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A questão do valor em Saussure e em Volóchinov

RESUMO

O presente texto é de natureza teórica e procura alcançar um duplo objetivo. Em primeiro lugar, ele busca contribuir para um entendimento mais sólido a respeito da teoria do valor oriunda do pensamento do linguista genebrino Ferdinand de Saussure. Para isso, apresenta os três diferentes tipos de valor que, segundo Bouquet (2004), estão abarcados na teoria saussuriana: o valor relativo ao elemento interno, o valor relativo ao elemento sistêmico e, por fim, o valor relativo ao elemento discursivo. Em segundo lugar, este texto intenta dar a conhecer, ao menos em parte, a teoria da avaliação social na palavra, tal como proposta pelo pensador russo Valentin N. Volóchinov. Para tal, baseado em Gomes (2023), procura apresentar três pontos capitais para a compreensão dessa teoria: a distinção entre significação e avaliação social, a relação entre avaliação social e caráter criativo da linguagem e, finalmente, a relação entre avaliação social e devir histórico.

PALAVRAS-CHAVE:
Teoria do valor; Teoria da avaliação social na palavra; Axiologia; Saussure; Volóchinov

ABSTRACT

This text is theoretical and seeks to achieve a double objective. First, it aims to contribute to a more solid understanding of the theory of value derived from the thought of the Genevan linguist Ferdinand de Saussure. To do so, it presents the three different types of value that, according to Bouquet (2004), are included in the Saussurean theory: the value relative to the internal element, the value relative to the systemic element, and, finally, the value relative to the discursive element. Second, this text tries to make the theory of social evaluation in the word known, at least in part, as proposed by the Russian thinker Valentin N. Vološinov. For this purpose, based on Gomes (2023), it seeks to present three key points to understanding this theory: the distinction between meaning and social evaluation, the relationship between social evaluation and the creative character of language, and, finally, the relationship between social evaluation and historical becoming.

KEYWORDS:
Theory of value; Theory of social evaluation in the word; Axiology; Saussure; Vološinov

Nunca podemos esquecer que um pensador, qualquer que seja, está inserido numa grande corrente histórica. Em outros termos, o pensamento tem história e se faz na história.

Carlos Alberto Faraco

Considerações preliminares

É ao linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) que se atribui, costumeiramente, a proposta teórica presente no Curso de linguística geral (daqui por diante, CLG ou Curso), publicado em 1916. E como tal proposta passou a enformar boa parte da linguística desenvolvida nas décadas seguintes, naturalmente, de tempos em tempos, com vistas a esclarecimento, complementação ou contestação, houve uma revisitação dos diversos princípios e conceitos presentes no CLG.

Dentre as formulações contidas no Curso e que se referem à linguística sincrônica, a chamada “teoria do valor” parece resistir como uma daquelas que mais provocam dúvidas. Quer dizer, ninguém parece colocar sua existência em xeque, mas, mesmo assim, encontrar sua definição em termos minimamente nítidos mostra-se, ainda, um desafio.

Nesse sentido, parece que Saussure leva alguma vantagem em relação ao pensador russo Valentin N. Volóchinov (1895-1936), autor do já célebre Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem (doravante, também MFL), original de 1929. Afinal, mesmo com a grande atenção que o Ocidente atribui à sua magnum opus, a própria existência de uma teoria do valor em Volóchinov parece pouquíssimo conhecida.

É em virtude desses dois fatos, então, que o presente texto é proposto. Em outros termos, o que justifica este texto é, por um lado, o desafio de encontrar uma definição minimamente nítida para o que seria a “teoria do valor”, em Saussure, e, por outro lado, o desafio de tornar conhecida a “teoria da avaliação social na palavra”, de Volóchinov.

Frente, pois, a essas justificativas, cabe pontuar os dois objetivos desse texto. Em primeiro lugar, ele intenta contribuir para um entendimento mais sólido a respeito da teoria saussuriana do valor. Em segundo lugar, ele tem a finalidade de dar a conhecer, ao menos em parte, o pensamento volochinoviano em torno do valor - ou, se se quiser, da avaliação social. Decerto, esses objetivos são um tanto simples, mas nem por isso menos importantes.

Para alcançar tais objetivos, o texto busca sintetizar algumas considerações de Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]) a respeito de Saussure. Mais precisamente, intenta apresentar os três diferentes tipos de valor que, segundo Bouquet (2004), estão abarcados na teoria saussuriana: o valor relativo ao elemento interno, o valor relativo ao elemento sistêmico e, por fim, o valor relativo ao elemento discursivo1 1 Não é demais lembrar que Simon Bouquet, para o bem ou para mal, notabiliza-se por uma posição fortemente crítica ao Curso de linguística geral, por entender que a referida obra não reflete o pensamento de Saussure. Logo, como o presente texto ancora-se, em parte, na exposição que Bouquet (2004) faz a respeito do valor, fica justificada a escassez, aqui, de recurso ao texto do CLG. . Além disso, o texto procura sintetizar algumas considerações de Gomes (2023GOMES, F. A. Valentin Volóchinov: a vindicação do axiológico: São Paulo: Contexto, 2023. (no prelo)) a respeito de Volóchinov. Estritamente falando, a partir de Gomes (2023), procura apresentar três pontos capitais para a compreensão da teoria volochinoviana da avaliação social na palavra: a distinção entre significação e avaliação social, a relação entre avaliação social e caráter criativo da linguagem e, finalmente, a relação entre avaliação social e devir histórico.

Para concluir, além de destacar o fato de que, em Saussure e em Volóchinov, a questão do valor é movimentada de maneiras distintas, o texto lança mão de uma provocação em torno do conhecimento que ambos os linguistas detinham a respeito do ambiente acadêmico alemão da segunda metade do século XIX.

1 Saussure e a teoria do valor

Na literatura especializada, não é difícil encontrar a afirmação de que o valor, ou a teoria do valor, é o ponto central na reflexão de Ferdinand de Saussure2 2 A esse respeito, pode-se conferir Bouquet (2004, p.255), Normand (2009, p.158), Normand e Silveira (2009, p.223), Silveira (2009, p.40), Matsuzawa (2014, p.84), Flores (2023, p.106), entre outros. . Com efeito, o que parece um tanto difícil de se encontrar é uma definição clara do que seja, de fato, o conceito expresso pelo termo correspondente a “valor” nos textos, direta ou indiretamente, saussurianos.

Dentre os comentaristas mais conhecidos de Saussure, muitas vezes, a noção de valor é movimentada de modos diferentes - quando não é, outras tantas vezes, convenientemente silenciada. Nesse contexto, então, cabe dar lugar àquele que pode ser visto como um dos mais rigorosos trabalhos a lidar com esse problema: a obra Introdução à leitura de Saussure.

Publicada originalmente em 1997 e oriunda da provocativa - e, por isso, necessária - pena de Simon Bouquet, Introdução à leitura de Saussure dedica algumas dezenas de páginas para lidar com a questão do valor. E faz isso a partir de um aparato crítico que vai desde o afamado CLG até a alguns escritos originais do próprio Saussure - passando, é claro, pelas anotações de aulas, elaboradas por alguns alunos do mestre de Genebra.

