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Da polarização política ao esquecimento: um breve estudo dos cronotopos de Incidente em Antares, de Erico Verissimo

RESUMO

Este artigo tem como escopo averiguar alguns dos cronotopos que organizam a narrativa de Incidente em Antares, de Erico Verissimo. Tenciona-se examinar, em especial, de que modo a polarização política e o esquecimento são elementos constitutivos do romance, por essa razão, cronotópicos. O primeiro é um motivo de natureza cronotópica e ocupa um lugar permanente na organização da vida da sociedade (ficcionalizada); o segundo direciona ao epílogo da narrativa e revela o modus operandi e o modus vivendi dos atores, modos que, por sua vez, estabelecem relação com os cronotopos do esquecimento e do engano relacionados hoje às fake news. Pretende-se compreender a visão de homem e de mundo entalhadas no universo verissiano, se ainda estão presentes na sociedade 50 anos após a publicação, ou se sofreram transformações.

PALAVRAS-CHAVE:
Cronotopo; Bakhtin; Incidente em Antares ; Polarização política; Esquecimento

ABSTRACT

This essay aims to investigate a few chronotopes that organize the narrative of Incidente em Antares [Incident in Antares], by Erico Verissimo. In particular, it intends to examine how political polarization and oblivion are constitutive elements of the novel and, for that reason, chronotopic. The first being a motif of chronotopic nature and occupies a permanent place in the (fictionalized) life organization of the society. The second leads to the epilogue of the narrative and reveals the modus operandi and modus vivendi of the actors. Modes that, in turn, establish a relationship with the oblivion and deceit chronotopes related today to fake news. The research intends to understand the vision of man and the world carved in the Verissian universe, if they are still present in society 50 years after the publication of the work or if they have undergone transformations.

KEYWORDS:
Chronotope; Bakhtin; Incidente em Antares ; Political polarization; Oblivion

“Olhe moço, ninguém é o que parece. Nem Deus.”

Erico Verissimo

Do preâmbulo

Em 2021, a mais importante obra de Erico Verissimo fez 50 anos. Trata-se de Incidente em Antares (1971), romance derradeiro que revela um escritor em plena maturidade literária e, por essa razão, enfatiza-se, a mais importante. Na época da publicação, – precisamente em 1972 – o crítico Fabio Lucas escreveu um ensaio para o livro O contador de histórias: 40 anos de vida literária de Erico Verissimo, intitulado “O romance de Erico Verissimo e o mundo oferecido” (1972, p.144). Sob a ótica do ensaísta, muitos autores tentariam impor às suas obras um mundo construído, desvinculando-as dos “fatores transitórios da época”; outros, entretanto, agregar-lhes-iam o mundo oferecido e deixariam aberta uma “verdade explícita” (1972, p.144). No caso de Erico Verissimo, conforme Lucas, nas páginas do último romance há mais sobre o segundo que sobre o primeiro, particularidade deveras vantajosa.

Seja no mundo criado ou no mundo oferecido, vozes e acontecimentos circulam no espaço-tempo da diegese, o que remete diretamente ao conceito de cronotopo concebido por Mikhail Bakhtin (2018)BAKHTIN, M. As formas de tempo e do cronotopo. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance II: as formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018. p.11-236.. Consoante o pensador russo, o espaço e o tempo são noções radicadas na natureza do homem e na vida e, na literatura, são assimiladas artisticamente. Bakhtin entende que o espaço e o tempo, juntos, estruturam e desencadeiam as cenas, portanto, são decisivos nas narrativas. Por essas razões, justificase a escolha do enfoque bakhtiniano.

A seleção do corpus reside no intento de mostrar a importância da contribuição do escritor gaúcho para a literatura nacional em virtude de haver criado uma obra que apresenta a complexidade do ser humano, dividido entre diferentes apelos, sofrendo diferentes tensões. Cabe lembrar que a crítica desfavorável ao escritor circulou “a boca pequena na academia e entre os públicos mais exigentes de direita e de esquerda” (BORDINI, 2005BORDINI, M. G. Por trás do incidente. In: VERISSIMO, Erico. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p.7-13., p.14). Nesse sentido, além de reavivar a obra 50 anos após sua publicação, pretende-se iluminar seus aspectos meritórios, afastando-a da entonação negativa a que o epíteto “contador de histórias” (cunhado pelo próprio autor) muitas vezes remete. Flávio Aguiar1 1 Posfácio da edição comemorativa pelo centenário do autor, em 2005. Na época, a Companhia das Letras passou a publicar a obra que, até então, era um direito reservado à Editora Globo. A edição de 2005(a) será aqui utilizada como referência. (2005a, p.430), no posfácio da edição comemorativa, qualifica-a como “um libelo pela liberdade”, devido ao fato de ser uma obra notadamente engajada, postura que contraria os críticos que o consideravam alheado.

Em Incidente em Antares, é possível (re)conhecer a formação e as transformações (históricas, culturais, geográficas) pelas quais a sociedade brasileira passa (o que retoma a ideia de mundo criado e mundo oferecido). A narrativa permite a leitura da ação do tempo que se estende por várias gerações, inseridas em um tempo-espaço histórico. É possível inferir, a cada época retratada, uma determinada visão de homem e de mundo. Afirma-se que, após 50 anos da publicação, o romance possibilita descortinar temáticas que se constituem no cenário brasileiro, as quais merecem ser trazidas à luz, entre elas o recorrente tema da polarização política e o mais explicitado recentemente, das notícias enganosas com intuito de confundir e de levar ao esquecimento fatos e ações inaceitáveis.

Objetiva-se, com este trabalho, investigar: a) os cronotopos da archaica que se manifestam na obra, como esses cronotopos explicam o cenário de polarização política no romance e as estratégias que forjam o esquecimento na narrativa de Erico Verissimo; b) os procedimentos enunciativo-discursivos utilizados para revelar os cronotopos materiais e concretos – isto é, inscritos no âmbito figurativo: a cidade, a praça pública, a redação do jornal – e cronotopos imateriais e abstratos – plasmados no âmbito temático: a polarização política, a Operação Borracha, o engano, o esquecimento; c) os aspectos cronotópicos que se mantiveram e os que mudaram ou que se transvestiram no que concerne à visão de homem e da sociedade brasileira, passados 50 anos da publicação do livro.

As hipóteses de leitura que se levantam são as de que a polarização política é um cronotopo derivado do cronotopo do encontro e revela-se nos costumes das personagens retratadas na cidade de Antares, os quais, por sua vez, são frutos da História; a de que a Operação Borracha figurativizada no romance é um cronotopo, não pelo fato de fazer surgir a cena, mas por direcionar ao epílogo da narrativa e por possibilitar o desvelamento do modus operandi e o do modus vivendi dos atores, os quais, por sua vez, estabelecem relação com os cronotopos do esquecimento e do engano relacionados hoje às fake news.

Desse modo, tendo como base o postulado do pensador russo, alguns d os cronotopos discutidos por Bakhtin serão atribuídos à obra Incidente em Antares, e outros serão propostos. Para se examinar a primeira hipótese, serão recortados da poética histórica bakhtiniana alguns pontos sobre os cronotopos que fizeram parte da archaica do gênero, entre eles, os do romance geográfico, do romance regionalista e do romance histórico. Para a segunda hipótese, servirá de base para o cotejo dos cronotopos “no âmbito de uma única obra e nos limites da criação de um autor” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, M. As formas de tempo e do cronotopo. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance II: as formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018. p.11-236., p.229). Com essa estratégia, intenta-se ressignificar o cronotopo bakhtiniano, porque os cronotopos se renovam, caso contrário, “tudo o que pertence apenas ao presente morre com ele” (BAKHTIN, 2017aBAKHTIN, M. A ciência da literatura hoje (Resposta a uma pergunta da revista Novi Mir). In: BAKHTIN, M. M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2017. p.9-19., p.14).

1 Das breves considerações sobre o cronotopo

Um dos estudiosos mais profícuos no que respeita à investigação sobre o tempo e o espaço é o russo Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975) que, no convívio com intelectuais de diferentes formações – grupo rotulado posteriormente de Círculo de Bakhtin –, tece elaborações teóricas sobre discurso, enunciado, entoação, dialogismo, signo ideológico, arquitetônica, além de outras. Entre as mais preciosas e que estão diretamente ligadas ao espaço e ao tempo, encontram-se as de que os discursos são historicamente situados, atravessados por discursos alheios e são sempre dirigidos a alguém.

