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A ressignificação da leitura literária e do leitor-fruidor na BNCC: uma abordagem dialógica

RESUMO

Com base na noção de currículo como uma arena de embates discursivos, este artigo tem por objetivo principal analisar de que modo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de Língua Portuguesa e Literaturas compreende os conceitos de fruição e de leitor-fruidor. Com efeito, é nossa intenção compreender como a ideia de leitura literária é proposta por esse documento oficial curricular. Para tanto, as habilidades e conteúdos indicados pela Base Nacional Comum Curricular foram analisados a partir de uma perspectiva metodológica interpretativista e sob a perspectiva dialógica de análise do discurso desenvolvida pelo Círculo de Bakhtin.

PALAVRAS-CHAVE:
BNCC; Leitura Literária; Currículo

ABSTRACT

Based on the notion of curriculum as an arena of discursive clashes, this paper aims at verifying how the Base Nacional Comum Curricular (BNCC) [Common Core] for Portuguese Language and Literature understands the concepts of fruition and reader-in-fruition. Indeed, it is our intention to understand the very idea of literary reading proposed by this official curriculum document. For this purpose, the skills and contents indicated by BNCC were analyzed from an interpretive research methodology view and under the dialogic perspective for discourse analysis developed by the Bakhtin Circle.

KEYWORDS:
BNCC; Literary Reading; Curriculum

Apresentação

[...] a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é, porém,

destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta

que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos.

Paulo Freire

A obra de Paulo Freire evidencia sua convicção de como a desumanização é presente na educação brasileira, que está estruturada de maneira a permitir a expulsão da subjetividade do indivíduo para fora da escola. Esse movimento de expulsão de modo algum deve ser visto como um resultado natural das coisas; ele é realizado pelos próprios homens que, a partir de interesses espúrios, desumanizam outros homens. Na práxis educacional, esse ato violento se consolida a partir de uma concepção vazia de saber, em que os estudantes seriam preenchidos por um conhecimento correto, que proporcionaria o aprendizado. Assim, o ato de desumanização pode ser concretizado na ideia de que os aprendizes são sujeitos vazios e na crença de que todos deveriam se tornar um tipo de sujeito: aquele que possui um conjunto de conteúdos já legitimado por um grupo interessado em manter determinada ordem social.

Nessa perspectiva, o discurso curricular seria o instrumento que reflete e refrata1 1 Neste artigo, seguindo os princípios epistemológicos do Círculo de Bakhtin, utilizaremos termos como refração, revozeamento e ressignificação na tentativa de demarcar o caráter não estável e dinâmico dos significados construídos nas mais diversas práticas sociais. a realidade ideológica2 2 Compreendemos ideologia, a partir do Círculo de Bakhtin, como um conjunto de ideias e valores que se constitui por meio da interação discursiva entre vozes sociais que pertencem a grupos socialmente organizados na história concreta (FARACO, 2009). , potencializando a construção de significados e de determinadas visões sobre as pessoas a partir de uma abordagem que excluiria o indivíduo do centro da questão, desumanizando-o. O intuito de um currículo elaborado sob essa égide seria o de possibilitar a construção de uma massa de indivíduos que atenda às demandas de um mercado que supostamente exigiria mais conhecimentos operacionais do que uma formação crítica, voltada a educar sujeitos que não apenas participem das práticas sociais existentes, mas também que transformem e produzam ativamente essas práticas (GREEN, 1998GREEN, B. Subject-specific literacy and School learning: a focus on writing. Australia Journal of Education, 30(2): p.156-69, 1998.).

Essa concepção de currículo dialoga com a noção de signo ideológico debatida por Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017., segundo a qual a palavra, entendida como discurso, é permeada por concepções ideológicas em fricção. Nessa perspectiva, o currículo seria um instrumento discursivo que reflete e refrata todo um conjunto de valores que, de alguma forma, buscam estabilizar, fixar um significado que se pareça com uma suposta verdade. Por sua vez, o signo ideológico seria uma arena de embates entre classes, algo que justifica as inúmeras tentativas, no decorrer da história humana, de determinados grupos construírem algum sentido que seja próximo da realidade que desejam impor.

O discurso curricular, então, pode ser considerado um lócus de sucessivas tentativas de estabilização de discursos, principalmente aqueles relacionados aos ideais e às concepções de mundo vinculadas à elite econômica de um país. Contudo, ressaltamos que, ao longo dos estudos curriculares, as concepções de mundo desses grupos em disputa têm sido constantemente reformuladas/ressignificadas a fim de garantir algum sinal de progresso. Entretanto, observa-se a manutenção, ainda que de modo velado, das intenções desumanizadoras às quais Freire se refere na epígrafe que abre esta introdução na maior parte dos discursos oficiais curriculares em circulação no Brasil.

Na tentativa de problematização desse cenário, boa parte dos estudos do currículo pretendem compreender o conhecimento estruturado nesses documentos e definir o modo como saberes curriculares poderiam interferir na prática pedagógica e na formação crítica do estudante, levando à negação de outras maneiras de pensar e de ser (SILVA, 2016SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.).

A partir de tais observações, propomo-nos a realizar uma análise da Base Nacional Comum Curricular (doravante BNCC), que, em suas quatro versões, do primeiro texto à versão efetivamente homologada e publicada como norma, parece dialogar com visões neoliberais3 3 O neoliberalismo, de acordo com Santos (1999), é o regime que privilegia políticas econômicas dirigidas à desregulamentação de vários mercados, privatização de certas empresas e ao aumento de competitividade internacional. Além disso, pode provocar a diminuição de impostos sobre as camadas mais ricas da população, além de cortes em importantes gastos sociais, na direção de um suposto Estado mínimo. Em território brasileiro, essa visão econômica tem sido defendida por uma parcela da mídia, que pede pela redução dos gastos públicos, pela privatização de empresas estatais e por uma política austera de controle inflacionário (CARVALHO, 2019). da educação. Por isso, a BNCC apresenta características como o estabelecimento de padrões comportamentais, a centralização de saberes considerados essenciais e uma visão de formação restrita a certos tipos de indivíduos4 4 Deve-se entender que a BNCC está focada na pedagogia das competências, um modelo que busca controlar os estudantes através do pré-estabelecimento de comportamentos, de conteúdos e de tipos de indivíduos ao estipular o que eles devem se tornar a cada etapa de ensino (RAMOS, 2002). . Tais características mais aproximam o documento de uma lógica neoliberal de organização do que de um guia que poderia auxiliar o professor a encontrar apoio para que suas aulas sejam mais significativas para os aprendizes.

Em decorrência disso, questionamos quais princípios educacionais, portanto, também sociais, econômicos e culturais, norteiam a Base. Interessa-nos responder à seguinte questão: de que modo e a partir de quais princípios é construída a visão sobre leitura literária na BNCC de Língua Portuguesa/Literaturas? Mais especificamente, instiga-nos a compreensão de como os modelos de fruição e de leitor-fruidor, termos utilizados pelo próprio documento, permitem que se construa junto ao estudante alguma possibilidade de abordagem mais crítica para a literatura nas salas de aula brasileiras.

