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Linguista, teórico da literatura, poeta e enxadrista. Em memória do professor Nikolai Vassíliev

RESUMO

No artigo, apresenta-se um panorama da vida e da obra do professor, filólogo e cientista russo N. Vassíliev (1955-2021), com ênfase em sua contribuição para os estudos bakhtinianos internacionais. A longa convivência e parceria dos autores com N. Vassíliev permite-lhes não só desenhar o perfil de um pesquisador sério das humanidades, mas também mostrar seu mundo de paixões pessoais e o papel de sua biografia na escolha do núcleo de suas pesquisas científicas: a problemática dos estudos bakhtinianos. Dedica-se atenção especial às soluções propostas por ele ao problema dos textos disputados.

PALAVRAS-CHAVE:
N. Vassíliev; M. Bakhtin; V. Volóchinov; Teoria bakhtiniana; Círculo de Bakhtin

ABSTRACT

The article presents an overview of the life and works of the Russian scholar, philologist Professor Nikolay Vasiliev (1955-2021) and the assessment of his contribution to international Bakhtin studies. For many years the authors have communicated and cooperated with N. Vasiliev during the long years that give them the opportunity not only to create a portrait of this serious researcher, but also to show the world his hobbies, how his biography influenced on the choice of the issue of Bakhtin studies as a central topic for his research. Special attention is paid to his proposed solutions to the problem of disputed texts.

KEYWORDS:
N. Vasiliev; M. Bakhtin; V. Vološinov; Bakhtin studies; The Bakhtin Circle

Vassíliev foi linguista, teórico da literatura e poeta; como Valentin Volóchinov, foi teórico da literatura e poeta e, como Vladímir Nabokov, foi enxadrista. É bem provável que essas duas comparações tivessem agradado a Nikolai Vassíliev. Diante de todo aquele senso de autoironia que ele, indubitavelmente, tinha, Nikolai acolhia humildemente os merecidos elogios e estava aberto a qualquer crítica. Quando pessoas não muito familiarizadas com a biografia bakhtiniana e sua cronologia perguntavam-lhe com seriedade se ele, professor da Universidade da Mordóvia, não teria sido aluno de Mikhail Bakhtin, ele respondia com um sorriso contido e de satisfação: “Pode-se dizer que eu sou aluno de seus alunos”. E isso era a mais absoluta verdade. Nosso pequeno artigo presta não só homenagem ao grande cientista, mas também ao bondoso amigo, com quem partilhamos muitos anos de convivência e parceria.

Foi o destino que levou Nikolai Vassíliev a se tornar filólogo e a pesquisar a herança de Bakhtin. Nascido em 15 de julho de 1955, em Saránsk, seu pai, Leonid Vassíliev, a partir do início dos anos 1950, tinha se tornado professor do departamento de literatura russa e estrangeira no Instituto Pedagógico da Mordóvia (mais tarde Universidade) chefiado por Mikhail Bakhtin. A casa onde Nikolai nasceu ficava próxima do bairro onde se localizava a prisão de Saránsk, transformada depois em residência para os professores dos institutos. Mikhail e Elena Bakhtin residiam em um dos apartamentos desse complexo. Assim, é possível falar que a aura bakhtiniana estava presente na vida de nosso herói desde sua infância.

Aliás, Nikolai nunca contou sobre os encontros com Mikhail Mikhailovitch na juventude. Não houve qualquer alusão ao autor dos livros sobre Dostoiévski e Rabelais nas raras lembranças de infância e dos anos escolares, embora a imaginação criativa do poeta tivesse por onde irromper. Contudo, Nikolai demonstrava uma seriedade excepcional em relação à história real de sua vida e da vida de sua família, presente no mais profundo respeito aos detalhes precisos das lembranças sobre o pai.

É importante notar que, em sua última comunicação em público no Centro M. Bakhtin da Universidade Estadual da Mordóvia em 5 de março de 2021, Nikolai tenha falado sobre Leonid Vassílievitch enquanto colega e coautor de Bakhtin.