É necessário esclarecer que, uma vez que a formação de Mikhail Bakhtin se situa no campo filosófico-linguístico-literário, é natural que o pensador, ao examinar a linguagem e os processos discursivos, se debruçasse sobre a prosa romanesca, gênero de interesse permanente para ele. O minucioso estudo que faz sobre o romance ocidental compreende a gênese do romance – desde os primórdios até o realismo -, a sua poética e, principalmente, as questões que envolvem a estética, entre as quais se situam os estudos sobre os cronotopos estruturadores do gênero, tema levantado na coletânea de ensaios de Estética da criação verbal ([1979]2011) e aprofundado (mas não fechado) na outra coletânea, Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (2014 [1975]).

O conceito de cronotopo resulta do diálogo com várias disciplinas que tinham por pauta, entre outros assuntos, o espaço/tempo, discutidos pelos intelectuais do Círculo. O cronotopo, portanto, compila ideias de várias áreas como Filosofia, Biologia, Física (nesta disciplina recupera de Einstein o conceito de quarta dimensão e o de relatividade). Nos idos de 1937, o filósofo russo reelabora esses conhecimentos, apropria-se do conceito de cronotopo e aplica-o na literatura, especificamente no romance, por considerar que as percepções acerca do tempo e do espaço são significativas para o homem. Ademais, no cotidiano os sujeitos nem sempre se dão conta dessas categorias, mas na literatura elas se potencializam, sendo possível, pelas linhas do texto, entrever concretamente o tempo no espaço e o espaço no tempo.

Na prosa literária, as personagens apresentam em si um todo espacial e um todo temporal que lhes imprimem forma e conteúdo e são indissolúveis. O espaço se configura tanto externa quanto internamente e é influenciado pelo tempo e essa vivência dentrofora interage de modo permanente. As fronteiras de experiências reais e imaginadas são articuladas na personagem que carrega consigo a unidade espaço-temporal da vivência e da memória. O tempo interioriza-se no sujeito e modifica sua vida, seu destino, frente às transformações inscritas esteticamente na narrativa. Nessa trajetória, o cronotopo é responsável pela impulsão das forças motrizes de vivências especiais das personagens que as levam ao autoquestionamento e, por vezes, à revisão identitária.

Embora o espaço e o tempo sejam indissociáveis, Bakhtin sobreleva a questão da temporalidade a qual, no gênero romance, assume o protagonismo, sendo a base do cronotopo. O tempo é o agente transformador, representado pelas vicissitudes que sobrevêm aos sujeitos enunciados que, por sua vez, modificam o espaço, em um movimento recíproco. Assim como na vida real, no romance, o passado, o presente e o futuro só existem em razão do tempo do mundo (o mundo compreendido como espaço) e o tempo marcado pelo calendário e pelo relógio, cujos ponteiros avançam e lembram a finitude do indivíduo. Internamente, o tempo não é regido por nenhuma lógica, é relativo, manifesta-se como um conjunto de simultaneidades que não são instantes, mas acontecimentos, devires.

Bakhtin considera que o ato estético sempre se engendra na história e na cultura e é atravessado por valores. No amplo exame que faz sobre a genealogia do romance, Bakhtin estabelece que cada época cria as suas próprias formas de representação ficcional do mundo, razão pela qual a imagem do homem na literatura é sempre cronotópica. O pensador russo identifica as mudanças pelas quais as sociedades ocidentais passaram ao longo dos séculos, enfatiza a importância de saber qual é a concepção de tempo que vigora em cada época da história do romance, dado que os múltiplos tempos correspondem a diferentes sujeitos e a diferentes atividades os quais se materializam na cronotopicidade. Na linguagem criativa, arquiteta-se a imagem do sujeito inacabado, cujo tempo (cronológico e/ou interno) é o responsável por remodelar a si e a seu destino. Desse enfoque, o tempo é o agente das paixões, pois a cada momento os desejos transmudamse, intensificam-se e, por isso, possui um poder produtivo e criador.

Nessas breves considerações2 2 Os cronotopos serão apresentados e revisados à medida em que forem necessários para a análise. Por ser um assunto extenso, necessita de certas restrições. Por essa razão, somente alguns aspectos e a lguns dos cronotopos serão relevantes. nota-se que o exame do tema envolve diversos tópicos. É idiossincrático de Bakhtin a inconclusibilidade dos fatos, expostos, por vezes, de maneira enodada e fragmentada: um ponto leva a outro, que se abre a outros e assim por diante. Essa peculiaridade tem as suas vantagens: coloca o tema voltado para o exterior, sujeito a múltiplas interpretações, dentro do movimento dialógico, conceito fundamental ao pensador russo. Não fosse assim, não seriam viáveis os resgates que aqui se propõem.

2 Da contextualização e da Archaica de Incidente em Antares

Ao mundo construído em Incidente em Antares, agrega-se o mundo oferecido, apresentado em uma narrativa linear e sucessiva. O autor gaúcho reconta e reinterpreta os fatos ocorridos no Brasil ao longo de um século de História e coaduna realidade e ficção, o que conduz ao conceito de metaficção historiográfica examinado com profundidade por Linda Hutcheon em sua Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção (1991). A metaficção historiográfica3 3 A fortuna crítica que trata de O tempo e o vento e de Incidente em Antares (principalmente o último) sobre a perspectiva meta-historiográfica é significativa. Não se propõe explorar esse tema para o momento. caracteriza-se por “vestígios textualizados do passado (documentos, provas de arquivo, testemunhos)” (HUTCHEON, 1991HUTCHEON, L. Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção. Tradução de Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991., p.131) tornaremse motivações ficcionais. Segundo a autora, “a mudança de legitimação e significação (...) acarreta uma visão pluralista (e talvez perturbadora) da historiografia como sendo formada por diferentes, mas igualmente significativas, construções da realidade do passado” (HUTCHEON, 1991HUTCHEON, L. Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção. Tradução de Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991., p.131).

Seguindo essa premissa, afirma-se que Verissimo finalmente consolida seu fascínio pela interlocução entre Literatura e História, sempre com o objetivo de resgatar o passado para entender o presente e lançar questionamentos sobre o futuro. As malhas da ficção romanesca verissiana combinam fatos e personagens (reais e fictícias), abrigam o debate ideológico, a discussão política, a exposição direta e estabelecem o princípio do dialogismo. A estratégia da metaficção ancora o discurso em espaços, em datas, em pessoas e concretiza os atores da História: Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Jango, Costa e Silva, entre outros, em um simulacro da realidade. Conforme esse entendimento, em uma primeira visada, o gênero da archaica que se releva é o romance histórico: “Em paralelo com as séries individuais de vidas, forma-se sobre elas, mas não fora delas a série do tempo histórico, na qual transcorre a vida da nação, do Estado, da humanidade” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, M. As formas de tempo e do cronotopo. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance II: as formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018. p.11-236., p.182).

A metaficção historiográfica em Incidente em Antares estrutura a narrativa em duas partes bem distintas. A primeira intitula-se “Antares” e tem o objetivo de dar um panorama social e geográfico da cidade. O ponto de partida do movimento do enredo é a apresentação da pré-história da região, incluindo uma curiosidade sobre os animais que por ali circulavam no Pleistoceno: os “gliptodontes” e os “megatérios” (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.20). A ação se desenrola num meio geográfico distante, em uma pequena cidade gaúcha, tão pequena que parecia perdida no mapa, conforme testemunha o narrador:

O que até hoje ainda os deixa [os antarenses] ocasionalmente irritados é o fato de cartógrafos, não só estrangeiros, como também nacionais, não mencionarem nunca em seus mapas a cidade de Antares (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.21).

Antares, que na sua “pré-história” é conhecida como “Povinho da Caveira” (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.24), tem uma localização fronteiriça, cortada pelo rio Uruguai. A primeira notícia histórica vem da narrativa de viagens de Gaston Gontran D’Auberville, naturalista que se hospeda na casa do pioneiro Francisco Vacariano. Em seu documento, o cientista descreve as particularidades da região e da população (algumas dezenas de pessoas), a fauna, a flora e os tipos de aves que ali habitavam. Sob a perspectiva do naturalista, Antares é um mundo alheio, divergente do ponto de vista do narrador, que vê esse mundo como representação da terra natal e de seus antepassados. A coloração do espaço (captada dos animais, vegetais, aspectos geofísicos) e a vida dos pioneiros engendram certos traços que lembram, por um lado, o romance geográfico no âmbito da geografia física e humana, ao estabelecer a cor local e o estudo da população da região naquele período. Por outro, nessa sucinta apresentação histórico-geográfica da cidade de Antares, observam-se traços de outro gênero ancestral, o romance regionalista, dado que são deslindadas a formação da sociedade, o modus vivendi da população e a transmissão desses hábitos e costumes de geração a geração, a ponto de se saber sobre algum evento somente pela tradição oral, pois havia poucos registros dos fatos basilares e dos primeiros habitantes. Segundo Bakhtin (2018)BAKHTIN, M. As formas de tempo e do cronotopo. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance II: as formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018. p.11-236., o princípio fundamental do regionalismo na literatura é o indissolúvel vínculo secular da vida de gerações com uma localidade determinada. No descortinar da população, a atenção se volta para duas famílias rivais que desempenharam o papel de fundadores (não de heróis-fundadores, assunto que será tratado adiante).

