Acessibilidade / Reportar erro

Do dialogismo à estética polifônica nas didascálias do teatro ritual de Werewere-Liking Gnepo

RESUMO

No teatro, as didascálias funcionam como um gênero particular em que há a inscrição da voz do autor no texto para indicar os caminhos da representação. Na obra La veuve diyilèm (2003), de Werewere-Liking Gnepo, elas desempenham um papel mais amplo. Há uma função narrativa ora autora, ora personagem que, em um movimento dialógico de recepção/compreensão, desencadeia múltiplas vozes e consciências independentes e polifônicas. Para constatação dessa afirmação, discorreremos sobre as reflexões bakhtinianas que serão imprescindíveis para este estudo.

PALAVRAS-CHAVE:
Didascálias; Bakhtin; Werewere-Liking Gnepo; Teatro ritual

ABSTRACT

In theater, stage directions function as a particular genre in which the author’s voice is inscribed in the text to indicate the paths of representation. In Werewere-Liking Gnepo’s La veuve diyilèm (2003), they play a broader role. There is a narrative function, sometimes author’s, sometimes character’s that, in a dialogic movement of reception/understanding, triggers multiple independent and polyphonic voices and consciences. To verify this statement, we will discuss the Bakhtinian reflections that will be essential for this study.

KEYWORDS:
Didascalias ; Bakhtin; Werewere-Liking Gnepo; Ritual theater

Introdução

Na sua trajetória ela já teve vários nomes, mas enquanto criadora pluridisciplinar, ela é conhecida como Werewere-Liking Gnepo. Como afirma sua biografia em L’enseignement de l’Éveilleuse d’Étoiles (2013), seu trabalho traz consigo o pioneirismo do hibridismo entre a tradição de rituais africanos e a cena moderna. Com apenas os primeiros anos de formação educacional, ela viu na arte uma possibilidade de transformação para si mesma e para seus conterrâneos:

Filantropa, ela coloca cada vez mais sua iniciativa cultural Ki-Yi Mbock a serviço da causa social da juventude desfavorecida e sem escolarização. Esta experiência, que será oficialmente aprovada como Centro de Treinamento em 1997, depois Fundação Pan-Africana Ki-Yi de 2001, arrancará centenas de jovens do desespero e da violência, criando modelos de sucesso (WEREWERE-LIKING, 2013, p.9-11, tradução nossa)1 1 No original: “Philanthrope, ele met de plus em plus son initiative culturelle Ki-Yi Mbock au service de la cause sociale de la jeunesse défavorisée, déscolarisée. Cette expérience, qui sera officiellement agréée comme Centre de Formation en 1997, puis Fondation Panafricaine Ki-Yi à partir de 2001, arrachera plusieurs centaines de jeunes au désespoir et à la violence, en faisant des modèles de succès”. (WEREWERE-LIKING, 2013, p.9-11) .

Além disso, a fundação recebe também aqueles que precisam se reconectar consigo mesmos ou com “o desejo da reconquista de Si para melhor ser no e com o mundo”2 2 No original: “le désir de la reconquête du Soi pour mieux être dans et avec le monde” (WEREWERE-LIKING, 2013, p.9-11). . É a partir desse desejo de transformação e conjunto de áreas em sua formação e atuação que sua dramaturgia desenvolveu traços únicos. Uma dessas particularidades são as didascálias.

Didascália, ou rubrica, em sua função tradicional, seria a indicação cênica no texto dramático que guia na interpretação de como uma ação, uma cena, um espaço ou uma fala deveriam ser encenados. De acordo com Sarrazac, Geneviève Jolly e Alexandra Moreira em Léxico do drama moderno (2013, p.157), a “rubrica-texto” das dramaturgias modernas e contemporâneas implica atos verbais e não verbais, dentro e fora de cena, através da voz de um narrador, poeta, ou ainda um encenador virtual. Para tanto, existem as rubricas simples, de “enunciação identificável”; subjetivas, com “reações, explicações, dúvidas emitidas sobre a ficção ou sobre o devir cênico”; e polifônicas, com “confronto de vozes divergentes e de diferentes destinatários”.

Para eles, a “multiplicação dessas vozes resulta na fragmentação da forma puramente dramática, multiplicando os pontos de vista sobre a fábula e transformando o drama em endereçamento ao leitor ou ao espectador”. Nesse sentido, este estudo se interessará pelas duas últimas identificações das rubricas, como subjetiva e polifônica, pois as didascálias na obra de Werewere-Liking vão além do papel tradicional de enunciação identificável e se desdobram em múltiplas vozes e consciências.

Para este estudo, Bakhtin será um dos principais teóricos. Segundo o autor (2006), a língua é um fato social fundado na necessidade de comunicação. A língua vive e evolui na comunicação verbal concreta sendo constituída pelo fenômeno social da interação verbal realizada através de enunciações. Todos os grupos sociais, de variadas classes e de diferentes regiões, buscam na comunicação uma afirmação e uma expressão de suas existências.

Uma dessas expressões é o teatro. Para Bakhtin (2011, p.341)BAKHTIN, M. Reformulação do livro sobre Dostoiévski. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. p.337-358., ser significa ser para o outro e, por meio do outro, para si próprio. Um ponto interessante a ser observado é que ele considera o teatro como monológico. Para o autor, o monologismo seria o “discurso que não se dirige a ninguém e não pressupõe resposta” (BAKHTIN, 2016, p.92BAKHTIN, M. O texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016. p.71-110.). Na distância em que Bakhtin olhou o teatro, as personagens carregariam a consciência do autor de forma isolada. Na perspectiva monológica haveria uma “fé na autossuficiência de uma única consciência” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006, p.82BAKHTIN, M. (V. N. VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2006.). No entanto, no aprofundamento de análises do texto de Werewere não há essa mesma relação monológica.

Ainda na introdução de La veuve diyilèm (2003, p.30), a autora nos explica que, desde 1985, ela queria mudar a forma como escrevia peças. Antigamente, apenas situações e palavras previamente experimentadas em improvisações eram efetivamente colocadas em cena. Era o começo de seu grupo teatral Ki-Yi e ela buscava a maneira mais lógica de transmitir aquilo que as discussões do grupo traziam, os problemas da vida cotidiana, com os políticos e com as mentalidades que os cercavam.

Assim, ela “entrelaçava essas palavras e pensamentos experimentados às suas próprias divagações por uma série pessoal de improvisações verbais” (GNEPO, 2003, p.30GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003.)3 3 No original: “Je soumetais alors tout cet entrelacement de mots et de pensées à mes propres divagations par une série personnelle d’improvisations verbales” (GNEPO, 2003, p.30). . Os atores, por sua vez, tomavam novamente esses escritos e escolhiam frases de que eles mais gostavam, em uma interpretação própria. Entretanto, as peças representadas já não eram mais textos, mas momentos de vida “quase-íntimos” para compartilhar, mas não para publicar.

Foi após optar pela publicação que textos como La veuve Diyilèm, La queue du diable, Héros d’eau, Quelque Chose Afrique e L’Enfant Mbénè nasceram. Eles não pertenciam mais unicamente ao grupo teatral Ki-Yi Mbock, e ainda testemunhariam suas esperanças e dúvidas, questões e respostas, paixões e combates. Entretanto, dessa vez a autora teria uma autonomia maior no resultado de sua escrita, pois o foco seria a apresentação desses textos para a publicação. Nesse processo, algo novo surgiu: suas didascálias, comentários e indicações cênicas destinados aos atores ganharam tamanho protagonismo que se transformaram no personagem Metteur en scène ou M.S., termo em francês para encenador. Esse personagem vai aparecer concretizado em cena e em vários textos. Em alguns, ele será parte integral com presença e subjetividades, mesmo desempenhando a função original de rubrica.

Outro fator é a originalidade da concepção teatral de Werewere em um contexto africano de ritos, tradição oral, ritmos e, principalmente, como sua função ao ser encenado se distancia daquela popularizada pela tradição europeia.

Seja o espetáculo aparentemente mais laico ou uma cerimônia de vital importância para o indivíduo ou para o grupo, o ouvinte africano nunca se reduz à atitude contemplativa que pouco a pouco impôs a tradição europeia. Ele se sente pessoalmente envolvido, pode falar, atuar, entrar em transe, ser um ator entre atores (HOURANTIER, 1979, p.7HOURANTIER, M; LIKING, W; SCHERER, J. Du rituel à la scène chez les bassa du Cameroun. Paris: A.–G. Nizet, 1979.)4 4 No original: “Qu’il s’agisse du spectacle en apparence plus laïcisé ou d’une cérémonie d’importance vitale pour l’individu ou pour le groupe, l’auditeur africain n’est jamais réduit à l’attitude contemplative qu’a peu à peu imposée la tradition européenne. Il se sent personnellement concerné, il peut parler, agir, entrer en transe, être un acteur parmi les acteurs” (HOURANTIER, 1979, p.7). .