Os interesses científicos do pai de Nikolai determinaram em muito o futuro do filho. Em 1972, Nikolai Vassíliev ingressou no curso de russo da Faculdade de Filologia da Universidade da Mordóvia. Desde o início do curso, ficou claro o fato de que o jovem estudante teria pela frente uma carreira acadêmica brilhante. Suas comunicações nos congressos estudantis na Universidade e no Instituto Pedagógico de Saránsk, bem como nas conferências soviéticas de jovens cientistas, chamavam a atenção dos participantes pelo pensamento extraordinariamente maduro, pela originalidade do material e pela autonomia das conclusões. Nesses fóruns, ele conhece Nikolai Pankóv, Ígor Pechkóv e muitos outros cientistas integrantes da elite dos estudos bakhtinianos russos.

A ciência não impediu Nikolai de aproveitar a alegria de viver. Ele nunca foi um cientista de gabinete, no sentido habitual dessa palavra, encontrando tempo para a poesia e para o esporte. Demonstrou seu dom poético, principalmente, para seus colegas de curso, nas publicações de suas poesias, que saíram nos anos 2000; além disso, tinha por esportes favoritos o ciclismo e o xadrez. Seus maiores sucessos no xadrez foram nos campeonatos disputados em Saránsk e na Mordóvia. Algumas de suas partidas chegaram até a ser mencionadas em artigos esportivos sobre xadrez.

Pode-se supor que precisamente o amor pelo xadrez e o rigor específico do pensamento desse jogo influenciaram na escolha da primeira esfera de interesses científicos de N. Vassíliev: a linguística. Ao concluir com brilhantismo em 1977 a Universidade da Mordóvia, Nikolai Vassíliev permaneceu no Departamento de Língua Russa, onde continuou os estudos de terminologia científica na poesia de Aleksandr Púchkin. Em 1978, Nikolai ingressou no programa de pós-graduação da Universidade Estadual de Górki e, em 1981, retornou ao seu departamento em Saránsk, onde construiu sua carreira por quase 40 anos, começando como assistente e chegando ao cargo de professor.

Destaquemos de imediato que o espectro de interesses acadêmicos de Nikolai Vassíliev nas décadas seguintes foi excepcionalmente amplo. Em seus trabalhos, ele incorporou a integridade do fazer filológico, coisa rara hoje em dia, e estudou simultaneamente não somente os problemas da língua russa, da teoria da linguagem, da história da literatura russa dos séculos XVIII e XIX, mas também dos estudos literários locais. Sua herança científica é enorme: uma dezena de livros e uma centena de artigos, e a envergadura de seus projetos não realizados instiga a imaginação.

Um desses projetos foi a obra Dicionário da língua dos escritores russos do século XIX, cujo fundamento foi o trabalho sobre o vocabulário de Púchkin e sobre a língua de muitos escritores russos, contemporâneos e amigos de Púchkin, desde Aleksandr Polezhayev, Konstantin Batyushkov, Anton Delvig, Piotr Viazemsky e Nikolai Iazykov até o poeta e publicitário Nikolai Ogarev, amigo próximo de Aleksandr Herzen.

Em 1980, Nikolai Vassíliev pesquisou as obras literárias de Aleksandr Polezhayev, estudante da Universidade de Moscou, autor de poemas sobre amor livre e libertinagens, sendo punido por isso. Foi chamado para o serviço militar a mando do Czar Nikolai I e sobreviveu por um curto período de tempo nos campos de treinamento. Na interpretação de Nikolai Vassíliev, Polezhayev – o poeta da liberdade – foi não só um trágico representante da história literária russa dos anos 1820-1830, mas também um dos criadores da nova realidade poética, ao revelar o mundo brilhante e em transformação da Rússia e do Cáucaso, a acolhedora Moscou e a fria São Petersburgo. Depois de escrever dois livros sobre Polezhayev, Nikolai Vassíliev defendeu, em 1994, uma tese de doutorado na Universidade de Moscou, mais uma vez confirmando seu status de historiador eminente da literatura russa do século XIX.

