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As disputas de sentido envolvendo o corpo homossexual masculino caracterizado como urso: um exemplo de análise dialógica

RESUMO

Este artigo analisa as disputas de sentido envolvendo o corpo homossexual masculino caracterizado como urso. Considerando o aporte teórico-metodológico da Análise Dialógica do Discurso, foi analisada uma postagem com três sequências de comentários que tematizavam o corpo urso em um grupo da rede social Facebook. A análise revelou que o centro da disputa de sentidos nos enunciados se detém em duas valorações distintas: (i) o urso identificado como um corpo gordo e peludo e (ii) o urso identificado como um corpo padrão e com (alguns) pelos. Por meio das oposições gordo/não gordo e pelos/não pelos, o gay de corpo padrão disputa características do corpo urso, notadamente os pelos, para demonstrar mais traços de masculinidade. Contudo, essa posição gera, em tom quase sempre irônico e crítico, protesto daqueles que defendem que os ursos representam a resistência de uma categoria que se enquadra, acima de tudo, ao corpo gordo.

PALAVRAS-CHAVE:
Corpo; Gênero; Sexualidade; Análise Dialógica do Discurso

ABSTRACT

This article analyzes the dispute around meanings involving the homosexual male body characterized as bear. Based on the theoretical-methodological framework of Dialogic Discourse Analysis, an analysis was carried out of a Facebook group post with three sequences of commentaries on the bear body type. The analysis revealed that the heart of the meaning making dispute in the utterances holds two distinct evaluations: (i) the bear identified as a fat and hairy body, and (ii) the bear identified as a standard body and with (some) body hair. Through the fat/not-fat and hairy/hairless oppositions, the standard gay body contests the bear body characteristics, notably the hair, for demonstrating more masculine traits. However, this position generates protests, almost always in an ironic and critical tone, from those who defend that bears represent the resistance of a category that fits, above all, the fat body.

KEYWORDS:
Body; Gender; Sexuality; Dialogic Discourse Analysis

Introdução

A construção da homossexualidade no Brasil foi, no decorrer da história, tematizada em torno de diferentes categorias. Uma das mais presentes é a oposição homem/viado. A categoria homem englobaria os indivíduos do sexo masculino que mantivessem posição ativa em relações sexuais com homens ou mulheres, indiferentemente. Além disso, à categoria homem pertence também boa parte daqueles que não são homossexuais assumidos socialmente ou que se identificam como discretos e fora do meio gay, ou seja, não frequentam bares, boates e/ou baladas gays. A categoria viado e seus similares (bicha, baitola, boiola etc.) diria respeito aos homens sexualmente passivos, com características afeminadas, frequentemente chamados de mulherzinha, um tipo de ser híbrido que, apesar das características anatômicas masculinas, possui traços femininos marcantes (para uma história sobre a formação das diferentes categorias, ver Carrara e Simões, 2007CARRARA, S.; SIMÕES, J. A. Sexualidade, cultura e política: a trajetória da identidade homossexual masculina na antropologia brasileira. Cadernos Pagu, n. 28, p.65-99, jun. 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0104-83332007000100005&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em: 16 maio 2020.
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).

Esse fato histórico serve para ilustrar que a disputa envolvendo os corpos homossexuais masculinos é uma pauta constante na sociedade brasileira. A própria comunidade gay, representada pela letra G da sigla LGBTQIA+1 1 LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais, Assexuais e mais). , ao passar do tempo e com o advento das tecnologias digitais, com especial destaque para a internet, as redes sociais e os aplicativos de encontros geolocalizados, tem criado para si alguns subgrupos ou categorias que legitimam os corpos desejáveis. Temos exemplos de gays que são categorizados como barbie ou padrão (expressões que definem os gays de corpos brancos e magros/malhados/sarados); os gays que são categorizados como dad (expressão que define os gays de corpos idosos); e os que são tidos como poc (expressão que identifica o gay afeminado e pobre, geralmente de locais periféricos). Nesse diapasão, a comunidade também construiu para si a categoria urso, expressão que definia, a princípio, os gays de corpos gordos e peludos2 2 Para uma revisão mais aprofundada sobre as diferentes categorias de corpo gay, ver também França (2006). .

Dito isso, é importante salientar que é por meio do corpo, como apontou Butler (2004)BUTLER, J. Undoing Gender. New York: Routledge, 2004., que o gênero e a sexualidade (nem sempre) ficam visíveis aos outros, e isto implica um processo de significados socialmente atribuídos, como os representados nas diversas categorias anteriormente citadas. Como não poderia deixar de ser, todas essas categorias que envolvem o controle dos corpos homossexuais e ditam os padrões estéticos de aceitação/exclusão social passam por valorações nas/pelas práticas de linguagem. Como argumenta Bakhtin (2016a)BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016a. p.11-70., ao passo que mudam as práticas sociais, também mudam os sentidos que são atribuídos aos usos que fazemos da linguagem, o que, a meu ver, não tem sido diferente com as valorações atribuídas ao corpo urso. Tenho percebido, enquanto participante de grupos de redes sociais que tematizam questões sobre gênero e sexualidade, que não é unanimidade a definição de urso apontada acima. De fato, parece que o corpo urso vem sofrendo algumas mudanças de sentido e se tornando uma arena de disputa nas interações discursivas nos ambientes digitais.

Diante desse contexto, tenho como objetivo analisar as disputas de sentido envolvendo o corpo homossexual masculino caracterizado como urso a partir das contribuições teórico-metodológicas da Análise Dialógica do Discurso (doravante, ADD). Se, por um lado, a articulação do pensamento bakhtiniano aos estudos sobre gênero e sexualidade pode parecer, a princípio, improvável, uma vez que questões sobre o tema não foram pauta específica de nenhum dos estudiosos do denominado Círculo de Bakhtin, por outro lado, graças ao poder heurístico de suas ideias e sua recepção no Brasil, é possível, no contexto recente de produção acadêmica, a emergência de estudos que consideram viável, por exemplo, defender-se um feminismo dialógico, tanto teórico como prático (FANTI; BOENAVIDES; MARTINS, 2021FANTI, M. G. D.; BOENAVIDES, D. L. P.; MARTINS, L. A. B. Contribuições bakhtinianas para um feminismo dialógico. Letras de Hoje, v. 56, n. 3, p.570-583, 31 dez. 2021. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/42205. Acesso em: 16 fev. 2022.
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).

Amparado, assim, nesse caminho que, apesar de pouco pavimentado, demonstrase promissor, e para dar conta do objetivo, selecionei para a análise uma postagem com três sequências de comentários em um grupo da rede social Facebook que tematizavam o corpo urso. Esse grupo reúne, em sua maioria, membros da comunidade LGBTQIA+ da cidade de Fortaleza, no estado do Ceará, e discute com frequência questões relacionadas a gênero e sexualidade. Na análise, a postagem e os comentários foram considerados enunciados concretos e interpretados a partir da sua relação com outros enunciados e da valoração presente em cada um deles. Dada a análise, é possível argumentar pela contribuição da ADD para interpretar questões relacionadas ao corpo no contexto mais amplo dos estudos sobre gênero e sexualidade e desvelar como as disputas de sentido se materializam nas interações discursivas.

