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A noção de compreensão responsiva ativa no ensino e na aprendizagem

Resumos

Este trabalho tem o objetivo de refletir sobre a contribuição da noção de compreensão responsiva ativa para o ensino de línguas e para o ensino de forma geral, utilizando uma experiência vivenciada com pesquisas e trabalhos orientados desde 1995, no quadro do GP/CNPq Ensino e aprendizagem de línguas, nos quais essa noção é articulada com outras e com outros saberes relativos ao ensino e à aprendizagem. Neste texto, partirei de reflexões gerais sobre o ensino e a aprendizagem e suas carências em relação ao tema abordado, retomarei a noção de língua/linguagem numa perspectiva dialógica, passando, em seguida, para um estudo da compreensão responsiva ativa em diversos livros do chamado Círculo de Bakhtin, concluindo com uma articulação entre essas reflexões e as questões teóricas e práticas no âmbito do ensino e da aprendizagem relacionadas com a discussão.

Compreensão responsiva ativa; Produção responsiva ativa; Ensino e aprendizagem


The purpose of this article is to reflect on the contribution of the notion of active responsive understanding to language teaching and to teaching in general, based on the experience with research and supervision of students' papers since 1995, in the study group entitled Teaching and learning languages (GP/CNPq). In such papers this notion is connected with other notions and with other studies related to the teaching and learning process. In this article, I reflect on the teaching and learning process in general, as well as on its needs in connection with the theme discussed. Then I address the notion of language from a dialogic perspective, and finally I analyze the active responsive understanding in several books of the so-called Bakhtin Circle. In the conclusion, I connect such reflections with theoretical and practical questions in the scope of the teaching and learning process, in relation to this analysis.

Active responsive understanding; Active responsive production; Teaching and learning


ARTIGOS

A noção de compreensão responsiva ativa no ensino e na aprendizagem

Rita Maria Diniz Zozzoli

Professora da Universidade Federal de Alagoas - UFAL, Maceió, Alagoas, Brasil; CAPES; ritazoz@uol.com.br

RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de refletir sobre a contribuição da noção de compreensão responsiva ativa para o ensino de línguas e para o ensino de forma geral, utilizando uma experiência vivenciada com pesquisas e trabalhos orientados desde 1995, no quadro do GP/CNPq Ensino e aprendizagem de línguas, nos quais essa noção é articulada com outras e com outros saberes relativos ao ensino e à aprendizagem. Neste texto, partirei de reflexões gerais sobre o ensino e a aprendizagem e suas carências em relação ao tema abordado, retomarei a noção de língua/linguagem numa perspectiva dialógica, passando, em seguida, para um estudo da compreensão responsiva ativa em diversos livros do chamado Círculo de Bakhtin, concluindo com uma articulação entre essas reflexões e as questões teóricas e práticas no âmbito do ensino e da aprendizagem relacionadas com a discussão.

Palavras-chave: Compreensão responsiva ativa; Produção responsiva ativa; Ensino e aprendizagem

ABSTRACT

The purpose of this article is to reflect on the contribution of the notion of active responsive understanding to language teaching and to teaching in general, based on the experience with research and supervision of students' papers since 1995, in the study group entitled Teaching and learning languages (GP/CNPq). In such papers this notion is connected with other notions and with other studies related to the teaching and learning process. In this article, I reflect on the teaching and learning process in general, as well as on its needs in connection with the theme discussed. Then I address the notion of language from a dialogic perspective, and finally I analyze the active responsive understanding in several books of the so-called Bakhtin Circle. In the conclusion, I connect such reflections with theoretical and practical questions in the scope of the teaching and learning process, in relation to this analysis.

Keywords: Active responsive understanding; Active responsive production; Teaching and learning.

Introdução: o ensino, a aprendizagem e a prática da reprodução

Desde as séries iniciais à universidade, nas diferentes disciplinas, a concepção de ensino e de aprendizagem subjacente às práticas efetivas permanece, em muitos casos, em diversos contextos pesquisados, centrada na transmissão e na memorização de conteúdos. Mesmo nos espaços institucionais nos quais a pesquisa prevalece1 1 «C'est à condition de soumettre à la critique théorique le point de vue théorique comme point de vue non pratique, fondé sur la neutralisation des intérêts et des enjeux pratiques, que l'on peut avoir quelque chance d'en appréhender la logique spécifique» (BOURDIEU, 1994, p.221). Trad.: É sob a condição de submeter à crítica teórica o ponto de vista teórico como ponto de vista não prático, fundado a partir da neutralização dos interesses e das questões em jogo nas práticas, que se pode ter alguma chance de apreender sua lógica específica. (Todas as traduções do francês são de minha autoria). A partir dessa reflexão, considero que é explicável, assim, que, mesmo estudiosos muito bem qualificados e bem intencionados nem sempre compreendam as razões da prática. , muitas vezes, as teorias linguísticas e pedagógicas parecem destacadas das práticas desenvolvidas no cotidiano da sala de aula. O grupo Ensino e aprendizagem de línguas, em funcionamento desde 1995, ligado à Universidade Federal de Alagoas e registrado no Diretório do CNPq, conta hoje com pesquisas de diversos lugares geográficos, em contextos institucionais variados, efetuadas por pesquisadores/as em diversos níveis de formação, que permitem uma primeira constatação dessa ordem.

No que diz respeito à formação de professores, sem a qual me parece inútil falar de algum avanço qualitativo no quadro que acaba de ser resumido, muitos se ressentem da falta de orientações que os ajudem a atuar em sua vida profissional, sem as muletas dos estágios de formação e as receitas que frequentemente lhes são "passadas". Aliás, "passar" (DE CERTEAU, 1993) é o termo utilizado por alunos, professores e futuros professores para se referirem aos saberes como conteúdos prontos, o que deixa transparecer a visão de ensino e de aprendizagem que se esconde, muitas vezes, atrás de chavões atualizados como "é preciso respeitar a variedade linguística do aluno". Muitos professores, alimentados com certezas teóricas e poucas práticas a elas relacionadas que venham a contribuir efetivamente com a qualidade de sua formação e com a qualidade do ensino e da aprendizagem como práticas sociais e, como tais, correlacionadas a outras práticas de exercício da cidadania, se sentem pouco preparados (ARAÚJO, A. C., 2011) para enfrentar uma competitividade com interesses extraescolares e extraacadêmicos que atraem os alunos para fora da sala de aula na contemporaneidade.

