Acessibilidade / Reportar erro

VOLÓCHINOV, Valentin. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019, 400 p.

VOLÓCHINOV, Valentin. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Grillo, Sheila; Américo, Ekaterina Vólkova. São Paulo: Editora 34, 2019. 400

Os pesquisadores da área do dialogismo estão familiarizados com alguns dos textos reunidos em A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas (2019), mas o contato com esses textos no Brasil sempre foi fragmentário e indireto. O artigo que dá título à obra, por exemplo, circula há um bom tempo numa tradução feita (a partir da versão em inglês de I. R. Titunik) por Faraco e Tezza sob o título O discurso na vida e o discurso na arte (sobre poética sociológica), nunca de fato publicada1 1 Nota das editoras: Há ainda uma publicação deste mesmo ensaio como Apêndice em Palavra própria e palavra outra na sintaxe da enunciação, da Pedro & João Editores (2011). Trata-se de um fragmento de Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico, a Parte III – Para uma história das formas do enunciado nas construções da língua (uma experiência de aplicação do método sociológico aos problemas sintáticos) (Volóchinov, 2017). Os editores juntaram a esse fragmento o Apêndice: A palavra na vida e na poesia. Introdução aos problemas da poética sociológica. A autoria é ambígua: Valentin Volochínov (1926); (M. M. Bakhtin); e não há informações sobre a tradução deste ensaio, apenas uma informação geral, na página de rosto, de que a “organização [da obra está] aos cuidados de Valdemir Miotello e uma lista dos componentes da Equipe de tradução e revisão. . Outro texto circulou bastante na versão em espanhol — ¿Que es el lenguaje? — publicada na coletânea Bajtín y Vigotski, organizada por Silvestri e Blanck (1993). Um terceiro artigo, intitulado na nova edição de A construção do enunciado, também teve uma tradução para fins didáticos, provavelmente do francês, feita por Ana Vaz, sob o título de Estrutura do enunciado. Há também uma coletânea que inclui vários desses textos: A construção da enunciação e outros ensaios (2013), organizada por Geraldi, com traduções dele e de outros tradutores a partir do italiano, inglês e espanhol.

Esses esforços sem dúvida ajudaram os estudiosos brasileiros a apreender as ideias de Volóchinov, mas o autor há muito merecia um tratamento mais integral e homogêneo. Um primeiro grande passo foi a tradução direta do russo de Marxismo e filosofia da linguagem (MFL, 2018 [2017]), das tradutoras Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Em 2019, chega este outro trabalho exaustivo de tradução direta, fruto de pesquisas in loco, em São Petersburgo, usando arquivos do então Instituto de História Comparada das Literaturas e Línguas do Ocidente e do Oriente (ILIAZV), onde Volóchinov fez pesquisas e ministrou aulas. No ensaio introdutório, farto em referências e documentos, as tradutoras destacam que, nessa primeira fase da produção bibliográfica de Volóchinov, encontramos elementos [...] que estarão presentes em seus trabalhos futuros” (2019, p.9). O primeiro é a “rejeição à psicologização”, o que nos leva ao texto inicial da coletânea.

Do outro lado do social: sobre o freudismo (1925) traz grande parte do que viria a ser publicado no livro O freudismo: esboço crítico (1927). Uma diferença é que o livro tem um capítulo de “crítica às apologias marxistas ao freudismo”, onde o autor questiona as ideias de B. Bikhovski, A. Luria, B. Fridman e A. Zalkind. No ensaio, Volóchinov começa ressaltando o caráter de “filosofia biológica” do freudismo e questiona o foco em processos orgânicos. Embora admita que haja “alguns fatos irrefutáveis do ponto de vista científico e algumas observações empíricas” na base do freudismo, Volóchinov entende que isso “se dissolve no mar da filosofice subjetiva” (2019, p.64). Vale destacar que existe certa dualidade na abordagem de Volóchinov: ao mesmo tempo que critica a pretensão biologizante e cientificista de Freud, ele fala na busca por uma psicologia marxista de base científica (objetiva, mas não abstrata) — daí que, entre os raros elogios a Freud, destaque “os méritos científicos” da pesquisa sobre pulsões (2019, p.70).