Nesse intuito, apoiamo-nos nas reflexões do Círculo de Bakhtin sobre o signo ideológico, a heteroglossia e as ideologias oficiais e do cotidiano, na tentativa de explicar algumas manifestações que constatamos na Base. Também trazemos Apple (2011)APPLE, M. W. A política do conhecimento oficial: faz sentido a ideia de um currículo nacional? In: MOREIRA, A. F.; SILVA, T. T. da (orgs.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 2011. p.71-106., em relação à crítica da política de um currículo nacional, e Rajagopalan (2019), para apresentar uma análise da própria BNCC. No âmbito da leitura e da leitura literária, basear-nos-emos nos trabalhos de Amorim e Silva (2019)AMORIM, M. A. de.; SILVA, T. C. da. O ensino de literaturas na BNCC: discursos e (re)existências possíveis. In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores , 2019. p.153-179., que analisaram a educação literária na Base do Ensino Médio, e no de Szundy (2019)SZUNDY, P. T. C. A Base Nacional Comum Curricular e a lógica neoliberal: que línguas(gens) são (des)legitimadas? In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.121-151., que investigou o viés neoliberal que permeia alguns descritores da área de linguagens do documento. A concepção de leitura de Coracini (2009)CORACINI, M. J. R. F. Concepções de leitura na (pós-) modernidade. In: LIMA, R. C. de C. P. (org.). Leitura: múltiplos olhares. Campinas: Mercado de Letras, 2009. p.15-44. também será convocada para nortear a possível noção que perpassa os conceitos de fruição e de leitor-fruidor existentes na BNCC dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

1 Um currículo único: uma única forma de aprender?

A formulação da Base Nacional Comum Curricular trouxe vários questionamentos sobre o papel da escola no Brasil, uma vez que inúmeros educadores e pesquisadores demonstraram grande preocupação em relação à perspectiva homogeneizadora de aprendizagem que o documento reflete e refrata. Em outras palavras, em um país de extensão continental, detentor de uma diversidade social e cultural como o Brasil, como poderia um instrumento educacional prever “saberes essenciais” para os estudantes, independentemente de suas especificidades pessoais, regionais e locais?

É importante ressaltar, como já sinalizado por Macedo (2014)MACEDO, E. Base Nacional Curricular Comum: novas formas de sociabilidade produzindo sentidos para educação. Revista E-curriculum, v. 12, n. 3, p.1530-1555, out./dez. 2014., que a Base tem em seu histórico a influência de grupos particulares durante todo o seu processo de construção. A fase referente ao ensino dos anos iniciais e finais em nível Fundamental, por exemplo, está repleta da presença de instituições do mercado financeiro e de empresas diversas, tais como Bradesco, Santander, Gerdau, Natura etc. Completam esse conjunto algumas organizações não governamentais financiadas por esses grupos, destacando-se a Fundação Lemann, a Fundação Roberto Marinho, os Amigos da Escola etc. (MACEDO, 2014MACEDO, E. Base Nacional Curricular Comum: novas formas de sociabilidade produzindo sentidos para educação. Revista E-curriculum, v. 12, n. 3, p.1530-1555, out./dez. 2014.). O que é importante destacar é que o apoio dessas instituições na produção de uma centralização curricular pode impulsionar elementos para uma desestatização5 5 Ação de retirar ou diminuir a gestão do Estado de determinadas áreas da sociedade. , por meio do diálogo com discursos educacionais que propagam soluções que refratam características da esfera empresarial (MACEDO, 2014MACEDO, E. Base Nacional Curricular Comum: novas formas de sociabilidade produzindo sentidos para educação. Revista E-curriculum, v. 12, n. 3, p.1530-1555, out./dez. 2014.).

Além disso, um dos pontos mais críticos da Base é seu caráter prescritivo e universalista: o documento se define como um “conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais, que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica” (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.7). Essa proposta se distancia das abordagens anteriores, como aquelas dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC, 1998.) e das Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - OCEM (BRASIL, 2006BRASIL. Ministério da Educação. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2006.), que não postulavam algo que deveria ser seguido, mas diretrizes, orientações, que possibilitariam a compreensão desses documentos como guias de apoio para a prática docente.

Diferentemente, a BNCC se coloca com poder de lei, mesmo anunciando que não se trata de um currículo e sim de uma base curricular, algo que é defendido por seus apoiadores e idealizadores. Esse documento, por si só, traz, em seu bojo, um conjunto de referências que sugerem uma grade mínima para a confecção de currículos locais. Na prática, no entanto, por ser obrigatória, a Base acaba se constituindo como currículo (TÍLIO, 2019TÍLIO, R. A Base Nacional Comum Curricular e o contexto brasileiro. In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.). A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.07-15.), justamente pelo seu direcionamento ao que é considerado essencial, aproximando-se, por exemplo, daquilo que Saviani entende como instrumento curricular: “currículo é o conjunto das atividades nucleares desenvolvidas pela escola” (SAVIANI, 2016SAVIANI, D. Educação escolar, currículo e sociedade: o problema da Base Nacional Comum Curricular. Movimento-Revista de Educação, n. 3, p.54-84, 2016., p.57).

Assim, ao propor uma universalização do saber, a Base pode contribuir para certos processos de desumanização, desconsiderando contextos e, por sua vez, a própria visão de mundo dos estudantes e os conhecimentos que eles trazem para a escola. Essa tendência se coaduna com o controle externo da aprendizagem, efetivado na essencialidade de saberes e práticas, e se refrata no projeto de “habilidades” e “competências” sob a qual a BNCC se estrutura. Saviani (2016, p.75)SAVIANI, D. Educação escolar, currículo e sociedade: o problema da Base Nacional Comum Curricular. Movimento-Revista de Educação, n. 3, p.54-84, 2016. indica, inclusive, a evidente coerência da Base com sistemas padronizados de avaliação geral, o que por si só já sinalizaria os limites de uma empreitada como a construção de um currículo único, uma vez que “essa subordinação de toda a organização e funcionamento da educação nacional à referida concepção de avaliação implica numa grande distorção do ponto de vista pedagógico”.

Essas considerações dialogam com o questionamento efetuado por Apple (2011)APPLE, M. W. A política do conhecimento oficial: faz sentido a ideia de um currículo nacional? In: MOREIRA, A. F.; SILVA, T. T. da (orgs.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 2011. p.71-106. sobre a real necessidade de um currículo nacional. O autor discute a validade de um documento que venha estipular os saberes mínimos, aparentemente neutros, a serem aprendidos por toda uma nação, mas que, na maior parte das vezes, é construído a partir de uma organização atrelada a interesses privados, especificamente grupos com direcionamentos neoliberais e neoconservadores. Em outra direção, Apple entende a educação não como um conjunto de saberes neutros, afirmando que, na verdade, existe uma tradição seletiva que insere valores originários de grupos influentes na sociedade. Contudo, sob essa aparente neutralidade, subjaz uma política nefasta que vai introjetando ideologias de mercado sob um aparente ideário de qualidade na educação. Não é surpresa a Base definir o termo “competência” a partir de um conceito largamente usado no mundo corporativo:

Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.8, grifos nossos).

As palavras grifadas se referem ao mnemônico CHA - conhecimento, habilidade e atitude, famoso no discurso do empreendedorismo. Esses três elementos destacados podem ser rapidamente encontrados na plataforma de vídeo Youtube em forma de tutoriais destinados à formação para o mercado de trabalho. No trecho destacado, há também o termo “valores”, o qual, de forma alguma, se desvincula da área empresarial, mas possui importância na educação. O que queremos ressaltar é o fato de que a sequência privilegiada pela Base apresenta a relação mnemônica comumente usada nas palestras motivacionais e empresariais, discurso este revozeado no documento governamental.

Com esse imaginário se construindo na BNCC, voltamos ao alerta realizado por Apple sobre o perigo de um currículo central, no sentido de que esse tipo de documento enseja uma visão monocultural, “que lida com a diversidade colocando o sempre ideológico ‘nós’ como o centro de tudo, e em geral mencionando perifericamente ‘as contribuições’ das pessoas de cor, mulheres e ‘outros’” (APPLE, 2011APPLE, M. W. A política do conhecimento oficial: faz sentido a ideia de um currículo nacional? In: MOREIRA, A. F.; SILVA, T. T. da (orgs.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 2011. p.71-106., p.92, grifo nosso). Essa marginalização é refratária da própria realidade que enuncia possíveis verdades, reforçando que a periferia realmente deve se manter secundária, inclusive nos discursos oficiais.