Por carência de formação e não por defeito inerente a sua pessoa ou à profissão, como alguns discursos querem fazer crer, o professor com pouca vivência de leitura e de produção de textos, na profissão e na vida, frequentemente não se encontra em condições de formar leitores e produtores de texto como cidadãos, nas diferentes instâncias da vida social. Assim, também entre os alunos, a reprodução, na compreensão como na produção oral e escrita, está muito presente e a paráfrase bem construída já é, em alguns casos, considerada um avanço, uma vez que é de uso comum a cópia literal de textos da Internet (ARAÚJO, I. C., 2011). Questionários de compreensão presentes em livros didáticos e/ou nos diálogos da sala de aula bem como práticas de redação, mesmo com novas "roupagens", muito frequentemente se limitam a dar continuidade a práticas escolásticas de reconhecimento de formas e de sentidos.

Entretanto, as experiências de observação etnográfica e de pesquisa-ação do grupo de estudos nos mostraram que, tanto em língua materna como em língua estrangeira, a qualidade da compreensão e da produção muda quando, em sala de aula, é efetuado um trabalho que favorece a resposta ativa do aluno (VASCONCELOS, 2012). Por isso, desde então, a ação2 2 Ação é aqui empregada no sentido de Bourdieu (2004), segundo o qual seria necessária uma definição mais ativa e menos irresponsável de ciência, da cultura e das relações ciência/cultura e ciência/sociedade. de nosso grupo tem como base a ideia de não apenas identificar e criticar o "consumo - receptáculo"3 3 A ideologia do consumo-receptáculo é, para De Certeau (1996, p.262), "efeito de uma ideologia de classe e de uma cegueira técnica (...), necessária ao sistema que distingue e privilegia autores, pedagogos, revolucionários, numa palavra 'produtores' em face daqueles que não o são". de que fala De Certeau (1996, p.259-273), mas de observar, no discurso e nas ações, indícios do que denomino produção responsiva ativa, proposta formulada a partir da noção de compreensão responsiva ativa, conforme definirei mais adiante. Além disso, a participação do grupo se dá ainda na reflexão conjunta com os professores e alunos-professores sobre as questões teóricas e práticas que se interligam nas situações de ensino e aprendizagem.

1 Retomando a noção de língua/linguagem4 4 Encontram-se as duas palavras, às vezes coexistindo numa mesma obra, indistintamente, outras vezes com diferenças nas traduções. Por isso, opto pela formulação língua/linguagem em casos como este, em que as ambas podem ser empregadas num sentido amplo, e reservo língua para referências mais restritas e explícitas ao sistema. do Chamado Círculo de Bakhtin: dialogismo e plurilinguismo

Tendo o chamado Círculo5 5 A denominação livros, obras ou produções do Círculo de Bakhtin refere-se ao conjunto de textos atribuídos habitualmente a esse Círculo nas traduções em português e em francês. Neste estudo, além do tema central, interessam os conceitos e noções que perpassam as diferentes obras e que servem de base para as reflexões apresentadas no que diz respeito ao ensino e à aprendizagem. funcionado ou não nos padrões das práticas contemporâneas ocidentais, percebo, mesmo sem ser especialista na história do Círculo, que suas ideias basilares de língua/linguagem, as quais incluem dialogismo e plurilinguismo, encontram-se expressas, se bem que de forma diversa, em grande parte de suas produções a que tive acesso até agora6 6 Sem pretender aqui um estudo amplo e exaustivo a respeito da ligação entre as diversas produções, recorro a mais de uma obra, com autorias diversas atribuídas e com mais de uma tradução em certos casos. A utilização das traduções francesas se dá pelo fato de que é com elas que convivo nestes últimos tempos e pelo fato de existirem novos livros em francês, que interessam para o confronto já mencionado, em especial, a tradução de Marxismo e filosofia da linguagem de 2010. .

No que concerne à noção de compreensão responsiva ativa, na minha visão, sua base teórica fundamental também é encontrada, em mais de uma obra consultada para este trabalho, na concepção dialógica de linguagem de Bakhtin e de seu Chamado Círculo, a qual recusa, ao mesmo tempo, uma língua uniforme e abstrata. A esse respeito, retomo a discussão bakhtiniana segundo a qual a linguagem está submetida a forças históricas, centralizadoras, centrípetas, decorrentes dos processos de centralização sociopolítica e cultural e, ao mesmo tempo, a forças descentralizadoras, centrífugas, que conduzem a um plurilinguismo ou polilinguismo dialogizado. O plurilinguismo linguístico está, por sua vez, entrelaçado à pluralidade social em permanente evolução e não exclui a dimensão subjetiva, na medida em que todas as palavras evocam questões coletivas e individuais (BAKHTIN, 1998).

Bem entendido, a dimensão subjetiva volitiva e intencional é mais visível no ensaio O problema dos gêneros do discurso, em Estética da criação verbal (BAKHTIN, 2003) e O discurso no romance, em Questões de literatura e de estética (1998)7 7 Esthétique et théorie du roman (BAKHTINE, 1978), em francês. do que em outros escritos, mas a proposta dialógica está na base das diversas reflexões e das diferentes noções das obras do Chamado Círculo. Em Marxismo e filosofia da linguagem, tem-se:

Com efeito, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. (1981, p.112).