Devido ao fato de ser uma cidade situada na fronteira, é a escolhida para ser examinada por uma equipe de estudantes de sociologia liderada por Martim Francisco Terra, parente distante dos Terra Cambará de O tempo e o vento. O romance incorpora, com esse recurso, a autoparódia.

Para levar a cabo a sua tarefa, Martim Francisco mantém contato com as personalidades da cidade, como um perquiridor-testemunha, ou seja, como um sujeito que examina com cuidado os tipos humanos. Com financiamento da Ford Foundation, o trabalho culmina na publicação polêmica do livro Anatomia de uma cidade gaúcha, onde são esboçados, com pormenores, os tipos sociais, os hábitos, as preferências, os modos de ser e de existir dos antarenses. A vida na e da cidade é relatada em conformidade com os episódios históricos do país.

A diegese segue até coincidir com a véspera do acontecimento insólito que coloca Antares no radar do Rio Grande do Sul e do resto do Brasil, o qual abre a segunda parte do romance, intitulada “O incidente”: trata-se de sete mortos insepultos devido a uma greve geral. Os sete reivindicam o direito de serem enterrados, para isso, dirigem-se à praça da cidade e ali revelam os segredos daquela oligarquia. Essa parte divide-se entre os acontecimentos desse dia e o epílogo, quando os mortos voltam aos caixões e são sepultados. A partir daí, o governo tenta apagar todas as notícias que poderiam comprovar o acontecimento: não deixa que se publiquem fotos, reportagens, a fim de ocultar quaisquer vestígios.

“O incidente” é escrito pelo viés da estética do absurdo4 4 Muitas análises situam o romance no campo da literatura fantástica e do realismo mágico devido ao elemento sobrenatural. Maria da Glória Bordini (2012, p.279) situa -o dentro da estética do absurdo, orientação que será adotada aqui. Segundo a autora, o caderno de notas de Erico Verissimo (ALEV 04 a0029-1970) revela que ele provavelmente tenha se inspirado em O homem rebelde/O mito de Sísifo, de Albert Camus, para a construção da personagem Martim Francisco: “Tudo indica que Erico se inclinava para a estética do absurdo, o que invalida a presunção de que teria acompanhado o boom do realismo mágico na época” (BORDINI, 2012, p.287). A estética concebida por Albert Camus traz uma visão pessimista da vida e o resultado natural diante da falta de perspectivas seria o suicídio, mas o homem recusa tal ato, o que gera um paradoxo, um absurdo. , dada a “naturalidade insólita” (BORDINI, 2005BORDINI, M. G. Por trás do incidente. In: VERISSIMO, Erico. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p.7-13., p.17) com que é recebido o grotesco evento na praça de Antares, a qual se transforma em palco de um mundo às avessas. Enquanto a elite da sociedade se enoja com a visão de corpos em decomposição, as pessoas invisibilizadas dentro desse sistema social “aceita[m] os mortos como melhores que os vivos” (BORDINI, 2005BORDINI, M. G. Por trás do incidente. In: VERISSIMO, Erico. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p.7-13., p.17).

Cabe ressaltar que a data do incidente (sexta feira, 13 de dezembro) alude não só às narrativas góticas, dado que, na superstição, a coincidência do dia 13 numa sexta-feira é o prenúncio de um dia de infortúnios, mas também – e principalmente – ao Ato Institucional Número 5 (AI 5), decretado nessa data, só que em 1968, durante o governo do general Costa e Silva. Esse foi o mais arbitrário de todos os 17 Atos Institucionais promulgados entre 1964 e 1969, pois deu o poder de exceção aos governantes para punirem os que fossem considerados inimigos do regime (“os subversivos”, “os comunistas” ou “os esquerdistas”).

O travestimento da história em metaficção historiográfica encontra nesse motivo seara fértil para, no âmbito do absurdo, enfocar os acontecimentos históricos da ditadura (a repressão às manifestações públicas, torturas de prisioneiros, perseguições de suspeitos de subversão etc.), assim como as vivências de uma sociedade hipócrita, degradada. Podese dizer que se recria uma diegese a qual versa sobre uma ocorrência insólita para discutir criticamente os desmandos da ditadura, que fluía em versão tão trágica quanto as mazelas sociais, projetadas no autoritarismo/abuso machista, como os espancamentos de mulheres em seus lares, dentre outras violências.

A conjunção realizada entre tempo e espaço repercute artisticamente nas noções de indivíduo e sociedade. Há de se examinar, portanto, o antes, o durante e o depois do incidente, pelo viés cronotópico.

3 Dos tempos de [e da] polarização política...

Entre as questões essenciais para o conhecimento da narrativa em foco está a particularidade do tempo na primeira e na segunda partes do romance. A progressão temporal de Incidente em Antares é linear, estratégia que objetiva justificar os acontecimentos. Não sendo pendular, o ritmo da passagem temporal é mais rápido: quanto mais perto da paridade temporal, mais lento o ritmo da narrativa. Enquanto a primeira movimenta mais de um século (desde 1830 até 1963), a segunda abrange 21 dias, começando no dia 11 de dezembro de 1963 e acabando na noite de 31 de dezembro do mesmo ano, ou seja, quando as duas partes se encontram, parece que o tempo passa em horas, minutos, segundos. O epicentro da ação vai de 11 de dezembro às 16 horas até as 6 horas e 20 minutos do dia 13. O ápice do dia 13 ocorre em apenas nove horas.

Quanto à primeira parte, o tempo é o elemento privilegiado, pois opera mudanças (mesmo que poucas e lentas), é histórico, concreto e o organizador do passado, do presente e do futuro, isto é, uma sucessão de fatos dispostos em linha. Uma característica desse tempo é o seu caráter cíclico, que vincula a vida e os acontecimentos, elementos inseparáveis do lugar concretamente situado no espaço, a cidade de Antares. Nesse microcosmo remoto e esquecido, a ação do tempo é inscrita, desde sua formação: primeiro um povoado, depois ganha o status de vila e, por último, de cidade. Os dias e horas estão unificados numa série temporal: são os dias e as horas da vida humana; por meio dela (da série temporal) apreende-se a realidade de uma determinada época, assim como as relações de poder das diversas esferas ideológicas. Ademais, o tempo biográfico é apresentado dentro do tempo histórico (no sentido de História do país). Observa-se que o cronotopo constrói a imagem do indivíduo, concretiza o espaço e estipula as relações entre as personagens. São apresentadas as oscilações da política nacional, a rivalidade inicial das famílias fundadoras e a posterior união em face “da ameaça comunista”.

Na segunda parte, essa categoria adquire um significado muito especial, pois ressalta o lugar da enunciação, ou seja, quem olha, de que lugar e quando (premissas que orientarão toda a análise). Nesse sentido, os que morreram apreendem o tempo de modo distinto dos que vivem: para aqueles, não há mais expectativas, por essa razão se veem livres de amarras; para estes, o futuro é alarmante, pois têm de dar explicações para as denúncias. Há também a plateia5 5 Por ser um assunto bastante complexo (é necessário o exame das personagens que recebem destaque na narrativa), esse aspecto será tratado em outro momento. , que muito em breve julgará os acusados; entre os seus ocupantes há os do lado de cá, o nós (os opressores) e os do lado de lá, o eles (os oprimidos), todos com o seu tempo biográfico. Em comum entre os participantes está o tempo histórico.

