal funcionamento para conhecer, “explicitar o mecanismo ignorado pela ‘massa falante’” (NORMAND, 2009, p.47NORMAND, C. Saussure. Tradução de Ana de Alencar e Marcelo Diniz. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.), mas utilizado por ela a todo momento, e que é relacional por natureza. E o linguista assim procede porque se refere a um locutor, vivo, em circulação na sociedade. Este é o sujeito que emerge das investigações de Saussure, não aquele sujeito, morto, do registro filológico:

Partimos desta interrogação: o que um linguista procura ressaltar em sua análise da língua? Em cada caso, o que faz que uma sequência signifique para um locutor. Tomemos o enunciado ‘ande!’: em si, ele não significa, e sim em relação a andem!, andemos!, eu ando... [...] depende das escolhas que o sistema irá permitir, cada uma delas associando forma e sentido de modo específico (NORMAND, 2009, p.74-75NORMAND, C. Saussure. Tradução de Ana de Alencar e Marcelo Diniz. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.).

Na mesma esteira do pensamento de Normand, percebemos que Osvald Ducrot reconhece a alteridade constitutiva da língua em suas considerações especialmente sobre a teoria do valor:

O Curso de linguística geral, no capítulo sobre o valor, aplica às palavras da língua o que Platão disse sobre as ideias. A oposição, para Saussure, é constitutiva do signo da mesma forma que a alteridade é, para Platão, constitutiva das ideias. O valor de uma palavra – ou seja, sua realidade linguística – é o que a opõe às outras palavras. Seu ser é ser outro (DUCROT, 2009, p.11DUCROT, O. Prefácio. In: VOGT, C. O intervalo semântico. Campinas: Editora da Unicamp, 2009, p.11-20.).

Ora, se é relacional, é também passível de olhares distintos sobre o mesmo objeto. Eis aí, como bem afirma Craig Brandist (2018)BRANDIST, C. Entrevista: Craig Brandist (Bakhtin Centre). Entrevista concedida a Patrícia Margarida Farias Coelho e Marcos Rogério Martins Costa. Bakhtiniana, São Paulo, 13 (2), p.212-224, maio/ago. 2018. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/32542/25433. Acesso em 16/08/2021.
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, um filão profundamente neokantiano de Saussure, cuja máxima, o ponto de vista cria o objeto, se tornou paradigma para as ciências humanas modernas.

Obviamente, aguardamos um estudo mais aprofundado que reconheça essa afirmação de Saussure como parte de um construto teórico maior do autor, mas não há como negar o lugar epistemológico de encontro entre aquele que carrega o peso da fundação da Linguística Moderna e Mikhail Bakhtin, que joga com as necessárias relações dialógicas no processo de construção dos enunciados pelo homem. A episteme axiológica, então, também atravessa sua elaboração conceitual:

Bakhtin teorizou as fontes kantianas e neokantianas nos seus textos, mas a maneira como ele as elaborou nos revela a sua voz dialogando responsivamente com I. Kant e se distinguindo dele e das vozes dos outros filósofos. Na teia dialógica, a superação do a priori kantiano se faz recuperando a concepção do filósofo alemão E. Husserl que propõe a necessidade de uma apreensão histórico-social que leve em conta o real em sua concretude, numa trajetória constante de “regresso às coisas em si” (CAMPOS, 2015, p.208-209CAMPOS, M. I. B. Compreensão sobre a arquitetônica em Bakhtin: fontes kantianas. Organon, Porto Alegre, v. 30, n. 59, p.199-210, jul/dez. 2015. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/organon/article/view/56901 Acesso em 16/10/2021.
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).

Dessa forma, Bakhtin toma o princípio neokantiano das relações e, ao mesmo tempo, ancora-se em uma vertente sócio-histórica de atuação do homem pela linguagem. A sua teorização sobre os gêneros do discurso, amplamente tomados hoje como objeto de estudos da linguagem serve-nos aqui de exemplo para ilustrar esse princípio presente em sua conceituação. De início, a clássica definição de gêneros como “tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2016, p.12BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016.) elaborados nas diferentes esferas na sociedade já nos diz muito sobre o caráter axiológico desse objeto, pelo menos porque nos remete a duas características dos gêneros:

  • a) de que eles só existem e só podem ser levados em conta em relação aos outros gêneros que na mesma esfera social dele se avizinham ou

  • b) de que eles só existem e só podem ser levados em conta em relação aos gêneros que o antecederam e que, de alguma forma, o (retro)alimentam.