O texto está organizado da seguinte forma: a princípio, apresento as considerações bakhtinianas sobre corpo, fazendo, quando possível, uma interface com os estudos sobre gênero e sexualidade; em paralelo a isso, discuto metodologicamente como as lentes dialógicas podem interpretar os enunciados selecionados para a análise; adiante, é apresentado o exemplo de análise e, por fim, as considerações finais.

1 Delineando o caminho teórico-metodológico da pesquisa

Bakhtin, quando tece considerações sobre o corpo, parte do contexto da análise literária e da vinculação entre o mundo da arte e o mundo da vida, o mundo ético e o mundo estético. O desafio que se coloca aqui é aproveitar e, ao mesmo tempo, expandir as considerações do autor acerca do corpo para discutir questões relacionadas aos estudos de gênero e sexualidade. Isso é feito seguindo a tradição daqueles e daquelas que antes de mim criaram inteligibilidade sobre o pensamento de Bakhtin e o Círculo, permitindo a emergência, no contexto brasileiro, de uma Análise Dialógica do Discurso (BRAIT, 2012BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: Outros conceitoschave. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012, p.9-31.; SOBRAL; GIACOMELLI, 2016SOBRAL, A.; GIACOMELLI, K. Observações didáticas sobre a análise dialógica do discurso - ADD. Domínios de Lingu@gem. v. 10, n. 3, p.1076-1094, 2016. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/view/33006. Acesso em: 21 mar. 2022.
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; VILLARTA-NEDER, 2020VILLARTA-NEDER, M. A. Corpos em alteridade: silêncios e resistência. Polifonia, Curitiba, v. 27, n. 49, p.47-68, out./dez. 2020. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/view/10755. Acesso em: 17 mar. 2022.
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). Para além do contexto dos estudos dialógicos, sempre que possível, trago ao debate textos que tratam sobre gênero e sexualidade e especificamente sobre o corpo urso (BUTLER, 2004BUTLER, J. Undoing Gender. New York: Routledge, 2004.; RIOS, 2018RIOS, L. F. “Paizões”, “filhotes” e a “simbiose do amor”: regulações de gênero entre homens frequentadores da comunidade dos “ursos” no Recife (Brasil). Etnografica, n. 222, p.281-302, 1 jun. 2018. Disponível em: https://journals.openedition.org/etnografica/5347#text. Acesso em: 16 maio 2020.
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). Nesse diálogo, as linhas que seguem buscam delinear o caminho teóricometodológico desta pesquisa.

Em um dos seus primeiros textos, O autor e o herói3 3 Nota dos Editores. Na tradução direta do russo, publicada no Brasil em 2003, este artigo passou a denominar-se “O autor e a personagem na atividade estética” (In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.03-192). , da década de 1920, Bakhtin (1997)BAKHTIN, M. O autor e o herói. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. Revisão da tradução Marina Appenzeller. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.23-114. discute especificamente questões relativas ao corpo. O autor enfatiza que o ser humano possui uma visão limitada de si mesmo, ou seja, algumas partes de nosso corpo, como a cabeça, são inacessíveis diretamente ao nosso olhar; por isso, sempre haverá algo em mim desconhecido por mim e sabido pelo outro que me contempla e se situa à minha frente. Bakhtin nomeia esse processo de exotopia. Nas palavras de Bakhtin (1997BAKHTIN, M. O autor e o herói. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. Revisão da tradução Marina Appenzeller. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.23-114., p.44),

Quando contemplo um homem situado fora de mim e à minha frente, nossos horizontes concretos, tais como são efetivamente vividos por nós dois, não coincidem. Por mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre verei e saberei algo que ele próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora de mim e à minha frente, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar - a cabeça, o rosto, a expressão do rosto -, o mundo ao qual ele dá as costas, toda uma série de objetos e de relações que, em função da respectiva relação em que podemos situar-nos, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele.

Essa posição extralocalizada que ocupamos em relação ao outro não se dá, como pode parecer em um primeiro momento, apenas quando estamos frente a frente. Mesmo ao me olhar no espelho, diante de uma visão bidimensional de mim mesmo, o reflexo que vejo não diz respeito a um eu igual ao ser que se contempla. Ali, refletido, já está um outro de mim mesmo que é percebido a partir de uma avaliação social que chega a mim pelos olhos dos outros. Por isso, Bakhtin (2017)BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e de Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017., em sua filosofia primeira, entende que os seres humanos, apesar de únicos e singulares, agem e interagem no mundo material em uma interdependência mútua, mas não se confundem em nenhum momento. O centro de valor de sua filosofia é, portanto, como sugerido por Sobral (2019)SOBRAL, A. A filosofia primeira de Bakhtin: roteiro de leitura comentada. Campinas: Mercado de Letras, 2019., a relação eu-ooutro. Isso quer dizer que não existe qualquer juízo de valor sobre as práticas humanas que não esteja sujeito ao olhar avaliativo do outro, pois sempre saberei dele algo que ele mesmo não pode ver em si.

A partir desse preâmbulo, podemos avançar na ideia de que, mesmo que ocupemos um lugar único no mundo e que sejamos sujeitos de carne e osso, com nossa história e nossa subjetividade, participamos de um mundo que se constrói por sentidos em comum, semiotizado pela linguagem, ou seja, um mundo de sentidos constituído na égide da relação com os outros, denominada por Bakhtin de relações dialógicas - voltarei a isso. Tanto é assim que na elaboração da segunda edição do livro Problema da poética de Dostoiévsky,Bakhtin (2018BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018., p.323 [1963]) resume a ontologia de seu pensamento, afirmando que “ser significa ser para o outro e, através dele, para si”.

É nessa tensa e inevitável relação com o outro que Bakhtin sustenta sua concepção de corpo. O autor coloca o problema do corpo pelo ângulo dos valores, distanciando-se, assim, das concepções biológicas e/ou psicofísicas sobre o tema. Tema aqui utilizado à maneira de Bakhtin, quando afirma que “dois enunciados alheios confrontados, que nada sabem um do outro, se querem trocar, ainda que de leve, o mesmo tema (pensamento), entram inevitavelmente em relações dialógicas entre si” (2016b, p.88; grifo meu). Sobre o corpo, complementa Bakhtin (1997BAKHTIN, M. O autor e o herói. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. Revisão da tradução Marina Appenzeller. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.23-114., p.66): “pela própria razão de se referir aos valores, está claro que o problema [do corpo] não poderia ser colocado do ponto de vista das ciências naturais, da biologia ou da psicologia (…)”. Por implicação, o corpo, ao ser tomado neste artigo como objeto de investigação no contexto dos estudos sobre gênero e sexualidade, é tratado como um problema ligado às valorações que recebe a partir das interações discursivas dos sujeitos que participam de práticas sociais, ligadas a um campo da atividade humana, no caso à comunidade LGBTQIA+. Assim, os sentidos atribuídos aos diferentes tipos de corpos são compreendidos pelo viés social e valorativo, isto é, dialógico.