Para adentrar aos dizeres de Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]) atinentes a uma teoria do valor em Saussure, é preciso, inicialmente, considerar o que o pesquisador francês escreve acerca da ideia de arbitrariedade. Para Bouquet, por dizer respeito a dois tipos de relação, o fenômeno que costumamos denominar “arbitrariedade do signo” - e que o autor, prudentemente, prefere nomear arbitrário da língua (BOUQUET, 2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997], p.233) - pode ser pensado em dois diferentes graus.

O primeiro grau refere-se à constituição do próprio signo. É por isso, então, que o autor nos fala sobre um arbitrário interno do signo (BOUQUET, 2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997], p.234). É sob a égide desse primeiro grau que se pode considerar um determinado significante como arbitrário em relação a um determinado significado. Semelhantemente, é sob o apoio desse primeiro grau que se pode considerar um determinado significado como arbitrário em relação a um determinado significante. Finalmente, é ancorado nesse primeiro grau que se pode considerar arbitrário o próprio encontro entre determinado significante e determinado significado em um signo específico.

Quanto ao segundo grau do arbitrário, Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]) considera que ele se refere às especificidades fonológicas e semânticas de uma dada língua. É por isso, então, que o autor nos fala sobre um arbitrário sistêmico do signo (BOUQUET, 2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997], p.235). É sob a égide desse segundo grau que se pode considerar arbitrário “o número de significantes e as características distintivas dos significantes” (BOUQUET, 2004, p.235) de uma dada língua. Da mesma maneira, é com base nesse segundo grau que se pode considerar arbitrário “o número de significados e as características distintivas dos significados” (BOUQUET, 2004, p.235-236) de uma dada língua.

As considerações de Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]) em torno da teoria saussuriana do arbitrário, de fato, harmonizam-se com outras tantas ponderações que o autor faz ao longo de sua obra. Em todo caso, para o propósito dessas páginas, a breve exposição sobre os dois graus do arbitrário já é suficiente para avançar a respeito da teoria saussuriana do valor.

De acordo com Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]), uma análise rigorosa dos escritos saussurianos e das anotações de alunos permite afirmar que a teoria do valor proposta por Ferdinand de Saussure é uma teoria de ordem semântica. Nas palavras do pesquisador francês,

a teoria do valor esboçada nas aulas de 23, 27, 30 de junho e 4 de julho é, ao mesmo tempo, caracterizada por sua generalidade - ou seja, por seu caráter unificado, que é um dos sentidos em que entendemos esse termo - e apresentada “em toda a sua complexidade”. Unificada, essa teoria do valor linguístico o é na medida em que o fenômeno que ela reflete, denominado indiferentemente por Saussure sentido ou significação, é concebido como unitário. Complexa, essa teoria do valor o é na medida em que coordena dois fatos, eles mesmos complexos. O primeiro fato (que se pode denominar, num estenograma, o do valor in absentia) faz corresponder termo a termo a teoria do valor e a teoria do arbitrário. O segundo fato (que se pode etiquetar como o do valor in praesentia) associa, a esse valor proveniente do arbitrário da língua, um valor proveniente do fato sintagmático. É na combinação desses dois fatos que o linguista vê (...) a essência do fato semântico (BOUQUET, 2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997], p.255)3 3 No sintagma “em toda a sua complexidade”, Bouquet (2004) utiliza aspas em virtude de estar retomando um trecho dos dizeres de Saussure a Gauthier — um de seus alunos —, conforme compilado por Robert Godel no célebre Les sources manuscrites du Cours de linguistique générale de Ferdinand de Saussure. .

Como se pode observar, Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]) assume que a teoria saussuriana do valor é complexa em virtude de congregar, por um lado, o que passa a denominar “valor in absentia” e, por outro lado, o que passa a nomear de “valor in praesentia”. Além disso, o trecho supramencionado mostra que o pesquisador francês afirma a natureza semântica da teoria saussuriana do valor. Assim, para ser mais preciso, o trecho em evidência mostra-nos que o autor de Introdução à leitura de Saussure atrela a natureza semântica da teoria à complexidade da teoria. Portanto, para efetivamente compreender a natureza semântica da teoria do valor, faz-se necessário compreender a distinção de Bouquet entre valor in absentia e valor in praesentia.

Como se lê no excerto supracitado, a partir da ideia de valor in absentia,Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]) assume que, na formulação saussuriana, a teoria do valor estabelece simetria com a teoria do arbitrário. E a justificativa dessa simetria faz-se por meio de duas considerações.

Em primeiro lugar, Bouquet justifica a simetria entre valor in absentia e teoria do arbitrário afirmando que, assim como o arbitrário do signo apresenta uma face interna ao signo - reitero: face relacionada à constituição do próprio signo -, a ideia de valor in absentia abarca um valor interno do signo (BOUQUET, 2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997], p.257). Nesse caso, o que se quer dizer mais especificamente é que

(1) o significante responde pelo seu significado; nessa medida, o significado é o valor desse significante; (2) o significado responde pelo seu significante; nessa medida, o significante é o valor desse significado; (3) significante e significado respondem simultaneamente um pelo outro; nessa medida, o significante e o significado são simultaneamente o valor um do outro (BOUQUET, 2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997], p.258).

Esse excerto, que é seguido de pertinentes exemplos extraídos dos textos saussurianos, não deixa dúvidas: o que Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]) congrega sob a expressão “valor interno” abrange três diferentes acepções para “valor”. Na primeira acepção, que o autor admite ser mais intuitiva e vinculada à lexicologia clássica, o termo “valor” é equivalente ao conceito saussuriano de “significado”. Na segunda acepção, que o autor reconhece como ligada ao empreendimento comparativista, o termo “valor” é equivalente ao conceito saussuriano de “significante”. Finalmente, na terceira acepção, o termo “valor” é equivalente à díade instaurada pela simultaneidade necessária dos dois valores mencionados nas acepções anteriores.

Assim, ao cunhar a expressão “valor interno”, Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]) objetiva precisar terminologicamente aquilo que, segundo entende, seria o elemento cambiável de que fala Saussure. E, na medida em que, segundo interpreta o estudioso francês, esse elemento pode assumir a forma do significante, a forma do significado e a forma resultante do encontro entre esses dois, torna-se possível falar - especialmente nos dois primeiros casos - de um elemento interno do signo.

Em segundo lugar, Bouquet justifica a simetria entre valor in absentia e teoria do arbitrário afirmando que, assim como o arbitrário do signo apresenta uma face sistêmica - repito: face relacionada às especificidades fonológicas e semânticas de uma dada língua -, a ideia de valor in absentia abarca um valor sistêmico do signo (BOUQUET, 2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997], p.259). Nesse caso, o que se quer dizer mais precisamente é que o valor de um signo é dependente do que esse signo tem à sua volta em termos de família associativa. Desse modo - e este exemplo não é de responsabilidade de Bouquet (2004) -, quando se afirma que “há línguas em que é impossível dizer ‘sentar-se ao sol’” (SAUSSURE, 2012SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral [1916]. Organização Charles Bally e Albert Sechehaye. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2012., p.163)4 4 Como se pode ler no texto de Bouquet (2004), essa ideia, que passou para a história por meio do CLG, aparece tanto nas anotações de Dégalier quanto nas anotações de Constantin. , o intuito é ressaltar que o signo “sol” deve seu valor aos signos com quem forma uma família associativa, como, por exemplo, o signo “lua”. Logo, onde não se marca linguisticamente a distinção entre os dois astros - e os exemplos são muitos (cf. LÉVI-STRAUSS, 1993LÉVI-STRAUSS, C. O sexo dos astros. In: LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural II. Tradução de Maria do Carmo Pandolfo et al. 4. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993. [1973], p.219-228) -, o signo “sol” não tem o mesmo valor que seu equivalente possui nas línguas em que existe tal distinção.