A escolha do poeta Polezhayev, que nasceu em 1802 em uma cidadezinha próxima a Saránsk, foi determinada não somente por questões estéticas, mas também em decorrência das preferências literárias pessoais de Nikolai, cujo traço de pesquisador sempre remontou a interesses pelo cronotopo literário da Mordóvia. São testemunhos de sua habilidade e vontade de escrever sobre isso dois livros sobre as conquistas literárias do antigo nobre russo Struiski (VASSÍLIEV, 2003VASSÍLIEV, N. L. ZHizn’ i deyaniya Nikolaya Strujskogo, rossijskogo dvoryanina, poeta i vernopoddannogo [The Life and Deeds of Nikolai Struysky, a Russian Nobleman, Poet and Loyal Subject]. Saransk: Mordovskoe knizhnoe izdatel’stvo, 2003., 2010VASSÍLIEV, N. L. D. YU. Strujskij (Trilunnyj): biografiya, tvorchestvo, bibliografiya [D. Y Struysky (Trilunny): Biography, Obra, Bibliography]. Saransk: Izdatel’stvo Mordovskogo universiteta, 2010.) e o dicionário de escritores russos da região da Mordóvia (VASSÍLIEV, 2013VASSÍLIEV, N. L. Mihail Mihajlovich Bahtin i fenomen “Kruga Bahtina”: V poiskah utrachennogo vremeni. Rekonstrukcii i dekonstrukcii. Kvadratura kruga [Mikhail Bakhtin and the Phenomenon of the Bakhtin Circle. In Search of Lost Time. Reconstruction and Deconstruction. To Square the Circle]. Moskva: LIBROKOM, 2013.).

No entanto, as principais contribuições científicas do professor Nikolai Vassíliev, que lhe deram fama internacional, ocorreram no campo dos estudos bakhtinianos. É necessário destacar que Nikolai Vassíliev chegou a Bakhtin no momento em que o “boom soviético de Bakhtin” dos anos 1960-1970 praticamente acabara, e sua próxima etapa – a pós-soviética – ainda não começara. Seu primeiro artigo, “O problema do enunciado (dos gêneros do discurso) na concepção linguística de M. M. Bakhtin e sua importância para o desenvolvimento das ciências filológicas” (VASSÍLIEV, 1985VASSÍLIEV, N. L. Problema vyskazyvaniya (rechevyh zhanrov) v lingvisticheskoj koncepcii M. M. Bahtina i ee znachenie dlya razvitiya filologicheskih nauk [The Problem of Utterance (Speech Genres) in the Linguistic Concept of M. M. Bakhtin and its Importance for Developing Philological Sciences]. In: KONKIN, S. S. (ed.) Problemy nauchnogo naslediya M. M. Bahtina: sbornik nauchnyh trudov [The Problems of M. M. Bakhtin’s Scientific Heritage: Collection of Scientific Papers]. Saransk: Izdatel’stvo Mordovskogo universiteta, 1985, pp.85-104.), foi escrito para a coletânea Problemas da herança científica de M. M. Bakhtin, organizada pelo professor Konkin. É possível afirmar que, a partir desse momento, o jovem cientista tornou-se um dos especialistas eminentes no campo das ideias linguísticas da obra de M. M. Bakhtin. Ele expõe sua visão de Bakhtin como linguista entre os anos 1980-1990 em mais dois artigos: “Diálogo ou diktat (por uma metodologia da comunicação)?”, na coletânea intitulada Diálogo em Diálogo (VASSÍLIEV, 1991); e “A teoria da metalinguística na concepção filológica de M. M. Bakhtin”, na coletânea M. M. Bakhtin: problemas da herança científica (VASSÍLIEV, 1992VASSÍLIEV, N. L. Teoriya metalingvistiki v filologicheskoj koncepcii M. M. Bahtina [The theory of metalinguistics in the philological concept of M. M. Bakhtin]. In: KONKIN, S. S. (ed.) M. M. Bahtin: Problemy nauchnogo naslediya. Sbornik nauchnyh trudov [M. M. Bakhtin: Problems of Scientific Heritage. Collection of Scientific Papers]. Saransk: Izdatel’stvo Mordovskogo universiteta, 1992, pp.45-52.).