Por isso, “o corpo não é algo que baste a si mesmo, tem necessidade do outro, de outro que o reconheça e lhe proporcione sua forma” (BAKHTIN, 1997BAKHTIN, M. O autor e o herói. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. Revisão da tradução Marina Appenzeller. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.23-114., p.70; grifo no original). Essa forma, contudo, não é previamente dada, mas constituída pelas avaliações sociais, pelos valores. “É como se da minha unicidade” - afirma Bakhtin (2017BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e de Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017., p.122) - “se irradiassem raios que, atravessando o tempo, afirmassem o caráter humano da história, iluminando com a luz do valor cada tempo possível e a temporalidade mesma enquanto tal”. Butler (2004BUTLER, J. Undoing Gender. New York: Routledge, 2004., p.21), que investiga gênero e sexualidade sob outra perspectiva, reconhece, semelhantemente a Bakhtin, que “o corpo tem suas invariáveis dimensões públicas; constituído como um fenômeno social na esfera pública, meu corpo é e não é meu”4 4 Tradução nossa. No original, em inglês: “The body has its invariably public dimension; constituted as a social phenomenon in the public sphere, my body is and is not mine”. . Dito de outra forma, o corpo se constitui na relação com o outro corpo; apesar de meu, ele não me pertence em sua totalidade, o outro é fundamental para que sua forma (valorada) seja completa e o corpo, por assim dizer, exista socialmente.

Para avançarmos na dimensão de entendimento do corpo na tensão entre o eu e o outro (corpo), cabe destacar que a abordagem do corpo, do ponto de vista que assumo, pode acontecer em duas perspectivas. Na primeira, o corpo é uma semiose, ou seja, um objeto de sentido que, por sua posição no mundo, pode provocar uma resposta em quem o contempla. O corpo, assim, é entendido como linguagem, em relação com outros corpos e com outros valores, ponto de vista defendido por Villarta-Neder (2020)VILLARTA-NEDER, M. A. Corpos em alteridade: silêncios e resistência. Polifonia, Curitiba, v. 27, n. 49, p.47-68, out./dez. 2020. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/view/10755. Acesso em: 17 mar. 2022.
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. Nessa dimensão, assumimos que o corpo comunica, expressa um valor e pode compor um elemento extraverbal do enunciado, como demonstrado por mim em outro lugar a respeito do uso do corpo do professor para complementar os sentidos dos enunciados dirigidos aos alunos em uma aula on-line de língua inglesa (BASTOS, 2021BASTOS, R. L. G. Interações discursivas em uma aula on-line de língua inglesa na plataforma Google Meet. Tabuleiro de Letras, v. 15, n. 1, p.120-137, 1 jul. 2021. Disponível em: https://revistas.uneb.br/index.php/tabuleirodeletras/article/view/11387. Acesso em: 13 jun. 2022.
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).

Na segunda perspectiva, selecionada para ser analisada neste trabalho, o corpo é objeto de discurso de um enunciado concreto que participa de uma interação discursiva. Nessa perspectiva, a análise não se concentra exatamente no corpo como signo/linguagem, que comunica, mas no enunciado do sujeito que comunica a respeito do corpo, expressando sua valoração sobre o tema. Dessa forma, Bakhtin (2017BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e de Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017., p.85-86) adianta aquilo que será central em nossa análise:

(…) a palavra não somente denota um objeto como de algum modo presente, mas expressa também com a sua entonação (uma palavra realmente pronunciada não pode evitar de ser entoada, a entonação é inerente ao fato mesmo de ser pronunciada) a minha atitude avaliativa em relação ao objeto - o que nele é desejável e não desejável - e, desse modo, movimenta-o em direção do que ainda está por ser determinado nele, torna-se momento de um evento vivo.

Como podemos perceber a partir da colocação de Bakhtin, a palavra (ou linguagem, sinônimo de palavra no contexto da obra do Círculo) não serve apenas para designar um objeto no mundo. O que já foi dito sobre o objeto em outros contextos é ressignificado no evento único do enunciado que espera, por consequência, uma resposta, uma concordância ou discordância, tornando-se, assim, um momento de um evento vivo. “A relação eu/outro e a dimensão axiológica - serão, portanto, os eixos constantes e nucleares do pensamento bakhtiniano e de seus pares” (FARACO, 2017FARACO, C. A. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2017., p.22). Seria impossível, dessa maneira, entender as disputas pelo corpo homossexual masculino caracterizado como urso sem considerar a atitude avaliativa do sujeito em relação ao objeto de discurso que tematiza.

Nessa mesma perspectiva, como também nos ensina Volóchinov (2018)VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2018., a linguagem nunca apenas reflete a realidade, mas também a refrata, isto é, a recria de outra forma, a partir de minha avaliação sobre o objeto de discurso. Dessa maneira, os sentidos, na perspectiva dialógica, como chamou a atenção Faraco (2017)FARACO, C. A. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2017., não se limitam ao aqui e ao agora, mas se atualizam no aqui e no agora, dialogando com o que já foi dito e com o que ainda será dito, em uma cadeia infinita de comunicação dialógica. Nessa cadeia, não pode existir ser humano em geral ou uma verdade universal dada de uma vez por todas, mas avaliações axiológicas que partem de sujeitos de carne e osso, que habitam um mundo de valores sempre em aberto, e que de seu lugar único são responsáveis pelos atos que praticam.

Em meu ponto de vista, a tensa relação de posicionamentos axiológicos atribuídos ao corpo cria, por consequência, uma disputa em torno dos sentidos atribuídos ao tema na comunidade LGBTQIA+. Criam-se categorias de identidade/alteridade para a classificação e a consequente valorização/desvalorização dos corpos. Essa dinâmica, por vezes, pode ser perversa. Algumas formas corporais são empurradas para a sombra das interações homoafetivas. Nas interações em aplicativos gays geolocalizados, a exemplo do Grindr, foi verificado que os encontros reais, na maioria das vezes, só se concretizam entre iguais, ou seja, entre homens brancos, jovens, atléticos e não afeminados (SARAIVA; SANTOS; PEREIRA, 2020). Esse tipo de perfil pode, facilmente, ser identificado como um ideal de beleza subjacente à ideia de um corpo culturalmente tido como bonito e desejável - o corpo branco e magro/malhado/sarado. Os que diferem desse perfil, segundo Saraiva, Santos e Pereira (2020)SARAIVA, L.; SANTOS, L.; PEREIRA, J. Heteronormativity, Masculinity and Prejudice in Mobile Apps: The Case of Grindr in a Brazilian City. Brazilian Business Review, v. 17, n. 1, p.114-131, 1 jan. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-23862020000100114&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 17 maio 2020.
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, são repelidos e oprimidos indiscriminadamente, ocupando um espaço secundário na comunidade virtual (e, ouso dizer, fora dela).