Faz-se uma pausa para destacar uma particularidade de Incidente em Antares: a ausência de herói. Não há quem realize grandes feitos, que renuncie de suas próprias necessidades em benefício de outros ou do crescimento pessoal, que sofra alguma grande transformação ao longo de sua biografia. São destacados e ganham maior relevância os opressores que fundaram a região, os Campolargo e os Vacariano, os quais, onomasticamente, remetem ao agrário e à bovinocultura. Nesse sistema social não há quaisquer potencialidades de formação, crescimento e mudança e, quando elas ocorrem, são em longo prazo, refletindo-se em gerações posteriores (o que se verá mais para frente). Também não se pode dizer que sejam anti-heróis, pois estes se situam em uma zona cinzenta, no limiar, transpô-lo é para onde recai a ação dramática. O anti-herói é fruto dos traumas do seu passado, das perdas, das frustrações as quais lhe deixam cicatrizes profundas e explicam possíveis contradições no caráter. As personagens antarenses identificam-se com marcas identitárias do coletivo, com relevo aos opressores (ao nós) e rouba a voz aos oprimidos. Aqui está, portanto, o cronotopo temático: a opressão, o desmando dos senhores da terra, figurativizado pelas ações desses clãs. Estes têm a particularidade de conservar em si o status quo, não têm nenhuma missão e são representados por homens privados que se tornam públicos em momentos que lhes são convenientes, ou no dia do desmascaramento oficial na praça pública. Observam-se, na arquitetônica verissiana, traços do romance grego: “nele o mundo e o homem estão absolutamente imóveis e acabados. Nada foi destruído nem modificado, nem recriado. Apenas se confirmou a identidade presente no início” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, M. As formas de tempo e do cronotopo. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance II: as formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018. p.11-236., p.45).

A imagem que é apresentada nesse desenrolar temporal é a de sujeitos usurpadores e manipuladores que querem se manter no poder a todo custo, mesmo que resulte em desigualdade social irremediável, situação que ainda se percebe em algumas fatias da sociedade brasileira 50 anos após a publicação de Incidente em Antares.

Pouco a pouco Anacleto Campolargo foi conquistando amigos e impondo-se ao respeito e à estima de boa parte da população antarense. Era o primeiro homem na história daquela comunidade que ousava enfrentar o “Chico Vaca”. – como lhe chamavam pelas costas os seus desafetos. Agressivo, opiniático, autoritário, o patriarca do clã dos Vacarianos era um sujeito sem tato. Suas palavras em geral soavam como chicotadas. O maioral dos Campolargos, porém, sinuoso e macio, cultivava o murmúrio, sabia manipular suas emoções e modular o tom da voz de acordo com sua conveniência e os seus propósitos (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.28).

Essas personagens irrelevantes em termos de heroicidade, aqui serão chamadas de prevalecidas6 6 Termo utilizado na região Sul, referindo-se àquele que se aproveita de alguma circunstância; que abusa de seu cargo ou poder para demonstrar autoridade ou superioridade. , com toda a carga negativa que a palavra adquire na região Sul. Se Antares, metonimicamente, representa o coletivo nacional (tanto a situação vivida antes do incidente, quanto depois dele) é possível inferir que a ausência de heróis na narrativa iconiza a escassez de heróis na sociedade. Será que houve mudanças na atualidade?

Vencedores e vencidos, aqui e aí, lá e cá, nós e eles formam pares opostos e convergem para o tema da polarização política. Há de se pensar em polarização política como o encontro/desencontro de duas ideias, o que remete ao motivo do encontro, destacado por Bakhtin (2018, p.30)BAKHTIN, M. As formas de tempo e do cronotopo. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance II: as formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018. p.11-236.. Todavia, se a elite figurativizada na narrativa está no mesmo lugar, se seus membros são da mesma classe e origem, por que seriam polarizados? A polarização política se dá pela disputa, pela rivalidade, pelo fato de um não poder ocupar o lugar privilegiado do outro. Logo, o gérmen da polarização política é a luta pelo espaço, o espaço do nós e do eles, o qual reverbera ao longo do romance em diferentes níveis. O cronotopo, pois, constrói a imagem do indivíduo, concretiza o espaço e estipula as relações entre as personagens. O tempo biográfico/histórico é o polarizador de costumes, já que a narrativa se apoia em uma seara de oposições permanentes.

Neutralidade, entretanto, era uma palavra inexistente no vocabulário político e social de Antares. O forasteiro que ali chegasse, mesmo para uma visita breve, era praticamente obrigado a tomar logo partido (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.28).

A rivalidade mencionada pelo narrador reflete o cenário da polarização política no Rio Grande do Sul, cujas origens se encontram na Regência, quando o Partido Conservador e o Partido Liberal tinham plataformas, respectivamente, contrárias e favoráveis à descentralização política. É digno de nota que a disputa política era uma luta intestina de uma mesma classe social, os grandes proprietários rurais, iconizados nas duas famílias rivais de Incidente em Antares: os Vacarianos e os Campolargo.

A constante confrontação política persiste após a guerra dos Farrapos, mesmo quando os raios da ação política dos liberais havia se reduzido, situação que levou o Partido Liberal a refundar-se em 1860 e a articular-se em torno de uma plataforma de apoio à Monarquia, mas ao mesmo tempo a abrigar elementos com visões mais radicais no que tange à escravidão e à liberdade política, acolhendo inclusive elementos republicanos que apenas se principiavam em suas manifestações, o que explica a passagem abaixo:

Homem de algumas letras, Anacleto Campolargo organizou na vila o Partido Conservador, o que bastou para que Chico Vacariano, até então um tanto indiferente em matéria de política, tratasse de organizar o Partido Liberal. Assim, Antares passou a ter dois senhores igualmente poderosos (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.28).

Com a Proclamação da República, a segmentação política perdura, com os Liberais compondo o Partido Federalista que se rivaliza com os Republicanos. Até aqui, não tinham sido empregados os termos “direita” e “esquerda” conforme se conhece atualmente. Na obra, no período citado, direita e esquerda são os lugares que a elite ocupa na igreja, um resgate do que sucedera na Assembleia francesa7 7 Convém lembrar que o berço desse termo foi em 1789, no Parlamento Francês, às voltas com a Assembleia Constituinte que iria definir quanto poder seria dado ao rei Luís XVI. Na sala estavam os adeptos da Coroa, os Girondinos, e os revolucionários interessados em derrubá-la , os Jacobinos. O debate foi tão intenso que, natural (e estrategicamente), os adversários acabaram se acomodando segundo as afinidades. Nas cadeiras localizadas à direita do presidente do grupo, sentaram-se os integrantes da a la mais conservadora, à esquerda reuniram-se os progressistas que clamavam por uma mudança. . Esse fato é figurativizado pelo autor-criador na localização do lugar reservado aos clãs nas missas:

Era exatamente essa igualdade de forças que impedia as duas facções de se empenharem em batalhas campais de extermínio. Continuando uma velha tradição, nas missas de domingo e dias santos, os conservadores sentavam-se nos bancos da direita, à frente do altar-mor, e os liberais nos da esquerda (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.28).

Com a ascensão dos Republicanos e domínio por quarenta anos sem alternância, o partido enfeixa todo poder sem permitir a participação da oposição federalista no debate. Essa opressão leva a reações violentas, com duas guerras civis (Revoluções Federalistas de 1895 e 1923) e uma radicalização encarniçada, narrada nesta passagem:

Quando anos mais tarde, a princesa Isabel assinou o decreto em que abolia a escravidão do Brasil, Antão Vacariano disse a seus familiares que esse ato de loucura ia principiar o fim do império. Foi com relutância que, pelo menos formalmente, liberou seus escravos. Ora, Benjamim Campolargo, que havia anos fundara o Grêmio Republicano de Antares, exultou com a notícia da Abolição, e mais tarde soltou vivas e foguetes ao saber que a república fora finalmente proclamada no Brasil. Durante dias Antares esteve em pé de guerra (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.30-31).

Incidente em Antares ficcionaliza esse contexto de repressão à oposição com a figurativização das atuações dos Campolargo e dos Vacariano, grupos de domínio sociopolítico, monopolizador e monolítico na esfera de ação deles, levando-os à hostilidade e à luta entre si para impedir que um expandisse o controle do território em detrimento do outro. Esse cenário remonta às lutas entre os feudos medievais europeus, replica também os vários momentos da História no Brasil, no que respeita aos domínios rurais, representados ficcionalmente em São Bernardo, por Graciliano Ramos, e em O tempo e o vento, por Erico Verissimo. Anos mais tarde, o pêndulo que anteriormente apontara para a polaridade entre os grupos de domínio sociopolítico inclina-se para outra direção.

Nas condições espaço-temporais descritas, a imagem é de um mundo que sofre contínuas transformações (sejam elas biográficas, orgânicas, sociais, tecnológicas):

Nos tempos em que a localidade era ainda conhecida como Povinho da Caveira, Chico Vacariano, seu fundador, sempre tinha de mandar um recado, verbal ou escrito, a uma pessoa que morasse longe. Valia-se de um portador, de um chasque, dum “próprios”. Em fins do século XIX, Antares gozava já dos benefícios e facilidades do telégrafo, isso para não falar no serviço postal (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.39).