Em seu tratamento dessa segunda face do valor in absentia, o pesquisador francês reforça a ideia de que é um equívoco supor homogeneidade conceitual na utilização que Saussure faz do termo francês correspondente ao português “valor”. Assim, ao cunhar a expressão “valor sistêmico”, Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]) objetiva precisar terminologicamente aquilo que, segundo entende, seria o elemento comparável de que fala Saussure. E, na medida em que, segundo interpreta o estudioso francês, esse elemento pode ser determinado, unicamente, pela comparação com outros elementos de mesma natureza que compõem o grande conjunto de elementos existentes em uma determinada língua, torna-se possível falar de um elemento sistêmico.

Como se pode observar, o que foi exposto até aqui é referente ao que constitui o valor in absentia de que nos fala Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]). E, se bem entendido, é nesse valor in absentia que podemos reconhecer o caráter sistêmico do valor linguístico, tal como aparece no CLG.

A essa altura, porém, mais do que resumir a interpretação do estudioso francês, é preciso chamar a atenção para uma questão: ao leitor acostumado com o Curso5 5 Acostumado, especialmente, com a segunda seção do capítulo “O valor linguístico” — a saber, a seção “O valor linguístico considerado em seu aspecto conceitual” — e com a primeira seção do capítulo “Relações sintagmáticas e relações associativas” — qual seja, a seção “Definições”. , é possível ocorrer a ideia de que, enquanto o elemento cambiável diz respeito às relações associativas - relações que unem termos in absentia -, o elemento comparável refere-se às relações sintagmáticas - relações que unem termos in praesentia.

Entretanto, ao que tudo indica, esse é um dos possíveis equívocos interpretativos que Introdução à leitura de Saussure ajuda a desfazer. Afinal, ao congregar sob a expressão “valor in absentia” tanto o elemento cambiável quanto o elemento comparável, Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]) deixa clara sua interpretação de que, no pensamento de Saussure, o elemento comparável ainda não alude às relações sintagmáticas. De acordo com o pesquisador francês, no uso que faz em sua discussão sobre a teoria saussuriana do valor, a expressão in absentia diz respeito “ao fato de que o signo é considerado na língua, na ausência de toda inserção sintagmática” (BOUQUET, 2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997], p.257). Sendo assim, para se pensar a sintagmação - ou, se se quiser, sintagmatização -, é preciso olhar para o que Bouquet (2004) denomina valor in praesentia, e sobre o qual afirma:

(...) o valor in praesentia abrange tudo o que a sintaxe estuda na linguagem - sendo que a palavra sintaxe deve ser entendida no sentido mais geral de uma teoria do fato sintagmático, em outras palavras, de uma teoria do que é da competência do caráter linear, ou seja, “espacial”, da produção linguística (BOUQUET, 2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997], p.269).

Diante desse trecho, antes de sintetizar o modo como Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]) vincula as relações associativas e sintagmáticas com os valores in absentia e in praesentia, convém observar sua descrição do valor in praesentia. Para o pesquisador, uma vez que a sintaxe é oriunda da produção linguística - vale dizer, do discurso -, caracterizar o valor in praesentia como sendo sintagmático significa assumir que o valor in praesentia é de ordem discursiva; é, então, um elemento discursivo.

Sendo assim, numa síntese do vínculo que Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]) estabelece entre as relações associativas e sintagmáticas e os valores in absentia e in praesentia, resta claro que, enquanto o valor in absentia é atinente às relações associativas, isto é, àquelas relações que se orquestram no campo da mente humana, o valor in praesentia circunscreve relações sintagmáticas, vale dizer, relações espaciais que se arranjam na efetivação da produção linguística humana. Nessas condições, não é sem motivo que o estudioso francês insiste na ideia de que, no pensamento saussuriano, mais de uma vez, a distinção entre relações associativas e relações sintagmáticas espelha a distinção entre, respectivamente, língua e fala - ou, melhor, língua e discurso.

Com essa exposição, a interpretação da teoria saussuriana do valor proposta em Introdução à leitura de Saussure mostra-se claramente: por meio do termo francês correspondente ao português “valor”, Saussure remete (i) ao elemento interno - que é cambiável -, (ii) ao elemento sistêmico - que é comparável -, e, por último, (iii) ao elemento discursivo, sendo que os dois primeiros dizem respeito às relações associativas e o último concerne às relações sintagmáticas. E, ainda segundo Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]), é justamente na junção dos elementos interno e sistêmico com o elemento discursivo que está posta a face semântica da teoria saussuriana do valor.

Finalmente, como se vê, para aqueles que se acostumaram a pensar a reflexão saussuriana como restrita ao sistema, há algo diferente. Seguindo a interpretação proposta por Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]), chega-se ao entendimento de que, no pensamento de Saussure, por um lado, o valor emana do sistema - em parte, é o valor in absentia - e, por outro lado, o valor emana do discurso - é o valor in praesentia. E é por isso que, ao fim do capítulo em que traz a discussão sobre o valor, o pesquisador francês escreve:

podemos dizer, face à sua teoria sintagmática do valor, que, devido à não-elaboração da noção de “fala” (ou de “discurso”), Saussure deixou, em seu programa, de colocar conceitos epistemológicos que permitiriam teorias da competência sintática, da pragmática linguística ou da análise do discurso? Ao contrário: seu conceito de “valor in praesentia” delineia o programa dessas linguísticas. Além disso, se outros - sejam eles semanticistas, sintaticistas ou pragmáticos - tematizaram conceitos epistemológicos ligados a esse valor in praesentia, conceitos que não aparecem no Cours e que aparecem apenas de maneira implícita nos textos originais, não seria justo ficarem descontentes com o mestre genebrino e reivindicarem aí uma ruptura com seu programa epistemológico: é fácil mostrar que sua linguística é, ao contrário, essencialmente, construída sobre esse programa (BOUQUET, 2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997], p.280).

2 Volóchinov e a teoria da avaliação social na palavra

Ao contrário do que ocorre com Saussure, a reflexão de Valentin N. Volóchinov em torno de uma teoria do valor - quer dizer, em torno de uma axiologia - é muitas vezes desconsiderada. E dentre os muitos fatos que poderiam ser elencados para explicar tal desconsideração, um necessita ser destacado: o fato de que, não poucas vezes, a magnum opus de Volóchinov - a saber, Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem - foi tomada como sendo proveniente da pena de seu amigo Mikhail M. Bakhtin e, por isso, foi lida a partir de uma lente teórica que propõe como ponto de chegada aquilo que, para Volóchinov, era ponto de partida.