Desde a criação até os palcos, a ritualidade camaronesa está presente e, por isso, o teatro de Werewere é considerado ritual. A autora é originária do povo Bassa, um dos mais antigos do sul de Camarões. Exatamente porque possuem essa imensa possibilidade de investigação histórico-social, aprofundar-nos-emos na transformação das didascálias a partir de um elemento específico que aparece no ritual camaronês de cura Djingo e se constrói no teatro de Werewere enquanto personagem M.S.: o líder do rito5 5 No original: “le meneur du rite” (HOURANTIER, 1979, p.82). .

Na verdade, é ele quem é o “diretor em cena”. Ele é o mais ciente dos fatos que serão objeto do ritual, cabendo a ele levá-los ao conhecimento do público. Ele tem, portanto, a possibilidade de escolher o melhor meio para fazê-lo: seja fazendo com que o principal interessado faça uma confissão pública sozinho, ou fazendo com que quaisquer testemunhas relatem os fatos na sua presença, ou ainda empregando os dois procedimentos ao mesmo tempo, o que permite uma melhor compreensão e, portanto, um melhor posicionamento das pessoas. É, portanto, ele, o líder do rito, quem dá e quem retira a palavra; é, assim, ele quem comanda o gesto. Ele é ao mesmo tempo o defensor dos oprimidos; ele sempre fica do lado do mais fracos: do acusado ou do povo (HOURANTIER, 1979, p.82HOURANTIER, M; LIKING, W; SCHERER, J. Du rituel à la scène chez les bassa du Cameroun. Paris: A.–G. Nizet, 1979.)6 6 No original: “C’est en fait lui qui est le ‘metteur en scène’. Il est le plus au courant des faits qui vont être l’objet du rituel, et c’est à lui qu’incombe la tâche de les porter à la connaissance du public. Il a donc la possibilité de choisir les meilleurs moyens pour ce faire : soit en passant le principal intéressé en confession publique tout seul, soit en faisant raconter en sa présence les faits par d’éventuels témoins, soit encore en employant les deux procédés à la fois, ce qui permet une meilleure compréhension et donc une meilleure prise de position du peuple. C’est donc lui, le meneur du rite, qui donne et qui retire la parole ; c’est donc lui qui commande la gestuelle. Mais il est en même temps le défenseur des opprimés ; il prend toujours le parti du plus faible: l’accusé ou le peuple” (HOURANTIER, 1979, p.82). .

É ele quem guia o rito, assim como as didascálias guiam a encenação e, por fim, os dois se unem na formação do personagem M.S. na obra de Werewere. Desta maneira, uma aproximação nas análises da peça nos permite observar as diferentes consciências que perpassam a construção do texto, o que possibilitaria uma leitura dialógica. Quanto à polifonia, os autores Morson e Emerson (2008, p.248)MORSON, G. S.; EMERSON, C. Mikhail Bakhtin: criação de uma prosaística. Tradução Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: EDUSP, 2008. afirmam que “Bakhtin nunca especifica exatamente o que é e o que não é constitutivo da polifonia per se.” Por isso, cabe aqui especificarmos que nosso entendimento de polifonia mescla fundamentos da música e de Bakhtin, e em muito se assemelha com a perspectiva de Maletta (2016, p.46)MALETTA, E. Atuação polifônica. Princípios e práticas. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2016. com foco na “multiplicidade, simultaneidade, independência e equipotência das vozes”.

Na peça analisada, La veuve diyilèm (2003,) a autora Werewere Liking Gnepo se destaca pela forma pela qual ela construiu sua relação com o outro, principalmente por carregar consigo tradições ritualísticas camaronesas. Em suas didascálias, a função de sua escrita não é somente guiar o ator em cena, e sim fornecer uma narrativa completa com a voz de autores e personagens dialógicos que compõem múltiplas vozes e consciências polifônicas. Segundo Bakhtin (2011)BAKHTIN, M. Apontamentos de 1970-1971. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. p.367-392. “(...) a princípio eu tomo consciência de mim através dos outros: deles eu recebo as palavras, as formas e a tonalidade para a formação da primeira noção de mim mesmo”, e ainda:

Tudo o que me diz respeito, a começar pelo meu nome, chega do mundo exterior à minha consciência pela boca dos outros (da minha mãe, etc.), com a sua entonação, em sua tonalidade valorativo-emocional (BAKHTIN, 2011, p.373BAKHTIN, M. Reformulação do livro sobre Dostoiévski. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. p.337-358.).

Dessa maneira, o nosso mundo pessoal é fundado pelo olhar do outro e seus valores. Tudo aquilo que chega à nossa consciência se realiza através da interação com as várias consciências alheias. Para este estudo, as análises foram divididas em três pontos principais. Primeiramente, com o suporte de estudos bakhtinianos, serão explorados os dialogismos na tradição. Nesta primeira parte, a vivência e tradição cultural-histórica da autora e seu povo será colocada em perspectiva. Em seguida, será investigado o desenvolvimento desses dialogismos pelas didascálias e como elas se transformaram em uma estética polifônica e a vontade de M.S. Por último, será pensada a prática dessa polifonia e as implicações de M.S.

O objetivo deste trabalho é, assim, explorar essa nova configuração de didascálias dialógicas e polifônicas, a partir da tradição ritualística camaronesa, parte essencial das consciências que formaram a autora.

1 Os dialogismos da tradição

Werewere Liking Gnepo, ou em seu nome de nascimento Eddy-Njock Nicole, nasceu em Camarões, em 1950, e se instalou na Costa do Marfim, em 1978. Para compreender sua obra, alguns aspectos da vida da autora se fazem importantes.

Segundo Gnepo (2003)GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003., primeiramente ela teve apenas três anos de estudo no ensino fundamental da educação escolar moderna. A sua formação é principalmente tradicional e baseada em iniciações do povo Bassa, o que a levou a interessar-se pelas tradições orais e, em particular, pelos rituais. Werewere é essencialmente autodidata e foi capaz de realizar feitos de nível acadêmico: começou fazendo poesias e canções em 1966, depois se dedicou à pintura em 1968.

Como escritora, possui mais de trinta obras que abrangem todos os gêneros (poesia, teatro, romances, ensaios, livros de arte, narrativas e contos). Ganhou vários prêmios literários, incluindo o Prêmio Noma em 2005 por seu romance La Mémoire Amputée. Como dramaturga e atriz multidisciplinar, Werewere é uma pioneira no teatro de pesquisa, com foco em rituais africanos e rituais no palco. Este fato é de suma importância para compreendermos como é a gênese de seus textos. Como compositora, musicista e percussionista, ela os combina com música, danças, bonecos, figurinos, cenários e acessórios pensados para refletir a riqueza das culturas africanas.

A partir disso, suas obras refletem esse hibridismo de gêneros e uma forte presença da oralidade em seus escritos e, ainda, a tradição permanece viva na língua empregada em seus discursos. No prisma analisado, o discurso traz o outro em sua composição e é perpassado por várias vozes, este é exatamente um dos princípios do pensamento bakhtiniano. Segundo Bakhtin/Volochínov (2006)BAKHTIN, M. (V. N. VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2006., a língua é constituída exatamente nessas relações sociais, em interações verbais e por meio de enunciações. Para o autor, a noção de dialogismo está atrelada aos diálogos entre os discursos de cada um que preservam uma relação entre si e é por isso que “todo enunciado possui uma dimensão dupla, pois revela duas posições: a sua e a do outro” (FIORIN, 2006, p.170FIORIN, J. Interdiscursividade e intertextualidade. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.161-193.).

Há, portanto, um princípio dialógico na produção do diálogo, nos discursos, nos interlocutores, nas diversas linguagens, na humanidade; e o outro é parte imprescindível da constituição do próprio ser humano, que integra em si essa alteridade. O mesmo acontecerá com as didascálias, também chamadas de rubricas ou indicações cênicas, nas peças teatrais.

Na maioria dos casos, elas não costumam ocupar um lugar de protagonismo nas peças teatrais. Elas ficam em segundo plano, muitas vezes em itálico próximo às falas, em notas no canto da página, funcionando principalmente como elemento de construção do sentido da peça e suporte para o texto a ser encenado, mesmo que na montagem essas indicações possam nem mesmo aparecer integralmente.

É interessante notar que, nas tragédias clássicas de Pierre Corneille (1971)CORNEILLE, P. Of the Three Unities of Action, Time, and Place. Translated by Donald Schier. In: ADAMS, H. Critical Theory Since Plato. Chicago: Harcourt, 1971., por exemplo, as indicações cênicas aparecem como uma forma de controle, pois garantem que os atores não façam o que desejam e assim transformem o seu texto. Já com as transformações modernas, para o pesquisador Ramos (2001)RAMOS, L.F. A rubrica como literatura da teatralidade: modelos textuais e poética da cena. Revista Sala Preta, São Paulo, n1, 2001., as rubricas possuem a relativa independência da ficção ou da trama. E seria incorreto reduzi-las a suportes da ficção literária e deixar de reconhecer que elas possuem uma dimensão narrativa relativa ao cênico, sem subordinação à história, constituída em uma esfera independente.