Os “próprios e os chasques” continuavam ativos e úteis. Quando se instalou em Antares a primeira usina elétrica, Xisto Vacariano (...) disse aos filhos “No Povinho, o avô de vocês vivia muito bem se alumiando com óleo de peixe”. Para a surpresa geral, foi um Vacariano que, em 1911, trouxe para Antares o primeiro automóvel, um Oldsmobile, que mandara vir de Buenos Aires (VERISSIMO, 200VERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a.5, p.40-41).

Todavia, o homem que age nesse mundo permanece com iguais objetivos de poder e privilégios. A elite conservadora e reacionária, que quer manter a “ordem” e que outrora figurara nas obras literárias brasileiras, hoje ocupa o espaço do “nós”, sendo representada ideologicamente pelos liberais/conservadores, os quais capturam o lema integralista “Deus, Pátria, Família” e escamoteiam-se ardilosamente sob o emblema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Essas elites continuam tão pré-históricas quanto os fósseis de gliptodontes encontrados no espaço geográfico de Antares. Ou seja, o mundo muda, transforma-se, mas velhas tradições se mantêm, como se a roda da História brasileira não girasse.

– E por quanto tempo o senhor e os da sua classe imaginam que podem manter seus privilégios?

– Espero morrer antes da vitória da canalha.

– Mas já pensou, coronel, que um golpe do Exército pode levar o país tanto para esquerda como para a direita? (...)

– As forças armadas, moço, um dia vão apertar os parafusos frouxos desse país. Precisamos, antes de mais nada, de ordem (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.417).

No que tange à segunda parte, historicamente situada no ano de 1963, a diegese de luta de fazendeiros desejosos de ostentar a sua força política sobre a região de Antares é rompida. O jogo de poder da aristocracia rural torna-se, então, pano de fundo para que se protagonize um mascaramento da História do Brasil a partir do ano 1964, quando se instala o regime militar ditatorial. Nesse palco, outras polarizações tomam a cena, deflagradas fortemente entre os comunistas e capitalistas por causa da greve geral descrita como “uma conspiração política esquerdista para tomar o poder pela força” (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.179), e entre pobres e ricos, fato que revela o profundo desnivelamento social no Brasil denunciado pela voz do narrador, conforme se verá na seção 4.

A polarização política sai do núcleo familiar Campolargo e Vacariano e abre o cenário para a luta de classes. Nesse sentido, as famílias unidas por um “bem maior” passam a concentrar a atenção à luta contra os “eles”, os “esquerdistas”, que são, na verdade, aqueles que defendem uma sociedade mais justa. Trinta anos depois, finda a Guerra Fria, rui o Muro de Berlim, abre-se a Cortina de Ferro e, ainda assim, a sociedade continua dividida entre “comunistas” e “capitalistas”.

A cidade é o ponto de partida do movimento do enredo e o ponto de chegada dos acontecimentos essenciais na vida dos prevalecidos. A polarização política entra como motivo nesse cenário, visto que é no tempo do estabelecimento da cidade que ele se instaura como organizador de enredo, o qual é desenhado sobre o tema do nós versus eles. Confirma-se que a polarização política entra como elemento constitutivo do romance, é um motivo de natureza cronotópica e ocupa um lugar permanente na organização da vida da sociedade (até hoje).

4 ... aos tempos do esquecimento

Não há mentira, apesar do que se diz, sem intenção, desejo ou vontade de enganar (fallendi cupiditas, voluntas fallendi).

Santo Agostinho

O primeiro sinal do esquecimento é não haver vestígios do tempo nas edificações ou em quaisquer objetos que rememorem a história da cidade: “E o tempo, com sua pachorra, sua paciência e sua sutil e invisível broxa, foi passando mãos de esquecimento no espírito dos antarenses e até nas pedras e plantas da cidade (...)“ (VERISSIMO, 2005a, p.421VERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a.; grifo nosso).

No início da diegese, o narrador cria elementos de ancoragem que especificam o tempo, o espaço e os atores, criando a ilusão referencial. Essas pistas são deixadas por marcas textuais que passam a impressão de verdade, ou seja: há menção da cidade no mapa, tem um sítio arqueológico, está citada nas linhas de um discurso científico (o diário do ornitologista francês Gaston Gontran D’Auberville), nos discursos que pertencem à História Oficial, cuja circulação é a permitida. A estratégia discursiva instala-se para a garantia da hesitação/ambiguidade entre o que é ficção e o que é real, entre o que é mentiroso e o que é verdadeiro. O texto se apoia nas seguintes questões: os fatos ocorreram? Antares existiu?

Esse recurso está relacionado à estratégia de apagamento mnemônico criada pelos “próceres locais” a fim de garantir que as denúncias reveladas no dia do incidente fossem esquecidas.

– Eis o que proponho – respondeu o amigo de Platão, Sócrates e outros filósofos da Antiguidade. – Organizar uma campanha muito hábil, sutilíssima, no sentido de apagar esse fato não só dos anais de Antares como também da memória de seus habitantes. Sugiro (aqui entre nós) um nome para esse movimento: Operação Borracha (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.408; grifo no original).

A narrativa ancorada predominantemente na terceira pessoa tem o fito de garantir a veracidade dos “acontecimentos macabros” no dia 13 de dezembro. Segundo as pistas, esse narrador pode ser Lucas Faia, redator-chefe do jornal da cidade: “Essa marcha dos mortos rumo ao centro de Antares seria descrita em prosa barroca por Lucas Faia” (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.235). O jogo de é, não é; não é, mas parece; parece, mas não é predomina ao longo do romance, o que leva ao tema do engano. Ressalta-se que, sobre a instância do narrador/narração, os procedimentos enunciativo-discursivos utilizados são complexos e não se revelam com a simplicidade que aqui será apresentada.

Para o momento, é importante esclarecer que o narrador se encontra no limiar entre a observação e o testemunho: quer parecer ser imparcial, para isso usa tons jornalísticos, ao mesmo tempo ele se coloca no discurso ao tecer considerações, característico de uma crônica literária.

Melhor será contar primeiro, de maneira tão sucinta e imparcial quanto possível, a história de Antares e de seus habitantes, para que se possa ter uma ideia mais clara do palco, do cenário e principalmente das personagens principais, bem como da comparsaria desse drama talvez inédito dos anais da espécie humana (...) Por motivos puramente de economia de espaço – uma vez que o objetivo dessa narrativa é tecer um sumário pano de fundo histórico contra o qual apresentar oportunamente os macabros eventos daquela sexta-feira 13 de dezembro do ano de 1963 (...) (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.21; grifos nossos).

Para manter a enunciação afastada do discurso subjetivo e garantir uma suposta imparcialidade, o narrador serve-se da terceira pessoa, no tempo do “então” (daquela sexta-feira, dia 13 de dezembro de 1963) e no espaço do “lá”. O narrador emprega mecanismos discursivos para criar a ilusão de verdade, finge um distanciamento da enunciação, neutralizada com o uso dos vocábulos “comparsaria” (que comunica, indiretamente, haver uma espécie de conspiração) e “macabras”. Outro recurso utilizado é o de abrir espaço ao discurso do enunciatário e, para tanto, delega internamente a voz a fim de atribuir a outrem a responsabilidade discursiva:

Os livros escolares, cujo objetivo é ensinar-nos a história da nossa terra e do nosso povo, são em geral escritos num espírito maniqueísta seguindo as clássicas antíteses – os bons e os maus, os heróis e os covardes, os santos e os bandidos. Via de regra não se empregam as cores intermediárias, pois os seus autores parecem desconhecer a virtude dos matizes e o truísmo de que a História não pode ser apenas escrita em preto-e-branco (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.21).

Os livros escolares, no caso, prestar-se-iam para fins didáticos, ou seja, deveriam ser apartidários e mostrar os dois lados do fato. No entanto, segundo a visão do narrador, eles têm um perfil polarizador, “seguem as clássicas antíteses”, o que é um aspecto disforizante dado a esse material. Além de produzir efeito de verdade objetiva ao relato jornalístico com aparência de afastamento, essa estratégia evita arcar com a responsabilidade do que é dito, já que sempre transmite a opinião dos outros, o conhecimento das fontes. Em seguida, explica que deverá seguir a tradição, pois existe uma censura velada e ele não poderá apresentar “a virtude dos matizes”. É retirada dele a competência de relatar os fatos com neutralidade, ou de mostrar o limbo da sociedade. No final da narrativa, no epílogo, é revelado que o objeto de seu desejo (escrever a reportagem-narrativa de sua vida) lhe é retirado, o que direciona para o cronotopo do apagamento, o qual, no futuro, evoluirá para o esquecimento. Menciona-se que o narrador toma a posição oficial do discurso da autoridade, sendo a ele negado o direito de se posicionar; para isso serve-se de perífrases para não expor exatamente o que pensa:

Estas páginas lamentavelmente têm seguido o espírito dos citados livros escolares, focando suas preferências as duas grandes oligarquias que em Antares, durante cerca de setenta anos, disputaram o predomínio político, social e econômico. Ficaram assim na penumbra do segundo, do terceiro e do último plano aqueles que – para usar duma expressão de Spengler – não “fazem mas sofrem a História“, a saber: estancieiros menores, agricultores de minifúndios, membros das profissões liberais e do magistério e do ministério públicos, funcionários do governo, comerciantes, artesãos e por fim essa massamorda humana composta de párias – brancos, caboclos, mulatos, pretos, curibocas, mamelucos -, gente sem profissão certa, changadores, índios vagos, mendigos “gentinha” molambenta e descalça, que vivia num plano mais vegetal ou animal que humano, e cuja situação era aceita pelos privilegiados como parte duma ordem natural, dum ato divino irrevogável (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.39).