Ressaltamos que essa visão do “nós” observada por Apple pode trazer à tona algo que Rajagopalan (2019) caracteriza como um discurso eugênico. Essa conclusão surge de sua percepção de que a Base propõe um “aluno ideal” à medida que pensa em conteúdos essenciais. A partir disso, verifica-se certa aproximação da Base com o discurso da eugenia materializado na concepção uniformizadora dessa corrente. O autor enfatiza que a visão eugênica refratada na Base possui

[...] como principal justificativa a uniformização do conteúdo - de composição étnico-racial de um povo, no primeiro caso, e da composição de material pedagógico a ser ofertado ao povo, no segundo caso. Ambas alicerçadas no argumento de que, além de ser “democrática” na distribuição das benesses do Estado, a medida também contribuiria para a manutenção da Nação como unidade geopolítica com solidez segura (RAJAGOPALAN, 2019, p.31-32).

Podemos associar as ideias de Rajagopalan à construção do “nós” e seus efeitos discutida por Apple, o que pode sinalizar um movimento corrente de apagamento das conquistas efetuadas pelos movimentos sociais no cenário educacional das últimas duas décadas. Ademais, a existência de um documento que estimula esse tipo de discurso torna urgente e necessária a compreensão dos seus processos de construção e das possíveis consequências desse discurso curricular para a prática na sala de aula nas escolas brasileiras.

Contudo, apesar de a Base dialogar com discursos neoliberais, existe também no documento um discurso que valoriza a questão periférica, que acrescenta um tom aparentemente progressista e que dialoga com a diversidade. Szundy (2019)SZUNDY, P. T. C. A Base Nacional Comum Curricular e a lógica neoliberal: que línguas(gens) são (des)legitimadas? In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.121-151., ao observar a BNCC de Língua Inglesa6 6 Ressaltamos que, apesar de recorrermos a uma autora que analisa especificamente o documento da área de Língua Inglesa, os apontamentos realizados pela autora são pertinentes também à seção de Língua Portuguesa/Literaturas, como demonstramos ao longo deste artigo. , sinaliza um certo alinhamento do documento ao letramento ideológico7 7 Street (2014) concebe essa classificação como uma contraposição ao modelo autônomo de letramento, que buscaria a “melhoria das capacidades cognitivas [das] pessoas, melhorando suas possibilidades econômicas, tornando-as melhores cidadãos, independentemente das condições sociais e econômicas que contribuem para o seu ‘não letramento’” (STREET, 2003, p.77). Numa visão ideológica, não é possível considerar apenas processos técnicos, mas sim a visão de que na aprendizagem da leitura e da escrita perpassam questões de poder e que, por isso, devem existir vários tipos de letramentos que irão sustentar as especificidades locais e desestabilizar imposições abstratas de ensino. Mais ainda, o letramento ideológico é enxergado como uma “[...] visão mais sensível culturalmente de práticas de letramento que variam de contexto para contexto. [...] [O letramento é visto] como uma prática social, não simplesmente como uma habilidade neutra e técnica; isto é, é sempre atravessado por princípios epistemológicos construídos socialmente” (STREET, 2003, p.77-78). . A autora observa que a BNCC traz um eixo intercultural que conversa com um lócus ideológico que “compreende as língua(gens) como recursos que nos colocam em contato com a alteridade, com formas plurais e igualmente válidas, de ser e estar no mundo” (SZUNDY, 2019SZUNDY, P. T. C. A Base Nacional Comum Curricular e a lógica neoliberal: que línguas(gens) são (des)legitimadas? In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.121-151., p.144). Em outro ponto, a autora consegue perceber também que “a BNCC pode nos instigar a situar o ensino nas práticas decoloniais” (SZUNDY, 2019SZUNDY, P. T. C. A Base Nacional Comum Curricular e a lógica neoliberal: que línguas(gens) são (des)legitimadas? In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.121-151., p.144).

Esses apontamentos podem nos conduzir ao entendimento de que a Base realmente está preocupada com a natureza do saber situado do aprendiz, que anda ao lado do pensamento democrático, buscando promover uma educação crítica a todos; uma possível interpretação que, mesmo problemática8 8 Problemática porque ainda infere um saber que deve ser para todos, causando apagamento das possíveis diferenças entre as pessoas (LOPES e MACEDO, 2011). , teria menos impacto do que apenas enunciar um “saber essencial” de forma universalista. Entretanto, ao mesmo tempo, Szundy (2019)SZUNDY, P. T. C. A Base Nacional Comum Curricular e a lógica neoliberal: que línguas(gens) são (des)legitimadas? In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.121-151., ao analisar os descritores das competências e habilidades do componente do Inglês do 6º ano, percebe uma visão autônoma9 9 Szundy (2019, p.142) entende que há um retorno de “[...] abordagens cognitivistas e estruturalistas que caracterizaram o ensino de línguas nas décadas de 1970 e 1980”. para a leitura:

A utilização dos verbos formular, identificar e localizar nessas três habilidades de leitura contraria o caráter formativo e político da língua inglesa defendido na apresentação do componente e a percepção de língua franca privilegiada pelo documento... (p.144; grifos da autora).

A pluralidade discursiva e ideológica da Base, nesse sentido, refrata diferentes contradições epistemológicas e axiológicas, evidenciando uma luta entre sistemas ideológicos: e é justamente por conta dessa luta que podemos encontrar, segundo Szundy, brechas no documento que possibilitariam a construção de outros currículos. Essa questão é sinalizada continuadamente na análise de Szundy (2019)SZUNDY, P. T. C. A Base Nacional Comum Curricular e a lógica neoliberal: que línguas(gens) são (des)legitimadas? In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.121-151., que se debruça sobre as habilidades e competências da BNCC de Língua Inglesa do nono ano do Ensino Fundamental. Nesses descritores, o uso dos verbos debater, analisar e discutir pode ser associado a práticas mais políticas e críticas quanto ao uso do idioma. Porém, nas palavras de Szundy,

O status de inglês como língua franca na BNCC parece [...] estar a serviço do neoliberalismo - atende ao desenvolvimento de competências e habilidades para que o/a aluno/a se torne um/a empreendedor/a de si mesmo/a, de forma a habilitá-lo/a a participar desse mundo global sem questionar suas macro e micro estruturas, e como estas operam para manter um grande contingente da população mundial sem acesso às commodities dessa utópica aldeia global (2019, p.146-147; grifos da autora).

O que fica mais uma vez evidente nessa passagem é a existência de um embate ideológico, caracterizado, no documento educacional, com a presença de formas de aprendizagem que ora se embasam numa linha mais crítico-social, ora se conduzem numa demanda liberal, estruturando um controle comportamental no âmbito das habilidades e competências. Esse conflito que existe no currículo pode ser entendido como próprio da linguagem, que é atravessada pelos valores dos indivíduos que vivem em sociedade (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.).

Nesse sentido, alguns conceitos pensados pelo Círculo de Bakhtin podem nos auxiliar a explicar alguns dos fenômenos ocorridos no discurso curricular. Em síntese, segundo Volochinov, “[T]tudo o que é ideológico possui significação sígnica” (2017, p.93). Essa máxima nos permite entender que a linguagem não pode ser vista de forma isolada, livre de influências externas; ao contrário, ela está imanentemente ligada à realidade em que é usada, através de nossos valores sociais. Tais valores não são apenas formados por nossa individualidade; são o resultado de um conjunto de avaliações que ocorrem na sociedade entre vários grupos e ao longo da história.