A partir do início dos anos 1990, o espectro de interesses de Nikolai Vassíliev sobre a teoria bakhtiniana ampliou-se significativamente. Entre as questões de seu interesse surgiram: detalhes da biografia de Bakhtin, em particular do período da vida do cientista em Saránsk; inter-relações de Bakhtin com a cultura soviética e com as instituições soviéticas; o Círculo de Bakhtin como um fenômeno específico do início da história intelectual soviética; avanços e retrocessos nos estudos bakhtinianos russos e estrangeiros.

Uma página especial da obra de Nikolai Vassíliev foi ocupada pelos fóruns bakhtinianos internacionais, do quais participou infalivelmente desde o início dos anos 2000. Ele publicou relatórios detalhados das conferências após cada viagem, a começar pela ocorrida no Brasil, e, em seguida, as realizadas na Itália e na Suécia. Ele sempre se preocupou em construir um diálogo proveitoso entre os colegas russos e estrangeiros, e muito lhe incomodavam as barreiras linguísticas. Nesse contexto, alegrou-se, em particular, com o seminário em São Paulo em 20191 1 Referência ao “Colóquio Internacional 90 anos de ‘Problemas da obra/criação de Dostoiévski’ (1929-2019)’”, ocorrido entre 26 e 28 de novembro de 2019, na Universidade de São Paulo, Brasil. [N. da T.] , em que apresentou suas reflexões a propósito do livro de Bakhtin sobre Dostoiévski. Foi uma pena que não tenha tido tempo de compartilhar suas impressões sobre o seminário com seus colegas leitores.

Um acontecimento importante na vida de Nikolai Vassíliev foi a parceria com o conhecido periódico Diálogo. Carnaval. Cronotopo. Justamente nele saiu uma quantidade importante de seus artigos sobre Bakhtin e Valentin Volóchinov, além de notas, réplicas e resenhas, que suscitaram a mais viva reação dos estudiosos russos e estrangeiros da herança de Bakhtin. Nas lembranças do próprio Nikolai, em princípios dos anos 2000, o editor-chefe de Diálogo. Carnaval. Cronotopo, Nikolai Pankóv, ao decidir ocupar-se da biografia de Mikhail Bakhtin, propôs que Nikolai Vassíliev dirigisse o periódico. Este recusou, mas sua parceria autoral com o periódico continuou até o último número, que saiu em 2018.

Mais um periódico apreciado por Nikolai Vassíliev foi a Coletânea de Nevel, com a qual colaborou até 2020. Ele gostava muito de ir a essa cidadezinha provincial, onde, em 1918, o jovem Mikhail Bakhtin começou a carreira pedagógica. Nikolai dava palestras nas conferências anuais de Nevel. Justamente na Coletânea de Nevel, ele publica uma série de materiais inéditos sobre os últimos anos da vida de Valentin Volóchinov, sobre a permanência da mãe e das irmãs de Mikhail Bakhtin no cerco de Leningrado, durante os anos da Segunda Guerra Mundial, e sobre o salvamento milagroso do filho de Natália, a irmã mais nova de Bakhtin, que foi retirado da cidade sitiada.

Em 2013, os melhores textos escritos sobre Bakhtin e seu Círculo foram reunidos e publicados em livro sob um título complicado, conforme era do seu agrado, Mikhail Mikháilovitch Bakhtin e o fenômeno do Círculo de Bakhtin. Em busca do tempo perdido. Reconstrução e desconstrução. A quadratura do círculo.