O narrador quer parecer isento, transmitir uma ilusória distância, e, para tanto, cita o historiador e filósofo alemão Oswald Spengler, como um discurso de autoridade. A escolha por essa citação não é casual. Na época da produção intelectual de Spengler (que se deu no início da década de 30), ele fora banido pelos nazistas por não apoiar as ideias de superioridade racial (ver SPENGLER,1941SPENGLER. O. Anos de decisão. A Alemanha e a evolução histórico-mundial. Porto Alegre: Meridiano, 1941.). Existe uma certa identificação com esse filósofo, visto que o narrador será igualmente condenado ao ostracismo. Nas palavras dele, os que “sofrem a História” são os proscritos, os “que viviam num plano mais vegetal ou animal que humano”; nessas marcas linguísticas percebe-se que ele se sente incomodado por não informar nada a respeito dos invisíveis, como se estivesse em débito com a sociedade. Tenta reparar essa dívida apresentando os indiferenciados sob a ótica de um certo determinismo divino, ao denunciar a naturalidade com que a elite aceitava a situação, como se não fosse consequência da ação humana. No plano da expressão, as palavras os outros, supostamente os responsáveis pela nomeação de “gentinha” e “massamorda” aos desfavorecidos, enfatiza que o narrador fica de fora do discurso, como se os outros não o incluíssem. Não falar sobre essa parcela social também leva ao esquecimento e ao engano. Esses pontos deixam em dúvida a credibilidade do narrador, por consequência, colocam em xeque a confiabilidade dos fatos.

O outro no discurso é a apreensão dos diferentes discursos que circulam numa dita formação social, por sua vez, dividida em grupos de interesses divergentes. Na sociedade antarense, percebem-se as várias “formações ideológicas” e as “condições de produção do discurso” correspondentes à “formação discursiva”, a qual concerne ao que pode e ao que deve ser dito em determinada época, em determinada sociedade (PÊCHEUX,1990PÊCHEUX, M. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas: Unicamp, n.19, p.7-24, 1990.).

A esta altura da presente narrativa é natural que o leitor esteja inclinado a perguntar se não existiam em Antares homens de bem e de paz. Com comportamentos e sentimentos cristãos. A pergunta é pertinente e a resposta, sem a menor dúvida é afirmativa. Havia, sim e muitos. Desgraçadamente seus ditos, feitos e gestos não foram recolhidos pela História oficial. Apenas poucos deles incorporam-se à tradição oral da cidade e do município: os restantes perderam-se no olvido (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.39).

O narrador aparece como um intruso – “é natural que o leitor” – e traz para dentro de seu discurso o discurso do pathos, ou seja, de uma plateia que é “de bem”, “cristã”, excluindo os que “não são de bem”. Ao narrar a trajetória das duas famílias que são da oligarquia e que estão ao lado dos “vencedores”, ele diz implicitamente que esses “não são de bem”. Todavia, o narrador não pode se posicionar, dado que está a serviço dessa elite. Ele coloca o discurso do leitor dentro do texto, em uma pergunta retórica: em Antares, não havia homens de bem e de paz com comportamento e sentimentos cristãos? Esse é o pathos do enunciador, ou seja, ele se apoia na premissa de que os leitores são “cristãos”, por isso “pessoas de bem”. Para confirmar, reitera que “os homens de bem são cristãos”, o que remete ao lema integralista “Deus, pátria e família”. A resposta à pergunta é dada com o assentimento do narrador, colocando-se no lugar do phatos e incluindo-se, indiretamente, na lista das pessoas de bem: “havia sim...”. Seu enunciatário é a classe média, da qual faz parte, por isso se identifica com o seu modo de sentir e agir. Aqueles que não entram no discurso são desgraçados, ou seja, condenados à insignificância: não pela condição social, mas porque suas façanhas não são autorizadas a permanecer nos registros da história. Novamente se revela o cronotopo da polarização política: a sociedade é dividida entre os que são “de bem” e os que são “do mal”, entre os que são da “elite” e os “desfavorecidos”, os que são “cristãos” e os que não são, os que têm “boa reputação” e os que não têm.

A veridicção está textualizada nas fontes que o narrador oferece sobre História do Brasil, e é figurativizada, sobremaneira, no nome do semanário “A Verdade”. Para dar mais credibilidade à narrativa e ao conteúdo do informativo, o narrador exibe a data de fundação do jornal: 1902, tal como é registrado nos diários impressos (em circulação hoje também por meio digital). Com esse estratagema, leva a crer que é um semanário antigo, de tradição, por isso confiável. Entretanto, esse artifício constitui um sarcasmo do autorcriador: parece ser um jornal que só emite notícias verdadeiras; todavia, ele (o autorcriador) delega ao narrador uma atitude franca. O último assume essa responsabilidade e o faz por meio de circunlóquios, indiretamente diz que o semanário publica somente assuntos de interesse da classe dominante e que por isso deve adotar o ponto de vista dessa elite a quem ele é subordinado. Dá-se uma dupla interpretação: o conteúdo do jornal viria em prol dos interesses dos “cidadãos de bem” de Antares, que seria o lugar ocupado pelo redator. O narrador se encontra no limiar entre o manipulador e o manipulado, o que leva ao fingimento e à ambiguidade.

Diana Luz Pessoa de Barros (2011)BARROS, D. L. P.de. Teoria semiótica do texto. 5a. ed. São Paulo: Ática, 2011. diz que as estruturas narrativas simulam tanto a história de homens que estão em busca de valores, quanto têm de lidar com os contratos e os conflitos que marcam o relacionamento humano, posicionando-se em junção ou em disjunção com seus valores e/ou objetos de desejo. Nesse sentido, Lucas Faia pretende fazer a melhor crônica jornalística da sua carreira, por isso investe valores no seu objeto de desejo, à espera de conquistá-lo, mas fracassa.

Conforme dito, os cronotopos são os centros organizadores dos principais acontecimentos, desse modo, o esquecimento é um cronotopo, porque direciona ao epílogo da narrativa e revela o modus operandi e o modus vivendi. Contudo, existem alguns passos para se chegar ao cronotopo do esquecimento, manifestado concretamente na Operação Borracha: engano, apagamento, esquecimento.

Até aqui se procurou demonstrar como o autor-criador e o narrador manipulam a narrativa, deixando-a ambígua e levando-a ao engano. Entre as manobras de manipulação acham-se embaralhar o discurso oficial e oficioso, o dito e o não dito (o subentendido), o natural e o sobrenatural. Entretanto, há outras formas de se levar ao engano, como a distorção de fatos e os boatos, estes últimos concernentes à não autoria e ao espalhamento de notícias falsas. Na diegese, é possível verificar que, antes de fingir que não existira, o incidente repercutiu de maneira falsa, percebe-se que a verdade (sinceridade) e a falsidade (malícia) emanam de caráter orientado do enunciador:

O promotor propôs que se nomeasse uma comissão de três membros para ir à capital do estado explicar pessoalmente “o equívoco”, isto é, os boatos, ao governador, aos jornais e às estações de rádio e televisão, para que ficasse limpo o nome de Antares (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.411).

Nota-se que o promotor ocupa o ethos de um sujeito que tem deveres éticos com o serviço público, entre os quais tomar providências quando tem conhecimento de alguma irregularidade e prestar informações solicitadas pelos órgãos da instituição. As atribuições de um promotor não condizem com os seus atos, seu enunciado é insincero, há uma intenção de levar ao engano, ao dizer que as notícias sobre o incidente eram “equívocos”, “boatos”, ou seja, essa figura de autoridade é hipócrita e a mentira constituise, nele, uma prática de linguagem. Ele quer fazer crer que houve engano, não há boa fé por parte do enunciador (o promotor). Cabe ressaltar que atualmente as fake news têm essas mesmas características: são atos orientados a outrem (e não a si) com a propósito de levar o pathos ao engano.