Pode-se dizer, então, que a palavra, por ser um “fenômeno ideológico par excellence” (VOLOCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.98), absorve o nosso horizonte social, não apenas refletindo, mas também refratando “o cruzamento de interesses sociais multidirecionados nos limites de uma coletividade sígnica, isto é, a luta de classes” (VOLOCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.112). Por isso, o currículo é um lugar de embates ideológicos (VASCONCELOS et al, 2016VASCONCELOS, T. C.; CELINO, L. de. S.; SANTOS, N. F. dos; VIANA, D. N. de M. Currículo enquanto signo: uma perspectiva dialógica, polifônica. Revista Eletrônica Científica Ensino Interdisciplinar, v. 2, n. 4, p.64-73, mar. 2016.), pois, por mais que haja nele certa predominância de um discurso capitalista, ele traz também o desejo de outros seres sociais que estão em busca de estabilizar seus significados, de marcar suas conquistas, sendo esse instrumento educacional um instrumento para a formalização de suas ideologias.

Tal disputa pode ser vista por meio da profusão de diferentes vozes sociais, fenômeno denominado heteroglossia10 10 Tanto Faraco (2009) quanto Renfrew (2018), por exemplo, se referem ao heterodiscurso como heteroglossia. Neste artigo, preferiu-se seguir a tradução de Paulo Bezerra, pois para o tradutor a palavra raznorétchie significa literalmente discurso diverso em russo. Além disso, ele entende que o termo heteroglossia se distancia do original, pois, de fato, não há nenhuma remissão à palavra discurso, algo que pode gerar interpretações equivocadas. (BAKHTIN, 2015BAKHTIN, M. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015.), na arena curricular. A luta de classes, desse modo, seria

[...] um vasto espaço entre vozes sociais (uma espécie de guerra dos discursos), no qual atuam forças centrípetas (aquelas que buscam impor certa centralidade verboaxiológica por sobre o plurilinguismo real) e forças centrífugas (aquelas que corroem continuamente as tendências centralizadoras, por meio de vários processos dialógicos tais como a paródia e o riso de qualquer natureza, a ironia, a polêmica explícita ou velada, a hibridização ou a reavaliação, a sobreposição de vozes etc.) (FARACO, 2009FARACO, C. A. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009., p.69-70; grifos do autor).

Assim, entender que a língua é permeada de múltiplas vozes que estão constantemente usando forças, contraditórias entre si, para tentar vencer uma guerra ideológico-discursiva ajuda a compreender o porquê da existência de abordagens divergentes no currículo. Em decorrência dessas forças tão atuantes, certas vivências cotidianas e expressões que se originam a partir delas, denominadas ideologias do cotidiano, podem interagir com práticas discursivas já cristalizadas, denominadas sistemas ideológicos formados, que seriam propriamente “a moral social, a ciência, a arte e a religião” (VOLOCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.213). Essa interação, ainda segundo o autor, começa nas camadas superiores das ideologias do cotidiano, onde já existe certa criatividade para conseguir dialogar com os sistemas já formados. As camadas inferiores, por sua vez, não possuem tanta força, pois ainda são frutos de ideologias fluidas e rapidamente mutáveis.

O ponto importante que desejamos salientar é que, nas camadas superiores das ideologias do cotidiano, existe uma acumulação dessas energias criativas que são responsáveis pelas transformações parciais ou até mesmo radicais dos sistemas ideológicos já formados. Entretanto, por mais que essas forças emergentes sejam revolucionárias, elas ainda “sofrem a influência de sistemas ideológicos formados, assimilando parcialmente as formas acumuladas, as práticas e as abordagens ideológicas” (VOLOCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.215). O currículo, nesse sentido, configura-se como uma arena ideológica de embates discursivos a partir da constante fricção de posicionamentos divergentes, incluindo aqueles emergentes que ainda buscam conquistar seu lugar no pensamento educacional.

A partir dessas discussões, teceremos algumas considerações sobre a educação literária na BNCC, procurando sinalizar como o embate de vozes no currículo pode afetar a percepção do que é educar literariamente. Em relação à construção da literatura no espaço escolar, o que se tem observado é que aquela, além perder a autonomia ao ser incluída no eixo da Língua Portuguesa, tem permitido a idealização de certos tipos de estudantes quanto aos seus atos de recepção das obras literárias.

Ao fazer um rápido apanhado de como o ensino de literatura foi sendo construído em alguns documentos governamentais, Amorim e Silva (2019)AMORIM, M. A. de.; SILVA, T. C. da. O ensino de literaturas na BNCC: discursos e (re)existências possíveis. In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores , 2019. p.153-179. apontam que os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio - PCNEM (BRASIL, 2000BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio. Brasília: MEC, 2000.), apesar de estabelecerem interlocução com uma visão mais dialógica da linguagem, sobretudo a partir de uma releitura do pensamento bakhtiniano, apresentavam ainda uma visão beletrista de literatura, ignorando o papel político, social e cultural que ela pode assumir. Ademais, o documento incentivava práticas de leitura literária alinhadas a questões temporais e espaciais a partir de uma visão simplista da historiografia literária, não construindo efetivamente uma didática que permitisse a compreensão da relação entre texto e contextos como base para a construção sociohistórica de significados. Assim, o documento acaba por revozear, sob nova roupagem, práticas de ensino de literatura já adotadas na década de 1990 por livros didáticos e escolas brasileiras.

No caso das Orientações Complementares aos Parâmetro Curriculares Nacionais - PNC+ (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Educação. Orientações complementares aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC, 2002.) - documento que foi construído com o objetivo de complementar e corrigir questões percebidas nos PCNEM -, é perceptível a paradoxal permanência da visão historiográfica simplista, de modo ainda mais enfático do que no documento anterior, por meio do foco em abordagens de ensino que consistem na sugestão da compreensão da relação entre a literatura e os estudos sobre estilos de época que, inclusive, orientavam a enumeração de obras a partir dos gêneros literários. De acordo com Amorim e Silva (2019, p.161)AMORIM, M. A. de.; SILVA, T. C. da. O ensino de literaturas na BNCC: discursos e (re)existências possíveis. In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores , 2019. p.153-179., “os PCN+ reforçam [desse modo] a ideia de que a classificação, a sistematização e a abordagem simplista da história da literatura são caminhos para o ensino de literaturas nas escolas brasileiras”.

Com as Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 2006BRASIL. Ministério da Educação. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2006.), a educação literária ganha mais um suporte a fim de problematizar as questões apresentadas pelos documentos anteriores. No entanto, mesmo trazendo considerações acerca do letramento literário (COSSON, 2006COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.), as OCEM ainda apresentavam uma visão beletrista de literatura, secundarizando os textos não-canônicos ao colocá-los como “ineficientes” por “não revelarem qualidade estética” (BRASIL, 2006BRASIL. Ministério da Educação. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2006., p.56-57). O documento parece negar vários estudos sobre a natureza estética da literatura de cordel, das letras dos raps, por exemplo, e coloca os cânones como aqueles que, de fato, possuem a complexidade da estética literária. Isso se torna problemático e até contraditório, se pensarmos na ideia de letramento proposta por Cosson e Paulino (2009, p.67)COSSON, R.; PAULINO, G. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da escola. In: ZILBERMAN, R.; ROSLING, T. (orgs.). Escola e leitura: velhas crises, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009. p.61-79.: “processo de apropriação da literatura enquanto construção literária de sentidos”, uma vez que, implícita nesta definição, está a ideia do literário como construído na relação de apropriação de um texto literário enquanto tal. Assim, a insistência no cânone por parte das OCEM mantém a hierarquização entre textos clássicos e não-clássicos, continuando a valorizar o cânone literário e não abrindo espaço para a emergência de textos ainda não canonizados como significativos no contexto escolar.