Em La veuve diyilèm (2003), temos a voz de uma jovem viúva chamada Londé que se contrapõe com a voz off de seu marido recentemente falecido. Através de cartas, o marido a acusa de traição, mas na realidade era ele que a traía e foi assim que ele contraiu o vírus HIV. Na peça, a primeira indicação cênica é uma didascália em que a autora coloca M.S.7 7 Mise en scène em francês ou encenação em português. , sem nenhuma identificação diferenciada das outras falas, como personagem:

M.S.: Após nove meses de ausência, você finalmente está em casa, Londé! Você fechou a porta, como se temesse uma visita prematura, uma irrupção improvisada! Você joga sua mala de viagem em um canto. E agora você está livre, sozinha! O que você vai fazer? Você olha ao redor do espaço um tanto prisional de sua sala de estar “nova e rica”; você se espanta por ter esquecido certos detalhes tão importantes não faz muito tempo: a TV de tela grande no meio da sala e nela, a foto de seu falecido marido, de quem acaba de sair de nove meses de viuvez de forma tradicional! Você caminha para frente, olha para o retrato por um momento e o vira, sussurrando:

Londé: Agora não, ainda não, eu te suplico! (GNEPO, 2003, p.42GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003., tradução nossa)8 8 No original: M.S.: “Après neuf mois d’absence, tu te retrouves enfin chez toi, Londè! Tu as fermé la porte, comme si tu avais peur d’une visite inopportune, d’une irruption impromptue! Tu jettes ton sac de voyage dans un coin. Et maintenant, te voici libre, seule! Que vas-tu faire? Tu parcours du regard l’espace un peu carcéral de ton salon ‘nouveau riche’ ; tu es ébahie d’avoir oublié certains détails qui comptaient tant il n’y a pas si longtemps: le téléviseur grand écran en plein milieu de la pièce et dessus, la photo de ton défunt mari dont tu sors de neuf mois de veuvage à la manière traditionnelle! Tu avances, regardes le portrait un instant et tu le retournes en murmurant: Londé: Pas maintenant, pas encore, je t’en suplie!” (GNEPO, 2003, p.42). .

Neste trecho, o primeiro elemento a ser observado é a enunciação ativa. M.S. se dirige à personagem Londé e busca trazer a ela uma compreensão de si. Na frase “Você fechou a porta, como se temesse uma visita prematura, uma irrupção improvisada”, a rubrica indica a ação, o sentimento e o pensamento que encobre os atos. Assim, o locutor enuncia em função da personagem Londé, seu interlocutor, requerendo atitudes responsivas do ator e projetando o seu lugar de ouvinte do personagem que também cria na cena.

Diferentemente da visão clássica, a didascália com Gnepo traz em si um enunciado que busca se fazer compreendido pela personagem, além da liberdade de criação perante o texto. Para Bakhtin/Volochínov (2006, pg. 95)BAKHTIN, M. (V. N. VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2006., compreendemos os enunciados quando “reagimos àquelas [palavras] que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida”. Na didascália exemplificada, a agora personagem M.S., o enunciado provoca e molda essa reação, como transparece na pergunta “O que você vai fazer?”, direcionada ao receptor e aberta para as relações possíveis entre os interlocutores, cada qual com seu conteúdo ideológico.

Segundo Paul Zumthor (1989, p.65)ZUMTHOR, P. A letra e a voz: a literatura medieval. Tradução Amálio Pinheiro e Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993., “o texto não é mais que a oportunidade do gesto vocal”. Se pensarmos no percurso de Gnepo, em que a tradição oral serviu de base para a configuração de suas produções artísticas, sua dramaturgia seria portadora dos sentidos da existência Bassa, seu povo de origem, traduzindo essa voz humana de vivência em comunidade e transpassando valores presentes em uma memória semânticossocial. Como a própria autora afirma:

Bem, acho que começou no início. E com isso quero dizer que nasci em uma cultura onde as artes verbais - poesia, filosofia, declamação - fazem parte de uma iniciação geral à vida, chamada pelo povo Bassa de mbock. Bassas acreditam que se pode organizar e reorganizar o universo por meio de palavras. Quando eu era pequena, tivemos uma noite maravilhosa em que meu avô trouxe o maior dos contadores de histórias Bassa para nossa aldeia no centro de Camarões. Eles cantaram; eles tocaram instrumentos musicais; eles dançaram; eles imitaram. Eles eram artistas completos. E minha tia-avó foi uma professora de nossos ritos de iniciação; ela foi uma das últimas fontes de nosso conhecimento do kiyi, ou “conhecimento final” (GNEPO in SUTHERLAND-ADDY, 2005, p.364SUTHERLAND-ADDY, E; DIAW, A. Women Writing Africa, West Africa and Sahel. The Feminist Press at CUNY, 2005.; tradução nossa)9 9 No original: “Well, I think it began in the beginning. And by that I mean I was born into a culture where the verbal arts – poetry, philosophy, declamation – are part of a general initiation to life, called by the Bassa people the mbock. Bassas believe that one can arrange and rearrange the universe through words. When I was little, we had wonderful evening in which my grandfather brought the greatest of the Bassa storytellers to our village in central Cameroun. They sang; they played musical instruments; they danced; they mimed. They were complete artists. And my great aunt was a teacher of our initiation rites; she was one of the last sources for our knowledge of the kiyi, or “ultimate knowledge” (GNEPO in SUTHERLAND-ADDY, 2005, p.364). .

Assim como Bakhtin (2008)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. nota em suas análises de Dostoiévski, na didascália-pesonagem de Gnepo não há o apagamento das vozes dos leitores, dos atores e intérpretes de seu texto em detrimento da voz da autora. Em parte, isso se deve, possivelmente, pela influência da tradição Bassa na experiência da autora e, em outra, pelo caráter de individuação das didascálias no personagem M.S. Como podemos observar em seu depoimento, o povo Bassa acredita que se pode “organizar e reorganizar o universo por meio de palavras”, e isso transparece nas aberturas interpretativas que suas questões empregam, um discurso vivo e inacabado, tal qual o líder do rito, que é aquele quem “dá e quem retira a palavra; é, assim, ele quem comanda o gesto. Ele é ao mesmo tempo o defensor dos oprimidos” (HOURANTIER, 1979, p.82HOURANTIER, M; LIKING, W; SCHERER, J. Du rituel à la scène chez les bassa du Cameroun. Paris: A.–G. Nizet, 1979.).

Essa construção dialógica nas rubricas permanece durante a peça com enunciados como: “Como você pôde se esquecer naquela roupa que você odiava? Que simbolismo mágico te manteve apegado a ela? (...) Depois você levanta com os braços balançando: o que você vai fazer agora? Tirar poeira? Varrer?”10 10 No original: “Comment as-tu pu t’oublier dans cette tenue que tu détestais ? Quelle symbolique magique t’y a retenue attachée ? (...) Puis tu te relèves les bras ballants : que vas-tu faire maintenat ? Épousseter ? Balayer?” (GNEPO, 2003, p.42). (GNEPO, 2003GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003.: tradução nossa). Neste trecho, a função de uma didascália tradicional seria a de indicação da movimentação dos braços. No entanto, aqui, ela começa com perguntas que remetem a um passado com uma onisciência da história da personagem; nessas indagações, ela provoca uma reflexão que ultrapassa a construção da personagem e desenvolve a perspectiva do ator em relação aos acontecimentos; e, por fim, a mesma voz não só sinaliza a ação dos braços, mas coloca a movimentação paralela a questionamentos internos sobre o ato e, a partir destas questões “o que você vai fazer agora? Tirar poeira? Varrer?”, consegue motivar uma movimentação corporal espontânea daquele que está no processo de ponderação.

Deste modo, se considerarmos a função do texto teatral que busca a representação, as didascálias como personagem M.S. engendram um enunciado dialógico vociferante na consciência daqueles que o interpretarão para o desenvolvimento da personagem Londé. Para Amorim (2002)AMORIM, M. Vozes e silêncio no texto de pesquisa em ciências humanas. Cadernos de Pesquisa, FCC-São Paulo, n. 116, p.7-19, julho, 2002., o silêncio para Bakhtin é um silêncio de vozes caladas e isso fica evidente na questão do texto. O dialogismo do texto só se produz quando as vozes da copresença e da interação param de falar. E aí se encontra sua força e distinção da abordagem interacionista. Assim, na peça, uma tensão se cria por meio da palavra de M.S., que impulsiona aquele que interpreta a personagem Londé a fazer, a ouvir, a criar e a ser.