Nesse ensaio de 1925, Volóchinov faz uma ampla exposição das teses de Freud, enquadrando-o na tradição da psicologia subjetiva, e concentra esforços na crítica ao conceito de inconsciente freudiano, contestando a separação da consciência, o que lançaria o inconsciente para o campo do não verbal. Isso iria de encontro à visão do homem material/integral; e a individualização (vista como fruto da filosofia burguesa) seria incompatível com a visão fundamentalmente social do marxismo. Volóchinov, então, conclui que há uma tendência de “opor a história social ao organismo biológico psicologizado, tomado como um macrocosmo associal autossuficiente” (2019, p.96-97). Acima de tudo, ele se opõe a qualquer abordagem isolacional ou não materialista da ideologia. Para o autor (2019, p.103), “a construção ideológica é, antes de tudo, social”.

O tradutor Paulo Bezerra (2007, p.XV) entende que, na discussão de Volóchinov sobre o freudismo, há “o endosso à tese marxista da origem social do psiquismo”, lembrando também que, à época, o pensamento soviético condicionava todo comportamento social do homem “exclusivamente à estrutura de classe” (p.XI). Grillo (2017, p.72)GRILLO, S. Marxismo, psicanálise e método sociológico: o diálogo de Volóchinov, marxistas soviéticos e europeus com Freud. Bakhtiniana, São Paulo, v. 12, n. 3, p.54-75, 2017. Disponível em https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/32107/23565 Acesso em 15 de maio, 2020.
https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/ar...
também entende que a posição de Volóchinov contra a teoria freudiana parece condicionada pelo “dogmatismo institucional” e hegemonia inquestionável do marxismo nos anos 1920 na URSS, argumentando que “há afinidades entre essas duas teorias” e que a concepção socioideológica da consciência de Volóchinov poderia se enriquecer com a visão de Freud sobre inconsciente, apresentando, para tanto, vários caminhos dentro dos estudos marxistas.

O artigo que dá título à obra aqui resenhada, A palavra na vida e a palavra na poesia (1926), reflete o fato de que, no Instituto onde Volóchinov trabalhava, “os conceitos e a metodologia de pesquisa abordam de modo integrado tanto a língua quanto a literatura” (GRILLO; AMÉRICO, 2019, p.21GRILLO, S.; AMÉRICO, E. V. Registros de Valentin Volóchinov nos arquivos do ILIAZV. In: VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de S. Grillo e E. V. Américo. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2019. p.7-56.). Ao comentar esse texto, Geraldi (2013, p.19)GERALDI, J. W. Introdução: o mundo não nos é dado, mas construído. In: VOLOCHÍNOV, V. A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013. p.7-27. ressalta que a proposta é de que “a compreensão do modo de funcionamento da linguagem fora da arte é fundamental para compreender seu funcionamento artístico”. De fato, Volóchinov se propõe a abordar a poética teórica e começa questionando a análise intrínseca da arte, alheia à abordagem sociológica — “a arte é imanentemente social”, diz ele (2019, p.13). Volóchinov pretende desenvolver um método que abarque a totalidade da arte, daí que condene o que chama de “opiniões errôneas” na abordagem artística: a fetichização (obra de arte isolada) e o estudo do psiquismo (foco no criador ou contemplador), cujo defeito seria tentar “encontrar o todo na parte” (2019, p.115). Claramente, essas duas correntes (fetichização/psiquismo) podem ser relacionadas com as perspectivas idealistas e abstratas já mencionadas anteriormente em Do outro lado do social e que seriam discutidas em MFL, em especial nos capítulos 6 e 7, cujo conteúdo guarda semelhanças com o artigo A palavra na vida e a palavra na poesia.