A maior contribuição de Nikolai Vassíliev aos estudos bakhtinianos foi seu trabalho sobre o Círculo de Bakhtin e os textos disputados. Foi Nikolai quem, pela primeira vez na Rússia, pronunciou-se claramente sobre a necessidade de se resolver a questão, ao publicar o famoso artigo “M. M. Bakhtin ou V. N. Volóchinov? (sobre o problema da autoria das obras e artigos atribuídos a M. M. Bakhtin)” (1991b). Certamente, esse problema já havia sido discutido antes, mas o artigo de Vassíliev rompeu com a tradição de se escamotear esses detalhes da biografia de Bakhtin e de seus colegas.

Com a publicação desse artigo, a discussão sobre os textos disputados tornou-se um dos pontos mais agudos de divergência entre os estudiosos de Bakhtin. É preciso dar a Nikolai o que lhe é devido: ele não tentou ganhar popularidade, queria de fato encontrar uma solução possível para uma questão muito confusa. Tinha certeza de que uma solução definitiva não era possível e até admitiu não somente a ambivalência da real situação desse fenômeno único de uma obra coletiva, mas também a possível participação de Bakhtin nas obras O método formal nos estudos literários2 2 MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução e Nota das tradutoras de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Apresentação Beth Brait. Prefácio Sheila Vieira de Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012. e de Marxismo e filosofia da linguagem3 3 VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018. . Não por acaso o artigo de Vassíliev tem uma importante ressalva confirmando seu desejo de objetividade:

Mesmo entendendo que as publicações dos livros e artigos por V. N. Volóchinov constituíram uma saída encontrada por M. M. Bakhtin e seus amigos, um tipo de carnavalização, uma ação paródica, um protesto contra a dominação do sociologizante na União Soviética de 1920, neste caso o livro Marxismo e filosofia da linguagem não foi escrito por M. M. Bakhtin, ou, pelo menos, não “autenticamente” por M. M. Bakhtin (VASSÍLIEV, 1991b, p.43VASSÍLIEV, N. L. M. M. Bahtin ili V. N. Vološinov? (K voprosu ob avtorstve knig i statej, pripisyvaemyh M.M. Bahtinu) [M. M. Bakhtin or V. N. Vološinov? (On the Question of the Authorship of Books and Articles Attributed to M. M. Bakhtin)]. Literaturnoe obozrenie, n. 9, pp.38-43, 1991b.).

Muitos anos depois, o próprio Nikolai abertamente explicou a tarefa que colocou diante de si, ao se manifestar sobre um tema tão delicado:

É preciso admitir que essa ambiciosa e categórica negação da autoria de Bakhtin tinha um propósito maior – causar uma reação de contra argumentação daqueles envolvidos na publicação dos trabalhos de Bakhtin na Rússia e daqueles que cuidam de sua herança literária. O aparecimento do referido artigo levou a uma “reação atômica irreversível”, que gerou discussões e um conjunto de publicações, direta ou indiretamente, para sustentar um ou outro ponto de vista (VASSÍLIEV, 2013, p.179-180VASSÍLIEV, N. L. Mihail Mihajlovich Bahtin i fenomen “Kruga Bahtina”: V poiskah utrachennogo vremeni. Rekonstrukcii i dekonstrukcii. Kvadratura kruga [Mikhail Bakhtin and the Phenomenon of the Bakhtin Circle. In Search of Lost Time. Reconstruction and Deconstruction. To Square the Circle]. Moskva: LIBROKOM, 2013.).