Ou seja, os gêneros são resultantes da complexa relação social-ideológica entre os sujeitos em uma mesma e em diferentes épocas. Sobre isso, o conceito de gêneros primários e gêneros secundários pode esclarecer melhor, já que estes, mais complexos e geralmente mediados pela escrita, são, para o autor russo, resultantes de profundas apropriações e mutações daqueles, de origem mais popular, familiar, e, por isso, geralmente de cunho oral. É possível, por isso, reconhecer em um romance moderno ressonâncias transmutadas do discurso mais popular, na voz de um personagem camponês, por exemplo, ou mesmo de um discurso parodístico que desconstrói todo o requinte de um personagem burguês, carnavalizando-o, ridicularizando-o. Vejamos abaixo uma citação que Bakhtin faz de um romance de Turguêniev, Pais e filhos, a fim de ilustrar essa voz dissonante da paródia que desconstrói um discurso burguês:

Pável Pietróvich sentou-se à mesa. Usava um elegante terno matinal em estilo inglês: vermelhava em sua cabeça um pequeno fez. Esse fez e uma gravatinha arrumada com negligência insinuavam a liberdade da vida no campo; mas o duro colarinho da camisa, verdade que não branca mas listrada como é praxe para a toalete matinal, cutucava de modo habitualmente impiedoso o queixo barbeado (TURGÊNIEV apud BAKHTIN, 2015, p.103BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015.).

É, portanto, evidente uma luta de pontos de vista, no dizer bakhtiniano, em que, em oposição – e por que não dizer, em luta – com a situação burguesa que se instaura na cena em questão (“usava um elegante terno matinal estilo inglês”), as marcas do homem camponês se evidenciam na descrição feita (“o duro colarinho da camisa... cutucava de modo habitualmente impiedoso o queixo matinal”) e rebaixa o estilo pomposo. Assim,

(...) essa linguagem é atraída, arrastada para a luta entre pontos de vista, avaliações e acentos nela introduzidas pelo herói, é contagiada pelas intenções em luta e por elas estratificada: disseminam-se por essa linguagem palavras, palavrinhas, expressões, definições e epítetos contagiados por intenções alheias com as quais o autor não se solidariza até o fim e através das quais refrata suas próprias intenções (BAKHTIN, 2015, p.101BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015.).

Desse modo, é na alteridade que o dizer de um locutor se faz. Sempre que este diz o faz em relação ao outro: ao outro com quem fala diretamente na situação e ao outro distante no tempo e no espaço. E isso é profundamente relacional em Mikhail Bakhtin. É, portanto, naquilo que aqui chamamos de episteme axiológica, de filão neokantiano, que podemos falar de um encontro entre Saussure e Bakhtin.

Em uma releitura que aqui fazemos de Saussure, de Bakhtin sobre Saussure e, por que não dizer, do próprio Bakhtin, diríamos que a significação e a forma estariam, em ambos, em relação dialógica, por aproximação e embate de significados9 9 Diremos, contudo, reiteradas vezes, que tal aproximação somente pode se dar na episteme, ou seja, naquele lugar em que as relações entre as práticas discursivas podem se dar, como bem disse Foucault (2008), por retomada de certas discursividades que atravessam determinada época. Isso não priva de que se devem considerar as profundas diferenças que uma ou outra prática teórica apresenta. Ou seja, ao dizermos que ambos os autores veem forma e significação em relação, o fazemos partindo de uma certa leitura neokantiana que, em certo período de tempo, deixou marcas nos processos de teorização e que, na contemporaneidade, sofre ressignificações. . Além disso, no tempo e no espaço, a língua adquiriria sempre novos contornos significativos sob o (re)posicionamento constante de seus sujeitos que de suas formas fazem uso, no enquadre de um gênero discursivo, para significar. Ou seja, há sempre (re)atualizações da língua, como afirma Saussure (2006, p.126-127)SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. Organização Charles Bally e Albert Sechehaye; com a colaboração de Albert Riedlingler; prefácio à edição brasileira de Isaac Nicolau Salum; tradução Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.:

Cada vez que emprego a palavra Senhores, eu lhe renovo a matéria; é um novo ato fônico e um novo ato psicológico. O vínculo entre os dois empregos da mesma palavra não se baseia nem na identidade material nem na exata semelhança de sentido, mas em elementos que cumprirá investigar e que nos farão chegar bem perto da verdadeira natureza das unidades linguísticas.