Já sobre a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio, Amorim e Silva (2019)AMORIM, M. A. de.; SILVA, T. C. da. O ensino de literaturas na BNCC: discursos e (re)existências possíveis. In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores , 2019. p.153-179. observam que o documento parece refratar ainda um certo formalismo, projetando a literatura como uma “linguagem artisticamente organizada”, e que, nas palavras do próprio documento, em sua seção para o Ensino Médio, “[m]ediante arranjos especiais das palavras, cria um universo que nos permite aumentar nossa capacidade de ver e sentir” (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.166). Dessa forma, a educação em literatura ainda fica adstrita a critérios estéticos que são pouco elucidativos para o professor e se perde na própria possibilidade de uma abertura mais crítico-política, espaço que a literatura, sem ignorar o estético, pode oferecer (SILVA, 2018SILVA, T. C. da. Ensino de literatura na educação básica: (des)aprendizagem humanização e resistência. Rio de Janeiro: Multifoco, 2018.).

Paradoxalmente, ainda sobre a Base do Ensino Médio, Amorim e Silva (2019)AMORIM, M. A. de.; SILVA, T. C. da. O ensino de literaturas na BNCC: discursos e (re)existências possíveis. In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores , 2019. p.153-179. compreendem que houve um avanço quanto à valorização de obras ditas não canônicas quando o documento sugere a inclusão de produções literárias que demostrem certa complexidade, o que incluiria, de acordo com o documento, as literaturas contemporâneas, indígenas, africanas, afro-brasileiras e latino-americanas. Entretanto, o tom hierarquizante parece ser refratado mais uma vez, agora na BNCC, pois a ideia de complexidade não é explicada, apesar de persistir ao longo do texto, uma vez que a Base afirma buscar complexificar as habilidades no decorrer da vida escolar.

Esses apontamentos reforçam que o terreno do discurso curricular não é harmonioso nem consensual; ao contrário disso, ao mesmo tempo em que são revozeadas verdades relevantes para um determinado tipo de grupo, geralmente, com maior poder social, emergem nos documentos curriculares também vozes de resistência, contrárias ou refratárias a posições estabelecidas pelo status quo. Contudo, pela predominância das vozes mais liberais no discurso curricular, a Literatura continua sendo explorada mais em suas capacidades formativas gerais - habilidades de leitura e produção de textos, pretexto para ensino de uma certa visão histórica etc. - do que como possibilidade de transformação crítica do sujeito leitor enquanto ser humano e cidadão. Em outras palavras, boa parte das vozes presentes na BNCC, por exemplo, parecem refratar uma concepção de ensino mais liberal-conservador, voltada para as exigências do mercado, apesar da existência de discursos mais progressistas, como sinalizado acima.

Porém, apesar desses discursos progressivas, insistimos que qualquer visão na Base que tente incluir alguma percepção mais ideológica de letramento, ressoando aqui Street (2003)STREET, B. What’s “new” in New Literacy Studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, Vol. 5 (2), p.77-91, 2003., por exemplo, perde-se na conjectura da pedagogia das competências adotada pelo documento. A leitura literária, por sua vez, fica mantida em um patamar altamente idealizado nos descritores da BNCC, condenando o leitor a uma projeção que não cabe na realidade da sala de aula. Assim, a ideia de fruição e de leitor-fruidor, que perpassa todo o documento, parece não atentar para os diversos tipos de leitores, nem para a ideia de que a literatura não é apenas um objeto para fruição (MACHADO, 2017MACHADO, R. C. M. Leitura literária na escola: algumas reflexões sobre o ensino de literatura na educação básica brasileira. In: AMORIM, M. A. (org.) Ensino de literaturas: perspectivas em linguística aplicada. Campinas: Pontes Editores, 2017. p.51-70.).

Com efeito, na próxima seção, realizamos uma análise dos conceitos de fruição e leitor-fruidor construídos pela Base, partindo da concepção de que existem vozes que tentam fixar um sentido puramente estético na leitura literária, e observando como os componentes curriculares da BNCC de Língua Portuguesa/Literatura desenvolvem tais conceitos nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

2 A idealização da leitura literária na base

Como sinalizamos, uma das principais críticas que a Base tem recebido é sua construção baseada na pedagogia das competências. Por exemplo, boa parte do documento apresenta, em seus descritores, verbos que indicam uma proposição mais crítica, mas que apenas sugerem aceitação e valorização, e não modificação ou transformação da realidade social. Tílio (2019)TÍLIO, R. A Base Nacional Comum Curricular e o contexto brasileiro. In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.). A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.07-15. ressalta essa percepção ao verificar que as escolhas lexicais na seção de “Competências Gerais da Educação Básica” não fomentam a criticidade necessária para uma educação que seja político-crítica. Como debatido acima, Szundy (2019)SZUNDY, P. T. C. A Base Nacional Comum Curricular e a lógica neoliberal: que línguas(gens) são (des)legitimadas? In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.121-151. se aproxima da mesma questão, mas agora nas competências de Língua Inglesa que engessam uma postura mais crítica.

No âmbito do ensino de literaturas, observa-se essa tendência em toda a Base, mesmo nos enunciados do documento que venham a valorizar a diversidade e o contexto dos estudantes. A questão é que parece existir uma idealização de tipos de sujeitos-leitores acontecendo em toda a BNCC, algo que pode transformar o documento educacional numa ferramenta de controle da própria leitura, uma vez que se estipula um tipo de leitor que deve ser desenvolvido até o final do Ensino Médio. O que consideramos, inicialmente, é a própria noção de fruição que a Base constrói: o documento apresenta um conceito por demais abstrato, em vista de ser um termo mal desenvolvido, fato já refratado desde as OCEM (MACHADO, 2017MACHADO, R. C. M. Leitura literária na escola: algumas reflexões sobre o ensino de literatura na educação básica brasileira. In: AMORIM, M. A. (org.) Ensino de literaturas: perspectivas em linguística aplicada. Campinas: Pontes Editores, 2017. p.51-70.).

A partir de uma busca no documento, é possível perceber que a fruição é conceptualizada na seção do campo da Arte já no Ensino Fundamental, ação que demonstra uma preocupação em se trabalhar tal conceito artístico de forma geral, nas mais diversas áreas cobertas pela Base, e não apenas na abordagem do texto literário. Contudo, como se observará, o conceito de fruição, mesmo na seção sobre o campo das Artes, está vinculado a meros aspectos estéticos - não totalmente definidos - e sugere um historicismo que pode ser mal interpretado nas aulas de literatura:

Fruição: refere-se ao deleite, ao prazer, ao estranhamento e à abertura para se sensibilizar durante a participação em práticas artísticas e culturais. Essa dimensão implica disponibilidade dos sujeitos para a relação continuada com produções artísticas e culturais oriundas das mais diversas épocas, lugares e grupos sociais (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.195; grifos do autor).

Aqui fica bem clara que a intenção é usar o texto literário a partir de critérios estéticos, sem que haja qualquer explicação sobre o que seria “deleite”, “prazer” e “estranhamento”. Ademais, é vaga a expressão uma “abertura para se sensibilizar”, pois não se esclarece como poderíamos realizar esse exercício em contextos tão amplos e no diálogo com sujeitos tão diversos como os alunos das salas de aulas em todo o território brasileiro. A ideia de fruição pode ser vista em todo o documento, alijando boa parte da leitura literária de uma possibilidade de abordagem mais crítica, mesmo que no próprio documento a arte seja vista como um componente curricular que vai estimular

[...] a interação crítica dos alunos com a complexidade do mundo, além de favorecer o respeito às diferenças e o diálogo intercultural, pluriétnico e plurilíngue, importantes para o exercício da cidadania (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.194).