Um ponto de destaque no texto, e que revela consonância entre Volóchinov e Bakhtin, é a importância dada à entonação. Volóchinov vê a entonação como a “mais pura expressão” da avaliação, pois nela “a palavra entra em contato direto com a vida” (2019, p.123). Já Bakhtin (2010, p.289)BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Toorov. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p.261-306. define a entonação como a relação emocionalmente valorativa do falante com o sentido do seu enunciado. Mas o mais relevante aqui talvez seja a visão de Volóchinov (2019, p.129) de que a entonação bombeia “energia da situação cotidiana para a palavra, atribuindo ao todo linguisticamente estável um movimento histórico vivo e um caráter irrepetível”. Não à toa, no fim do ensaio A palavra na vida e a palavra na poesia, Volóchinov leva esses conceitos de volta para a obra de arte, discutindo ainda o estilo e o caráter social da obra, no que é possível enxergar sua proposta para uma abordagem sociológica da estrutura artística da poesia.

O ensaio As mais novas correntes do pensamento linguístico do Ocidente (1928), por sua vez, é uma versão resumida dos primeiros capítulos de MFL. Não estão presentes, por exemplo, a parte sobre tema e significação nem a discussão sobre as formas de transmissão do discurso do outro. Vemos aqui um Volóchinov expondo seu conhecimento científico, imerso em seu tempo, engajado e até contundente por vezes. Destacam-se as várias citações a Medviédev, revelando a sintonia entre os dois autores. Nesses escritos ele novamente aborda o subjetivismo individualista e o objetivismo abstrato. Não cabe aqui detalhar o que provavelmente é o material mais conhecido do autor, mas deixamos aqui como proposta de pesquisa um cotejo entre o texto de 1928 (na tradução de 2019) e a versão publicada em MFL em 1929 (na tradução de 2017). Há diferenças já registradas. Geraldi (2013, p.19)GERALDI, J. W. Introdução: o mundo não nos é dado, mas construído. In: VOLOCHÍNOV, V. A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013. p.7-27., por exemplo, destaca que, no ensaio de 1928, o objetivismo “é apresentado como uma perspectiva liderada por Bally, aparecendo Saussure entre os linguistas desta corrente, o que vai ser alterado no livro do ano seguinte”.

Estilística do discurso literário (1930) é um ensaio em três partes — O que é linguagem/língua?, A construção do enunciado e A palavra e sua função social —, publicado na revista russa Estudos da literatura: revista para autoformação, voltada para instruir escritores iniciantes das camadas populares. A interlocução com esse auditório fica nítida no tom extremamente didático, no estilo claro e nos conceitos básicos apresentados. No primeiro texto, Volóchinov apresenta a origem da linguagem segundo a teoria jafética, de Nikolai Marr, amplamente aceita na URSS e que embasa uma visão social da linguagem. Durante a parte inicial de O que é linguagem/língua?, Volóchinov parece tomar a teoria jafética como algo dado, pois não apresenta ao leitor as comprovações ou os estudos que a embasam; aliás, ele próprio a apresenta como “a suposição do acadêmico N. Marr”. Ele também introduz a noção fundamental de ideologia como “conjunto de reflexos e refrações no cérebro humano da atividade social e natural, expressa e fixada pelo homem na palavra [...] ou em alguma outra forma sígnica” (2019, p.243), ou seja, tal como usou em MFL. Por fim, fala sobre o discurso interior (o que remete ao psiquismo tal como visto no texto sobre freudismo), que é aqui apresentado de forma categórica como algo que determina o discurso artístico exterior (portanto, a criatividade). Pode-se dizer que a ideia central de O que é linguagem/língua? é que toda palavra emerge da vida e, ao mesmo tempo, refrata a vida sob a ótica da ideologia.