O corpo daqueles que se autocaracterizam como ursos, por sua vez, passa por valorações sociais as mais diversas. Ser urso no contexto homossexual à brasileira, de acordo com Rios (2018)RIOS, L. F. “Paizões”, “filhotes” e a “simbiose do amor”: regulações de gênero entre homens frequentadores da comunidade dos “ursos” no Recife (Brasil). Etnografica, n. 222, p.281-302, 1 jun. 2018. Disponível em: https://journals.openedition.org/etnografica/5347#text. Acesso em: 16 maio 2020.
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, tem sido um ato de resistência frente aos corpos legitimados como atraentes e dentro do padrão. A metáfora com o animal, para o autor, valida o que a categoria espera dos que se enquadrem nela: corpulentos, peludos e masculinos. Para o mesmo autor, fazem parte da categoria urso aqueles homens gays que possuem corpos mais peludos e certo desleixo com as roupas, traços menos afeminados e barriga saliente. Essa forma de identificação faria o contraponto na cena gay, marcada por corpos tidos como mais valorizados, o corpo mais modelado (padrão), mas que pode ser, por outro lado, afeminado, diferentemente do urso. Posso adiantar, contudo, que a partir da análise realizada, podemos observar uma mudança de comportamento por parte do homem gay padrão em relação ao seu corpo. Em minha hipótese, na tentativa de se distanciar de traços afeminados, ele busca se aproximar de algumas características corpóreas antes inerentes aos ursos, como a presença de pelos. Fato que tem provocado, como irei discutir no exemplo de análise, muitas tensões em torno da temática.

Acrescente-se a isso o fato de que, no ponto de vista de Bakhtin (2016a)BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016a. p.11-70., não temos como recorrer a um objeto de discurso - sendo um deles o próprio corpo - que já não tenha sido valorado, controvertido, questionado em diferentes momentos por meio de enunciados concretos. O enunciado, para o autor, é “um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados” (BAKHTIN, 2016aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016a. p.11-70., p.26). Como elo, ele é sempre permeado por outras vozes, outros pontos de vista, outras posições valorativas em uma relação dialógica na cadeia da interação discursiva que dialoga, em menor ou maior grau, com enunciados anteriores, antecipando enunciados/respostas futuras. Essa dinâmica, denominada por Bakhtin de relações dialógicas - relações entre sujeitos via discurso -, é a unidade de análise da ADD que praticamos.

Por fim, para virarmos a página com relação aos pressupostos teóricos, resta dizer que os sentidos atribuídos ao corpo masculino que se enquadra na categoria urso são produtos das interações entre os sujeitos, que, por meio da linguagem, revelam os tons apreciativos, isto é, as diferentes valorações em torno do objeto de discurso (BAKHTIN, 2016aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016a. p.11-70.). Dado esse fato, quando discuto corpo, no contexto dos estudos de gênero e sexualidade, faço-o sob o ângulo dos valores, tendo como objeto de análise os enunciados de sujeitos que tematizam o corpo.

Metodologicamente, assumo que as postagens e os comentários do grupo da rede social Facebook são enunciados concretos. Tanto as postagens como os comentários participam da interação discursiva, respondendo mais imediatamente a outras postagens e a outros comentários, mas também estão inseridos na cadeia de enunciados anteriores e posteriores sobre o mesmo tema, dentro e fora do ambiente digital. Como o corpus é retirado de uma rede social, digno de nota enfatizar que as postagens, frequentemente, como é o caso em análise, tendem a utilizar elementos verbais e visuais na composição do enunciado. Dado esse fato, é importante esclarecer que, na interpretação de um enunciado verbo-visual (BRAIT, 2013BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 8, n. 2, p.43-66, 2013. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/16568. Acesso em: 16 mar. 2022.
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), leva-se em conta a articulação dos dois elementos materiais para a construção dos sentidos pretendidos pelo autor5 5 Devido à capacidade de síntese que requer o gênero e ao objetivo do artigo, não será possível discutir toda a complexidade que envolve os estudos verbo-visuais. Um maior aprofundamento sobre a questão pode ser encontrado em Brait (2013). .

Ao interpretar um enunciado (verbo-visual), serão considerados, como nos ensina Bakhtin (2016a)BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016a. p.11-70., três elementos interdependentes em sua composição: (i) o objeto de discurso propriamente dito - no caso o corpo urso; (ii) a expressividade do locutor, ou seja, a avaliação desse objeto, se bom ou mau, se desejável ou indesejável etc.; (iii) as relações de alteridade, tanto com o discurso anterior como com os posteriores. É tarefa do analista, portanto, encontrar os elos retrospectivos e prospectivos em sua análise, acrescentando elementos ao dizer do outro que pode ser visto apenas de sua posição extralocalizada em relação ao objeto que analisa (SOBRAL; GIACOMELLI, 2016SOBRAL, A.; GIACOMELLI, K. Observações didáticas sobre a análise dialógica do discurso - ADD. Domínios de Lingu@gem. v. 10, n. 3, p.1076-1094, 2016. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/view/33006. Acesso em: 21 mar. 2022.
https://seer.ufu.br/index.php/dominiosde...
). Afinal, como já discutido, existe algo em mim mesmo que só é acessível ao olhar do outro.

Para viabilizar a análise que trago como exemplo, é importante esclarecer a situação de produção do corpus, que é composto por uma postagem e a seleção de uma sequência de três comentários. O grupo do Facebook do qual participo é privado, abrigava um total de 19,1 mil membros até a data da constituição do corpus e discute diversos aspectos que envolvem a comunidade LGBTQIA+ de Fortaleza, no estado do Ceará. Nas interações com o grupo, deparei-me, no início do ano de 2020, com uma postagem tematizando o corpo urso. A postagem me saltou aos olhos e demandou uma leitura atenta devido à divergência de opiniões dos membros sobre a temática. A partir disso, senti-me provocado a compreender, do ponto de vista de pesquisador, como as disputas de sentidos envolvendo o corpo homossexual masculino no contexto dos estudos sobre gênero e sexualidade podem ser interpretadas pelas lentes dialógicas.