2 A estética polifônica e a vontade de M.S.

Antes de formular sobre a polifonia, Bakhtin perpassou todas as obras de Dostoiévski desde Gente Pobre ao último romance, Os irmãos Karamazov. Segundo o autor (2008), a personagem interessa para Dostoiévski como um ponto de vista único sobre o mundo e sobre si mesma. Uma posição racional e valorativa de tudo que o circunda. Em seus estudos de Dostoiévski, ele observa que para suas personagens não importa o que ela é para o mundo, mas o que o mundo é para a personagem e o que ela é para si mesma.

De acordo com o autor, outro ponto é de suma relevância: a relação autor-herói. Para Bakhtin (2008, p.3)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008., a voz do herói sobre si e o mundo é tão plena quanto a do autor e “não está subordinada à imagem objetificada do herói como uma de suas características, mas tampouco serve de intérprete da voz do autor”. Haveria, assim, uma independência da consciência nos enunciados, esta imersa e transformada pelos vários valores e percepções de mundo. A polifonia se faz presente exatamente nessa possibilidade de várias vozes.

Ademais, referindo-se a Dostoiévski, Bakhtin enfatiza como a personagem é dotada de autoconsciência “uma personagem que tivesse toda a vida concentrada na pura função de tomar consciência de si mesma no mundo” (BAKHTIN, 2008, p.56BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.). No processo de individuação de M.S. em personagem ocorre a mesma construção. Para além dessa autoconsciência, a consciência de M.S. busca uma expansão maior através da amplificação daquela de Londé para, assim, juntos e em sintonia com o conceito tradicional Bassa de haver um guia ritualístico no processo, poder romper com uma unidade monológica do mundo.

É interessante notar que o conceito de polifonia é originário da música. Ele se desenvolveu ainda na Idade média, segundo Roman (1992)ROMAN, A.R. O conceito de polifonia. Letras, Curitiba, n.41-12, p.207-220, 1992-93., os primeiros documentos de uma polifonia de duas vozes datam do século IX, onde cada uma possui independência rítmica e a segunda voz rebate cada nota do cantochão em movimentos variados, contrários e oblíquos. Lembremos que, como citado anteriormente, Gnepo também possui uma formação musical permeada pela tradição Bassa, popular e de grupo, onde várias vozes, instrumentos e percussões estão em constante diálogo polifônico guiando os diversos rituais, estabelecendo tons e ritmos; e entrelaçando significados.

Essa referência musical transparece em M.S. como uma orquestração direcionada à Londé com palavras como cadência e ritmo: “Uma bebida, uma dose! Outra, e ainda outra, em cadência! Ao ritmo de sua queda, sua descida ao inferno”11 11 No original: “Un verre, un coup! Un autre, et un autre encore, en cadence! Au rythme de ta chute, de ta descente en enfer” (GNEPO, 2003, p.62). (GNEPO, 2003, p.62GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003.; tradução nossa). M.S entra como uma espécie de personagem maestro dos movimentos, das perspectivas de si e das vozes de Londé.

Quanto à polifonia, na medida em que a peça se desenrola, a didascália se desvencilha cada vez mais de sua função original enquanto elemento narrativo de indicação cênica para ter sua voz própria personificada repleta de valores provindos daquela sociedade em que estão inseridos:

Infelizmente, hoje, Londè, no seu país como no meu, a TV não foi feita para distrair, mas para entorpecer. E seu espírito sobrecarregado transforma cada imagem em um monstro. Dormir é a solução: durma... salve-se! Deus! Salve-nos de anúncios alucinantes (...)!12 12 No original: “Hélas, aujourd’hui Londè, dans tons pays comme dans le mien, la télé n’est pas faite pour distraire, mais pour abrutir. Et ton esprit surmené transforme chaque image en monstre. Dormir, c’est la solution : dors...Sauve-toi ! Dieu ! Sauvez-nous des pubs hallucinantes, des présentatrices aux petites têtes improbables émergeant de monceaux de pagnes comme par magie !” (GNEPO, 2003, p.62, tradução nossa). (GNEPO, 2003, p.62GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003.; tradução nossa).

Neste trecho, a didascália se inclui no tempo da narrativa e da vivência na Costa do Marfim, se afirmando como personagem carregada de história. O uso de pronomes como “meu, nos” demonstra a multiplicidade de sua função. Como visto anteriormente, para Bakhtin (2008)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008., as vozes surgem independentes umas das outras em uma espécie de combinação do querer de diversas vozes. Há, ainda, uma importante relação entre o uso da TV e as vozes do contexto sociopolítico do país da época em que a peça foi escrita.

Em 2002, a Costa do Marfim tem sua primeira guerra civil e a primeira intervenção francesa no país. Segundo Penna e Koffi (2014, p.166)PENNA FILHO, P., & KOFFI, R. B. A França na África: as intervenções militares e suas motivações – o caso da Costa do Marfim. Carta Internacional, 9 (2), p.156–172, 2014. https://cartainternacional.abri.org.br/Carta/article/view/197. Acesso em 29-05-2021.
https://cartainternacional.abri.org.br/C...
, em 19 de setembro, um grupo de soldados insurgentes de Burkina Faso tenta um golpe de estado com o objetivo de tomar o país, ocupando a capital Abidjan e as cidades Bouaké e Korhogo. Sem sucesso, iniciou-se uma guerra entre as duas forças: os insurgentes e as forças leais às instituições da Costa do Marfim.

A peça de Werewere foi publicada em 2003, um ano depois da primeira guerra civil e um antes da segunda intervenção francesa, em 2004. Houve inúmeras tentativas de apaziguar o conflito, “as Forças Armadas da Costa do Marfim lançaram a Opération Dignité, uma grande ofensiva militar contra os rebeldes das Forces Nouvelles, que ocupavam o norte do país” (PENNA e KOFFI, 2014PENNA FILHO, P., & KOFFI, R. B. A França na África: as intervenções militares e suas motivações – o caso da Costa do Marfim. Carta Internacional, 9 (2), p.156–172, 2014. https://cartainternacional.abri.org.br/Carta/article/view/197. Acesso em 29-05-2021.
https://cartainternacional.abri.org.br/C...
). Foi durante essa operação que nove soldados franceses e um civil americano morreram em um ataque aéreo feito pela aviação marfinense à base francesa em Bouaké, o que provocou uma grande represália; as forças francesas atacaram Yamoussoukro e Abidjan e, em vez de mediador de conflitos o país se tornou o principal antagonista, causando uma onda de protestos. No decurso de todos esses conflitos a mídia esteve sempre presente, como contam os autores:

O balanço geral dos confrontos leva a uma guerra de números entre autoridades francesas e marfinenses. Imagens das reportagens feitas pela TV francesa, Canal +13 trazem um relato sobre as mortes e as condições do massacre, pelo exército francês, de manifestantes marfinenses desarmados (PENNA E KOFFI, 2014, p.166PENNA FILHO, P., & KOFFI, R. B. A França na África: as intervenções militares e suas motivações – o caso da Costa do Marfim. Carta Internacional, 9 (2), p.156–172, 2014. https://cartainternacional.abri.org.br/Carta/article/view/197. Acesso em 29-05-2021.
https://cartainternacional.abri.org.br/C...
).

Assim, como a didascália confirma no texto, para Bakhtin (2008)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008., a vontade artística da polifonia é a vontade de combinação de muitas vontades, a vontade do acontecimento. E é exatamente nessa direção que M.S. aponta no diálogo final:

Londé: Viúva ... Sem dúvida para sempre! Eu perdi minha certeza. Peguei o vírus da dúvida. Viúva para sempre? Acho que não tenho escolha! Alegre? Pra quê?

M.S.: Por que não? Pela experiência que expande a consciência. Pela vida que continua. Pelo prazer de compartilhar. Olha, na TV que você acabou de reacender inadvertidamente, Um Touareg se casa com um Pigmeu, o último espetáculo que vocês viram juntos e que vocês tanto amaram. A última imagem da água que jorra e as polifonias ... Como resistir a tal chamado à vida? Por que não uma imagem positiva? Enquanto os créditos ao final do show se desenrolam, você canta uma canção de esperança, estende a mão para o futuro que você deseja estar aberto, e desaparece em seu quarto, onde pode finalmente começar um novo começo... (GNEPO, 2003, p.84GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003., tradução nossa)13 13 No original: “Londé: Veuve... Sans doute à jamais! J’ai perdu ma certitude. J’ai attrapé le virus du doute. Veuve à jamais? Je crois que je n’ai pas le choix! Joyeuse? À quoi bon? .