8 8 Foram cotejadas as traduções do mesmo livro em francês (uma de 1977 e outra, mais recente, de 2010, com atribuição de autoria diferente), daí a opção por citar o nome da obra em francês neste rodapé : «En effet, renonciation est le produit de l'interaction de deux individus socialement organisés et, même s'il n'y a pas un interlocuteur réel, on peut substituer à celui-ci le représentant du groupe social auquel appartient le locuteur.» (Trad. francesa de YAGUELLO, com prefácio de JAKOBSON). Trad. em português: De fato, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo se não houver um interlocutor real, pode-se substituí-lo pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. (BAKHTINE/VOLOCHINOV, 1977, p.123). Na tradução francesa de Patrick Sériot e Inna Tylkowski-Ageeva (VOLOCHINOV, 2010, p. 297), encontra-se: «C'est que l'énoncé se construit entre deux individus socialement organisés, et s'il n'y a pas d' interlocuteur réel, alors on le présuppose, pour ainsi dire, en la personne d'un représentant n ormal du groupe social auquel appartient le locuteur.». Trad.: É que o enunciado se constrói entre dois indivíduos socialmente organizados, e se não houver interlocutor real, então esse é pressuposto, por assim dizer, na pessoa de um representante normal do grupo social ao qual pertence o locutor.

Essa posição que defende a dialogização do discurso está presente em Questões de literatura e de estética: "O discurso nasce do diálogo como sua réplica viva, forma se na mútua-orientação dialógica do discurso de outrem no interior do objeto. A concepção que o discurso tem de seu objeto é dialógica" (1998, p.88-89).

Sobre o conceito de língua/linguagem, propõe-se, dentre outras afirmações: "A língua constitui um processo de evolução ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos locutores." (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p.127)9 9 Grifos da tradutora em português. Nas duas traduções em francês, encontra-se: «La langue constitue un processus d'évolution ininterrompu, qui se réalise à travers l'interaction verbale des locuteurs » (1977, p.141). Trad. : "A língua constitui um processo de evolução ininterrupto, que se realiza através da interação verbal dos locutores." (Grifos da tradutora em francês). «Ze langage est un devenir continu, qui se réalise par l'interaction verbale des locuteurs » (2010, p.327). Trad. : " A linguagem é um devir contínuo, que se realiza pela interação verbal dos locutores." (Grifos dos tradutores em francês). . Essa ideia se reencontra em Estética da criação verbal, com acréscimo das noções de enunciado, e os adjetivos que o caracterizam, e de campo da atividade humana, que constam da reflexão que se segue: "O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo de atividade humana" (BAKHTIN, 2003, p.261). Reitero, assim, a interpretação de que é na comunicação verbal concreta, no diálogo, que se define a língua/linguagem. Nessa definição se funda a noção de compreensão responsiva ativa, foco deste estudo, como acontece com outras noções presentes nas obras do chamado Círculo.

2 Noção de compreensão responsiva ativa em diferentes obras

Nos limites deste artigo, portanto, sem objetivar dar conta de todas as reflexões produzidas sobre a questão, procuro, assim, essa noção em diferentes textos do chamado Círculo, com a finalidade de mostrar a coerência do foco principal do pensamento em torno do assunto, apesar das diferenças de estilo e de posicionamento e apesar das dificuldades de tradução, autoria, etc. já tão exploradas, em torno das produções referidas.

A definição de compreensão responsiva ativa já está claramente expressa em Le marxisme et la philosophie du langage (1977), a tradução francesa de M. YAGUELLO, na qual se baseou a versão em português, Marxismo e filosofia da linguagem (1981), de M. Lahud e Y. F. Vieira, e também se repete na recente tradução de P. Sériot e I.Tylkowski-Ageeva, Marxisme et philosophie du langage (2010), de forma esparsa no texto, em vários momentos em que se trata da compreensão, como, por exemplo, quando se afirma que o ato de compreensão é considerado passível de engendrar cedo ou tarde uma réplica (1981, p.66; 1977, p.67; 2010, p.203).

A compreensão e o reconhecimento são, então, dois processos diferentes: o signo, sempre ideológico, é compreendido e o sinal é reconhecido. Assim, quando aprendemos uma língua estrangeira e não compreendemos palavras, elas não são ainda para nós signos e essa língua não se tornou ainda inteiramente uma língua.

Quando é tratada a questão da língua morta-escrita-estrangeira (1981, p. 9; 1977, p.107) ou língua estrangeira-escrita-morta (2010, p.269), fica claro que essa língua é apenas objeto de estudo do filólogo-linguista e corresponde a uma compreensão passiva, apenas existente para a reflexão linguística. Ocorre que o locutor que fala uma língua materna não utiliza essa forma de compreensão de fato na prática cotidiana, mas sempre uma compreensão ativa que implica uma tomada de posição ativa em relação ao que é dito e compreendido.

Isso quer dizer, também, que, na vida social, há sempre compreensão ativa, da mesma forma que há sempre diálogo. Levando já para o campo do ensino e da aprendizagem, isso significa para mim que, no que se chama "não compreensão do aluno", existe sempre uma tomada de posição ativa, que se explicita pela não resposta, pela resposta inadequada ou qualquer tipo de atitude ou ação. Trata-se, na realidade, de uma compreensão não esperada, não conforme ao padrão de compreensão definido pela disciplina estudada, pelo professor, pela metodologia, pelo livro didático, em suma, pelas instâncias de poder que regulam as práticas escolares, ou de uma compreensão equivocada, mas não seria uma compreensão passiva ou uma não compreensão. É o sistema de ensino, é a empresa de autores da economia escriturística (DE CERTEAU, 1996) que a trabalham como passiva. Tratarei disso mais adiante quando abordar a inadequação da resposta no plano do ensino e da aprendizagem.