Para contribuir, então, com o reconhecimento e a compreensão daquilo que, certa feita, Volóchinov denominou “teoria da avaliação social na palavra” (VOLÓCHINOV, 2018bVOLÓCHINOV, V. N. Plano de trabalho de Volóchinov. In: VOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018b. p.325-352. [1927-1928], p.352), cabe dar lugar a três pontos capitais da referida teoria: (i) a distinção entre significação e avaliação social; (ii) a relação entre avaliação social e caráter criativo da linguagem; e, finalmente, (iii) a relação entre avaliação social e devir histórico6 6 Por limitação de espaço, não é possível abordar, nem mesmo panoramicamente, o modo como a questão da avaliação social aparece ao longo dos escritos de Volóchinov. Em todo caso, para um tratamento mais exaustivo, o leitor pode consultar Gomes (2023). .

Em relação à distinção entre significação e avaliação social, é preciso observar o que aparece no ensaio “A palavra na vida e a palavra na poesia: para uma poética sociológica” (daqui por diante, também PVPP), original de 1926. Nesse texto, que inicia o destaque de Volóchinov para o conceito designado pela expressão “avaliação social” - ou, simplesmente, “avaliação” -, está escrito:

(...) parece-nos que percebemos o valor do objeto junto com a sua existência, como uma das suas qualidades, assim como, por exemplo, junto com a luz e o calor do sol nos damos conta do quanto ele é valioso para nós. Do mesmo modo, todos os fenômenos da existência circundante se unem às avaliações (VOLÓCHINOV, 2019VOLÓCHINOV, V. N. A palavra na vida e a palavra na poesia: para uma poética sociológica. In: VOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e notas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019. p.109-146. [1926], p.122; grifos nossos).

Sem dúvidas, esse é um dos trechos que justificam o entendimento de que, para Volóchinov, a avaliação social é “a atribuição de uma carga valorativa, interindividualmente construída, aos eventos, fenômenos e/ou objetos do mundo” (GOMES, 2023GOMES, F. A. Valentin Volóchinov: a vindicação do axiológico: São Paulo: Contexto, 2023. (no prelo), no prelo). E mais: que, nessas condições, a avaliação social constitui-se uma propriedade naturalmente encontrada em “qualquer um dos possíveis modos de conhecer o mundo”, o que equivale a dizer que “não há conhecimento desprovido de avaliação; que na natureza própria do conhecer, junto ao significar, habita o avaliar” (GOMES, 2023, no prelo).

Nessas circunstâncias, enquanto o CLG, um tanto enigmaticamente, propõe uma distinção entre significação e valor, em PVPP, Volóchinov distingue significação de valoração - ou, se se quiser, de avaliação. Desse modo, para o filósofo russo, a avaliação social não consiste simplesmente na concessão de uma carga semântica. Em vez disso, a avaliação refere-se a algo como um juízo de valor, que é constituído historicamente e que se faz a respeito de um determinado evento, fenômeno e/ou objeto do mundo.

De fato, é possível dizer que, mesmo sucintamente, a distinção entre significação e avaliação social aparece no livro O freudismo: um esboço crítico, publicado em 19277 7 Lamentavelmente, no Brasil, o referido livro ainda é publicado sob o nome do filósofo Mikhail M. Bakhtin, confrade de Volóchinov. . Afinal, na referida obra - que é uma versão mais completa do ensaio “Do outro lado do social: sobre o freudismo”, de 1925 -, ao alegar que a teoria freudiana opera sobre o equívoco de projetar no passado um ponto de vista do presente, o pensador russo escreve:

nós transferimos do presente para o passado pré-consciente da criança, antes de tudo, aquela compleição ideológico-valorativa que é característica apenas do presente. (...)

“Pulsão sexual pela mãe”, “pai-rival”, “hostilidade ao pai”, “desejo pela morte do pai” - se retirarmos de todos esses “acontecimentos” aquela significação das ideias, aquele tom valorativo, aquela importância ideológica em toda a sua plenitude, que se agregam a eles apenas no contexto de nosso presente “adulto” consciente, o que lhes restaria? (...)

Uma vez que você desiste de projetar no passado os pontos de vista, avaliações e interpretações que pertencem ao presente, então você não tem motivo para falar sobre algo como complexo de Édipo, não importa o quão grande seja a quantidade de fatos objetivos citados como prova (VOLOŠINOV, 1976VOLOŠINOV, V. N. Freudianism: A Marxist Critique [1927]. Translated by I. R. Titunik. New York: Academic Press, 1976., p.81; grifos nossos)8 8 Tradução nossa. No original, em inglês: “We transfer from the present to the preconscious past of the child above all that ideological-evaluative complexion which is characteristic of the present only. (...) ‘Sexual attraction to the mother’, ‘the father rival’, ‘hostility toward the father’, ‘wish for the father's death’ — if we subtract from all these ‘events’ that ideational significance, that evaluative tone, that full measure of ideological weight which accrue to them only in the context of our conscious ‘adult’ present, what would they have left? (...) Once you give up projecting into the past the points of view, evaluations, and interpretations that belong to the present, then you have no cause to speak about any such thing as an Oedipus complex, no matter how great the quantity of objective facts cited in proof”. .

De todo modo, é somente com Marxismo e filosofia da linguagem que a distinção entre significação e avaliação social mostra-se em mais detalhes9 9 A bem da verdade, essa distinção aparece no sumário prévio que integra o plano de trabalho para MFL. Ali, lemos o que Volóchinov projetava como quinto capítulo da segunda parte de sua magnum opus: “1. O sistema de avaliações sociais na linguagem. 2. A entonação expressiva. 3. Sentido e avaliação. 4. Semântica e axiologia” (VOLÓCHINOV, 2018b, p.331, grifo nosso). Como se sabe, no texto final de MFL, em vez dos pretendidos oito capítulos, a segunda parte contém apenas quatro capítulos. E, no breve sumário do quarto capítulo, podemos ler: “Tema e significação. O problema da percepção ativa. Avaliação e significação. A dialética da significação” (VOLÓCHINOV, 2018a, p.227; grifo nosso). . Nesse texto de 1929, o conceito designado pelo termo “significação” aparece já nas primeiras páginas:

qualquer produto ideológico é não apenas uma parte da realidade natural e social - seja ele um corpo físico, um instrumento de produção ou um produto de consumo - mas também, ao contrário desses fenômenos, reflete e refrata outra realidade que se encontra fora dos seus limites. Tudo o que é ideológico possui uma significação [znatchiénie]: ele representa e substitui algo encontrado fora dele, ou seja, ele é um signo. Onde não há signo também não há ideologia. Pode-se dizer que um corpo físico equivale a si próprio: ele não significa nada e coincide inteiramente com a sua realidade única e natural. Nesse caso, não temos como falar de ideologia (VOLÓCHINOV, 2018aVOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a, p.81-322. [1929], p.91-92; grifos nossos).