M.S.: Pourquoi pas? Pour l’expérience qui élargit la conscience. Pour la vie qui contiue. Pour le plaisir de partager. Regarde, à la télé que tu vien de rallumer par inadvertance, Um Touareg se marie à une Pygmée, le dernier spectacle que vous aviez vu ensemble et que vous aviez tant aimé. La dernière image de l’eau qui jaillit, et les polyphonies... Comment résister à un tel appel à la vie? Pourquoi pas une image positive? Pendant que la générique de la fin d’émission se déroule, tu entones un chant d’espoir, tends la main au futur que tu souhaites ouvert, et tu disparais dans ta chambre d’où enfin tu pourras repartir d’un nouveau départ... ” (GNEPO, 2003, p.84GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003.).

A voz que ressoa da didascália, agora personagem, já não cabe em si enquanto dominação de movimentos cênicos, mas se encontra influenciada pela palavra de Londé e do mundo que a cerca, e assim, se transforma. Ao mesmo tempo em que está em constante diálogo com a consciência de Londé, M.S. faz de si própria uma voz consciente, uma personagem liberta dos poderes exercidos pelos outros sobre si mesmos e sobre suas próprias realidades para, por fim, sua voz alcançar sua vontade em amplitude.

Dessa maneira, nasce também o conflito dessas vozes que se cruzam e possuem visões de mundo singulares. Temos a voz da memória, a voz da didascália, a voz de Londé, a voz do Marido na consciência das duas, a voz do sentimento que o presente provoca, a voz da cultura onde estão inseridas, e suas demandas, a voz da mudança e, por fim, a voz-apelo. A didascália-personagem inicia a peça teatral e a finaliza evocando um chamado à vida, às polifonias e a um futuro melhor para essa viúva sem utilizar um ponto final em sua voz, mas a abrindo em reticências.

3 Implicações de M.S.

Após as análises, uma reflexão irrompe os limites da dramaturgia e da encenação. Em La veuve diyilèm há a influência da tradição Bassa na composição dramatúrgica e cênica, com a oralidade e musicalidade perpassando os dois em uma memória semânticossocial; além do papel das didascálias que, ao mesmo tempo que provoca e molda a ação da personagem com um discurso ativo na composição dramaturga, também é personagem e possui um enunciado que reverbera na consciência dos que irão interpretar Londé. A partir disso, surgem questionamentos em torno do lugar da autora no processo da encenação e suas implicações cênicas. Seria o modelo de suas didascálias uma estratégia polifônica imersiva com foco na criação pelos atores? Ou ainda, como se daria a recepção do público que, em modelos tradicionais somente teria acesso às didascálias por meio da leitura da peça, e agora esse acesso seria possível por meio da encenação?

Sabe-se que o teatro de Werewere possui algumas singularidades devido principalmente à sua multidisciplinaridade. Ela escreve, atua, encena, dirige, orquestra, compõe, coreografa e, assim, sua prática se enquadra na modernidade em que se sobrepõe a diversidade de signos perante o texto. Não obstante, essa prática em conjunto também se conecta com valores ritualísticos transmitidos pela tradição Bassa. O movimento corporal, a oralidade que não só apresenta, mas também provoca reações, os elementos musicais e plásticos visuais; tudo isso demonstra desde a origem a base polifônica de seu teatro. Sobre este último, Sarrazac (2005) desdobra o conceito de rapsódia em possibilidades entre dramático e lírico, formas teatrais e extrateatrais. A montagem dinâmica que o autor apresenta em muito se assemelha com o dinamismo em Werewere, que narra em observável hibridez artística, mas também questiona e se desdobra em diferentes subjetividades.

Para Sarrazac (2005, p.127), “Trata-se, portanto, acima de tudo, de operar um trabalho sobre a forma teatral: decomporrecompor – componere é ao mesmo tempo juntar e confrontar –, segundo um processo criador que considera a escrita dramática em seu devir”. Em relação ao devir, o conceito foi amplamente explorado por Deleuze e Guattari (2010)DELEUZE, G. E GUATTARI, F. O que é filosofia? Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Editora 34, 2010.. A ideia da arte como não-representativa ou imitativa traz consigo a possibilidade do processo, cujo devir, ou o “tornar-se” expressamente com o outro para que, ao deixar o lugar de si, seja possível alcançar um mundo-outro.

Na obra, o devir perpassa a concepção de força presente em uma obra de arte. Para os autores, as percepções independem daqueles que as sentem; assim como os afetos e sensações possuem o valor suficiente em si, a arte também existiria em si. Deleuze traz a visão de que a arte é capaz de proporcionar forças ou ainda desenvolver uma sensibilidade para as forças apresentadas pelo mundo.

Em Werewere (2003, p.52), as didascálias-personagem parecem desencadear essa sensibilidade ainda na fase inicial de produção, com a indicação para a atriz: “M.S.: Mais uma vez, você gira em torno dos móveis, os toca, os mede ... Vamos, um pouco de positividade ainda assim! Ainda é sua casa, sua mobília! E você lutou tanto para conseguilos (...)”14 14 No original: M.S.: “Encore une fois, tu tourne autour des meubles, les touches, les jauges... Voyons, un peu de positivité quando même! C’est tout de même ta maison, tes meubles! Et tu as tant lutté pour les avoir...” (GNEPO, 2003, p.52). . Na primeira frase, a didascália desempenha um papel no corpo e na movimentação da personagem. Logo em seguida, em vez dos direcionamentos emocionais virem em forma direta, eles se desdobram dialogando com a personagem como uma espécie de voz interior que se expande e cria várias subjetividades. Outra questão é o uso da linha temporal que não se restringe ao presente, com a necessidade de positividade perante a casa e a mobília, mas também constrói um passado com “e você lutou tanto”. É exatamente nessa reconstrução de si que o devir se faz essencial para a composição da personagem.

Quais seriam então as implicações na encenação de uma escrita programada para o devir? Em um estudo sobre a Linguagem da encenação teatral, Roubine (1998, p.51)ROUBINE, J.-J: A linguagem da encenação teatral. Tradução Yan Michalski. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. analisa historicamente as relações da encenação com o texto como, por exemplo, no início do século XX, em que ela necessitava sempre de um aporte escrito. Em suas observações, um fato interessante é quando ele explora os métodos de Stanislavski para o alcance de uma autenticidade da interpretação. Para ele, o diretor emprega na representação a “personalidade particular do ator”, elemento essencial na composição da personagem, e insiste “no fato de que ele não pode tornar-se outra pessoa senão com as suas próprias emoções e permanece sendo ele mesmo, enquanto faz da vida do personagem a sua própria vida”. Assim, o fato de que Werewere também assume a atuação e direção das peças que ela escreve, de que seus escritos demonstram conter traços de uma elaborada orquestração de elementos que sucedem a escrita, numa busca pelo absoluto, como afirma Vilar:

Considerando que não há poetas, embora haja tantos autores dramáticos que a função de dramaturgo não tem sido, nos tempos de hoje, efetivamente assumida. E que, por outro lado, os iniciadores, os técnicos, quero dizer os diretores, têm ultrapassado, às vezes com felicidade, as fronteiras que uma moral conformista do teatro lhes havia fixado, é a estes últimos que devemos oferecer o papel de dramaturgo, essa tarefa esmagadora; e, uma vez isso admitido, não mais importuná-los nem tentar enfraquecer neles o gosto do absoluto (VILAR, 1963, p.85VILAR, J. De la tradiction théâtrale. Paris: Gallimard, 1963.).

Werewere-Liking transforma sua escrita por ser multidisciplinar e conseguir com plenitude acessar os diferentes estágios da produção teatral. Suas didascálias evidenciam o uso do texto não como finitude e objetivo final, mas como abertura para a criação e transformação da tradição, com uma didascália que não só é personagem, mas carrega em si uma concepção ritualística para o ser.

Sobre isso, Roubine (1998, pg. 62-63)ROUBINE, J.-J: A linguagem da encenação teatral. Tradução Yan Michalski. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. traz a noção de além-texto. Para ele, “um texto não pode dizer tudo”, ele exprime e sugere, mas existe aquilo que vai além e que ultrapassa os limites da palavra: “Além desse ponto começa uma outra zona, zona de mistério, de silêncio, daquilo que se costuma designar como atmosfera, ambiente, clima, conforme queiram. Expressar isso é o trabalho do encenador”. Neste ponto, é preciso lembrar que as didascálias em La veuve Diyilèm são chamadas de “La Mise en Scène” ou apenas M.S. Ou seja, o próprio texto carrega em si o papel de encenador e se entende para além daquilo que as palavras conseguem alcançar, transformando-se em personagem.