Ainda em Bakhtin/Volochinov, 1981 (Bakhtine/Volochinov, 1977; Volosinov, 2010), no capítulo Tema e significação na língua, reitera-se a visão de compreensão ativa que contém o esboço de uma resposta e que é capaz de apreender o tema, determinado não apenas pelas formas linguísticas, mas também pelos elementos extraverbais da situação. A compreensão implica, assim, a procura de uma contrapalavra ao locutor como numa réplica de um diálogo. (BAKHTIN/V OLOCHINOV, 1981, p.131; BAKHTINE/VOLOCHINOV, 1977, p.146; VOLOSINOV, 2010, p.337).

Nessa perspectiva, também é necessária a apreensão ativa do discurso de outrem para que possa haver a utilização de suas palavras no discurso relatado, como se vê no capítulo O "discurso de outrem". Essa apreensão, também chamada apreciativa do discurso de outrem, é expressa na "palavra interior" e segue duas direções: a de um contexto de comentário factual e a de preparação de uma réplica. Um dos dois planos é habitualmente dominante em relação ao outro e esse fato deve ser levado em conta para se compreender como se dá a palavra relatada (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981; BAKHTINE/VOLOCHINOV, 1977; VOLOSINOV, 2010).

As reflexões sobre a inter-relação dinâmica entre palavra de outrem e palavra de autor não são o objeto deste trabalho e, por isso, não me aprofundarei sobre a questão. Mas, no que diz respeito ao processo de compreensão, é perceptível que essa discussão dá prosseguimento, dentro da questão do discurso relatado, à reflexão sobre a noção de compreensão responsiva ativa já apresentada, ao tempo em que a aprofunda.

A obra Estética da criação verbal (BAKHTIN, 2003) retoma o questionamento da enunciação monológica ("Viver significa participar do diálogo" - p.348, por exemplo) e da compreensão passiva, só existentes em momentos de abstração. O falante e o ouvinte se alternam (alternância dos sujeitos do discurso), o que difere radicalmente de um esquema linguístico e comunicacional que os cristaliza em suas posições, atribuindo processos ativos ao falante e passivos ao ouvinte. "Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante" (2003, p.271). A resposta pode se realizar não apenas verbalmente, mas por ações e também pode não ser imediata: "cedo ou tarde, o que foi ouvido e ativamente entendido responde nos discursos subsequentes ou no comportamento do ouvinte" (2003, p. 272).

O que é dito a respeito do falante e do ouvinte é igualmente válido para o escritor e o leitor e os gêneros teriam sido concebidos para essa compreensão ativamente responsiva de efeito retardado. Em relação aos gêneros não literários, principalmente levando em conta os gêneros orais e escritos da contemporaneidade, não existentes na época desses escritos, eu diria que vários deles permitem a resposta imediata ou quase imediata, se bem que não obrigatória, evidentemente. Isso corresponde à imediaticidade da comunicação discursiva em nossa época, proporcionada por novos suportes como as redes sociais, por exemplo.

Nesse mesmo livro, a ideia de que o falante não é o primeiro "a ter violado o silêncio do universo" (2003, p.272) é apresentada em diversos momentos (essa ideia reaparece, também, em mais de um livro), através da metáfora de Adão: "O falante não é um Adão, e por isso o próprio objeto do seu discurso se torna inevitavelmente um palco de encontro com opiniões de interlocutores imediatos [...] ou com pontos de vista, visões de mundo, correntes, teorias etc." (2003, p.300). O diálogo se dá, dessa forma, com um supradestinatário superior. Esse terceiro "não é algo místico ou metafísico (ainda que em determinada concepção de mundo possa adquirir semelhante expressão)" (2003, p.333).

Esse tema do encontro com a palavra do outro é muito frequente em diversas obras do chamado Círculo, através de diferentes noções, como a do discurso relatado e a da polifonia, bem entendido em fenômenos e em reflexões distintos, interligados, entretanto, pela noção de diálogo nesse sentido amplo, que envolve um terceiro, presente ou não na mesma dimensão cronotópica. É o que se encontra ainda, por exemplo, em Problemas da poética de Dostoiévski:

O nosso discurso da vida prática está cheio das palavras de outros. Com algumas delas fundimos inteiramente a nossa voz, esquecendonos de quem são; com outras reforçamos as nossas próprias palavras, aceitando aquelas como autorizadas para nós; por último, revestimos terceiras das nossas próprias intenções, que são estranhas e hostis a elas (BAKHTIN, 1997, p.195).

Ainda quanto à Estética da criação verbal (2003), trata-se, assim, de um dos livros que mais explora as questões ligadas ao ativismo e à responsividade no diálogo. Nele é bastante explorado o papel ativo do outro na comunicação discursiva, questionando, dessa forma, visões de língua/linguagem que consideram apenas o "ponto de vista do falante" (2003, p.270).

Questões de literatura e de estética (1998)10 10 Esthétique et théorie du roman (1 978). No caso dessa obra, a tradução francesa é acrescentada quando há diferenças de tradução entre o português e o francês, as quais possam implicar alguma mudança semântica, mesmo que estas não pareçam modificar o âmago da questão. apresenta uma discussão sobre a dialogização interior do discurso, como fenômeno próprio a todo discurso e que possui uma dupla orientação: uma dirigida para o discurso do outro no interior do objeto e outra dirigida para uma resposta do outro, isto é, para um discurso-réplica previsto: "ele é que provoca essa resposta, pressente-a e baseia-se nela"11 11 «il provoque cette réponse, la pressent et va à sa rencontre» (BAKHTINE, 1978, p.103). Trad.: "ele provoca essa resposta, a pressente e vai ao seu encontro". (BAKHTIN, 1998, p.89). As duas facetas dessa orientação dialógica são, por essência, diferentes e provocam efeitos estilísticos distintos no discurso, mas podem se entrelaçar estreitamente a tal ponto de ser difícil distingui-las numa análise estilística.