Se existe, como vimos, a possibilidade de analisar o corpo como parte extraverbal do enunciado de um sujeito que, ao falar, também se movimenta no espaço, gesticula e, até mesmo, silencia (VILLARTA-NEDER, 2020VILLARTA-NEDER, M. A. Corpos em alteridade: silêncios e resistência. Polifonia, Curitiba, v. 27, n. 49, p.47-68, out./dez. 2020. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/view/10755. Acesso em: 17 mar. 2022.
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), é possível, também, analisar o corpo como um objeto de discurso tematizado no enunciado. A segunda possibilidade foi a escolhida por mim para viabilizar esta análise, não porque as duas dimensões não possam caminhar juntas, mas porque, como o corpus foi retirado de uma interação on-line, o acesso aos corpos dos sujeitos é subtraído do campo visual do analista, podendo ser feitas apenas interpretações sobre o corpo do interlocutor quando presente no material verbal do enunciado, quer dizer, no próprio comentário realizado por ele, ou na foto escolhida para preencher o perfil do comentador na rede social que, por razões éticas, será suprimida desta pesquisa.

Como minha adesão ao grupo não aconteceu em decorrência da pesquisa, mas se deu antes - sou membro desde o dia 24 de setembro de 2017 -, isso imprime um caráter participativo, no sentido de Bakhtin (2017)BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e de Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017., a esta pesquisa. Isso quer dizer que, como homem gay, vivo na vida cotidiana interações que abordam diversos aspectos comportamentais da comunidade LGBTQIA+, mas que, por ser atravessado também pelo papel de estudioso da linguagem, uno, nesta pesquisa, o mundo da vida e o mundo teórico em busca da produção de conhecimento. Considero-me, portanto, um pesquisador insider (AMARAL, 2009AMARAL, A. Autonetnografia e inserção online: o papel do pesquisador-insider nas práticas comunicacionais das subculturas da web. Fronteiras - Estudos Midiáticos, v. 11, n. 1, p.14-24, 30 abr. 2009. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/fronteiras/article/view/5037. Acesso em: 19 mai. 2020.
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), que, no meu caso, esteve inserido no grupo em ambiente digital antes mesmo de a pesquisa se delinear.

A partir dessa configuração, a questão ética pautou minhas escolhas. Busquei entender como, no ambiente virtual, a pesquisa deve se responsabilizar pela utilização de dados provenientes das interações em ciberespaço. Elm (2008)ELM, M. How do Various Notions of Privacy Influence Decisions in Qualitative Internet Research?. In: MARKHAM, A.; BAYM, N. (ed). Internet Inquiry: Conversations about Method. Los Angeles, Sage, 2008. p.69-98. me ajudou a delinear alguns pontos importantes, especialmente aqueles em que se intercruzam as noções de público e privado e a questão ética. Segundo o autor, “a internet não tem somente mudado nossa maneira de olhar a vida social, mas tem também nos feito considerar questões de como a vida social é estudada em ambiente on-line” (ELM, 2008ELM, M. How do Various Notions of Privacy Influence Decisions in Qualitative Internet Research?. In: MARKHAM, A.; BAYM, N. (ed). Internet Inquiry: Conversations about Method. Los Angeles, Sage, 2008. p.69-98., p.71)6 6 Tradução nossa. No original, em inglês: “the internet has not only changed our ways of looking at social life but has also made us reconsider questions of how social life is to be studied when it takes place online”. . Amparado nessa premissa, considero que, a depender do tipo de interação on-line, é quase impossível contactar todos os participantes devido à sua própria dinâmica, inviabilizando, assim, a assinatura de um termo de consentimento. Membros entram e saem do grupo do qual participo a todo instante. Os perfis que comentaram a postagem já podem não estar mais disponíveis no momento seguinte. Pessoas reais, mas que usam perfis falsos, podem também comentar as postagens, e sua identificação se torna tarefa muito difícil. Portanto, como se trata de um grupo privado, sendo as postagens disponíveis apenas para os membros, resolvi divulgar a postagem e os comentários anonimamente, ocultando o nome e a foto do perfil de cada participante, bem como suprimindo o endereço digital do grupo.

A postagem que trago para o exemplo de análise foi publicada no dia 29 de abril de 2020. Até o dia 17 de maio de 2020, data em que o corpus foi constituído, tinha gerado respostas na ordem de 177 comentários. Esse forte engajamento com a postagem foi fator decisivo para sua escolha. A foto que ilustrava a postagem foi salva na galeria de meu smartphone e depois inserida no artigo. Para complementar a análise, selecionei três sequências de comentários: a primeira sequência contendo quatro comentários; a segunda com três comentários; a terceira com um comentário. As sequências de comentários foram capturadas na tela de meu smartphone e salvas em minha galeria, depois transferidas para este documento. Selecionei os comentários que julgo mais representativos para discutir como os sentidos em torno do corpo urso são disputados nas interações discursivas dos membros do grupo, como segue.

2 Um exemplo de análise dialógica

A postagem selecionada para ilustrar a análise trazia a seguinte legenda “Amo um urso *--* É IRONIA”. O texto da legenda foi complementado pela foto abaixo (Figura 1), que se trata de uma outra postagem retirada da rede social Twitter. O enunciado tornase, assim, um todo de sentido, que une elementos verbais (a legenda) e elementos verbovisuais (a foto/postagem, que também é acompanhada originalmente por uma legenda - “tem coisa melhor que homem gordinho???” - seguida de três emojis que representam um olhar amoroso de quem gosta do que está vendo):

Figura 1
Foto utilizada para ilustrar a legenda da postagem no grupo. Fonte: arquivo pessoal.

A legenda “Amo um urso *--* É IRONIA”, refere-se à figura do corpo masculino representada na foto/postagem acima, um corpo padrão, branco, musculoso, com barba e (alguns) pelos. A valoração “é ironia” grafada em caixa-alta serve para colocar em disputa as concepções de urso pretendidas pelo autor da postagem, quais sejam: (i) a valoração subjacente a urso com um corpo predominantemente gordo e peludo, como indicou Rios (2018)RIOS, L. F. “Paizões”, “filhotes” e a “simbiose do amor”: regulações de gênero entre homens frequentadores da comunidade dos “ursos” no Recife (Brasil). Etnografica, n. 222, p.281-302, 1 jun. 2018. Disponível em: https://journals.openedition.org/etnografica/5347#text. Acesso em: 16 maio 2020.
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, e (ii) a identificação do corpo musculoso e com (alguns) pelos como urso. Essa postagem, em minha interpretação, teve o objetivo de gerar uma polêmica sobre as duas valorações apontadas acima. O autor, no entanto, já toma uma posição em relação à temática, sustentando que seria irônico considerar o corpo da imagem como urso. Nada nos impede também de sugerir que a foto/postagem original no Twitter que traz a legenda “tem coisa melhor que homem gordinho???” seja ela mesma uma ironia à ideia de que corpos malhados e com (alguns) pelos possam ser identificados como urso. Se assim o for, a postagem no grupo do Facebook é uma resposta que concorda com a postagem no Twitter.