O trabalho com os textos disputados naturalmente levou Nikolai Vassíliev ao estudo da personalidade e da obra de Valentin Volóchinov, o qual, graças ao seu esforço, tornou-se uma figura proeminente da vida intelectual de Leningrado na segunda metade dos anos 1920 e início dos anos 1930. Contribuiu para isso o ensaio escrito por Nikolai Vassíliev para o primeiro volume das obras reunidas de Volóchinov (VASSÍLIEV, 1995VASSÍLIEV, N. L. V. N. Vološinov: Biograficheskij ocherk [V. N. Vološinov: Biographical essay]. In: VOLOŠINOV V. N. Filosofiya i sociologiya gumanitarnyh nauk [Philosophy and Sociology of the Humanities]. Sankt-Peterburg: Asta-press 1995, pp.5-22.). Nikolai lamentava sobretudo que, por motivos variados, não tivesse sido possível editar o segundo volume, que conteria os trabalhos literários e de musicologia de Volóchinov.

Em 1994, o professor S. Kónkin, autor da primeira biografia russa de Bakhtin, decidiu, em razão da idade, deixar a chefia do Departamento de Literaturas Russa e Estrangeira da Universidade Estadual da Mordóvia. Ele viu Nikolai Vassíliev como seu sucessor e até o recomendou. Infelizmente, a administração do pessoal acadêmico e a direção da universidade não estavam muito preocupadas com o destino do departamento de Bakhtin, e o lugar de chefe foi ocupado por outra pessoa. É possível supor que, se o professor Vassíliev tivesse se tornado chefe desse departamento, os estudos bakhtinianos na Universidade da Mordóvia teriam se desenvolvido de modo muito mais intenso.

O próprio Nikolai não ficou aborrecido com a sua não nomeação. Suas paixões eram a atividade de professor no departamento de língua russa e a liberdade acadêmica, o que lhe deixava tempo e força suficientes para a participação em inúmeros congressos e nas mais variadas pesquisas. Quando sentiu que a carga professoral se tornara um empecilho para a produção científica, decidiu se aposentar. Isso aconteceu no verão de 2018 e, com isso, os dois últimos anos e meio tornaram-se os mais produtivos de sua vida científica. Ele publicou em importantes periódicos russos e estrangeiros, entre eles na Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso (VASSÍLIEV, 2018), além de viajar bastante pela Rússia e pelo mundo, fazendo conferências. Talvez o que mais o desanimou na pandemia foi a suspensão das formas habituais de comunicação científica e a ausência de conferências “vivas”, que se tornaram online.

O último livro que organizou, junto com seu jovem amigo, discípulo e frequente coautor Dmitri Jatkin, foi um volume avultado da herança literária de Dmitri Morski (VASSÍLIEV; JATKIN, 2020). Com seus esforços, os pesquisadores conseguiram extrair dos arquivos textos literários e documentos únicos, que recuperam uma página praticamente desconhecida da história literária da Rússia nos anos 1920-1930.

Nikolai Vassíliev tinha muitos planos. Na sua mesa de trabalho ficaram esboços de novos artigos e, no computador, projetos de novas pesquisas. Infelizmente, uma doença grave o deteve no auge das suas forças criativas. Em 23 de maio de 2021, Nikolai Vassíliev faleceu. Contudo, seu nome e seus trabalhos permanecerão para sempre na história dos estudos bakhtinianos.

  • 1
    Referência ao “Colóquio Internacional 90 anos de ‘Problemas da obra/criação de Dostoiévski’ (1929-2019)’”, ocorrido entre 26 e 28 de novembro de 2019, na Universidade de São Paulo, Brasil. [N. da T.]
  • 2
    MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução e Nota das tradutoras de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Apresentação Beth Brait. Prefácio Sheila Vieira de Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012.
  • 3
    VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018.

REFERÊNCIAS

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  • VASSÍLIEV, N. L. Teoriya metalingvistiki v filologicheskoj koncepcii M. M. Bahtina [The theory of metalinguistics in the philological concept of M. M. Bakhtin]. In: KONKIN, S. S. (ed.) M. M. Bahtin: Problemy nauchnogo naslediya. Sbornik nauchnyh trudov [M. M. Bakhtin: Problems of Scientific Heritage. Collection of Scientific Papers]. Saransk: Izdatel’stvo Mordovskogo universiteta, 1992, pp.45-52.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2021
  • Aceito
    04 Mar 2022
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