Esse trecho - como dito alhures, “passagem que, proporcionalmente à fama, carrega a incompreensão” (FLORES; FARACO; GOMES, 2021FLORES, V. N.; FARACO, C. A.; GOMES, F. A. As particularidades da palavra, o privilégio da língua: especificidades e primazia do linguístico, em Volóchinov e Benveniste. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, [S. l.], v. 17, n. 1, Port. p.16-38 / Eng. p.15-38, 2021. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/53484>. Acesso em: 1 set. 2022.
https://revistas.pucsp.br/index.php/bakh...
, p.22) - permite observar uma relação entre significação e realidade. Mais precisamente, a significação é assumida como sendo “a propriedade, conferida pelo ser humano a quaisquer eventos, fenômenos e/ou objetos do/no mundo, de representar ou substituir outros eventos, fenômenos e/ou objetos” (GOMES, 2023, no prelo). Em outras palavras, significar é representar ou substituir dada realidade, de modo que qualquer elemento que representa ou substitui determinado recorte da realidade torna-se um signo. E assim, como escreve Volóchinov (2018aVOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a, p.81-322. [1929], p.119),

a significação [znatchiénie] só pode pertencer ao signo; a significação [znatchiénie] sem o signo é uma ficção. A significação [znatchiénie] é uma expressão da relação entre o signo, como uma realidade única, com uma outra realidade, que ele substitui, representa. A significação [znatchiénie] é a função do signo e por isso é impossível imaginar uma significação [znatchiénie] (que representa uma pura relação, uma função) que exista fora do signo, como um objeto isolado e autônomo.

De fato, ao mencionar o caráter refrativo do signo, Volóchinov (2018aVOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a, p.81-322. [1929]) já parece sinalizar a distinção entre significação e avaliação. Em todo caso, é ainda nas primeiras páginas de MFL que essa distinção assoma com nitidez. E isso pode ser visto, por exemplo, quando o autor pontua que

o signo não é somente uma parte da realidade, mas também reflete e refrata uma outra realidade, sendo por isso mesmo capaz de distorcê-la, ser-lhe fiel, percebê-la de um ponto de vista específico e assim por diante. As categorias de avaliação ideológica (falso, verdadeiro, correto, justo, bom etc.) podem ser aplicadas a qualquer signo. (VOLÓCHINOV, 2018aVOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a, p.81-322. [1929], p.93; grifo nosso).

Como se vê, Volóchinov (2018aVOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a, p.81-322. [1929]) afirma que, ao signo, podem ser aplicadas diferentes tipos de avaliação social, como “falso, verdadeiro, correto, justo, bom”. Dessa maneira, resta claro que, assim como fizera em PVPP, Volóchinov (2018a) encaminha a compreensão de que a avaliação social consiste na atribuição de diferentes cargas valorativas. E, como sabe o leitor do texto de MFL, essa carga valorativa não pode ser construída de outra maneira, senão interindividualmente.

Com efeito, uma série de questões mais específicas poderiam ser apontadas a respeito da bem fundamentada distinção volochinoviana entre significação e avaliação. De todo modo, o que parece mais essencial para ser destacado nestas poucas páginas é o fato de que a existência de uma distinção entre significação e avaliação não implica qualquer possibilidade de separação entre ambas. Em outras palavras,

a significação, isto é, essa propriedade dos signos de representar ou substituir dada realidade, embora diferente, é inseparável da atribuição de distintas cargas valorativas interindividualmente construídas, ou, em suma, da atribuição de diferentes acentos valorativos (GOMES, 2023GOMES, F. A. Valentin Volóchinov: a vindicação do axiológico: São Paulo: Contexto, 2023. (no prelo), no prelo).

E isso se observa, claramente, quando o autor de MFL sustenta que “sem uma ênfase valorativa não há palavra” (VOLÓCHINOV, 2018aVOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a, p.81-322. [1929], p.233), ou quando o mesmo autor reforça:

não existe um enunciado sem avaliação. Todo enunciado é antes de tudo uma orientação avaliativa. Por isso, em um enunciado vivo, cada elemento não só significa mas também avalia. Apenas um elemento abstrato, percebido no sistema da língua e não na estrutura do enunciado, aparece privado de avaliação (VOLÓCHINOV, 2018aVOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a, p.81-322. [1929], p.236).

Tudo isso dito, é hora de avançar ao segundo ponto capital da teoria volochinoviana da avaliação social na palavra, a saber, a relação entre avaliação social e caráter criativo da linguagem. E, a respeito desse segundo ponto, é preciso dizer, já de partida, que ele põe em relevo aquilo que, na esteira de Faraco (2006FARACO, C. A. Voloshinov: um coração humboldtiano? In: FARACO, C. A.; TEZZA, C.; CASTRO, G. (orgs.). Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. p.125-132.), pode-se chamar de “coração humboldtiano” de Volóchinov.

Para ser mais preciso, o caráter criativo da linguagem está no centro do conceito volochinoviano designado pela expressão russa equivalente ao português “avaliação social”, assim como está no centro da célebre “forma interna da língua”, assinalada pelo erudito alemão Willhelm von Humboldt (1767-1835). Logo, a avaliação social de Volóchinov é um desenvolvimento sociologizado dessa noção humboldtiana. E, para que isso fique mais explícito, convém observar os dizeres de Volóchinov (2018b, p.351) em seu plano de trabalho para MFL:

o problema do sentido do enunciado e, em decorrência, o da mudança dos significados na história da língua ocupam um lugar especial. Esse problema, elaborado de modo intenso nos dias atuais na escola de Anton Marty e dos fenomenólogos, tem uma importância primordial para a sociologia da linguagem. O vício fundamental de todas as teorias que lidam com esse problema teórico concentra-se na completa incompreensão do papel da avaliação social na língua. A avaliação social é um aspecto necessário e fundamental do significado. Não há palavra indiferente ao seu objeto. É impossível igualar a avaliação à expressão emocional, que é somente uma nuance opcional da avaliação social. A avaliação social forma o próprio conteúdo do significado da palavra, isto é, a definição concreta, que a palavra atribui a seu objeto. A famigerada “forma interna da palavra” da maioria dos teóricos apologéticos é somente uma expressão deformada e cientificamente improdutiva para a inclusão da avaliação social contida na palavra. A avaliação social determina todas as relações concretas da palavra, tanto nos limites de um enunciado quanto nos da interação de alguns enunciados.

É provável que, por meio de uma leitura rápida e/ou desatenta do trecho supracitado, o leitor fique com a impressão de que Volóchinov (2018bVOLÓCHINOV, V. N. Plano de trabalho de Volóchinov. In: VOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018b. p.325-352. [1927-1928]) está colocando em xeque o conceito humboldtiano de forma interna da língua. Entretanto, se bem entendido, o trecho supramencionado mostra que a rejeição do pensador russo não é à forma interna da língua, tal como formulada por Humboldt, mas, antes, à aparente corruptela elaborada pela “maioria dos teóricos apologéticos” de tal conceito. Afinal, para o autor de MFL, o desenvolvimento que tais teóricos - em especial, Anton Marty (1847-1914) e Gustav Chpiet (1879-1937) - deram à forma interna da língua não abrangeu devidamente a avaliação. Daí, portanto, a alegação de que, nas mãos desses teóricos, a forma interna da língua não passa de “uma expressão deformada e cientificamente improdutiva para a avaliação social contida na palavra”.

É justamente essa interpretação feita por Volóchinov (2018bVOLÓCHINOV, V. N. Plano de trabalho de Volóchinov. In: VOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018b. p.325-352. [1927-1928]) que ganha um tratamento mais detido no texto de 1929. A certa altura do quarto capítulo da segunda parte, o confrade de Bakhtin endereça suas discordâncias, expondo o que entende como fragilidade tanto em Marty quando em Chpiet. Para o autor de MFL, Marty e “a maioria dos linguistas” incorrem no equívoco de isolar “a avaliação da significação, considerando-a um elemento secundário da significação, uma expressão da opinião individual do falante sobre o objeto de fala” (VOLÓCHINOV, 2018aVOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a, p.81-322. [1929], p.236-237). E, semelhantemente equivocado, Chpiet “aborda a avaliação como cossignificação da palavra. Ele separa claramente a significação objetiva e a cossignificação avaliativa, colocando-as em diferentes esferas da realidade” (VOLÓCHINOV, 2018a, p.237).