Mais uma vez aqui, a relação com o outro pressupõe ativismo e responsividade da parte do interlocutor, e, coerentemente com as discussões anteriores, o autor afirma que toda compreensão concreta é ativa, considerando a compreensão passiva uma abstração: "A compreensão e resposta estão fundidas dialeticamente e reciprocamente

12 condicionadas, sendo impossível uma sem a outra" (BAKHTIN, 1998, p.90)12 12 Compréhension et réponse sont dialetiquement confondues et se conditionnent réciproquement, elles sont impossibles l'une sans l'autre » (BAKHTINE, 1978, p.104). Trad.: Compreensão e resposta são dialeticamente confundidas e se condicionam reciprocamente, elas são impossíveis uma sem a outra. . Também nessa obra, o diálogo não se limita à instância imediata de enunciação, mas se estende social e historicamente, "pois o diálogo social ressoa no seu próprio discurso, em todos os elementos, sejam eles de 'conteúdo' ou de 'forma'." (BAKHTIN, 1998, p.106).

3 Voltando ao ensino e à aprendizagem

3.1 Ensino e aprendizagem num plano geral

Antes de tudo, cabe pontuar que uma redução e uma aplicação pura e simples de noções teóricas e/ou filosóficas no ensino e na aprendizagem seriam lamentáveis para a os dois lados da questão. A Linguística Aplicada contemporânea tem questionado há décadas essa postura e procurado articular teoria e prática em suas propostas. Mas, para tanto, é preciso olhar a teoria com os olhos da prática, de acordo com a citação de Bourdieu no início deste texto13 13 Acrescento aqui a reflexão de De Certeau sobre a relação entre conteúdo de ensino e as trocas entre professor e aluno: «Il s'agit de savoir si la relation est elle-même productrice de langage ou si elle est le canal par lequel on 'fait passer' un savoir établi par le maître » (DE CERTEAU, 1993, p. 109). Trad.: "Trata-se de saber (é preciso saber) se a relação é em si produtiva de linguagem ou se ela é o canal pelo qual se 'faz passar' um saber estabelecido pelo mestre (professor)". .

Assim, propõe-se em nosso grupo de estudos enxergar essa reflexão que acaba de ser feita de dentro da própria prática, ou seja, na reflexão com os sujeitos em formação sobre o próprio fazer pedagógico (o que, aliás, já faz com que ela não se apresente de forma monolítica, mas em função dos diálogos estabelecidos), visto que muitas práticas encerram, como já foi dito, visões escolásticas de língua/linguagem e de compreensão; e, além disso, de gramática, de erro, etc. enraizadas no cotidiano do ensino e aprendizagem, convivendo, às vezes, com saberes mais recentes advindos de estudos linguísticos, pedagógicos e de ciências afins. Portanto, ver a língua/linguagem na perspectiva dialógica que acaba de ser resumida implica mudança de posicionamento em relação não apenas ao trabalho efetuado e à disciplina em jogo, mas em relação a concepções de mundo, de ensino e de aprendizagem. Mais ainda: isso significa necessidade de uma formação que não seja inculcação de ideias e de modelos, mas que proporcione, já nesse nível, respostas ativas na compreensão e na produção dentro do próprio processo de formação docente.

Assim, a concepção dialógica de compreensão responsiva ativa já seria necessária nas práticas de formação e constitui uma questão indispensável, caso contrário não se contempla o todo do processo. Essa produção de respostas se daria na reflexão conjunta sobre as ações já efetuadas ou a serem efetuadas em contextos práticos de ensino e de aprendizagem. Entretanto, isso não seria realizável em iniciativas pontuais de formação, principalmente quando as atividades são formuladas como receitas prontas.

O mesmo raciocínio pode ser efetuado em relação à formação do aluno: a instalação de práticas que favoreçam uma compreensão responsiva ativa, não apenas na leitura de textos nas disciplinas que envolvem a aprendizagem de línguas, mas em relação a todo e qualquer conhecimento veiculado em qualquer disciplina seria a condição para que o ensino vá além da proposta de memorização e repetição de conteúdos fixos já previstos.

A partir dessas considerações é que proponho, como extensão da noção de compreensão responsiva ativa, a noção de produção responsiva ativa (ZOZZOLI, 2002, 2008), definida como a continuidade da atitude responsiva ativa que se inicia na compreensão e se desenvolve para além de um novo texto produzido, considerado, dessa forma, não como produto, mas como parte de um processo que se estabelece na interação verbal e não verbal e que não se conclui na materialidade dos textos.

Essa noção nos é útil para desenvolver propostas de atividades concretas de produção de textos orais e escritos nos contextos de ensino e de aprendizagem, classificando-as segundo o grau de resposta ativa que elas podem pressupor, como também, para analisar do ponto de vista linguístico-discursivo as produções dos alunos em termos de indícios de produção ativa, para fins de avaliação no próprio processo de aprendizagem ou para fins de pesquisa.

Essa perspectiva vai ao encontro das reflexões sobre erro e correção, segundo as quais não se utiliza a noção de erro, mas de inadequação para considerar uma compreensão ou uma produção. Considerar uma compreensão ou uma produção inadequada implica dizer, também, em relação a que contexto linguístico e/ou situacional (ZOZZOLI, 1985). Hoje acrescento: significa, também, levar em conta o grupo social e sua cultura14 14 O conceito de cultura é definido a partir de De Certeau (1993): «Plutôt que des 'valeurs' à défendre ou d'idées à promouvoir, la culture connote aujourd'hui un travail à entreprendre sur toute l'étendue de la vie sociale» (1993, p.167). Trad.: Ao invés de 'valores' a serem defendidos ou de ideias a promover, a cultura conota hoje um trabalho a ser empreendido em toda a extensão da vida social. , o gênero discursivo, o suporte midiático, quando for o caso.