A construção do enunciado traz de início as noções da língua viva e do enunciado como “uma gota no fluxo da comunicação discursiva” (2019, p.267). Conceitos cruciais, como auditório, compreensão responsiva e ponto de vista, também estão presentes. O sentido ganha bastante espaço, mas a significação é apenas mencionada. Autores como Cereja (2008)CEREJA, W. Significação e tema. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p.201-220. e Faraco (2006)FARACO, C. Voloshinov: um coração humboldtiano?. In: FARACO, C. TEZZA, C. CASTRO, G. (Orgs.). Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. p.125-132. consideram a questão da significação uma das maiores dificuldades da obra de Volóchinov. Claro que o objetivo de Volóchinov é superar uma semântica imanente à língua, mas faz falta a distinção sobre tema/sentido e significação que aparece em MFL. Ele conclui ressaltando a natureza social do enunciado, destacando o papel da situação extraverbal e do auditório como condicionantes da estilística.

O terceiro texto é o que mais revela da visão política de Volóchinov. A discussão principal gira em torno da ideologia de classe e da palavra como signo ideológico, onde se dá a luta de classes. Expressões como “sabotador” e “pântano das opiniões e do cotidiano ultrapassados” o situam no contexto pós-revolucionário dos anos 1930. Chama a atenção a ideia de que o ponto de vista subjetivo do proletariado se aproxima da “lógica objetiva da realidade” e “coincide de modo mais completo com a significação objetual e objetiva da palavra” (2019, p.318). Essas assertivas, pouco embasadas, não parecem presentes em outros textos. Isso pode ser relacionado com a opinião de Volóchinov (2019, p.320) de que haveria uma tendência reacionária do signo, traduzida na aspiração da classe dominante de eternizar a palavra, cuja dialeticidade interna só se revelaria em épocas de crise social ou revolução. Esse viés mais marxista é muitas vezes apontado como uma diferença entre Volóchinov e Bakhtin. Vale relembrar, porém, que Sériot (2010, p.54-56)SÉRIOT, P. Préface. In: VOLOŠINOV, V. Marxisme et philosophie du langage: les problèmes fondamentaux de la méthode sociologique dans la science du langage. Édition bilingue traduite par Patrick Sériot et Inna Tylkowski-Ageeva. Limoges: Lambert-Lucas, 2010. p.13-109. mostra que já houve discussão sobre MFL ser ou não uma obra marxista, trazendo argumentos de autores dos dois lados.

Vê-se que os ensaios da coletânea A palavra na vida e a palavra na poesia são permeados por um tema comum: a crítica ao subjetivismo individualista e ao objetivismo abstrato — correntes de pensamento rejeitadas por Volóchinov e que ele se propõe a sintetizar em MFL. Para Faraco (2006, p.126,129)FARACO, C. Voloshinov: um coração humboldtiano?. In: FARACO, C. TEZZA, C. CASTRO, G. (Orgs.). Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. p.125-132., Volóchinov não teria conseguido fazer a síntese dialética dessas correntes, pois, sendo filiado à tradição de Humboldt (linguagem como atividade social), teria herdado as mesmas dificuldades de lidar com a estrutura da língua. Sériot (2010, p.61)SÉRIOT, P. Préface. In: VOLOŠINOV, V. Marxisme et philosophie du langage: les problèmes fondamentaux de la méthode sociologique dans la science du langage. Édition bilingue traduite par Patrick Sériot et Inna Tylkowski-Ageeva. Limoges: Lambert-Lucas, 2010. p.13-109. também afirma que “é difícil de falar em [síntese] ‘dialética’”, pois Volóchinov “não retém nada” de Saussure, destacando o contexto de antipositivismo comum entre autores russos do início do século XX. Para Sériot (p.61), MFL é marcado pela recusa: recusa de Saussure (abstração) e de Freud (inconsciente).