Seguindo por uma via que ressalta o caráter criativo e social da avaliação - portanto, uma via distinta de Marty e Chpiet -, o autor de MFL assinala que

a avaliação possui um papel criativo nas mudanças das significações. Na verdade, a mudança da significação sempre é uma reavaliação: a transferência da palavra de um contexto valorativo para outro. A palavra ou é elevada a uma potência superior, ou é degradada a uma inferior. A separação entre a significação da palavra e a avaliação resulta inevitavelmente no fato de que uma significação, privada de um lugar na constituição social viva (em que ela é sempre repleta de avaliação), é ontologizada, transformando-se em uma existência ideal e abstraída da formação histórica (VOLÓCHINOV, 2018aVOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a, p.81-322. [1929], p.237; grifos nossos, com exceção de reavaliação).

Como se pode observar, esse excerto ratifica a concomitante distinção e inseparabilidade entre significação e avaliação social. E mais do que isso: ratifica o estabelecimento, por parte de Volóchinov, de uma estreita relação entre avaliação social e caráter criativo da linguagem. O caráter criativo da linguagem, explorado por eruditos como Willhelm von Humboldt, Karl Vossler e Ernst Cassirer - todos eles bem conhecidos pelo autor de MFL -, é justificado por meio do recurso volochinoviano ao conceito de avaliação social. Assim, aquilo que, em essência, era individual apresenta-se como algo interindividualmente construído.

Finalmente, já é possível discorrer a respeito do terceiro ponto capital da teoria volochinoviana da avaliação social na palavra, ou seja, a respeito da r elação entre avaliação social e devir histórico. E esse último ponto, deve-se dizer, está intimamente vinculado ao ponto anterior, isto é, à relação entre avaliação social e caráter criativo da linguagem.

Como já dito, o caráter criativo da linguagem foi explorado por alguns pensadores conhecidos por Volóchinov - e.g., Willhelm von Humboldt, Karl Vossler e Ernst Cassirer. Assim, o que confere à abordagem volochinoviana certa singularidade é o fato de que, por meio da avaliação social, o pensador russo atribui ao caráter criativo da linguagem uma estrutura sociológica.

Ora, dado que, na proposta volochinoviana, o caráter criativo da linguagem mostra-se dependente do conceito de avaliação social, resta claro que, nessa mesma perspectiva, a história - cujo caráter é permanentemente o de algo em construção, formação, criação - não pode prescindir do processo de axiologização. Em outras palavras, no trabalho de Volóchinov, “o devir da história passa, impreterivelmente, pelo processo de axiologização levado a termo por meio da linguagem” (GOMES, 2023GOMES, F. A. Valentin Volóchinov: a vindicação do axiológico: São Paulo: Contexto, 2023. (no prelo), no prelo). E é exatamente isso que se mostra nos dois últimos parágrafos da segunda parte de MFL:

o criador de gado primitivo não se interessa por quase nada e quase nada o afeta. O homem do fim da época capitalista se interessa por quase tudo, começando pelas regiões da terra mais remotas e terminando pelas estrelas mais distantes. Essa ampliação do horizonte valorativo se realiza de forma dialética. Os novos aspectos da existência que passam a integrar o horizonte de interesses sociais e que são abordados pela palavra e pelo pathos humano não esquecem dos elementos da existência integrados anteriormente, mas entram em embate com eles, reavaliando-os, alterando o seu lugar na unidade do horizonte valorativo. Essa formação dialética se reflete na constituição dos sentidos linguísticos. Um sentido novo se revela em um antigo e por meio dele, mas com o objetivo de entrar em oposição e o reconstruir.

Isso resulta em um embate incessante de ênfases em cada elemento semântico da existência. Na composição do sentido não há nada que esteja acima da formação e independente da ampliação dialética do horizonte social. A sociedade em formação amplia sua percepção da existência em formação. Nesse processo não pode haver nada de absolutamente estável (VOLÓCHINOV, 2018aVOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a, p.81-322. [1929], p.238).

Nesse extenso excerto, Volóchinov (2018aVOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a, p.81-322. [1929]) exemplifica a maneira como a atribuição de ênfases valorativas - que, com seu caráter criativo, corre do ser humano em direção ao mundo - intervém no processo histórico. Para o autor, a avaliação social atribui à linguagem a capacidade de estar em ininterrupta formação e, ao mesmo tempo, a capacidade de promover a ininterrupta formação da história.

Sendo assim, o resumo deste terceiro ponto confunde-se com o resumo da própria teoria da avaliação social de Volóchinov: estritamente falando, a avaliação social, o caráter criativo da linguagem e o devir histórico organizam-se num todo internamente coerente. E isso permite afirmar que, para Volóchinov, a história avança por meio do embate de valores.

Considerações finais

Ao tomar por base a complexa e instigante Introdução à leitura de Saussure, feita por Bouquet (2004BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]), a presente exposição encerra o entendimento de que, nos escritos saussurianos, há uma flutuação conceitual em relação ao termo francês correspondente ao vocábulo português “valor”. Mais do que isso, encerra o entendimento de que, para Saussure, a teoria do valor é uma teoria de ordem semântica, que subsume três diferentes tipos de valor: (i) o valor interno do signo; (ii) o valor sistêmico do signo; e (iii) o valor discursivo.

Semelhantemente, ancorada em Gomes (2023GOMES, F. A. Valentin Volóchinov: a vindicação do axiológico: São Paulo: Contexto, 2023. (no prelo)), a presente exposição encerra o entendimento de que, nos escritos volochinovianos, mesmo com a flutuação terminológica relativa à ideia de avaliação social - e.g., “ênfase valorativa”, “valor social”, “ênfase social”, “ênfases multidirecionadas”, “multiacentuação”, “acentos sociais vivos” e “avaliações sociais” -, há uma consistente proposta teórica em torno da avaliação social na palavra. E, a respeito dessa proposta, que o próprio Volóchinov (2018bVOLÓCHINOV, V. N. Plano de trabalho de Volóchinov. In: VOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018b. p.325-352. [1927-1928], p.352) chegou a denominar “teoria da avaliação social na palavra”, foram explicitados três pontos capitais. Em primeiro lugar, o fato de que atribuir uma carga valorativa a um evento, fenômeno e/ou objeto do mundo é diferente e inseparável do fato de atribuir uma carga semântica. Em segundo lugar, o fato de que, com a ideia de avaliação social, Volóchinov atribui uma estrutura sociológica ao caráter criativo da linguagem, que, como se sabe, foi explorado no conceito humboldtiano de forma interna da língua e, também, no conceito vossleriano de gosto linguístico. E, em terceiro lugar, o fato de que, na esteira da relação entre avaliação social e caráter criativo da linguagem, Volóchinov aloca o devir histórico, isto é, o processo permanente de formação da história.