Cabe aqui ainda situar que a noção de fruição está ligada às dimensões de conhecimento que a BNCC explora: a Criação, a Crítica, a Estesia, a Expressão e a Fruição. Essas dimensões envolvem um interessante debate que não caberia neste artigo; no entanto, destacamos, à guisa de ilustração, as noções de Crítica e de Reflexão:

Crítica: refere-se às impressões que impulsionam os sujeitos em direção a novas compreensões do espaço em que vivem, com base no estabelecimento de relações, por meio do estudo e da pesquisa, entre as diversas experiências e manifestações artísticas e culturais vividas e conhecidas. Essa dimensão articula ação e pensamento propositivos, envolvendo aspectos estéticos, políticos, históricos, filosóficos, sociais, econômicos e culturais (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.194).

Reflexão: refere-se ao processo de construir argumentos e ponderações sobre as fruições, as experiências e os processos criativos, artísticos e culturais. É a atitude de perceber, analisar e interpretar as manifestações artísticas e culturais, seja como criador, seja como leitor (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.195).

A dimensão da Crítica nos permite entender que existe uma abertura para o uso da arte para processos de articulação que sejam “políticos, históricos, filosóficos, sociais, econômicos e culturais”. Um ganho para o documento, algo que demostra um diálogo com perspectivas mais ideológicas de letramento, ou melhor, garante a aparição de vozes discursivas que não permitem que o documento encerre um significado marcado pelo viés acrítico. Já a dimensão da Reflexão parece estar associada ainda a visões mais passivas de aprendizagem, relacionando-se à construção de “argumentos” e “ponderações” sobre a fruição aos verbos “perceber, analisar e interpretar”. Tais verbos costumam marcar não um viés crítico que seja transformador no campo da literatura, mas sim um tipo de aluno que seria apenas capaz de realizar tais ações sem que lhe sejam fornecidas circunstâncias propícias para um movimento mais político-ideológico, como sugere a dimensão da Crítica.

Dessa forma, voltamos a Rajagopalan, que questiona quem é o “aluno ideal”: seria aquele que consegue interpretar as manifestações artísticas? Como ocorreria essa interpretação/análise/percepção? Quem seria esse leitor ideal, e como construí-lo em um país com diferenças sociais abissais, das quais a escola por vezes não consegue dar conta? O que parece é que a Base, ao tentar definir essas dimensões, peca ao separar Crítica de Reflexão, uma que vez ambas são atitudes responsivas11 11 A noção de responsividade pode ser conceituada da seguinte forma: “Todo enunciado, mesmo escrito ou finalizado, responde a algo e orienta-se para uma resposta” (VOLÓCHINOV, 2017, p.184-185). Além disso, é importante ressaltar que essas respostas ressignificam, refletindo e refratando, continuadamente posicionamentos emotivo-volitivos, portanto, ativos e valorativos, dos enunciadores (BAKHTIN, 2010). que todo ser humano possui ao se constituir através da linguagem. Ademais, o que observamos é a prevalência da dimensão da Reflexão promovida nas Habilidades e Competências da Base, em vez de um direcionamento que permita ao documento ensejar a dimensão Crítica, abordagem essa que poderia ser mais coerente para com o processo de leitura literária. E isso pode ser visto na grade do 6º ao 9º ano, em que as habilidades enunciam pouco a criticidade que a Base postula. A título de exemplo, citamos três descritores:

(EF69LP44) Inferir a presença de valores sociais, culturais e humanos e de diferentes visões de mundo, em textos literários, reconhecendo nesses textos formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as identidades, sociedades e culturas e considerando a autoria e o contexto social e histórico de sua produção (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.57).

(EF69LP47) Analisar, em textos narrativos ficcionais, as diferentes formas de composição próprias de cada gênero, os recursos coesivos que constroem a passagem do tempo e articulam suas partes, a escolha lexical típica de cada gênero para a caracterização dos cenários e dos personagens e os efeitos de sentido decorrentes dos tempos verbais, dos tipos de discurso, dos verbos de enunciação e das variedades linguísticas (no discurso direto, se houver) empregados, identificando o enredo e o foco narrativo e percebendo como se estrutura a narrativa nos diferentes gêneros e os efeitos de sentido decorrentes do foco narrativo típico de cada gênero, da caracterização dos espaços físico e psicológico e dos tempos cronológico e psicológico, das diferentes vozes no texto (do narrador, de personagens em discurso direto e indireto), do uso de pontuação expressiva, palavras e expressões conotativas e processos figurativos e do uso de recursos linguístico-gramaticais próprios a cada gênero narrativo (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.158).

(EF69LP48) Interpretar, em poemas, efeitos produzidos pelo uso de recursos expressivos sonoros (estrofação, rimas, aliterações, etc.), semânticos (figuras de linguagem, por exemplo), gráfico espacial (distribuição da mancha gráfica no papel), imagens e sua relação com o texto verbal (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.158).

No primeiro exemplo, apesar de haver a questão da valorização social, cultural e humana, o verbo “inferir” sugere uma atitude autônoma em relação ao exercício de valorizar. Entende-se que o aluno vai apenas deduzir sem explicar o que ele vai fazer a partir dessa inferência. Ou seja, ele apenas reflete tais visões, mas sem se posicionar de forma crítica. No segundo e terceiro exemplos, os verbos “analisar” e “interpretar”, respectivamente, introduzem uma abordagem mais formalista da literatura sem apresentar espaço para o posicionamento do aluno. A corrente formalista poderia ser usada, mas sem perder o poder questionador que uma obra possui, uma vez que a linguagem é sempre marcada por algum viés ideológico (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.).

Na esteira da fruição, é relevante sinalizar outra habilidade que parece destacar alguma posição mais agentiva, ao ser iniciada pela expressão “posicionar-se criticamente” como se pode observar abaixo:

(EF69LP45) Posicionar-se criticamente em relação a textos pertencentes a gêneros como quarta-capa, programa (de teatro, dança, exposição etc.), sinopse, resenha crítica, comentário em blog/vlog cultural etc., para selecionar obras literárias e outras manifestações artísticas (cinema, teatro, exposições, espetáculos, CD´s, DVD´s etc.), diferenciando as sequências descritivas e avaliativas e reconhecendo-os como gêneros que apoiam a escolha do livro ou produção cultural e consultando-os no momento de fazer escolhas, quando for o caso (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.157).

Porém, numa leitura mais aprofundada, a descrição parece se aproximar de uma visão mais estética, ao considerar que a sua finalidade está na seleção de diversas manifestações artísticas, separando-as em “sequências descritivas e avaliativas” e cabendo, posteriormente, apenas o reconhecimento de alguma classificação quanto aos gêneros a que elas pertencem. Por mais que se possa atribuir algum agenciamento, as ações conduzem para a criação de uma habilidade crítico-estética, distanciando-se do que poderia ser um olhar mais político, por exemplo.

Outro ponto que desejamos destacar é o desdobramento do conceito de fruição na noção de leitor-fruidor. Essa abstração prevê um sujeito capaz de analisar, identificar e perceber os possíveis significados do texto literário como se fosse já capacitado a percorrer os caminhos de uma obra de forma plena. Construído com base no conceito de campos de atuação, que possui forte controle da própria prática pedagógica, o leitor-fruidor emerge como um guia central no campo artístico-literário e se aproxima da concepção ideal de leitor:

[...] um leitor-fruidor, ou seja, [...] um sujeito que seja capaz de se implicar na leitura dos textos, de “desvendar” suas múltiplas camadas de sentido, de responder às suas demandas e de firmar pactos de leitura (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.138).

O conceito apresenta um molde muito amplo do que seja um leitor ao estipular que o aluno conseguirá “firmar pactos com a leitura” ao mesmo tempo em que coloca o foco no texto, nas camadas de sentido do texto, e não na relação social e ideológica entre texto, leitor e contextos que permitiriam a construção de sentidos (AMORIM, 2013AMORIM, M. A. de. Literatura, adaptação e ensino. In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M.; CARVALHO, A. M. (orgs.). Linguística aplicada e ensino: língua e literatura. Campinas: Pontes Editores, 2013. p.231-262.). Atitudes como as descritas acima não parecem dialogar com os tipos de leitura que o estudante pode realizar a partir de sua própria vivência (FREIRE, 2011FREIRE, P. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2011.). Ignoram, inclusive, a possibilidade de o estudante responsivamente não firmar pacto nenhum. O documento não gera outras explicações sobre esse “firmar” e cria um tipo de sujeito que irá recepcionar facilmente qualquer tipo de obra.