De toda forma, os elos enunciativos anteriores e posteriores a esse enunciado/postagem, isto é, suas relações dialógicas, podem ser incalculáveis, a exemplo das centenas de comentários gerados no grupo. Por isso, e a título de ilustração, apresento, a seguir, a análise de três sequências de comentários que respondem de forma imediata à postagem. Amparado na ideia de Bakhtin (1997)BAKHTIN, M. O autor e o herói. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. Revisão da tradução Marina Appenzeller. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.23-114. de que o problema do corpo deve ser estudado do ponto de vista dos valores, analiso as valorações nos comentários que, ao se relacionarem dialogicamente, constituem os sentidos do corpo urso nas interações discursivas dos membros do grupo ao responderem à postagem em tela.

Figura 2
Sequência de comentários 1 Fonte: arquivo pessoal.

O comentário 1, que inaugura a sequência de comentários 1, acima, responde imediatamente à postagem. Os comentários 2, 3 e 4 respondem de forma imediata ao comentário 1, mas também à postagem e, como pressupõe Bakhtin (2016b)BAKHTIN, M. O texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016b. p.71107., respondem aos outros enunciados produzidos sobre o mesmo tema, mesmo que distantes no tempo e no espaço. Afinal, a valoração é sempre singular, mas nunca individualizada; ela se constitui na tensa relação entre os sujeitos. Na dinâmica da interação em ambiente digital, nem sempre as reações-respostas são verbalizadas. Percebe-se nos comentários algumas reações-respostas dos interlocutores em forma de curtida e de risada. Apesar dessa especificidade, irei me deter à materialidade verbal dos comentários.

Toda a sequência de comentários 1 concorda com a valoração de que a imagem apresentada pelo autor da postagem não corresponde ao que os membros da comunidade LGBTQIA+ podem considerar um corpo urso. O interlocutor no comentário 1 afirma que é por postagens como essa que alguns gays de “Fortal” (forma regressiva utilizada para se referir à cidade de Fortaleza) postam fotos com corpo semelhante (magro/malhado/sarado) na rede social Twitter autodenominando-se urso. Esse comentário faz referência ao caso de um jovem gay que, com corpo sarado e com (alguns) pelos, postou há algum tempo uma foto na referida rede social afirmando que estava se tornando um urso. Tal fato repercutiu muitíssimo nas redes sociais e gerou imenso debate sobre quem poderia ser ou não considerado urso na comunidade gay. Ao trazer à tona tal referência, o autor do comentário 1 desaprova a ideia de que um corpo padrão e com (alguns) pelos pode ser identificado como urso, assumindo, assim, o mesmo tom irônico do autor da postagem.

Ao fazer essa avaliação, o comentário 1 deflagra uma reação-resposta de concordância que se materializa verbalmente no comentário 2: “tem barba já é ursah”. É digno de nota, também, como a comunidade gay vem utilizando termos no feminino para se identificar, subvertendo a ordem da masculinidade, ainda tão valorizada por alguns segmentos da comunidade, como apontado por Saraiva, Santos e Pereira (2020)SARAIVA, L.; SANTOS, L.; PEREIRA, J. Heteronormativity, Masculinity and Prejudice in Mobile Apps: The Case of Grindr in a Brazilian City. Brazilian Business Review, v. 17, n. 1, p.114-131, 1 jan. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-23862020000100114&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 17 maio 2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
. Os termos “a gay” (comentário 1), “ursah” (comentário 2), “nas gays” e “ursas” (comentário 4) demonstram o uso dessa forma de linguagem como uma valoração positiva da feminilidade. Como a linguagem se relaciona com a realidade social (BAKHTIN, 2016aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016a. p.11-70.), é possível entender que existe a demanda de se legitimar o feminino nas práticas comunicativas entre gays assumidos como movimento de resistência à masculinidade excludente que, como apontaram Carrara e Simões (2007)CARRARA, S.; SIMÕES, J. A. Sexualidade, cultura e política: a trajetória da identidade homossexual masculina na antropologia brasileira. Cadernos Pagu, n. 28, p.65-99, jun. 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0104-83332007000100005&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em: 16 maio 2020.
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, cria a categoria de viado como inferior na cena homossexual brasileira.

O comentário 2 também evidencia o fato de que, na tentativa de demonstrar mais um traço de masculinidade, muitos homens gays vêm utilizando a barba como traço corpóreo marcante. Contudo, a presença de pelos no rosto, para o autor do comentário 2, não seria suficiente para que o homem gay pudesse ser considerado urso. Evidencia-se, portanto, a oposição pelos/não pelos como ponto central da disputa pelos sentidos nesta interação. Ao que parece, o homem gay padrão, quando não tem pelos e, por conseguinte, pode ser avaliado como menos masculino, não é confundido de nenhuma forma com um urso. O cenário se complica, contudo, quando o corpo padrão passa a cultivar pelos na tentativa de semiotizar um traço de masculinidade que antes era inerente ao corpo urso.

Tanto é assim que o comentário 4, por meio da expressão “gay padrao se achando ursas”, ironiza a ideia de que os gays padrões (como o representado na foto da postagem), por apresentarem barba ou alguns pelos no corpo, possam ser considerados ursos.

Em contraposição às valorações evidenciadas na postagem e na sequência de comentários 1, a sequência de comentários 2, por meio dos comentários 1 e 2, traz outro ponto de vista sobre a temática. Contudo, esse ponto de vista entra em disputa com o comentário 3. Vejamos.

Figura 3
Sequência de comentários 2 Fonte: arquivo pessoal.

O autor do comentário 1 afirma que o homem representado na foto da postagem (Figura 1) é “um lontra”. Cabe salientar que, no contexto da comunidade LGBTQIA+, o corpo lontra, por apresentar alguns pelos no corpo e/ou barba, entra em disputa para ser considerado um tipo de urso, apesar de não ser gordo (RIOS, 2018RIOS, L. F. “Paizões”, “filhotes” e a “simbiose do amor”: regulações de gênero entre homens frequentadores da comunidade dos “ursos” no Recife (Brasil). Etnografica, n. 222, p.281-302, 1 jun. 2018. Disponível em: https://journals.openedition.org/etnografica/5347#text. Acesso em: 16 maio 2020.
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). Em seguida, o autor acrescenta, em relação dialógica de discordância com a sequência de comentários anterior, que o lontra “é considerado um tipo de urso sim”. Além do mais, ele afirma que “só o fato de ser peludo já entra, e a pessoa da foto não é magra”. A afirmação de que só o fato de ser peludo já pode identificar alguém como urso é o contraponto necessário para compreendermos que essa categoria está sendo disputada pelo corpo padrão de forma que os sentidos anteriormente atribuídos ao urso estão passando por uma revisão, e a presença dos pelos, mais uma vez, é o fator determinante para essa mudança. O fato de ser majoritariamente gordo e ter pelos no corpo, como descreveu Rios (2018)RIOS, L. F. “Paizões”, “filhotes” e a “simbiose do amor”: regulações de gênero entre homens frequentadores da comunidade dos “ursos” no Recife (Brasil). Etnografica, n. 222, p.281-302, 1 jun. 2018. Disponível em: https://journals.openedition.org/etnografica/5347#text. Acesso em: 16 maio 2020.
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, parece não ser mais o binômio predominante para o autor do comentário 1.