É importante salientar que as notícias enganosas se escondem no anonimato, e ganham uma dimensão intercontinental. Como não se sabe a fonte nem a origem, a interpretação que se pode dar é ilimitada. Pode-se dizer que esse expediente figurativizado na prosa literária de Erico Verissimo é o antecessor das fake news. Obviamente, as formas de divulgação são outras, há agências que se preocupam e tentam combater esse fenômeno. Entretanto, há emissoras que recortam a notícia e divulgam-na inapropriadamente, favorecendo alguns interesses escusos. A questão é que as notícias falsas são disseminadas em poucos minutos para milhões de pessoas e o apagamento não é tão rápido e pode deixar marcas indeléveis. O espalhamento ao redor do mundo com asserções total ou parcialmente falsas (mas intencionais) é materializado por meio de parágrafo longo e com escassas pausas:

A verdade, porém, é que, por artes do repórter da barbicha quixotesca, os correspondentes das agências de notícias UPI, AP e France Press transmitiram aos jornais do mundo notícias sobre o estranho incidente de Antares, cujo nome assim apareceu em muitos j ornais e revistas 412 internacionais naquela semana entre 16 e 22 de dezembro, O Times de Londres (...) interpretou o fato como um hoax (mistificação). Já o Ashashi Shimbun, de Tóquio, noticiando a mesma ocorrência, classificou-a como um caso de alucinação coletiva. Mais tarde o magazine Time publicou na sua seção intitulada Latin America uma história (...) em Praga, Istambul e Budapeste o caso chegou deturpado e Egon Sturn ganhou no “drama” um papel estelar, na qualidade de chefe dum pseudo movimento neofacista clandestino, que tentava implantar o nazismo hitlerista no Sul do Brasil (...) (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.412-413; grifos no original).

A ação sugerida pelo promotor foi seguida à risca, ainda que com o óbice de Lucas Faia. Na sua intervenção, confirma-se que ele faz parte do “pró-homens” de Antares representados pela classe média conservadora, subserviente à elite. Dizer a verdade e elucidar os fatos não são o seu objeto de desejo. O que o afligia é que, caso o artigo não fosse publicado, sucumbiria o seu desejo inconfesso de ganhar notoriedade e, com ela, subir de classe, fazer parte da elite.

- Senhores, não se iludam! A oposição vai espalhar pelo mundo, verbalmente ou por escrito, a sua própria versão do caso. Não seria prudente que nós, os representantes das classes conservadoras... (...) Pensem bem, pelo amor de Deus! Negar o que se passou é um perigo. E depois, meus amigos e conterrâneos, procurem olhar o fenômeno por outro prisma. Se os fatos forem narrados honestamente, da maneira como aconteceram, Antares gozará o seu momento de notoriedade e aparecerá no noticiário do mundo e da História (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.409).

Considerou-se que há várias etapas para se chegar ao esquecimento dos fatos, que se constituem no modus operandi e no modus vivendi. O primeiro processo apresentado foi o do engano que evolui para o apagamento. O apagamento consiste em negar os fatos e excluir qualquer prova material que possa revelá-los. Lucas Faia não pode publicar em A verdade o seu “grande artigo”, a sua melhor “peça literária”. Nota-se a inoperância do redator diante da possibilidade de agir e a diligência mal-intencionada do procurador.

Acho esse artigo uma arma de dois gumes – opinou o promotor, que não simpatizava com o jornalista. – Embora o nosso caro periodista não tenha mencionado em seu brilhante ensaio as calúnias proferidas pelo sapateiro e pelo Doutor Cícero, essa descrição poderá ser útil ao inimigo, pois ela confirma o fato.

– Mas é uma barbaridade! A melhor peça literária que escrevi em toda a minha vida!

– Eu o aconselharia a queimar esses originais – sugeriu perversamente o promotor (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.410).

Os jornalistas que se dirigiram a Antares para cobrir o incidente não puderam coletar nenhuma evidência, conseguiram apenas alguns testemunhos de pessoas que preferiram se manter anônimas. Em todas as circunstâncias, a preservação da imagem esteve relacionada à manutenção do status quo e, para atingir esse objetivo, foi necessário apagar qualquer evidência de conduta que desabonasse as autoridades: “O homem é o antigo homem, o homem público, que se guia por interesse sociopolíticos” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, M. As formas de tempo e do cronotopo. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance II: as formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018. p.11-236., p.37). Há um entrelaçamento entre a verdade e o segredo, entre o que pode ser revelado e o que deve ser escondido, entre o homem público e o homem privado.

– Os senhores nem parecem pessoas de cidade grande, com experiência em tantos casos de mistificação. Como é que na era eletrônica, no século da cibernética e dos voos interplanetários é possível a gente ainda acreditar na ressurreição dos mortos apodrecidos? – Ao dizer essas palavras deu três passos bruscos à retaguarda. – Não! Não permito que gravem minhas palavras. Sou membro do Ministério Público. Também não afirmo nenhuma declaração escrita. Prefiro aparecer anônimo. Muito grato de terem se lembrado de mim (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.400).

A estratégia de confundir e de apagar os fatos é bem-sucedida. Os informes apresentam uma oposição claramente marcada pelo discurso, a qual confunde a população antarense que não sabe em quem ou no que acreditar.

A Operação Borracha continuava, a despeito dos esforços em contrário feitos pelas esquerdas e pelas cartas anônimas. (...) Alguns chegaram à conclusão de que tudo havia sido apenas um caso de alucinação coletiva, fenômeno raro mas possível. A maioria, porém, ficou convencida que a coisa toda não passou de mitificação (VERISSMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.415).

A manipulação coube aos prevalecidos, mas quem efetiva o esquecimento é o tempo, o agenciador das mudanças, cujo lugar é permanente na organização da vida da sociedade e do Estado (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, M. As formas de tempo e do cronotopo. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance II: as formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018. p.11-236.), como se pode observar nessa passagem: “Podemos contar com vários aliados nessa campanha, a saber: o tempo, que tem uma função de borracha e de água, pois aos poucos vai apagando e levando tudo...” (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.408).

O tempo biográfico das personagens é inseparável dos acontecimentos históricos e é irreversível. A realidade histórica é arena para a revelação desses fatos e o palco dessa irreversibilidade é a cidade de Antares. Após o apagamento da história, tudo volta a ser como antes, a cidade volta ao marasmo, com os ciclos do dia, da semana, do mês, o ciclo de toda uma vida. Passados sete anos do incidente, a população miserável volta à sua vida miserável de sempre, em bairros distantes e esquecidos. E a oligarquia se mantém. Até o final dos tempos. Fallendi cupiditas, voluntas fallendi

Sete anos após aquela terrível sexta-feira 13 de dezembro de 1963, pode-se afirmar, sem risco de exagero, que Antares esqueceu o macabro Incidente. Ou sabe fingir muito bem (VERISSIMO, 2005aVERISSIMO, E. Incidente em Antares. São Paulo: Companhia das Letras, 2005a., p.428).

Da conclusão

O material da obra não é morto, mas falante, significante ou sígnico, não só o vemos e tateamos como sempre ouvimos vozes nele.

Mikhail M. Bakhtin

Este artigo não objetivou fazer uma análise a respeito do incidente, pois o fato em si não é o cerne deste trabalho, tampouco o são as personagens-defuntos. Propôs-se olhar para os lados, para o antes e o depois, não apenas para um dia no espaço da praça (embora seja o cronotopo fundamental dessa obra). O cronotopo da praça, normalmente ligado ao conceito de carnavalização (defendido por Bakhtin em sua tese de doutorado, A cultura popular na Idade Média e no Renascimento, em 1965), é amplamente debatido e, no que tange a Incidente em Antares, é muito discutido por pesquisadores, inclusive pelo premiado tradutor da obra de Bakhtin para o português, Paulo Bezerra (1983)BEZERRA, Paulo. Carnavalização e história em Incidente em Antares. 1983. 132 p.(Mestrado em Letras) – Departamento de Letras – Universidade Católica do Rio de Janeiro.. Pretendeuse olhar ao derredor, para o antes (como a sociedade foi formada) e para o após, que é a realização do apagamento dos fatos. As leituras temático-figurativas que se extraíram ligam-se metonimicamente à isotopia da polarização política e do esquecimento e, devido ao aspecto temático, são cronotópicas.

Para desenvolver a ideia de cronotopo, foram abordados os traços de antigos cronotopos, os quais sempre se renovam e renascem em novas formas literárias, sistemas de representação de vida e da cultura humana ao longo dos séculos (BAKTHIN, 2018). No fato literário, é possível ver o curso normal do tempo no ciclo de vida dos seres, que nascem, crescem e desaparecem. Entretanto, o mundo que está em constante mudança parece que estaciona na cidade de Antares. E se o mundo estaciona em Antares, significa que estaciona também na sociedade que ela representa.