3.2 Ensino e aprendizagem de língua materna

No que diz respeito especificamente ao ensino e aprendizagem de língua materna (LM), a noção de compreensão responsiva ativa requer, em termos de ações de sala de aula, um trabalho com a leitura do texto que abra espaço para o diálogo, no lugar de um questionário com perguntas prontas, o que significa a necessidade de se estabelecer uma interação, que, embora sempre assimétrica15 15 Já a partir de suas bases, por causa da diferença entre os papéis sociais e a diferença de poder deles decorrente e por causa da diferença de vivência e de conhecimentos entre o professor e os alunos. , proporcione ao aluno o lugar de enunciador, integrando diversos conhecimentos de mundo, como, por exemplo, entre os conhecimentos da cultura letrada e os de grupos culturais não letrados aos quais possam pertencer os alunos em alguns casos16 16 A esse respeito, ver Vygotski, quando propõe a integração entre conceitos espontâneos (cotidianos) e conceitos científicos (VYGOTSKI, 1997). .

No plano da produção oral e escrita, é nos textos elaborados a partir de uma postura que leva em conta a produção responsiva ativa que se encontra o material para trabalhar com a materialidade linguística, sem desvinculá-la do plano discursivo, em síntese, com uma gramática num sentido amplo, em que se incluem fenômenos de língua desde os menores (plano micro) até aqueles ligados a fenômenos do discurso (plano macro), que por sua vez estão relacionados com o uso social da linguagem, tanto num plano imediato como num plano mais amplo (ZOZZOLI, 1999).

Observações e ações em sala de aula de LM e de LE levam a defender a ideia de que o aluno é capaz de constituir sua própria reflexão gramatical, suas próprias regras com o auxílio do professor (ZOZZOLI, 1999), mais uma vez com o recurso ao diálogo e à compreensão e à produção responsivas ativas nas aulas, o que torna os conhecimentos linguísticos por sua vez também ativos para novas compreensões e novas produções a serem efetuadas dentro do processo. Bem entendido, essas reflexões e regras não correspondem nem à classificação nem à formulação encontrada nas gramáticas normativas, mas é essa gramática que poderá efetivamente ser utilizada pelo aluno em seu discurso em situações práticas cotidianas.

3.3 Ensino e aprendizagem de língua estrangeira

No quadro do ensino e da aprendizagem de língua estrangeira (LE), primeiramente, considero necessário levar em conta o fato de que, em cursos de iniciantes, os alunos necessitam de um período maior de atividades de compreensão (oral ou escrita) e que a expressão (oral ou escrita) reduz-se a tentativas breves, hesitantes, incipientes e muitas vezes mais calcadas na reprodução. Mesmo assim, as situações já vividas em sala de aula mostram que as atividades de compreensão e de produção podem alternar-se sem a hierarquia pretendida em determinados cursos e em muitos manuais de ensino que seguem uma perspectiva teórica dicotômica entre as habilidades (compreensão/produção) e as modalidades (escrita/oralidade), e que as atividades de produção podem, portanto, se iniciar desde os primeiros contatos com a LE. Essa atitude contribui para minimizar a artificialidade do discurso em LE no contexto de sala de aula e, aos poucos, para transformar a LE em língua viva, cada vez menos estranha/estrangeira17 17 O termo "estranha" é empregado no sentido daquilo que não nos é familiar e o termo "estrangeira", no sentido de que não nos pertence, que pertence a outro contexto linguístico/cultural. O desejável é que o ensino proporcione oportunidades para a mudança progressiva dessa situação. Essa observação também é válida para a LM, quando é tratada como "língua-morta-estrangeira" (ver mais adiante). .

Evidentemente, a atuação do professor é constante nos momentos frequentes de dúvida ou desconhecimento de "como se diz tal coisa em LE". Por isso, permanece ainda o desafio de como fazer evoluir essa situação inicial de dificuldade de produção, que corre o risco de se perpetuar no decorrer do curso, caso não sejam dadas ao aluno oportunidades de escapar dessa posição limitada pela falta de conhecimento da língua e evoluir para tentativas de produção orais e escritas relativamente autônomas.

A interdição pura e simples da utilização da LM em sala de aula e a passagem brusca para uma LE sempre obrigatória em todos os momentos é em muitos casos mal compreendida pelo aluno, o qual, principalmente em etapas iniciais de aprendizagem, muitas vezes tem o sentimento de que se exige demais dele ou que está aquém do que deveria em seu desempenho, o que provoca desestímulo em determinados casos, de acordo com dados de mais de uma pesquisa.

Também através de dados, foi verificado no grupo de estudos mencionado que a LM é utilizada em alguns casos para expressar/confirmar uma compreensão responsiva ativa que ainda não pode ser produzida em LE, o que não quer dizer que não haja essa compreensão, antes pelo contrário, e que o fato de o aluno realizar essa ação faz parte do processo de aprendizagem e deveria ser considerado como etapa preliminar, antes da expressão adequada em LE. Esse ponto de vista a respeito da ligação entre LM e LE busca respaldo em Vygotski (1997), que defende a ideia da existência de um sistema de significação de palavras desenvolvido no momento da aprendizagem da LM e que serve, também, de base à aprendizagem de uma LE. Nessa ótica, o recurso à LM faz parte do processo de aprendizagem da LE, o que permite defender a utilização ainda que não sistemática da LM, mesmo que o aluno sempre deva ser incentivado a introduzir a LE todas as vezes que for possível de acordo com a evolução de sua aprendizagem.

O que faz com que a LE se torne cada vez mais viva e ativa para o aluno é a experiência com atividades e temas que lhe sejam significativos, que se relacionem com sua vida prática e seus interesses. É, também, a variedade de discursos, de gêneros e de situações sociais e culturais apresentadas e trabalhadas que contribui para essa dimensão e para multiplicar as experiências necessárias com a materialidade linguística, com o sistema da língua, evidentemente nunca desvinculado de contextualização.