Ademais, cria-se uma visão de que o aluno vai conseguir “desvendar” as camadas textuais, não levando em conta quais processos podem ou não acontecer. Aqui é importante mencionar Coracini (2009)CORACINI, M. J. R. F. Concepções de leitura na (pós-) modernidade. In: LIMA, R. C. de C. P. (org.). Leitura: múltiplos olhares. Campinas: Mercado de Letras, 2009. p.15-44., que enxerga esse tipo de leitura a partir de uma concepção moderna desse processo. Sob forte viés positivista, a leitura na perspectiva moderna tem como norte o “bom leitor”, que seria aquele que é capacitado para percorrer os rastros do escritor, configurando um olhar interacionista da leitura em que “tanto o (bom) autor quanto o (bom) leitor são idealmente conscientes e trabalham para, cada vez mais e melhor, atingirem a consciência ideal” (CORACINI, 2009CORACINI, M. J. R. F. Concepções de leitura na (pós-) modernidade. In: LIMA, R. C. de C. P. (org.). Leitura: múltiplos olhares. Campinas: Mercado de Letras, 2009. p.15-44., p.21).

Dessa forma, o documento prescreve, pensando no caráter normativo da Base, um condicionamento na leitura do estudante, uma concepção pedagógica que sugere um leitor cartesiano12 12 Aqui, associamos à classificação de autor dado por Coracini (2009, p.21) ao leitor: “[...] ele é racional, essencialista, cartesiano, definindo-se pela famosa frase imputada a Descartes: “Penso, logo existo (sou)”. , que seja autônomo o suficiente para conseguir atingir os possíveis caminhos criados pelo autor, como se a fruição automaticamente fornecesse tais possibilidades. Isso se distancia da própria natureza da linguagem, cujo significado emerge no contato sociohistoricamente situado com outro, mesmo que esse outro seja o próprio texto. Aqui, o conceito de signo ideológico nos ajuda mais uma vez a contrapor o documento, visto que o significado só se efetiva na situação concreta de comunicação (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.), sendo permeado por valores que estão vigentes na sociedade. Em outras palavras, o ato de ler não é predeterminado por possíveis interpretações, sendo os significados construídos apenas na interação responsiva e ideológica entre texto, leitor e contexto sociohistórico e cultural. É claro que aqui não estamos lidando com um aspecto altamente arbitrário, mas buscando entender que a pressuposição de que o leitor fará tais percursos é algo que o coloca em um patamar extremamente abstrato.

Na etapa do Ensino Médio da Base, tais considerações ficam ainda mais presentes, pois, como essa última fase seria um aprimoramento do que foi visto nos anos anteriores, a BNCC do Ensino Médio tem como foco permitir alguns aprofundamentos, tal como o próprio documento menciona:

Ao final do Ensino Médio, os jovens devem ser capazes de fruir manifestações artísticas e culturais, compreendendo o papel das diferentes linguagens e de suas relações em uma obra e apreciando-as com base em critérios estéticos (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.496).

Desse modo, o que se pode inferir a partir da leitura da Base é que é esperado, ao final do Ensino Médio, um indivíduo já apto a exercer a fruição em suas diferentes manifestações artísticas. O uso de verbo “fruir” e “dever” são categóricos no agenciamento da natureza estética, como se os alunos já fossem capazes de realizar leituras mais complexas. O critério de apreciação não é explicado, e observa-se a construção de um certo automatismo, algo que pode ser visto na descrição da competência específica 6 a partir do uso da palavra “protagonismo”:

Apreciar esteticamente as mais diversas produções artísticas e culturais, considerando suas características locais, regionais e globais, e mobilizar seus conhecimentos sobre as linguagens artísticas para dar significado e (re)construir produções autorais individuais e coletivas, exercendo protagonismo de maneira crítica e criativa, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018., p.496, grifo nosso).

A expressão “exercendo protagonismo de maneira crítica e criativa, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas”, atrelada à concepção de apreciação, sugere um aprendiz que consiga atingir uma autonomia que, por vezes, não se verifica nessa fase de Ensino e tampouco se explica. Consideramos que esse viés autônomo se naturalizou a partir da seção que o documento destina ao Ensino Fundamental, que já idealizava um leitor-fruidor. Entretanto, ressaltamos considerar válido o discurso do respeito “à diversidade de saberes, identidades e culturas”, o que nos permite perceber que não há no documento um fechamento somente para o viés autônomo; há a possibilidade de valorização de visões sobre as múltiplas culturas existentes.

Considerações finais: fissuras como caminhos de reexistência na BNCC

O debate realizado nos sinaliza como a BNCC, no âmbito da educação literária, apresenta enormes desafios para a escola brasileira. Dada a prevalência de uma concepção centralizadora e prescritiva em todo o documento, a Base acaba por desenvolver uma noção abstrata de fruição e de leitor-fruidor. Desse modo, a BNCC pode facilitar a construção de um ambiente desfavorável para a efetivação de um aprendizado que se faça importante na vida dos estudantes, visto que seus componentes curriculares são exaustivos e pouco explícitos para uma leitura que lide com posturas mais ideológicas de letramento. Contudo, diante do que foi relatado, a presença de perspectivas mais críticas, mesmo que elas se percam no caminho do controle comportamental que o documento impõe, pode favorecer espaços que ressignifiquem essas mesmas imposições. Essas fricções entre discursos contraditórios na Base são consequências do embate discursivo entre as vozes presentes no documento, resultado da interação contínua não apenas entre sistemas ideológicos oficiais - como, por exemplo, visões ora ideológicas, ora autônomas de letramento, visões ora sociohistóricas, ora cognitivistas dos processos de ensino-aprendizagem e das línguas(gens) etc. - mas também entre ideologias do cotidiano e aquelas historicamente cristalizadas.

Nesse sentido, conforme mencionado na seção anterior, as camadas superiores das ideologias do cotidiano surgem através de novas forças emergentes que acabam sendo assimiladas e até modificadas pelas ideologias oficiais (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.). É um processo inerente à natureza da linguagem, podendo ser exemplificado pelas conquistas já efetuadas por grupos minoritários e na própria Base ao se observarem os avanços em relação à entrada de literaturas não canonizadas (AMORIM e SILVA, 2019AMORIM, M. A. de.; SILVA, T. C. da. O ensino de literaturas na BNCC: discursos e (re)existências possíveis. In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores , 2019. p.153-179.). Posto isso, acreditamos na potencialização de certas ações como emergências ideológicas, ou seja, forças sociais que emergem já no processo de luta entre grupos e que são necessárias para o desenvolvimento de novas visões para a sociedade. Ao se compreender que tais forças são assimiladas pelos discursos oficializados, surge, consequentemente, a necessidade de práticas que possam ressignificar essas modificações que ocorrem no currículo.