O comentário 2, por sua vez, reforça a posição valorativa do comentário 1 por meio da expressão “pode ser urso, mas gordinho não é”. O interlocutor aceita que o homem representado na foto (Figura 1) seja um urso, talvez por apresentar (alguns) pelos no corpo, mas recusa a ideia de que ele seja gordo. Essa interação, mais uma vez, aponta que a presença de pelos pode realmente definir um corpo urso, independentemente de ser gordo ou magro/malhado/sarado, isto é, “o pessoal das academias” de uma forma geral, para usar as palavras do autor do comentário 2.

O comentarista 3, por sua vez, é, ao que tudo indica, um homem gay gordo que se identifica como urso. Nesse sentido, ele responde aos comentários anteriores a partir de um lugar do qual, apesar de não se poder afirmar com certeza, não participam os demais interlocutores. Obviamente que cada ser humano, em sua individualidade, ocupa um lugar único e irrepetível no mundo da vida (BAKHTIN, 2017BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e de Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017.). Contudo, isso não impede que sejam criados grupos de pertença por identificação e necessidade de resistência na comunidade LGBTQIA+. Atravessado, dessa forma, pelas características morfológicas do corpo de seu grupo, o autor do comentário 3 afirma que “lontra é lontra, não existe essa de ser considerado um tipo de urso não, a gente que é gordo lutou mto para ter nosso espaço pra vir gente magra dizer que faz parte da gente”.

O pertencimento explícito do autor do comentário à categoria de corpo urso se evidencia pelo uso dos pronomes “a gente” e “nosso”. Esse comentário, diferentemente dos dois anteriores, avalia que a principal característica morfológica do corpo de um urso seria ser gordo, e não a presença de pelos. Aliás, o autor do comentário enfatiza que a categoria lutou muito para encontrar seu espaço na comunidade LGBTQIA+, para ter seus corpos desejados, combatendo a hegemonia da atração pelo corpo padrão. Diante desse posicionamento avaliativo, percebemos que o centro de disputa de sentidos sobre o corpo homossexual masculino caracterizado como urso se desloca da oposição pelo/não pelo para a oposição gordo/não gordo como característica marcante. Podemos sugerir que, ao se apropriar dos pelos como elemento que pode semiotizar traços de masculinidade, o corpo padrão demanda uma resposta/protesto do homossexual mais corpulento, para usar as palavras de Rios (2018)RIOS, L. F. “Paizões”, “filhotes” e a “simbiose do amor”: regulações de gênero entre homens frequentadores da comunidade dos “ursos” no Recife (Brasil). Etnografica, n. 222, p.281-302, 1 jun. 2018. Disponível em: https://journals.openedition.org/etnografica/5347#text. Acesso em: 16 maio 2020.
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, no entendimento de que o corpo urso seja identificado, acima de tudo, por ser gordo.

Como mais um exemplo da disputa pelos sentidos em relação ao corpo urso, analiso a próxima e última sequência de comentários.

Figura 4
Sequência de comentários 3 Fonte: arquivo pessoal.

A sequência de comentários 3, que também responde à postagem, é composta por apenas um comentário, já que até a data da constituição do corpus não havia nenhuma outra resposta a ele. Nele, o interlocutor afirma que “eu não sei mas o que é urso, pq todos querem ser hoje”. A expressão do autor do comentário pode ser interpretada como uma crítica aos gays de corpo padrão que querem ser urso, reforçando, mais uma vez, o possível aspecto positivo do traço de masculinidade representado pela categoria. Existe o desejo, portanto, na avaliação do autor do comentário, de todos os homens gays serem urso, especialmente o gay de corpo padrão, como o representado na foto da postagem (Figura 1). De certa forma, essa vontade de querer ser urso, em tom de crítica no comentário acima, é, em minha hipótese, um exemplo da tentativa dos membros da comunidade LGBTQIA+ de se afastarem da estigmatizada categoria viado, identificada como afeminada. “Todos querem ser [urso] hoje” pode ser uma resposta ao preconceito e à discriminação que a comunidade LGBTQIA+ enfrenta no dia a dia da sociedade brasileira e que são vivenciados, como apontou Butler (2004)BUTLER, J. Undoing Gender. New York: Routledge, 2004., em seus próprios corpos.

Da leitura dessas sequências de comentários, podem surgir perguntas do tipo: afinal, o gay peludo e magro/malhado/sarado pode ser considerado um urso? As diferentes respostas analisadas até aqui apontam para o entendimento de que o corpo, no contexto dos estudos de gênero e sexualidade em uma perspectiva dialógica, apesar de sua materialidade inegável (BUTLER, 2004BUTLER, J. Undoing Gender. New York: Routledge, 2004.), é constituído por processos sociais que, nas palavras de Bakhtin (1997)BAKHTIN, M. O autor e o herói. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. Revisão da tradução Marina Appenzeller. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.23-114., dão-lhe forma e, portanto, o determinam e o constroem na relação de sentidos socialmente compartilhados com o(s) outros(s). Por implicação, podemos afirmar que os corpos são constituídos pelas valorações sociais impressas no material semiótico da palavra, como também apontou Bakhtin (2017)BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e de Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017.. Dessa forma, ser ou não ser urso não tem nada de essencialismo, dado de uma vez por todas, mas de produção de sentidos que se colocam sempre em disputa.

Portanto, apresentado como as disputas de sentido envolvendo o corpo homossexual masculino se concretizam em práticas de linguagem no ciberespaço, é possível reafirmar que o corpo urso é um objeto de discurso e está no centro de uma disputa que busca ressignificá-lo, ampliando-o para também identificar gays de corpo padrão. Essa luta acontece pela presença de outras vozes que disputam os sentidos sobre o tema. O outro - urso/não urso - é imprescindível para que haja as tensões necessárias na construção de (novos) sentidos. Na relação com os diferentes pontos de vista sobre o objeto de discurso, é possível reverberar como somos ou não somos em relação às semioses que nosso corpo representa no mundo de sentidos em que vivemos. Apesar de parecer uma constatação óbvia, a relação com o outro dá o acabamento necessário para que possamos interpretar, pelas lentes dialógicas, o comportamento da linguagem que, em última análise, é uma interpretação de como o ser humano age e interage a partir de suas ações no mundo, “porque ser realmente na vida” - como nos lembra Bakhtin (2017BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e de Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017., p.99) - “significa agir”.