Diante dessas considerações, é preciso reconhecer que, como se sabe, não é exatamente nesses termos que a teoria saussuriana do valor passou para a história. Todavia, na medida em que, assim proposta, essa teoria extrapola os limites da fonologia e da morfologia, ela realmente parece conclamar um olhar mais atento.

Da mesma forma, até o presente momento, não é exatamente nesses termos que o pensamento de Volóchinov tem sido explorado. Entretanto, pensada aos moldes do exposto neste texto, a teoria volochinoviana do valor - ou, se se quiser, a teoria da avaliação social na palavra - parece bastante promissora para incursões futuras no campo discursivo.

Ao fim e ao cabo, chama atenção o fato de que a teoria volochinoviana da avaliação social na palavra não se confunde com a teoria saussuriana do valor - nem mesmo quando esta última remete à ordem do discurso. Assim, se a questão do valor aparece tanto no linguista suíço quanto no pensador russo, isso não ocorre por razões de afinidade teórica. Na verdade, considerando-se questões biográficas tanto de Saussure quanto de Volóchinov, a razão mais provável é o conhecimento, por parte de ambos os autores, do ambiente acadêmico alemão da segunda metade do século XIX e do início do século XX. Afinal, foi nesse ambiente que o domínio da filosofia neokantiana fez vir à tona, por exemplo, a célebre teoria do valor (Werttheorie) da escola de Baden (cf. BEISER, 2017BEISER, F. Depois de Hegel: a filosofia alemã de 1840 a 1900. Tradução de Gabriel Ferreira. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2017. [2014]). Entretanto, uma verdadeira exploração dessa instigante possibilidade ainda está por vir.

Declaração de disponibilidade de conteúdo

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

REFERÊNCIAS

  • BEISER, F. Depois de Hegel: a filosofia alemã de 1840 a 1900. Tradução de Gabriel Ferreira. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2017. [2014]
  • BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. [1997]
  • FARACO, C. A. Voloshinov: um coração humboldtiano? In: FARACO, C. A.; TEZZA, C.; CASTRO, G. (orgs.). Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. p.125-132.
  • FLORES, V. N.; FARACO, C. A.; GOMES, F. A. As particularidades da palavra, o privilégio da língua: especificidades e primazia do linguístico, em Volóchinov e Benveniste. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, [S. l.], v. 17, n. 1, Port. p.16-38 / Eng. p.15-38, 2021. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/53484>. Acesso em: 1 set. 2022.
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/53484
  • FLORES, V. N. A linguística geral de Ferdinand de Saussure. São Paulo: Contexto, 2023.
  • GOMES, F. A. Valentin Volóchinov: a vindicação do axiológico: São Paulo: Contexto, 2023. (no prelo)
  • LÉVI-STRAUSS, C. O sexo dos astros. In: LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural II. Tradução de Maria do Carmo Pandolfo et al. 4. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993. [1973]
  • MATSUZAWA, K. O “descosido” do terceiro curso de linguística geral e o círculo hermenêutico. In: BRONCKART, J.-P.; BULEA, E.; BOTA, C. (orgs.). O projeto de Ferdinand de Saussure. Tradução de Marcos Bagno. Fortaleza: Parole et Vie, 2014. p.72-94.
  • NORMAND, C. Saussure. Tradução de Ana de Alencar e Marcelo Diniz. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.
  • NORMAND, C.; SILVEIRA, E. Claudine Normand em entrevista por Eliane Silveira (25/05/09). Letras & Letras, Uberlândia, v. 25, n. 1, p.219-223, 2009.
  • SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral [1916]. Organização Charles Bally e Albert Sechehaye. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2012.
  • SILVEIRA, E. A teoria do valor no Curso de linguística geral. Letras & Letras, Uberlândia, v. 25, n. 1, p.39-54, 2009.
  • VOLÓCHINOV, V. N. A palavra na vida e a palavra na poesia: para uma poética sociológica. In: VOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e notas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019. p.109-146. [1926]
  • VOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a, p.81-322. [1929]
  • VOLÓCHINOV, V. N. Plano de trabalho de Volóchinov. In: VOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018b. p.325-352. [1927-1928]
  • VOLOŠINOV, V. N. Freudianism: A Marxist Critique [1927]. Translated by I. R. Titunik. New York: Academic Press, 1976.
  • 1
    Não é demais lembrar que Simon Bouquet, para o bem ou para mal, notabiliza-se por uma posição fortemente crítica ao Curso de linguística geral, por entender que a referida obra não reflete o pensamento de Saussure. Logo, como o presente texto ancora-se, em parte, na exposição que Bouquet (2004) faz a respeito do valor, fica justificada a escassez, aqui, de recurso ao texto do CLG.
  • 2
    A esse respeito, pode-se conferir Bouquet (2004, p.255), Normand (2009, p.158), Normand e Silveira (2009, p.223), Silveira (2009, p.40), Matsuzawa (2014, p.84), Flores (2023, p.106), entre outros.
  • 3
    No sintagma “em toda a sua complexidade”, Bouquet (2004) utiliza aspas em virtude de estar retomando um trecho dos dizeres de Saussure a Gauthier — um de seus alunos —, conforme compilado por Robert Godel no célebre Les sources manuscrites du Cours de linguistique générale de Ferdinand de Saussure.
  • 4
    Como se pode ler no texto de Bouquet (2004), essa ideia, que passou para a história por meio do CLG, aparece tanto nas anotações de Dégalier quanto nas anotações de Constantin.
  • 5
    Acostumado, especialmente, com a segunda seção do capítulo “O valor linguístico” — a saber, a seção “O valor linguístico considerado em seu aspecto conceitual” — e com a primeira seção do capítulo “Relações sintagmáticas e relações associativas” — qual seja, a seção “Definições”.
  • 6
    Por limitação de espaço, não é possível abordar, nem mesmo panoramicamente, o modo como a questão da avaliação social aparece ao longo dos escritos de Volóchinov. Em todo caso, para um tratamento mais exaustivo, o leitor pode consultar Gomes (2023).
  • 7
    Lamentavelmente, no Brasil, o referido livro ainda é publicado sob o nome do filósofo Mikhail M. Bakhtin, confrade de Volóchinov.
  • 8
    Tradução nossa. No original, em inglês: “We transfer from the present to the preconscious past of the child above all that ideological-evaluative complexion which is characteristic of the present only. (...) ‘Sexual attraction to the mother’, ‘the father rival’, ‘hostility toward the father’, ‘wish for the father's death’ — if we subtract from all these ‘events’ that ideational significance, that evaluative tone, that full measure of ideological weight which accrue to them only in the context of our conscious ‘adult’ present, what would they have left? (...) Once you give up projecting into the past the points of view, evaluations, and interpretations that belong to the present, then you have no cause to speak about any such thing as an Oedipus complex, no matter how great the quantity of objective facts cited in proof”.
  • 9
    A bem da verdade, essa distinção aparece no sumário prévio que integra o plano de trabalho para MFL. Ali, lemos o que Volóchinov projetava como quinto capítulo da segunda parte de sua magnum opus: “1. O sistema de avaliações sociais na linguagem. 2. A entonação expressiva. 3. Sentido e avaliação. 4. Semântica e axiologia” (VOLÓCHINOV, 2018b, p.331, grifo nosso). Como se sabe, no texto final de MFL, em vez dos pretendidos oito capítulos, a segunda parte contém apenas quatro capítulos. E, no breve sumário do quarto capítulo, podemos ler: “Tema e significação. O problema da percepção ativa. Avaliação e significação. A dialética da significação” (VOLÓCHINOV, 2018a, p.227; grifo nosso).