Para isso, estamos de acordo com Szundy (2019)SZUNDY, P. T. C. A Base Nacional Comum Curricular e a lógica neoliberal: que línguas(gens) são (des)legitimadas? In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.121-151., que considera essas diferenças como fissuras, ou seja, brechas que surgem na Base a partir da “adoção de um modelo autônomo de letramento baseado no desenvolvimento de competências e habilidades” (SZUNDY, 2019SZUNDY, P. T. C. A Base Nacional Comum Curricular e a lógica neoliberal: que línguas(gens) são (des)legitimadas? In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.121-151., p.147), e da presença de “concepções relacionadas à abordagem sociohistórica ao modelo ideológico de letramentos” (SZUNDY, 2019SZUNDY, P. T. C. A Base Nacional Comum Curricular e a lógica neoliberal: que línguas(gens) são (des)legitimadas? In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.121-151., p.147-148). Dessa forma, essas fissuras podem permitir a emergência de práticas de reexistência, termo cunhado por Souza (2011)SOUZA, A. L. S. Letramentos de reexistência - poesia, grafite, música, dança: hip-hop. São Paulo: Párabola Editorial, 2011. ao pensar em letramentos que pudessem não só contestar posições já legitimadas, mas ressignificar práticas já consolidadas. Nas palavras da autora,

O termo reexistência contempla de forma mais efetiva a natureza dessas práticas de letramento do que o termo resistência, porque, além de questionar e contestar práticas sociais legitimadas, os hip-hoppers reinventam práticas socialmente ratificadas, buscando, portanto, formas de reexistir em uma sociedade marcada pelo preconceito, pelo racismo e pela discriminação (SOUZA, 2011SOUZA, A. L. S. Letramentos de reexistência - poesia, grafite, música, dança: hip-hop. São Paulo: Párabola Editorial, 2011., p.37).

Pensando nessas “práticas socialmente ratificadas” e na forma como a leitura literária foi construída na BNCC, acreditamos que, seguindo as poucas perspectivas mais ideológicas que há no documento, talvez possamos construir ambientes para que o leitor-aprendiz seja sempre um leitor que caminhe nas opacidades do texto, respeitando sempre suas atitudes responsivas, portanto, históricas, sociais, culturais e ideológicas, em relação à obra. Assim, criam-se práticas de reexistência a partir da Base, percebendo-se que, a partir delas, podem emergir fissuras que nos possibilitem compreender e problematizar as emergências ideológicas, reexistindo através de nossas práticas pedagógicas e humanizando a nós mesmos e aos outros.

  • Declaração de autoria e responsabilidade pelo conteúdo publicado
    Declaramos que os autores tiveram acesso ao corpus de pesquisa, participaram ativamente da discussão dos resultados e revisaram e aprovaram o processo de preparação da versão final do artigo.
  • 1
    Neste artigo, seguindo os princípios epistemológicos do Círculo de Bakhtin, utilizaremos termos como refração, revozeamento e ressignificação na tentativa de demarcar o caráter não estável e dinâmico dos significados construídos nas mais diversas práticas sociais.
  • 2
    Compreendemos ideologia, a partir do Círculo de Bakhtin, como um conjunto de ideias e valores que se constitui por meio da interação discursiva entre vozes sociais que pertencem a grupos socialmente organizados na história concreta (FARACO, 2009FARACO, C. A. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009.).
  • 3
    O neoliberalismo, de acordo com Santos (1999)SANTOS, T. dos. O neoliberalismo como doutrina econômica. Revista Econômica, Niterói, v.1, n.1, p.119-151, jun. 1999., é o regime que privilegia políticas econômicas dirigidas à desregulamentação de vários mercados, privatização de certas empresas e ao aumento de competitividade internacional. Além disso, pode provocar a diminuição de impostos sobre as camadas mais ricas da população, além de cortes em importantes gastos sociais, na direção de um suposto Estado mínimo. Em território brasileiro, essa visão econômica tem sido defendida por uma parcela da mídia, que pede pela redução dos gastos públicos, pela privatização de empresas estatais e por uma política austera de controle inflacionário (CARVALHO, 2019CARVALHO, F. O. L. Qual guy fawkes? Dialogismo e trajetórias textuais das máscaras de V nos protestos de junho de 2013. 2019. 168 f. (Mestrado em Linguística Aplicada). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.).
  • 4
    Deve-se entender que a BNCC está focada na pedagogia das competências, um modelo que busca controlar os estudantes através do pré-estabelecimento de comportamentos, de conteúdos e de tipos de indivíduos ao estipular o que eles devem se tornar a cada etapa de ensino (RAMOS, 2002RAMOS, M. N. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? Rio de Janeiro: Cortez, 2002.).
  • 5
    Ação de retirar ou diminuir a gestão do Estado de determinadas áreas da sociedade.
  • 6
    Ressaltamos que, apesar de recorrermos a uma autora que analisa especificamente o documento da área de Língua Inglesa, os apontamentos realizados pela autora são pertinentes também à seção de Língua Portuguesa/Literaturas, como demonstramos ao longo deste artigo.
  • 7
    Street (2014)STREET, B. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2014. concebe essa classificação como uma contraposição ao modelo autônomo de letramento, que buscaria a “melhoria das capacidades cognitivas [das] pessoas, melhorando suas possibilidades econômicas, tornando-as melhores cidadãos, independentemente das condições sociais e econômicas que contribuem para o seu ‘não letramento’” (STREET, 2003STREET, B. What’s “new” in New Literacy Studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, Vol. 5 (2), p.77-91, 2003., p.77). Numa visão ideológica, não é possível considerar apenas processos técnicos, mas sim a visão de que na aprendizagem da leitura e da escrita perpassam questões de poder e que, por isso, devem existir vários tipos de letramentos que irão sustentar as especificidades locais e desestabilizar imposições abstratas de ensino. Mais ainda, o letramento ideológico é enxergado como uma “[...] visão mais sensível culturalmente de práticas de letramento que variam de contexto para contexto. [...] [O letramento é visto] como uma prática social, não simplesmente como uma habilidade neutra e técnica; isto é, é sempre atravessado por princípios epistemológicos construídos socialmente” (STREET, 2003STREET, B. What’s “new” in New Literacy Studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, Vol. 5 (2), p.77-91, 2003., p.77-78).
  • 8
    Problemática porque ainda infere um saber que deve ser para todos, causando apagamento das possíveis diferenças entre as pessoas (LOPES e MACEDO, 2011LOPES, A. C.; MACEDO, E. (orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2011.).
  • 9
    Szundy (2019, p.142)SZUNDY, P. T. C. A Base Nacional Comum Curricular e a lógica neoliberal: que línguas(gens) são (des)legitimadas? In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (orgs.) A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019. p.121-151. entende que há um retorno de “[...] abordagens cognitivistas e estruturalistas que caracterizaram o ensino de línguas nas décadas de 1970 e 1980”.
  • 10
    Tanto Faraco (2009)FARACO, C. A. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009. quanto Renfrew (2018)RENFREW, A. Mikhail Bakhtin. Tradução de Marcos Marciolino. São Paulo: Parábola, 2017., por exemplo, se referem ao heterodiscurso como heteroglossia. Neste artigo, preferiu-se seguir a tradução de Paulo Bezerra, pois para o tradutor a palavra raznorétchie significa literalmente discurso diverso em russo. Além disso, ele entende que o termo heteroglossia se distancia do original, pois, de fato, não há nenhuma remissão à palavra discurso, algo que pode gerar interpretações equivocadas.
  • 11
    A noção de responsividade pode ser conceituada da seguinte forma: “Todo enunciado, mesmo escrito ou finalizado, responde a algo e orienta-se para uma resposta” (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.184-185). Além disso, é importante ressaltar que essas respostas ressignificam, refletindo e refratando, continuadamente posicionamentos emotivo-volitivos, portanto, ativos e valorativos, dos enunciadores (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.).
  • 12
    Aqui, associamos à classificação de autor dado por Coracini (2009, p.21)CORACINI, M. J. R. F. Concepções de leitura na (pós-) modernidade. In: LIMA, R. C. de C. P. (org.). Leitura: múltiplos olhares. Campinas: Mercado de Letras, 2009. p.15-44. ao leitor: “[...] ele é racional, essencialista, cartesiano, definindo-se pela famosa frase imputada a Descartes: “Penso, logo existo (sou)”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2020
  • Aceito
    12 Out 2020
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