O teatro de Werewere-Liking parece desenvolver desde as fases iniciais uma polivalência que coloca em movimento a sensibilidade e criatividade de todos aqueles que participam do projeto. Quando o ator se depara com questões no texto e em cena que provocam e afloram sua subjetividade, ele também se torna parte do projeto criativo, renovando o texto a cada vez que ele é interpretado em um ciclo de reinvenções. Foi assim que surgiu o Grupo Ky-Yi Mbock para, de suas experimentações, nascer o modelo bruto dos textos que logo após foi reconstruído pela pena da escritora e, de suas indicações cênicas, a criação de um personagem desempenhando a função original de didascália. Nesse sentido, Artaud (2006, p.8)ARTAUD, A. O teatro e seu duplo. Tradução de Monica Stahel e Teixeira Coelho. São Paulo: Martins Fontes, 2006. diz que: “É preciso acreditar num sentido da vida renovado pelo teatro, onde o homem impavidamente torna-se o senhor daquilo que ainda não é, e o faz nascer”. Sem, dessa maneira, se satisfazer com o registro, mas transbordálo e contemplá-lo no porvir e no torna-se.

Considerações finais

A partir da análise elaborada é possível verificar que, de fato, as didascálias em La veuve diyilèm (2003) expandem suas possibilidades dentro da narrativa e reconfiguram sua função dentro da dramaturgia, em sua representação, e até mesmo no desenvolvimento de múltiplas consciências.

O discurso é assim dialógico e polifônico, com a presença de múltiplas vozes com diferentes perspectivas referenciais e vontades de mundo. Ademais, este fator foi influenciado pela tradição Bassa, na qual a autora esteve inserida durante sua vida e onde desenvolveu suas relações com as diversas artes e a oralidade. Dessa forma, a técnica de implementação desses elementos garante uma permanência na crença do poder da palavra falada e renovação de sua cultura e obra, assim como uma circulação da tradição oral em representações modernas.

Por fim, as investigações acerca da peça fomentam questionamentos sobre a influência da oralidade Bassa na composição da escrita, as transformações que as dialogias polifônicas trazem ao corpo daqueles que interpretam e como se dá o encontro intersemiótico entre textos. Neste último, a escrita de Werewere demonstra estimular a criação para além da proposta delineada pela escrita da obra, provocando nos atores um senso conjunto de concepção.

Em conformidade com a impossibilidade dos estudos em analisar a peça em cena, indagamo-nos sobre como se dão os vários possíveis elementos da mise en scène, como a movimentação e a música, nessa configuração de didascálias proposta por Werewere.

Agradecimentos

Agradeço o apoio e a revisão crítica da minha orientadora de doutorado, Prof. Dra. Maria da Glória Magalhães dos Reis, que auxiliou na produção deste artigo

  • 1
    No original: “Philanthrope, ele met de plus em plus son initiative culturelle Ki-Yi Mbock au service de la cause sociale de la jeunesse défavorisée, déscolarisée. Cette expérience, qui sera officiellement agréée comme Centre de Formation en 1997, puis Fondation Panafricaine Ki-Yi à partir de 2001, arrachera plusieurs centaines de jeunes au désespoir et à la violence, en faisant des modèles de succès”. (WEREWERE-LIKING, 2013, p.9-11)
  • 2
    No original: “le désir de la reconquête du Soi pour mieux être dans et avec le monde” (WEREWERE-LIKING, 2013, p.9-11).
  • 3
    No original: “Je soumetais alors tout cet entrelacement de mots et de pensées à mes propres divagations par une série personnelle d’improvisations verbales” (GNEPO, 2003, p.30GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003.).
  • 4
    No original: “Qu’il s’agisse du spectacle en apparence plus laïcisé ou d’une cérémonie d’importance vitale pour l’individu ou pour le groupe, l’auditeur africain n’est jamais réduit à l’attitude contemplative qu’a peu à peu imposée la tradition européenne. Il se sent personnellement concerné, il peut parler, agir, entrer en transe, être un acteur parmi les acteurs” (HOURANTIER, 1979, p.7HOURANTIER, M; LIKING, W; SCHERER, J. Du rituel à la scène chez les bassa du Cameroun. Paris: A.–G. Nizet, 1979.).
  • 5
    No original: “le meneur du rite” (HOURANTIER, 1979, p.82HOURANTIER, M; LIKING, W; SCHERER, J. Du rituel à la scène chez les bassa du Cameroun. Paris: A.–G. Nizet, 1979.).
  • 6
    No original: “C’est en fait lui qui est le ‘metteur en scène’. Il est le plus au courant des faits qui vont être l’objet du rituel, et c’est à lui qu’incombe la tâche de les porter à la connaissance du public. Il a donc la possibilité de choisir les meilleurs moyens pour ce faire : soit en passant le principal intéressé en confession publique tout seul, soit en faisant raconter en sa présence les faits par d’éventuels témoins, soit encore en employant les deux procédés à la fois, ce qui permet une meilleure compréhension et donc une meilleure prise de position du peuple. C’est donc lui, le meneur du rite, qui donne et qui retire la parole ; c’est donc lui qui commande la gestuelle. Mais il est en même temps le défenseur des opprimés ; il prend toujours le parti du plus faible: l’accusé ou le peuple” (HOURANTIER, 1979, p.82HOURANTIER, M; LIKING, W; SCHERER, J. Du rituel à la scène chez les bassa du Cameroun. Paris: A.–G. Nizet, 1979.).
  • 7
    Mise en scène em francês ou encenação em português.
  • 8
    No original: M.S.: “Après neuf mois d’absence, tu te retrouves enfin chez toi, Londè! Tu as fermé la porte, comme si tu avais peur d’une visite inopportune, d’une irruption impromptue! Tu jettes ton sac de voyage dans un coin. Et maintenant, te voici libre, seule! Que vas-tu faire? Tu parcours du regard l’espace un peu carcéral de ton salon ‘nouveau riche’ ; tu es ébahie d’avoir oublié certains détails qui comptaient tant il n’y a pas si longtemps: le téléviseur grand écran en plein milieu de la pièce et dessus, la photo de ton défunt mari dont tu sors de neuf mois de veuvage à la manière traditionnelle! Tu avances, regardes le portrait un instant et tu le retournes en murmurant: Londé: Pas maintenant, pas encore, je t’en suplie!” (GNEPO, 2003, p.42GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003.).
  • 9
    No original: “Well, I think it began in the beginning. And by that I mean I was born into a culture where the verbal arts – poetry, philosophy, declamation – are part of a general initiation to life, called by the Bassa people the mbock. Bassas believe that one can arrange and rearrange the universe through words. When I was little, we had wonderful evening in which my grandfather brought the greatest of the Bassa storytellers to our village in central Cameroun. They sang; they played musical instruments; they danced; they mimed. They were complete artists. And my great aunt was a teacher of our initiation rites; she was one of the last sources for our knowledge of the kiyi, or “ultimate knowledge” (GNEPO in SUTHERLAND-ADDY, 2005, p.364SUTHERLAND-ADDY, E; DIAW, A. Women Writing Africa, West Africa and Sahel. The Feminist Press at CUNY, 2005.).
  • 10
    No original: “Comment as-tu pu t’oublier dans cette tenue que tu détestais ? Quelle symbolique magique t’y a retenue attachée ? (...) Puis tu te relèves les bras ballants : que vas-tu faire maintenat ? Épousseter ? Balayer?” (GNEPO, 2003, p.42GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003.).
  • 11
    No original: “Un verre, un coup! Un autre, et un autre encore, en cadence! Au rythme de ta chute, de ta descente en enfer” (GNEPO, 2003, p.62GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003.).
  • 12
    No original: “Hélas, aujourd’hui Londè, dans tons pays comme dans le mien, la télé n’est pas faite pour distraire, mais pour abrutir. Et ton esprit surmené transforme chaque image en monstre. Dormir, c’est la solution : dors...Sauve-toi ! Dieu ! Sauvez-nous des pubs hallucinantes, des présentatrices aux petites têtes improbables émergeant de monceaux de pagnes comme par magie !” (GNEPO, 2003, p.62GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003., tradução nossa).
  • 13
    No original: “Londé: Veuve... Sans doute à jamais! J’ai perdu ma certitude. J’ai attrapé le virus du doute. Veuve à jamais? Je crois que je n’ai pas le choix! Joyeuse? À quoi bon?
  • 14
    No original: M.S.: “Encore une fois, tu tourne autour des meubles, les touches, les jauges... Voyons, un peu de positivité quando même! C’est tout de même ta maison, tes meubles! Et tu as tant lutté pour les avoir...” (GNEPO, 2003, p.52GNEPO, W.-L. Le parler-chanter. Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003.).