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

O Autor/a organiza a apresentação do texto em duas seções: o texto inicial e os finais: Considerações iniciais, 1 Saussure e a teoria do valor (p.1-8); 2 Volóchinov e a teoria da avaliação social na palavra (p.8-15); Considerações finais (p.15-17); Referências (p.18).

O artigo apresenta dois objetivos: “Em primeiro lugar, (...) contribuir para um entendimento mais sólido a respeito da teoria saussuriana do valor. Em segundo lugar, com a finalidade de dar a conhecer, ao menos em parte, o pensamento volochinoviano em torno do valor - ou, se se quiser, da avaliação social”.

Na primeira seção, o/a Autor/a recupera o livro de Bouquet, Introdução à leitura de Saussure, para explicar extensivamente a importância da noção de valor linguístico na teoria do linguista genebrino. Nessa seção, calcada na obra organizada por Bouquet, no entanto, poderia ter um parágrafo sobre o capítulo IV - O valor linguístico - do Curso de Linguística Geral (1916), indicando o que a leitura de Bouquet contribui para um melhor esclarecimento do conceito de valor.

Na seção 2, o foco é a teoria do valor em torno de uma axiologia, defendida por Volóchinov. O/A Autor/a indica na p.9, na metade do texto, três pontos centrais teoria: “(i) a distinção entre significação e avaliação social; (ii) a relação entre avaliação social e caráter criativo da linguagem; e, finalmente, (iii) a relação entre avaliação social e devir histórico”. Excelente essa seção, com destaque para o aprofundamento do conceito de valor/valoração.Merece destaque a discussão em que recupera “a teoria volochinoviana do valor - ou, se se quiser, a teoria da avaliação social na palavra”, do Plano de trabalho de Volóchinov. [1927-1928].

Nas considerações finais, o Autor/a articula a noção de valor nas diferentes concepções e nas últimas linhas remete à escola de Baden. Sem ter mencionado o embate de Volóchinov com Rickert, parece que poderia ficar como sugestão para outro artigo, uma vez que a questão filosófica não foi abordada no texto.

O objetivo do artigo é relevante e merece ser publicado. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    05 Mar 2023

Parecer III

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer III

O artigo é muito bem escrito e organizado. Do ponto de vista de sua formulação textual, ele está adequadamente construído; do ponto de vista teórico-metodológico, ele apresenta todos os elementos compatíveis com trabalhos de natureza teórico-conceitual (os objetivos são bem formulados, a reflexão teórica é bem conduzida, o peso de reflexão é bem distribuído entre as partes do artigo etc.).

O tema do artigo merece alguns comentários.

São contemplados dois autores importantes do século XX - Saussure e Volóchinov - a partir do propósito de avaliá-los quanto às noções de valor mobilizadas por ambos. De um lado, a teoria saussuriana do valor; de outro, a teoria da avaliação social na palavra de Volóchinov. Os autores são estudados "per se" e com auxílio de fortuna crítica qualificada (Bouquet, Faraco etc.).

Nesse sentido, o texto é bastante correto e formula conclusões bastante circunscritas aos objetivos formulados no resumo e na introdução. No final do texto, é colocada uma sugestão de continuidade do debate. Ao reconhecer que "a teoria volochinoviana da avaliação social na palavra não se confunde com a teoria saussuriana do valor - nem mesmo quando esta última remete à ordem do discurso", o artigo sugere que a questão do valor poderia ainda ser mais aprofundada em ambos os autores - tomados em relação - desde que se levasse em conta " questões biográficas tanto de Saussure quanto de Volóchinov". Sugere-se, enfim, que se leve em conta "o conhecimento, por parte de ambos os autores, do ambiente acadêmico alemão da segunda metade do século XIX e do início do século XX". Esse ambiente - considerado no artigo de "domínio da filosofia neokantiana" - teria feito emergir a teoria do valor da escola de Baden. Trata-se de um tema interessante e que deve ser perseguido, sem dúvida.

Se for possível fazer uma contribuição ao texto, recomenda-se que seja explicitada na introdução do artigo a justificativa que demonstra a necessidade de fazer a contraposição entre os dois autores na contemporaneidade. Trata-se de fazer uma pequena reunião de argumentos a favor do procedimento adotado. APROVADO COM SUGESTÕES [Revisado]

Parecer editorial

Solicita-se que o autor leia atentamente os pareceres, reescreva o artigo levando em consideração aspectos levantados pelos pareceristas, e reenvie o texto para o periódico até dia 09 de abril de 2023.

Interação

Professor, a fim de atender sua sugestão, explicitei a justificativa na seção "Considerações preliminares". Caso tenha qualquer outra sugestão, esteja à vontade para me comunicar. Será prontamente considerada.

A título de informação, devo dizer que, em virtude das considerações presentes no PARECER II, precisei adicionar duas notas explicativas: a primeira, para dizer que a escassez de citações do CLG é devida à opção pelos comentários de Bouquet (como o autor é reconhecido por suas críticas ao CLG e seus editores, trazer citações do CLG para defender seu argumento seria incoerente); a segunda, para mencionar alguns do comentaristas --- Bouquet (2004, p.255), Normand (2009NORMAND, C.; SILVEIRA, E. Claudine Normand em entrevista por Eliane Silveira (25/05/09). Letras & Letras, Uberlândia, v. 25, n. 1, p.219-223, 2009., p.158), Normand e Silveira (2009SILVEIRA, E. A teoria do valor no Curso de linguística geral. Letras & Letras, Uberlândia, v. 25, n. 1, p.39-54, 2009., p.223), Silveira (2009, p.40), Matsuzawa (2014MATSUZAWA, K. O “descosido” do terceiro curso de linguística geral e o círculo hermenêutico. In: BRONCKART, J.-P.; BULEA, E.; BOTA, C. (orgs.). O projeto de Ferdinand de Saussure. Tradução de Marcos Bagno. Fortaleza: Parole et Vie, 2014. p.72-94., p.84), Flores (2023FLORES, V. N. A linguística geral de Ferdinand de Saussure. São Paulo: Contexto, 2023., p.106) --- que consideram o valor, ou a teoria do valor, como ponto central do pensamento de Saussure.

Caso julgue que há algum equívoco, esteja à vontade para me dizer.

Desde já, muito obrigado pela disposição em conversar por este canal.

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    24 Mar 2023

Parecer IV

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer IV

Após a leitura da última versão do artigo, cabe considerar o que segue:

  • a) O artigo foi remodelado de forma a atender todas as solicitações feitas por ocasião do primeiro parecer;

  • b) O conjunto do material colocado sob análise atende todas as demandas do trabalho científico, em especial quanto à clareza teórico-metodológica e dos objetivos formulados;

  • c) A bibliografia consultada é atual e condizente com a reflexão proposta;

Com base no exposto, sou de parecer favorável à publicação do artigo na revista Bakhtiniana por estar em perfeita sintonia com a linha editorial do periódico, principalmente no que tange à qualidade dos trabalhos disponibilizados. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    10 Abr 2023

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2023
  • Aceito
    21 Jun 2023
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