Acessibilidade / Reportar erro

Bakhtiniana 15 anos: interação de ciência, arte e vida

O ponto de vista é cronotópico e abrange tanto o elemento espacial quanto o temporal. A isto se vincula imediatamente o ponto de vista axiológico...

Mikhail Bakhtin

Em 2024 Bakhtiniana completa 15 anos de publicação ininterrupta. Criada em 2008, pelo Grupo de Pesquisa PUC-SP/CNPq “Linguagem, Identidade e Memória”, no Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem-LAEL da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP, seu primeiro número foi publicado em 20091 1 https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/issue/view/235 , contando com um editorial, 9 artigos, sendo 1 em espanhol, e 3 resenhas. O conjunto envolveu várias instituições brasileiras e duas francesas. Inicialmente, eram dois números anuais; passou a três em 2015 e, desde 2019, publica quatro números por ano. A partir de 2012, torna-se um periódico bilíngue - português e inglês. É Qualis A1, indexada no SciELO, entre outras importantes plataformas científicas.

O aniversário da revista é motivo de muita satisfação - e mesmo orgulho! - para nós, que labutamos no dia a dia com ela. Sem dúvida, num país como o nosso, onde não se pode ter certeza dos patrocínios institucionais a serem recebidos a cada ano - esses 15 anos são uma conquista! E essas palavras expressam nosso ponto de vista cronotópico, na medida em que dialogam com um elemento tanto espacial - nosso país, quanto temporal - os últimos 15 anos, vinculados às expressões axiológicas de satisfação, orgulho e conquista que manifestamos (cf. a epígrafe bakhtiniana).

Parafraseando Carlos Alberto Faraco (2009FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & diálogo. As ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009., p. 156), como valor primeiro, Bakhtiniana assume o dever de reconhecer Você - nosso leitor, a comunidade acadêmica, responder a Você, promover o diálogo e a interação de sujeitos e ideias. Esse tem sido nosso esforço ao longo dos anos, na recepção, compartilhamento e produção do conhecimento. E, com Faraco (2009), ainda nos indagaríamos:

... cabe-nos apenas descrever e explicar os fenômenos ou, ao identificar o papel nuclear, estruturante da dialética do reconhecimento, cabe-nos também cuidar da grande dimensão ética que perpassa a interação? (p. 156).

Respondemos: Bakhtiniana tem tido como norte a interação ética, buscando posicionar-se de modo bakhtiniamente responsável (Bakhtin, 2010) em relação ao contexto social, cultural, educacional e político em que estamos inseridos. E acreditamos que isso mais uma vez ocorre neste número 19.2, que apresenta 12 artigos congregando ciência, arte e vida, os grandes campos da cultura humana (Bakhtin, 2006, p. XXXIII).

Passemos a apresentá-los, começando por aqueles textos que se ligam mais especialmente ao campo da arte. O primeiro deles “O que (não) é Educação Estética?”, de Jean Carlos Gonçalves (UFPR), ensaia reflexões em torno do termo “educação estética”, fundamentando-se, de início, em Mikhail Bakhtin e Jacques Rancière. No entanto, a seguir, em diálogo com os primeiros, mobiliza uma perspectiva latino-americana ainda pouco contemplada na literatura sobre o tema, buscando pensar os rumos da educação estética contemporânea. O segundo artigo, “Polifonia de vozes não guiadas: uma leitura bakhtiniana de O caçador de pipas de Hosseini”, vem da Índia e as autoras são Nisha Narwani e Manjiree Vaidya (University Nerul, Navi Mumbai, Maharashtra, India). O texto tenta explorar os níveis mais profundos do conhecido romance afegão de Khaled Hosseini, por meio do conceito bakhtiniano da polifonia. As inúmeras vozes presentes no romance e reveladas pelas autoras nos permitem compreender com novos olhos aquela obra.

Emanuel França de Brito (UFF) também se debruça sobre o texto literário no artigo “Dante: o furor e os estudos”. Voltando-se para o Humanismo italiano, França de Brito retoma a clássica obra italiana a partir de uma polêmica entre intelectuais humanistas a respeito do que caracterizaria a obra de Dante: a técnica, os estudos, ou o gênio, isto é, o talento daquele que pode contemplar o divino e retratá-lo, segundo o prisma platônico. Em seguida, Júlia Zoratini (UFF) trata da poesia de Joseph Brodsky, colocando-a em diálogo com os estudos pós-coloniais, no artigo “Chegaste ao Império, meu amigo: o legado da narrativa imperial russa na poesia de Joseph Brodsky”. Segundo Zoratini, a obra do poeta russo exilado ecoa os predecessores da cultura de origem e, simultaneamente, apresenta nuances da gênese do Império Russo (século XVIII) que têm ressonância até os dias de hoje na narrativa imperialista russa do país. O próximo artigo é mais um texto que tem como foco a literatura, e é assinado por Alan Brizotti (Faculdade Unida, FUV-ES), “O redemoinho sagrado: a imaginação poético-pentecostal de Carlos Nejar em Riopampa: o moinho das tribulações”. No romance de Carlos Nejar, poeta e membro da Academia Brasileira de Letras, selecionado para análise, Brizotti busca o envolvimento do sagrado a partir da pentecostalidade, na ampla variedade de imagens, símbolos e experiências narradas no romance, especialmente em diálogo com o discurso bíblico.