Considerações finais

Neste artigo, analisei as disputas de sentido envolvendo o corpo homossexual masculino caracterizado como urso. Em síntese, podemos observar que a disputa pelos sentidos se constitui na oposição pelo/não pelo e gordo/não gordo. Existe a ideia difusa de que o homem gay de corpo padrão e peludo pode ser considerado urso, independentemente de seu peso, o que demonstra que o gay de corpo padrão está se apropriando de traços do corpo urso para semiotizar o que do urso pode ser considerado como positivo - os traços de masculinidade conferidos por meio dos pelos. Em paralelo a isso, disputa a ideia de que o urso só pode ser aquele que for gordo, diametralmente oposto ao corpo do “pessoal das academias”. Contudo, essa posição gera, em tom quase sempre irônico e crítico, protesto dos que defendem que os ursos representam a resistência de uma categoria que se enquadraria unicamente ao corpo gordo.

Diante da discussão sobre as disputas de sentido envolvendo o corpo homossexual masculino caracterizado como urso, argumento pela contribuição teórico-metodológica da ADD para interpretar questões relacionadas ao corpo no contexto dos estudos sobre gênero e sexualidade e desvelar como as disputas de sentido se materializam nas interações discursivas. Portanto, este trabalho se coloca para a área como um exemplo de uma análise dialógica em torno de um ponto bastante específico no contexto mais amplo dos estudos sobre gênero e sexualidade - as disputas de sentido pelo corpo homossexual masculino categorizado como urso. Sua importância fundamental está em provocar outras reflexões sobre o tema e fazer avançar a própria concepção de corpo à luz de Bakhtin para o contexto dos estudos sobre gênero e sexualidade e a consequente interpretação das interações discursivas dentro e fora do ciberespaço.

  • 1
    LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais, Assexuais e mais).
  • 2
    Para uma revisão mais aprofundada sobre as diferentes categorias de corpo gay, ver também França (2006)FRANÇA, I. L. “Cada macaco no seu galho?”: poder, identidade e segmentação de mercado no movimento homossexual. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 21, n. 60, p.104-115, fev. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092006000100006&script=sci_arttext. Acesso em: 16 maio 2020.
    https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01...
    .
  • 3
    Nota dos Editores. Na tradução direta do russo, publicada no Brasil em 2003, este artigo passou a denominar-se “O autor e a personagem na atividade estética” (In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.03-192).
  • 4
    Tradução nossa. No original, em inglês: “The body has its invariably public dimension; constituted as a social phenomenon in the public sphere, my body is and is not mine”.
  • 5
    Devido à capacidade de síntese que requer o gênero e ao objetivo do artigo, não será possível discutir toda a complexidade que envolve os estudos verbo-visuais. Um maior aprofundamento sobre a questão pode ser encontrado em Brait (2013)BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 8, n. 2, p.43-66, 2013. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/16568. Acesso em: 16 mar. 2022.
    https://revistas.pucsp.br/index.php/bakh...
    .
  • 6
    Tradução nossa. No original, em inglês: “the internet has not only changed our ways of looking at social life but has also made us reconsider questions of how social life is to be studied when it takes place online”.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido pela Bakhtinina. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • Parecer I

    FAVORÁVEL à publicação já que
    1. o título mostra-se adequado ao artigo;

    2. os objetivos do trabalho estão claramente definidos, são compatíveis com o campo teórico-epistemológico-axiológico e são efetivamente atendidos no desenvolvimento do artigo;

    3. o autor demonstra conhecimento de bibliografia relevante e atual, compatível com a proposta e adequada ao campo teórico em que se situa o trabalho;

    4. o trabalho está muito bem escrito, tanto do ponto de vista textual, quanto de tratamento teórico-metodológico;

    5. o trabalho atende ao quesito de originalidade da discussão. A esfera de atividade em que se situa a produção dos enunciados analisados apresenta disputa de sentidos no ciberespaço, em comunidade específica e com alusão a valorações internas e externas à própria comunidade;

    As sugestões presentes no texto revisado/anexado referem-se a solicitações de elucidação conceitual, correção de uma data de referência bibliográfica e um esclarecimento sobre tradução de termos russos. Dada a relevância da revista e o forte impacto de suas publicações, seria muito importante que fossem levadas em consideração. APROVADO COM SUGESTÕES
    Marco Villarta-Neder - Universidade Federal de Lavras, Lavras, Minas Gerais, Brasil https://orcid.org/0000-0003-3857-3720; villarta.marco@dch.ufla.br
  • Parecer II

    O artigo “As disputas de sentido envolvendo o corpo homossexual masculino caracterizado como urso: um exemplo de análise dialógica” discute, sob uma perspectiva da Análise Dialógica do Discurso, como se dá a valoração do corpo homossexual em uma comunidade do Facebook, o que é bastante relevante aos estudos dialógicas, uma vez que são raros trabalhos propondo semelhante empreendimento nesse campo de estudos aqui no Brasil. Embora o autor não lance mão da noção de polêmica aberta, o que seria formidável ao objeto estudado, o trabalho tem notável qualidade teórico-metodológica e analítica.
    O autor constrói a problemática, expõe o objetivo do artigo na Introdução, situando muito bem, por assim dizer, a discussão sobre o corpo homossexual e aponta os fundamentos teóricos sobre o qual desenvolverá o trabalho. Posto isso, o artigo articula bem todos os elementos necessários para atingir o objetivo proposto, constrói um caminho metodológico bem pavimentado e aponta as razões das escolhas pela comunidade no Facebook, cujas postagens e comentários se tornaram objeto de análise. Ademais, o método da autonetnografia é apontado e justificado.
    Esse caminho metodológico se dá sob uma base teórica consistente e atualizada, tanto referente aos autores dos estudos dialógicos quanto aos que estudam gênero e o corpo homossexual. Embora a discussão teórica esteja muito bem colocada, sugiro para trabalhos futuros em que esteja em questão a disputa de sentido de um mesmo objeto se trabalhar com o dialogismo polêmico de Bakhtin, ensaiado em Problemas da poética de Dostoiévski, em que ele trata da polêmica velada e polêmica aberta. Acredito que a noção ajude ainda mais a compreensão de fenômeno discursivo semelhante a esse.
    O texto se adequa muito bem estrutural e linguisticamente ao que se propõe, mas carece de uma última revisão a fim de rever um problema, de modo que apontei em realce amarelo. Ademais, falta referência citada: (FARACO, 2017FARACO, C. A. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2017., p.22), p.7.
    Assim posto, meu parecer é FAVORÁVEL a aceitar com restrições o artigo supracitado. APROVADO COM SUGESTÕES
    Lucas Nascimento Silva - Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, Bahia, Brasil; https://orcid.org/0000-0001-8642-4397; lnsilva2@uefs.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2022
  • Aceito
    27 Ago 2022
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