Por trás dos bastidores, por meio da estética do absurdo, uma situação insólita denuncia a ditadura e a censura, interseccionando mundo criado e mundo oferecido. Esse expediente de exibir uma história para contar outra está estreitamente relacionado com a atividade de escritores, dramaturgos etc. no período da ditadura militar no Brasil. Essa alegoria do absurdo tem endereço certo, mas nem sempre captado pela censura que, ao ler uma narrativa acerca do ramerrão (contendas entre os grandes líderes da terra), como aparentemente se exibia, fechava os olhos a essas desavenças, porque, ao fim e ao cabo de tudo, estes representavam politicamente a situação.

Na última obra de ficção de Erico Verissimo, nota-se o engajamento do escritor, com o firme propósito de trazer à luz, ainda que “com um toco de vela”8 8 “(...) o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como sinal que não desertamos nosso posto” (VERISSIMO, 2005b, p.65). , as injustiças da realidade e os horrores da realidade e do mundo. Um verdadeiro “Libelo pela liberdade” (AGUIAR, 2005a, p.430AGUIAR, F. Incidente em Antares (posfácio). São Paulo: Companhia das Letras, 2005a. p.430-432.).

  • 1
    Posfácio da edição comemorativa pelo centenário do autor, em 2005. Na época, a Companhia das Letras passou a publicar a obra que, até então, era um direito reservado à Editora Globo. A edição de 2005(a) será aqui utilizada como referência.
  • 2
    Os cronotopos serão apresentados e revisados à medida em que forem necessários para a análise. Por ser um assunto extenso, necessita de certas restrições. Por essa razão, somente alguns aspectos e a lguns dos cronotopos serão relevantes.
  • 3
    A fortuna crítica que trata de O tempo e o vento e de Incidente em Antares (principalmente o último) sobre a perspectiva meta-historiográfica é significativa. Não se propõe explorar esse tema para o momento.
  • 4
    Muitas análises situam o romance no campo da literatura fantástica e do realismo mágico devido ao elemento sobrenatural. Maria da Glória Bordini (2012, p.279)BORDINI, M. G. A poética da cidade em Erico Verissimo. Rio de Janeiro: Edições Makunaima, 2012. p.277-321. situa -o dentro da estética do absurdo, orientação que será adotada aqui. Segundo a autora, o caderno de notas de Erico Verissimo (ALEV 04 a0029-1970) revela que ele provavelmente tenha se inspirado em O homem rebelde/O mito de Sísifo, de Albert Camus, para a construção da personagem Martim Francisco: “Tudo indica que Erico se inclinava para a estética do absurdo, o que invalida a presunção de que teria acompanhado o boom do realismo mágico na época” (BORDINI, 2012BORDINI, M. G. A poética da cidade em Erico Verissimo. Rio de Janeiro: Edições Makunaima, 2012. p.277-321., p.287). A estética concebida por Albert Camus traz uma visão pessimista da vida e o resultado natural diante da falta de perspectivas seria o suicídio, mas o homem recusa tal ato, o que gera um paradoxo, um absurdo.
  • 5
    Por ser um assunto bastante complexo (é necessário o exame das personagens que recebem destaque na narrativa), esse aspecto será tratado em outro momento.
  • 6
    Termo utilizado na região Sul, referindo-se àquele que se aproveita de alguma circunstância; que abusa de seu cargo ou poder para demonstrar autoridade ou superioridade.
  • 7
    Convém lembrar que o berço desse termo foi em 1789, no Parlamento Francês, às voltas com a Assembleia Constituinte que iria definir quanto poder seria dado ao rei Luís XVI. Na sala estavam os adeptos da Coroa, os Girondinos, e os revolucionários interessados em derrubá-la , os Jacobinos. O debate foi tão intenso que, natural (e estrategicamente), os adversários acabaram se acomodando segundo as afinidades. Nas cadeiras localizadas à direita do presidente do grupo, sentaram-se os integrantes da a la mais conservadora, à esquerda reuniram-se os progressistas que clamavam por uma mudança.
  • 8
    “(...) o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como sinal que não desertamos nosso posto” (VERISSIMO, 2005bVERISSIMO, E. Solo de clarineta. São Paulo: Companhia das Letras, 2005b. v.1.e.2., p.65).
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtinina. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, este periódico publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.

REFERÊNCIAS

  • AGOSTINHO, St., Bispo de Hipona, 354-430. A mentira Contra a mentira. Tradução e notas de Antônio Pereira Júnior, Marcos Roberto N. Costa, Agustinho Belmonte. São Paulo: Paulus, 2019.
  • AGUIAR, F. Incidente em Antares (posfácio). São Paulo: Companhia das Letras, 2005a. p.430-432.
  • BAKHTIN, M. M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p.3-193.
  • BAKHTIN, M. M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 7a. ed. Tradução de Aurora F. Bernadini et al São Paulo: Hucitec, 2014.
  • BAKHTIN, M. As formas de tempo e do cronotopo. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance II: as formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018. p.11-236.
  • BAKHTIN, M. A ciência da literatura hoje (Resposta a uma pergunta da revista Novi Mir). In: BAKHTIN, M. M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2017. p.9-19.
  • BARROS, D. L. P.de. Teoria semiótica do texto 5a. ed. São Paulo: Ática, 2011.
  • BEZERRA, Paulo. Carnavalização e história em Incidente em Antares 1983. 132 p.(Mestrado em Letras) – Departamento de Letras – Universidade Católica do Rio de Janeiro.
  • BORDINI, M. G. Por trás do incidente. In: VERISSIMO, Erico. Incidente em Antares São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p.7-13.
  • BORDINI, M. G. A poética da cidade em Erico Verissimo Rio de Janeiro: Edições Makunaima, 2012. p.277-321.
  • HUTCHEON, L. Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção. Tradução de Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
  • LUCAS, F. O romance de Erico Verissimo e o mundo oferecido. In: CHAVES, F. L. (org.) O contador de histórias: 40 anos de vida literária de Erico Verissimo. Porto Alegre: Globo, 1972. p.144-157.
  • PÊCHEUX, M. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas: Unicamp, n.19, p.7-24, 1990.
  • SPENGLER. O. Anos de decisão A Alemanha e a evolução histórico-mundial. Porto Alegre: Meridiano, 1941.
  • VERISSIMO, E. Incidente em Antares São Paulo: Companhia das Letras, 2005a.
  • VERISSIMO, E. Solo de clarineta São Paulo: Companhia das Letras, 2005b. v.1.e.2.

Declaração de disponibilidade de conteúdo

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Recomendamos a publicação do artigo "Da polarização ao esquecimento: um breve estudo dos cronotopos de Incidente em Antares, de Erico Verissimo", considerando a originalidade da abordagem e a oportunidade do foco escolhido para análise do romance de Erico Verissimo. O parecer é favorável. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

O trabalho propõe analisar cronotopos associados aos sentidos de polarização política e cronotopos vinculados aos sentidos de apagamento/esquecimento e engano (incluindo a noção contemporânea de “fake news”), no romance Incidente em Antares, de Érico Veríssimo. O romance é contextualizado tanto em relação ao momento histórico de publicação quanto em relação à totalidade da obra de Veríssimo. O conceito de cronotopo segundo Bakhtin é bem explicado, em um texto de redação clara. Também são observadas afinidades da obra com o conceito de metaficção historiográfica, de Linda Hutcheon. No entanto, cabem alguns reparos. Ficaria mais claro acrescentar, no título, e algumas vezes no texto o adjetivo “político” ao substantivo “polarização”. Também é necessária uma revisão, principalmente da versão em inglês do “abstract”. No que diz respeito às análises, questiono se os cronotopos são realmente apresentados nas citações apresentadas. Considerando que o tempo-espaço envolve a relação com o espaço físico (porém associados a conotações ideológicas, psicológicas e sociais, entre outras) percebo maior associação entre lugar (efetivamente descrito) e ideias (associadas também a momentos específicos de desenvolvimento do enredo mais na análise da polarização que do engano e esquecimento). No segundo tipo de análise, os objetos são ideologias contidas nos discursos, sem uma remissão direta à descrição de lugar. Feitas essas ressalvas, trata-se de um trabalho rico em observações interessantes, para o qual recomendo a publicação, considerando que pode ser melhorado com as alterações aqui sugeridas. APROVADO COM SUGESTÕES

  • recomendação: accept-in-principle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2022
  • Aceito
    14 Out 2022
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