REFERÊNCIAS

  • AMORIM, M. Vozes e silêncio no texto de pesquisa em ciências humanas. Cadernos de Pesquisa, FCC-São Paulo, n. 116, p.7-19, julho, 2002.
  • ARTAUD, A. O teatro e seu duplo Tradução de Monica Stahel e Teixeira Coelho. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
  • BAKHTIN, M. (V. N. VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
  • BAKHTIN, M. Reformulação do livro sobre Dostoiévski. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal 6. ed. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. p.337-358.
  • BAKHTIN, M. Apontamentos de 1970-1971. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal 6. ed. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. p.367-392.
  • BAKHTIN, M. Metodologia das ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal 6. ed. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. p.393-410.
  • BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
  • BAKHTIN, M. O texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016. p.71-110.
  • CORNEILLE, P. Of the Three Unities of Action, Time, and Place. Translated by Donald Schier. In: ADAMS, H. Critical Theory Since Plato Chicago: Harcourt, 1971.
  • DAHLET, V. A entonação no dialogismo bakhtiniano. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido Campinas: Editora da Unicamp, 1997. p.263-280.
  • DELEUZE, G. E GUATTARI, F. O que é filosofia? Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Editora 34, 2010.
  • FIORIN, J. Interdiscursividade e intertextualidade In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.161-193.
  • GNEPO, W.-L. L’Enseignement de l’éveilleuse d’étoiles (Ntôrôl Tchôrôt) Panafrika, 2013.
  • GNEPO, W.-L. Le parler-chanter Édition bilingue français-italien des pièces “La veuve diyilèm (dilemme) ” et “L’enfant Mbénè”. Italia: L’Harmattan, 2003.
  • HOURANTIER, M; LIKING, W; SCHERER, J. Du rituel à la scène chez les bassa du Cameroun Paris: A.–G. Nizet, 1979.
  • MORSON, G. S.; EMERSON, C. Mikhail Bakhtin: criação de uma prosaística Tradução Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: EDUSP, 2008.
  • MALETTA, E. Atuação polifônica Princípios e práticas. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2016.
  • PENNA FILHO, P., & KOFFI, R. B. A França na África: as intervenções militares e suas motivações – o caso da Costa do Marfim. Carta Internacional, 9 (2), p.156–172, 2014. https://cartainternacional.abri.org.br/Carta/article/view/197 Acesso em 29-05-2021.
    » https://cartainternacional.abri.org.br/Carta/article/view/197
  • RAMOS, L.F. A rubrica como literatura da teatralidade: modelos textuais e poética da cena. Revista Sala Preta, São Paulo, n1, 2001.
  • RAMOS, L.F. O parto de Godota rubrica como poética da cena São Paulo: HUCITEC/ FAPESP, 1999.
  • ROUBINE, J.-J: A linguagem da encenação teatral Tradução Yan Michalski. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
  • ROMAN, A.R. O conceito de polifonia. Letras, Curitiba, n.41-12, p.207-220, 1992-93.
  • SARRAZAC, J. et al. Léxico do drama moderno e contemporâneo Tradução André Telles. São Paulo: Cosac Naify, 2013
  • SUTHERLAND-ADDY, E; DIAW, A. Women Writing Africa, West Africa and Sahel The Feminist Press at CUNY, 2005.
  • VILAR, J. De la tradiction théâtrale Paris: Gallimard, 1963.
  • ZUMTHOR, P. A letra e a voz: a literatura medieval. Tradução Amálio Pinheiro e Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Parecer I

O artigo apresenta uma discussão relevante, colocando em diálogo os estudos da linguagem e os estudos teatrais. O objetivo é atingido ao longo do texto. Os procedimentos teóricos e metodológicos estão bem descritos e discutidos. As considerações apontam resultados significativos. Sugere-se que o autor atualize as referências às obras bakhtinianas citadas no texto, considerando especialmente as novas traduções disponíveis e que referencie adequadamente os textos do volume de Estética da Criação Verbal utilizados no artigo. Pela contribuição científica que o trabalho representa, o parecer é favorável à publicação em Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso.

Jean Carlos Gonçalves – https://orcid.org/0000-0003-2826-3366; jeancarllosgoncalves@gmail.com; Universidade Federal do Paraná – UFPR, Programa de Pós-Graduação em Educação, Curitiba, Paraná, Brasil.

Parecer II

O artigo “Do dialogismo à estética polifônica nas didascálias do teatro ritual de Werewere-Liking Gnepo” apresenta um corpus e um objeto de pesquisa interessantes e instigantes e sua reflexão sem dúvida pode vir a contribuir para o estudo do texto dramático e do discurso dramático no seio da teoria bakhtiniana. Exalta-se especialmente a seção 2, na qual reside a originalidade de pensar as rubricas de um objeto tão rico pelo viés polifônico, o que o autor defende bastante bem.

Entretanto, gostaria de problematizar duas questões teóricas do campo teatral que antecedem a discussão em si do artigo, mas que são tomados como postulados, a nosso ver, errôneos.

A primeira delas diz respeito ao gênero texto dramático (ou peça de teatro, como alguns preferem). Não sou purista a ponto de seguir cegamente o que preconizou Bakhtin décadas antes da virada do teatro da segunda metade do século XX (especialmente no que Lehmann chamou de “pós-dramático”). Mas acredito que um texto dramático deve ser lido tendo em conta sua representação (mesmo que virtual, construída no imaginário do leitor). O artigo ora aponta por este caminho, mas prefere não considerar tal especificidade (que o texto dramático é escrito para ser representado e conta com a representação para a plena compleição de seus sentidos supostos). Isso torna complicado aceitar a leitura de supostas rubricas – que são indicações cênicas – sem ter em conta como elas suposta ou verdadeiramente deveriam aparecer em cena.

A segunda questão diz respeito à própria figura de M.S. (“La Mise en Scène”) no texto. Embora ela literalmente se chame “a encenação”, em nenhum momento passa pela ideia do autor do artigo que M.S. possa ser uma personagem (ou que seja uma voz narrativa em off), embora ela seja indicada como falas de personagem na constituição do texto. Sendo que personagens alegóricas existam desde o teatro medieval e que Brecht tenha realmente trazido o narrador épico para o palco – o que “autoriza” a leitura de M.S., como é apresentada no artigo, como personagem –, faz impressão que o autor do artigo não avente esta ideia – há indicação no objeto? É expressamente descrito pela autora que essas falas não entrem em cena? O autor do artigo teve acesso a alguma encenação, cuja representação lhe condicionou a leitura do texto?

Dessas duas questões, a meu ver centrais e necessárias de serem respondidas na escrita do artigo (pois são dúvidas que serão levantadas por qualquer leitor atento de teatro), decorrem outras, ao longo da escrita – e que, às vezes, é apenas uma falta de “olhar para seu interlocutor”, entender qual é o leitor da revista Bakhtiniana.

E começo por este ponto: para uma revista de análise do discurso, falta uma introdução sobre o que é uma rubrica, qual sua função “tradicional”, para que se entenda a novidade do texto de Gnepo.

Ainda sobre apresentações, a autora é apresentada apenas no início da seção 1, “Os dialogismos da tradição”. Entretanto, já anteriormente, em dois momentos na Introdução, é evocada a tradição camaronesa. Acredito que o autor poderia facilitar ao leitor já apresentando antes as informações que ele vai precisar para compreender o raciocínio, uma vez que não é uma autora amplamente conhecida.

Sobre a presença da teoria bakhtiniana no texto, há algumas questões a serem apontadas: Na seção 1, Bakhtin é inserido na discussão muito abruptamente e, inicialmente, sem ligação lógica com o que vinha sendo dito anteriormente. Os dois primeiros parágrafos que tratam de Bakhtin (p.2-3) são muito soltos, com informações que poderiam fomentar discussões, mas que não o fazem e nem se completam.

Da mesma forma, no segundo parágrafo da seção 2, o autor do artigo traz a tensão autor-herói, muito produtiva na teoria bakhtiniana e muito interessante para se pensar a individuação de M.S. (sua “conversão” de narrador a personagem?). Entretanto, o artigo não retoma essa discussão nos parágrafos seguintes, inclusive causando ruído com uma proposta de “desvencilhamento” entre didascália e autor (???), quando poderia proveitosamente retomar o que já havia exposto da teoria de Bakhtin – o que daria mais corpo ao bom argumento da seção 2. Há mais camadas entre M.S. (seja ela didascália, narrador ou personagem) e a autora empírica.

Retornando à seção 1, por que a referência ao teatro clássico é Corneille? Na primeira vez que ele é mencionado (p.5), ele opera a título de exemplo; mas, na página seguinte, ele volta como “exemplar”. Atenção à organização do discurso. E, sobre a conclusão da primeira seção, há um conceito que é forjado, mas não explicado: as rubricas silenciosas. O que é isso? Como funciona? Pela minha perspectiva, de leitor do texto, ao pensar rubricas silenciosas, pensamos naquelas que não entrarão em cena – como falas ou como gestos (Veja-se, por exemplo, Ato sem palavras). Se a autora não segue o que é o “padrão” da significação da rubrica no texto, sendo dramaturgia contemporânea e indicado mimeticamente como fala de personagem, que me garante que são silenciosas – o que eu entendo por “não vão para a cena, embora de certa forma a componham”? Em resumo, a conclusão da primeira seção não a conclui (e talvez contrarie o que foi dito na seção, ou o que nos é apresentado do texto). APROVADO COM RESTRIÇÕES

Carlos Gontijo Rosa – https://orcid.org/0000-0001-6648-902X; carlosgontijo@gmail.com; Pós-doutorando em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, São Paulo, São Paulo, Brasil; Bolsista Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP (Processo n. 2019/20703-2).