Ainda no discurso da arte, mas em outras atividades estéticas, os próximos três textos tratam das artes plásticas - pintura, teatro-educação e música. A obra de Frida Kahlo é confrontada com o discurso religioso e o conceito bakhtiniano de corpo grotesco em “O sagrado, o profano e Frida Kahlo: uma cosmovisão religiosa no corpo grotesco”, em artigo produzido por William Brenno dos Santos Oliveira, Maria da Penha Casado Alves, Orison Marden Bandeira de Melo Jr., Matheus Silva de Souza, Renata Karolyne Gomes Coutinho, Júlia Dayane Ribeiro da Costa, todos da UFRN. Os autores analisam dois autorretratos da pintora mexicana, destacando as relações dialógicas construídas entre as representações grotescas neles presentes e as simbologias católicas. O artigo de Thiago Francysco Rodrigues Cassiano (UFT) e Juliano de Camargo Sampaio Casimiro (UFT), “Partilha sensível e a corda de nó(s): emancipação e autonomia no ensino de Artes”, propõe-se a discutir a práxis estética e poética na performance Corda de Nó(s), a partir da experiência docente em uma unidade escolar pública municipal da cidade de Palmas (TO), e o alcance de narrativas teatral e visual para a emancipação intelectual e a ampliação do sensível. Finalmente, Bruna dos Santos Correia (UESC - BA) levanta possíveis efeitos de sentido relativos à Exu-Feminina, com base na análise do discurso materialista, no artigo “Exu-feminina: sentido e erotismo em Maria Padilha de Bixarte”. O confronto entre a hegemonia das ideologias cristãs e a imagem da Exu-Feminina remete a interpretações divergentes, que vinculam o erótico ao pecado, na música de Bixarte, Maria Padilha, como nos mostra a autora.

A seguir, “A criança não verbal e o conceito de intercompreensão e multimodalidade na clínica da linguagem” é o título do artigo redigido por Cristiane Alves da Silva e Ana Paula Santana, ambas da UFSC-SC. As autoras analisam o processo de intercompreensão de uma criança com perfil linguístico de restrição verbal, sob a perspectiva da Neurologia Discursiva, tendo como base teórica para interpretação dos dados, inclusive os diferentes recursos multimodais de expressão, a obra bakhtiniana. O artigo seguinte é “A futuralidade como categoria linguossinérgica no discurso pós-moderno”, de Akniyet Serikova e Kusayin Rysaldy (Kazakh Ablai Khan University of International Relations and World Languages, Kazaquistan) e Rahila Geybullayeva (Baku Slavic University, Republic of Azerbaijan), universidades localizadas em países separados pelo Mar Cáspio. Os autores visam compreender aspectos que influenciam a formação da mentalidade dos países anglófonos e do Cazaquistão por meio de um estudo da categoria de futuralidade na prosa pós-modernista, buscando os métodos, os modos e as formas (léxico-gramaticais, estruturais e semânticas) de ativar a compreensão cognitiva e conceitual de situações-chave do futuro e de significados modais.

Os dois últimos artigos do número se detêm, mais especialmente, no discurso religioso. Em “Religião e política: embate de sentidos sobre a fé evangélica em redes sociais”, Cristiane Carvalho de Paula Brito (UFU) e Thyago Madeira França (UFTM) tomam como objeto de estudo os enunciados sobre política produzidos por três diferentes pastores evangélicos em suas redes sociais. A análise, baseada em pressupostos da Linguística Aplicada e em concepções bakhtinianas, demonstra que há contraposições no interior da discursividade religiosa evangélica: de um lado, discursos fundamentalistas e autoritários e, de outro, discursos de respeito e empatia pelo outro. Por último, Dennis Souza da Costa e Ivana Siqueira Teixeira, ambos da UFPB, assinam “A atuação de forças centrípetas e centrífugas no discurso religioso sobre a pessoa com deficiência: reflexões a partir de Bakhtin e o Círculo”. O artigo analisa um vídeo dos apresentadores Tito Rocha e Leandro Quadros, disponível no YouTube, e também a resposta de uma internauta a esse enunciado. Tendo como fundamentação teórica a dialogia bakhtiniana ao lado de considerações sobre a cosmovisão religiosa, inclusão da pessoa com deficiência e teologia cristã, a análise mostra como o enunciado dos apresentadores reflete e refrata uma cosmovisão cristã que unifica o entendimento da deficiência como resultado da condenação divina ocasionada pelo pecado, diferentemente do que faz o discurso da internauta.

Finalmente, podemos afirmar que temos uma boa amostra da interação entre conhecimento, arte e vida neste primeiro número publicado em 2024. Por isso, convidamos todos - leitores, autores e colaboradores - a responder ativamente a esses textos, saboreando e incluindo em suas pesquisas este conjunto, que congrega 23 autores de 12 instituições, 9 brasileiras (UFPR, UFF, UFT, UFRN, UESC, UFSC, UFU, UFTM, UFPB), e 3 estrangeiras (University Nerul, Índia; Kazakh Ablai Khan University of International Relations and World Languages, Kazaquistan, e Baku Slavic University, Republic of Azerbaijan).

Agradecemos, mais uma vez, o inestimável e constante apoio, auxílio e reconhecimento do CNPq /CAPES e da PUC-SP, por meio do Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPEq)/ publicação de periódicos em 2024 (PubPer-PUC-SP) - 2º semestre de 2023 EDITAL PIPEq 11956/2023, Solicitação 29157.

REFERÊNCIAS

  • BAKHTIN, Mikhail. Apontamentos de 1970-1971. In: BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.393-410; p.369.
  • BAKHTIN, Mikhail. Arte e responsabilidade. In: BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. XXXIII-XXXIV; p. XXXIII.
  • BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2010.
  • FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & diálogo. As ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bakhtinianarevista@gmail.com