Assim, nunca dizemos a mesma palavra ou o mesmo enunciado da mesma forma, dada a natureza relacional e, por isso, social, dos elementos da língua. E, mesmo considerando contextos locais e temporais de atuação desses dois grandes autores que movimentaram profundamente a linguística moderna, não há como negar que a episteme, enquanto lugar de encontro de práticas discursivas, acaba por aproximá-los produtivamente.

Considerações finais

Voltaríamos a nos perguntar de modo mais pontual no encerramento deste texto quais as contribuições desse encontro possível Saussure-Bakhtin para as ciências humanas, especialmente para a Linguística, hoje. E não faremos rodeios em dizer que o gênero discursivo (o romance, os gêneros cotidianos etc.), conceito bakhtiniano caro a nós, poderia nos ajudar com essa questão. Isso, porque essa estrutura discursiva catalisa vozes sociais e as põem em relação – heterodiscursividade –, em diálogo. Além disso, como dissemos, os gêneros comporiam, no dizer de Todorov (2018)TODOROV, T. Os gêneros do discurso. Tradução Nícia Adan Bonatti. São Paulo: Editora Unesp, 2018. uma espécie de sistema de gêneros (note-se aqui uma remissão ao conceito saussuriano de sistema), em que um gênero estaria, no tempo e no espaço, em relação de aproximação e distanciamentos com outros gêneros.

Vale ainda dizer que um retorno a Saussure, como um autor que busca incessantemente estabelecer as bases de seus conceitos, pode nos fazer compreender que os sentidos são relacionais, mas não relativistas, pois remetem sempre a um sistema que não se fecha em si, mas que aponta para a (res)significação pelo locutor a cada uso que dele faz. Aqui entraria, então, Bakhtin com as concepções de gênero e seus conceitos correlatos, já que, embora funcione sob coerções de uma sociedade que aparentemente age no sentido de o fixar, reconhece nele, o gênero, um lugar de ação “criativa” por meio da linguagem, em que sentidos outros podem ser aventados.

Carecemos, então, de pesquisadores que, reconhecendo o (re)encontro como possível, produzam novas discursividades no âmbito das ciências humanas, mais especificamente, da ciência linguística. Entretanto, parece certo que só quem toma o dialogismo como princípio constitutivo da vida humana é que de fato chegará a concretizá-lo.

  • 1
    Doravante CLG.
  • 2
    O Écrits de linguistique générale é publicado em 2002, mas não é composto somente de anotações inéditas de Saussure. Os editores se utilizam de parte das notas editadas por Engler em 1968.
  • 3
    No Brasil, esse movimento de retomada e investigação das elaborações saussurianas, relacionando-as a questões centrais da linguística atual, é encontrado nas produções do Grupo de Pesquisa Ferdinand de Saussure (GPFdS/CNPq), que envolve pesquisadores de várias universidades.
  • 4
    A Revolução de Outubro, como é chamado o processo pelo qual se instaura o comunismo na Rússia, ocorre em 1917.
  • 5
    Como já foi dito, a primeira edição russa do CLG foi publicada em 1933 por Rozalija Sor (1894-1939), entretanto o linguista suíço logo foi considerado como um pensador burguês o que, no contexto da URSS, contribuiu para sua falta de popularidade.
  • 6
    Essa é também a posição defendida por Normand (2009)NORMAND, C. Saussure. Tradução de Ana de Alencar e Marcelo Diniz. São Paulo: Estação Liberdade, 2009..
  • 7
    Designação dada por Engler e Bouquet aos documentos encontrados em 1996.
  • 8
    “De toutes façons, la vraie critique du Cours consiste a collaborer avec son auteur, soit pour creuser plus avant qu'il n'a pu le faire les assises de la science linguistique, soit pour editier d'une facon plus definitive la construction dont le Cours n'a pu fournir qu'une première et imparfaite ébauche”.
  • 9
    Diremos, contudo, reiteradas vezes, que tal aproximação somente pode se dar na episteme, ou seja, naquele lugar em que as relações entre as práticas discursivas podem se dar, como bem disse Foucault (2008)FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008., por retomada de certas discursividades que atravessam determinada época. Isso não priva de que se devem considerar as profundas diferenças que uma ou outra prática teórica apresenta. Ou seja, ao dizermos que ambos os autores veem forma e significação em relação, o fazemos partindo de uma certa leitura neokantiana que, em certo período de tempo, deixou marcas nos processos de teorização e que, na contemporaneidade, sofre ressignificações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2020
  • Aceito
    12 Jun 2021
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