Parecer editorial

Considerando os pareceres acima, solicitamos aos autores que reescrevam o artigo, atendendo (e respondendo) especialmente as observações do segundo parecerista; a seguir, reenviem o texto para nova rodada de avaliação.

Parecer III

Da primeira versão apresentada do artigo, muito o autor caminhou em direção daquilo que foi apontado como um problema de base (nesse sentido, fico bastante feliz em poder ter ajudado). O texto ora apresentado é certeiro ao ler a obra de Werewere-Liking, tocando em conceitos pertinentes da teoria bakhtiniana e dos estudos teatrais para compor sua análise.

No que se refere ao título, ao trazer para ele o termo “ritual”, o autor passa a impressão de que essa ritualidade teria a ver com a “estética polifônica” proposta – o que, em certa medida, é confirmado no artigo, quando diz que há muito da tradição bassa no teatro de Werewere. Contudo, essa polifonia da tradição bassa não é explorada no artigo, não sendo apresentados “procedimentos” reconhecíveis que poderiam ser reproduzidos ou referenciados pelos atores em cena. Explico-me melhor: existe uma ideia (um conceito) da importância da palavra na tradição bassa que também está presente no teatro de Werewere, mas isso por si só é muito amplo e intangível. Aquilo que traria materialidade a isso, ou que materialmente seria reconhecível da tradição bassa em cena seria: “Gnepo também possui uma formação musical permeada pela tradição Bassa, popular e de grupo, onde várias vozes, instrumentos e percussões estão em constante diálogo polifônico” (p.9). Como essas “várias vozes, instrumentos e percussões” operam “em constante diálogo polifônico”? É como o cantochão medieval? É como a escultura sonora de Inhotim? Referenciação, no teatro, funciona como forma-material, como replicação ressignificada.

Isso de maneira alguma inviabiliza o argumento muito bem construído do texto, mas causa estranheza quando se espera que o texto vá tratar de um “teatro ritual”. Não é (ou o texto não deixa claro que) o aspecto ritualizado do teatro de Werewere que constrói sua estética polifônica: ela está no uso produtivo das convenções do teatro, seja ele ritual ou qualquer outro. Assim, proponho a supressão do termo “ritual” do título. O teatro de Werewere pode ser ritual, mas não é essa sua característica que faz diferença na análise empreendida.

Ainda sobre títulos, tenho questões quanto ao título da sessão “Implicações cênicas”, porque, como se está falando basicamente de rubricas, ele dá a impressão de que vai se falar da posta em cena do texto, o que em absoluto é do que trata a sessão. Infelizmente, não me ocorre o que sugerir, mas fica a questão levantada, se por acaso lhe surgir outra opção de título. Desculpe por não ajudar muito nessa.

A questão levantada no título ecoa nos objetivos do trabalho, que são “O objetivo deste trabalho é, assim, explorar essa nova configuração de didascálias dialógicas e polifônicas, sob o ângulo da tradição ritualística camaronesa, parte essencial das consciências que formaram a autora”. Pela minha perspectiva de leitura, que também pode ser enviesada, a análise não é feita “sob o ângulo da tradição ritualística camaronesa”, mas, no máximo, “a partir da tradição ritualística camaronesa”. Isso porque, a meu ver, o texto parte de um contexto, um background da Werewere, mas a discussão central do texto se calca nas convenções teatrais gerais. Talvez a intenção fosse dar mais destaque à tradição ritualística, mas o texto também tem sua autonomia – às vezes caminhos se impõem durante a escrita.

Ambas as teorias levantadas, dos estudos bakhtinianos e dos estudos teatrais, estão a contento. Acerca dos textos de Bakhtin, por vezes há um olhar um pouco duro ou fechados sobre a teoria, mais taxativo sob certos aspectos do que o próprio Bakhtin o foi, mas esses momentos não invalidam o uso da teoria ou a argumentação desenvolvida a partir dele. Da mesma forma, os estudos teatrais: ela vem de maneira suficiente para dar suporte à argumentação. A vantagem disso é que o corpus predomina no primeiro plano do artigo.

Apenas uma boa apresentação de uma autora desconhecida em terras brasileiras já seria mérito dessa publicação. Entretanto, ao explicitar o caminho proposto, “do dialogismo à estética polifônica” e ao dar ênfase a um elemento tão importante e tão desvalorizado nas análises teatrais como o é a didascália, o autor retoma e produz uma reflexão contemporânea a conceitos e questões que discursivamente estão sempre em constante atualização, mas que muitas vezes são olhadas de maneira estanque pela academia.

Por fim, o texto é bem redigido e bem estruturado, mas apresenta problemas linguísticos não muito graves: erros de concordância, de regência etc. Aqueles que comprometiam o entendimento foram assinalados no documento que envio anexo a este parecer, mas os que podem ser resolvidos por um revisor competente não foram indicados.

Espero que as observações do parecer sejam úteis e consideradas (não obrigatoriamente acatadas) em sua totalidade. Entretanto, ressalto duas correções que, a meu ver, precisam ser realizadas. Na p.12, há a indicação de um “enunciado monológico”. É um pedaço de período, mas, da forma como está, inviabiliza a argumentação central do artigo. Sugiro que aquele trecho seja suprimido ou revisto (no caso da revisão, sugiro explicação em nota de rodapé, além da reformulação do período).

Menos problemática, mas mais simpática é a observação da p.2, pois temos que lembrar que esta é uma revista de estudos da linguagem e nem todos os seus leitores terão conhecimento das convenções, mesmo as mais básicas, do teatro. Como você toma a rubrica por elemento narrativo, é importante lembrar essa informação ao leitor desde o princípio.

Por fim, e passando ao exposto na seção 3, reafirmo que é fato essencial para o entendimento do todo do texto dramático de Gnepo que se saiba que ela, além de escrever o texto, também atua e dirige o espetáculo, porque o texto dramático é incompleto – ou seja, precisa da cena para ser completado. O fato de ser ela própria a completar a cena nas duas principais “outras poéticas” que dialogariam com a dramaturgia em cena que dizer uma sincronia e até uma literalidade da cena em relação ao texto (ou do texto em relação à cena – e aí está porque é preciso saber sobre o processo de criação). Ainda, depois que dá a informação de que a própria Gnepo escreve, atua e dirige o espetáculo, o artigo começa a propor o contato do texto com um ator (ou uma atriz) que se propõe a representar o texto de outrem – não é o caso aqui. Das informações obtidas no próprio artigo, Gnepo escreveu o texto e o escreveu para si: quem é Gnepo? Qual seu porte físico? Como é sua voz? Tudo isso é contexto e, como tal, figura no texto.

Em resumo: mesmo que o artigo esteja falando apenas do texto dramático, e não sobre o espetáculo: aqui, mais do que em outros, eles estão intrinsecamente ligados. O espetáculo e atriz fazem parte do contexto de produção desse discurso – mesmo o discurso impresso e publicado.

Uma última elucubração (porque também eu, fomentado pelo artigo, tenho direito a pensamentos fora da caixa), não poderiam as didascálias serem lidas como expressão de um monólogo interior? Ou, se pudermos explodir as fronteiras entre os gêneros, como discurso indireto livre da personagem Londé? Ainda assim, é possível pensar M.S. como narrador ou personagem distanciado.

Ao rever o texto, o autor também deve reservar um tempo para o apuro técnico-linguístico, pois o texto carece de uma cuidadosa revisão textual, especialmente no que diz respeito às normas da revista, uso de vírgulas, repetições de termos, regência e concordância.

Como já dito, é um artigo cuja publicação muito interessa, tanto para os estudos bakhtinianos quanto para os estudos teatrais – e, como não poderia deixar de ser, aos estudiosos de teatro inseridos nos grupos de estudos bakhtinianos. Proponho que uma revisão seja feita, no sentido de responder às questões levantadas aqui e que o texto seja ressubmetido para nova rodada de avaliações. Veja bem, reitero: são questões de fundo, que podem mexer no todo do artigo, mas que não inviabilizam o argumento – apenas o deixam demasiado frágil na formulação atual. É uma discussão importante e que precisa ser encarada de frente nos estudos bakhtinianos. APROVADO COM SUGESTÕES

Carlos Gontijo Rosa – https://orcid.org/0000-0001-6648-902X; carlosgontijo@gmail.com; Pós-doutorando em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, São Paulo, São Paulo, Brasil; Bolsista Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP (Processo n. 2019/20703-2).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    26 Ago 2021
  • Aceito
    02 Jun 2022
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bakhtinianarevista@gmail.com