Palavras finais

Para apoiar e concluir essa reflexão sobre a contribuição da noção de compreensão responsiva ativa para o ensino e aprendizagem, recorro mais uma vez à obra Bakhtin/Volochinov (1981) /BAKHTINE/VOLOCHINOV (1977) /VOLOSINOV (2010) e ao trecho em que é criticada a transmissão de uma língua decifrada no ensino: também nesse plano, a LM é tratada como língua morta-escrita estrangeira, através de reflexões formais sistemáticas extraídas das descrições já elaboradas sobre essa língua. No entanto, a LM é percebida de forma afetivamente diferente pelo locutor/ouvinte/aluno: "A palavra nativa é percebida como um irmão, como uma roupa familiar, ou melhor, como a atmosfera na qual habitualmente se vive e se respira" (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p.100)18 18 Em BAKHTINE/VOLOCHINOV (1977, p.108): «Le mot de la langue maternnelle est perçu comme un frère, comme un vêtement familier, mieux encore, comme l'atmsphère habituelle dans laquelle nous vivons et nous respirons». Trad.: A palavra da língua materna é percebida como um irmão, como uma roupa familiar, melhor ainda, como a atmosfera habitual na qual vivemos e respiramos" Em VOLOSINOV (2010, p. 273: «Le Mot de la langue maternelle est 'bien de chez nous', il est perçu comme un vêtement familier ou, mieux encore, comme l'atmosphère habituelle dans laquelle nous vivons et l'air que nous respirons». Trad. : "A Palavra da língua materna é familiar (do nosso meio familiar), é percebida como uma roupa familiar ou, melhor ainda, como a atmosfera habitual na qual vivemos e o ar que nós respiramos". .

Assim, o ensino prático da língua exige, ao contrário do que é feito, que a forma seja apresentada e aprendida na estrutura concreta da enunciação, o que significa não apresentá-la através das divisões fonética, gramática e léxico. No caso da LE, é defendida a ideia de que esse ensino só poderá alcançar algum êxito se, ao invés de continuar a adotar essa mesma perspectiva de descrição passiva, beneficiar-se de uma perspectiva que associe e integre dialeticamente a palavra estrangeira aos componentes de mutabilidade contextual, de diferença e de novidade (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981; BAKHTINE/VOLOCHINOV, 1977; VOLOSINOV, 2010); em outros termos, que a língua estrangeira, ao invés de se mostrar "asseptizada", se torne viva através de sua mobilidade e heterogeneidade contextuais para o aluno, mesmo com as limitações inerentes à aprendizagem de uma língua não materna e à situação formal de ensino dessa língua.

Em Estética da criação verbal (2003), confirma-se a ideia de que a língua materna não chega até nós a partir de dicionários, mas a partir de enunciações concretas. "Aprender a falar significa aprender a construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas, e, evidentemente, não por palavras isoladas)" (2003, p.283). Dentro da mesma reflexão, "nós aprendemos a moldar nosso discurso em formas de gênero" (2003, p.283) e esses gêneros "são diferentes em função da situação, da posição social e das relações pessoais entre os participantes da comunicação" (2003, p.283). Através dessas afirmações, depreendo que a aprendizagem da língua, de modo geral, mais uma vez é vista de forma sempre contextualizada e dialogizada.

Assim, reitera-se aqui a oposição à descrição abstrata e passiva da língua e a defesa do diálogo, da atitude e da compreensão responsivas ativas, sempre presentes nas obras examinadas neste artigo. Essa perspectiva, conforme já foi dito, ultrapassa o campo do ensino de línguas e interessa ao ensino e à aprendizagem num plano geral, visto que a formação de alunos cada vez mais responsivos ativos fará uma grande diferença na qualidade da educação e, por conseguinte, no agir dos cidadãos de um país que se ressente ainda de carências relacionadas a essa qualidade, principalmente em alguns contextos sociais.

REFERÊNCIAS

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Recebido em 14/03/2012

Aprovado em 04/06/2012

  • ARAÚJO, A. C. A responsividade ativa de uma professora de Português do Ensino Fundamental: suas leituras, suas produções e sua prática. 2011. Tese (Doutorado em Linguística) Universidade Federal de Alagoas, Maceió, Alagoas.
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  • 1
    «C'est à condition de soumettre à la critique théorique le point de vue théorique comme point de vue non pratique, fondé sur la neutralisation des intérêts et des enjeux pratiques, que l'on peut avoir quelque chance d'en appréhender la logique spécifique» (BOURDIEU, 1994, p.221). Trad.: É sob a condição de submeter à crítica teórica o ponto de vista teórico como ponto de vista não prático, fundado a partir da neutralização dos interesses e das questões em jogo nas práticas, que se pode ter alguma chance de apreender sua lógica específica. (Todas as traduções do francês são de minha autoria). A partir dessa reflexão, considero que é explicável, assim, que, mesmo estudiosos muito bem qualificados e bem intencionados nem sempre compreendam as razões da prática.
  • 2
    Ação é aqui empregada no sentido de Bourdieu (2004), segundo o qual seria necessária uma definição mais ativa e menos irresponsável de ciência, da cultura e das relações ciência/cultura e ciência/sociedade.
  • 3
    A ideologia do
    consumo-receptáculo é, para De Certeau (1996, p.262), "efeito de uma ideologia de classe e de uma cegueira técnica (...), necessária ao sistema que distingue e privilegia autores, pedagogos, revolucionários, numa palavra 'produtores' em face daqueles que não o são".
  • 4
    Encontram-se as duas palavras, às vezes coexistindo numa mesma obra, indistintamente, outras vezes com diferenças nas traduções. Por isso, opto pela formulação
    língua/linguagem em casos como este, em que as ambas podem ser empregadas num sentido amplo, e reservo
    língua para referências mais restritas e explícitas ao sistema.
  • 5
    A denominação
    livros, obras ou produções do Círculo de Bakhtin refere-se ao conjunto de textos atribuídos habitualmente a esse Círculo nas traduções em português e em francês. Neste estudo, além do tema central, interessam os conceitos e noções que perpassam as diferentes obras e que servem de base para as reflexões apresentadas no que diz respeito ao ensino e à aprendizagem.
  • 6
    Sem pretender aqui um estudo amplo e exaustivo a respeito da ligação entre as diversas produções, recorro a mais de uma obra, com autorias diversas atribuídas e com mais de uma tradução em certos casos. A utilização das traduções francesas se dá pelo fato de que é com elas que convivo nestes últimos tempos e pelo fato de existirem novos livros em francês, que interessam para o confronto já mencionado, em especial, a tradução de
    Marxismo e filosofia da linguagem de 2010.
  • 7
    Esthétique et théorie du roman (BAKHTINE, 1978), em francês.
  • 8
    Foram cotejadas as traduções do mesmo livro em francês (uma de 1977 e outra, mais recente, de 2010, com atribuição de autoria diferente), daí a opção por citar o nome da obra em francês neste rodapé : «En effet, renonciation est le produit de l'interaction de deux individus socialement organisés et, même s'il n'y a pas un interlocuteur réel, on peut substituer à celui-ci le représentant du groupe social auquel appartient le locuteur.» (Trad. francesa de YAGUELLO, com prefácio de JAKOBSON). Trad. em português: De fato, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo se não houver um interlocutor real, pode-se substituí-lo pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. (BAKHTINE/VOLOCHINOV, 1977, p.123). Na tradução francesa de Patrick Sériot e Inna Tylkowski-Ageeva (VOLOCHINOV, 2010, p. 297), encontra-se: «C'est que l'énoncé se construit entre deux individus socialement organisés, et s'il n'y a pas d' interlocuteur réel, alors on le présuppose, pour ainsi dire, en la personne d'un représentant n ormal du groupe social auquel appartient le locuteur.». Trad.: É que o enunciado se constrói entre dois indivíduos socialmente organizados, e se não houver interlocutor real, então esse é pressuposto, por assim dizer, na pessoa de um representante normal do grupo social ao qual pertence o locutor.
  • 9
    Grifos da tradutora em português. Nas duas traduções em francês, encontra-se: «La langue constitue
    un processus d'évolution ininterrompu, qui se réalise à travers
    l'interaction verbale des locuteurs » (1977, p.141). Trad. : "A língua constitui
    um processo de evolução ininterrupto, que se realiza através da
    interação verbal dos locutores." (Grifos da tradutora em francês). «Ze
    langage est un devenir continu, qui se réalise par l'interaction verbale des locuteurs » (2010, p.327). Trad. : "
    A linguagem é um devir contínuo, que se realiza pela interação verbal dos locutores." (Grifos dos tradutores em francês).
  • 10
    Esthétique et théorie du roman (1 978). No caso dessa obra, a tradução francesa é acrescentada quando há diferenças de tradução entre o português e o francês, as quais possam implicar alguma mudança semântica, mesmo que estas não pareçam modificar o âmago da questão.
  • 11
    «il provoque cette réponse, la pressent et va à sa rencontre» (BAKHTINE, 1978, p.103). Trad.: "ele provoca essa resposta, a pressente e vai ao seu encontro".
  • 12
    Compréhension et réponse sont dialetiquement confondues et se conditionnent réciproquement, elles sont impossibles l'une sans l'autre » (BAKHTINE, 1978, p.104). Trad.: Compreensão e resposta são dialeticamente confundidas e se condicionam reciprocamente, elas são impossíveis uma sem a outra.
  • 13
    Acrescento aqui a reflexão de De Certeau sobre a relação entre conteúdo de ensino e as trocas entre professor e aluno: «Il s'agit de savoir si la relation est elle-même productrice de langage ou si elle est le canal par lequel on 'fait passer' un savoir établi par le maître » (DE CERTEAU, 1993, p. 109). Trad.: "Trata-se de saber (é preciso saber) se a relação é em si produtiva de linguagem ou se ela é o canal pelo qual se 'faz passar' um saber estabelecido pelo mestre (professor)".
  • 14
    O conceito de cultura é definido a partir de De Certeau (1993): «Plutôt que des 'valeurs' à défendre ou d'idées à promouvoir, la culture connote aujourd'hui un travail à entreprendre sur toute l'étendue de la vie sociale» (1993, p.167). Trad.: Ao invés de 'valores' a serem defendidos ou de ideias a promover, a cultura conota hoje um trabalho a ser empreendido em toda a extensão da vida social.
  • 15
    Já a partir de suas bases, por causa da diferença entre os papéis sociais e a diferença de poder deles decorrente e por causa da diferença de vivência e de conhecimentos entre o professor e os alunos.
  • 16
    A esse respeito, ver Vygotski, quando propõe a integração entre conceitos espontâneos (cotidianos) e conceitos científicos (VYGOTSKI, 1997).
  • 17
    O termo "estranha" é empregado no sentido daquilo que não nos é familiar e o termo "estrangeira", no sentido de que não nos pertence, que pertence a outro contexto linguístico/cultural. O desejável é que o ensino proporcione oportunidades para a mudança progressiva dessa situação. Essa observação também é válida para a LM, quando é tratada como "língua-morta-estrangeira" (ver mais adiante).
  • 18
    Em BAKHTINE/VOLOCHINOV (1977, p.108): «Le mot de la langue maternnelle est perçu comme un frère, comme un vêtement familier, mieux encore, comme l'atmsphère habituelle dans laquelle nous vivons et nous respirons». Trad.: A palavra da língua materna é percebida como um irmão, como uma roupa familiar, melhor ainda, como a atmosfera habitual na qual vivemos e respiramos" Em VOLOSINOV (2010, p. 273: «Le Mot de la langue maternelle est 'bien de chez nous', il est perçu comme un vêtement familier ou, mieux encore, comme l'atmosphère habituelle dans laquelle nous vivons et l'air que nous respirons». Trad. : "A Palavra da língua materna é familiar (do nosso meio familiar), é percebida como uma roupa familiar ou, melhor ainda, como a atmosfera habitual na qual vivemos e o ar que nós respiramos".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      14 Mar 2012
    • Aceito
      04 Jun 2012
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