Por outro lado, ao rejeitar as correntes objetivistas e subjetivistas, Volóchinov propôs um caminho diferente e inegavelmente prolífico: uma síntese dialética entre idealismo humboldtiano e o materialismo histórico, uma vez que ele enxergava “a consciência materializada em signos e objetificada em sistemas ideológicos particulares”, sendo “por um lado, uma parte da existência, [...] e, por outro, capaz de influenciar, de transformar a existência material” (GRILLO, 2017, p.60GRILLO, S. Marxismo, psicanálise e método sociológico: o diálogo de Volóchinov, marxistas soviéticos e europeus com Freud. Bakhtiniana, São Paulo, v. 12, n. 3, p.54-75, 2017. Disponível em https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/32107/23565 Acesso em 15 de maio, 2020.
https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/ar...
). Em suma, retomando as palavras de Sériot (2010, p.62)SÉRIOT, P. Préface. In: VOLOŠINOV, V. Marxisme et philosophie du langage: les problèmes fondamentaux de la méthode sociologique dans la science du langage. Édition bilingue traduite par Patrick Sériot et Inna Tylkowski-Ageeva. Limoges: Lambert-Lucas, 2010. p.13-109., a ousada síntese do autor russo representaria, na realidade, uma “leitura materialista do idealismo”.

Os artigos e resenhas de musicologia que completam o livro trazem mais de Volóchinov ao leitor. E não só seu conhecimento de outras áreas e de arte. Por exemplo, Grillo e Américo (2019, p.9-10)GRILLO, S.; AMÉRICO, E. V. Registros de Valentin Volóchinov nos arquivos do ILIAZV. In: VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de S. Grillo e E. V. Américo. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2019. p.7-56. apontam como o termo arquitetônica já aparece no artigo sobre Beethoven para falar da estrutura da obra musical; ou seja, o método de análise e as noções introduzidas trazem elementos teóricos desenvolvidos posteriormente.

Por fim, não se pode deixar de exaltar o grau de esmero da edição. Acima de tudo, o ensaio introdutório, muitíssimo bem documentado, dá ao autor russo uma concretude talvez jamais registrada no Brasil. O texto traduzido, bem polido e revisado quase à perfeição, reflete as diferenças de estilo do russo, revelando um Volóchinov autoral e versátil; as notas são abundantes e informativas, sempre abrindo espaço para o contraditório que existe em todo processo tradutório, nunca pretendendo ser a última palavra sobre o autor e sua obra, mas oferecendo a solidez das pesquisas para passar toda segurança ao leitor e marcar a posição das tradutoras.

Lembramos que toda tradução, direta ou indireta, é sempre uma reenunciação, ou seja, é sempre permeada por vozes, sempre estabelece novas relações dialógicas na cultura de chegada — portanto, não deve ser tomada como a palavra do autor ipsis litteris, mas como um ponto de vista. As traduções anteriores (do italiano, do espanhol, do inglês, do francês) foram perspectivas que nos permitiram apreender e entrever as ideias de Volóchinov. Assim, esta nova tradução do russo traz também um ponto de vista para compreendermos a obra de Volóchinov, mas um ponto de vista inédito, diferenciado, solidamente embasado e mais próximo do autor. Não seria exagero dizer que o trabalho de Grillo e Américo nos oferece um prisma para que finalmente possamos ver com mais nitidez não só o autor Volóchinov, mas o homem material e histórico.

Notes

  • 1
    Nota das editoras: Há ainda uma publicação deste mesmo ensaio como Apêndice em Palavra própria e palavra outra na sintaxe da enunciação, da Pedro & João Editores (2011). Trata-se de um fragmento de Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico, a Parte III – Para uma história das formas do enunciado nas construções da língua (uma experiência de aplicação do método sociológico aos problemas sintáticos) (Volóchinov, 2017). Os editores juntaram a esse fragmento o Apêndice: A palavra na vida e na poesia. Introdução aos problemas da poética sociológica. A autoria é ambígua: Valentin Volochínov (1926); (M. M. Bakhtin); e não há informações sobre a tradução deste ensaio, apenas uma informação geral, na página de rosto, de que a “organização [da obra está] aos cuidados de Valdemir Miotello e uma lista dos componentes da Equipe de tradução e revisão.

REFERÊNCIAS

  • BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Toorov. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p.261-306.
  • CEREJA, W. Significação e tema. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p.201-220.
  • FARACO, C. Voloshinov: um coração humboldtiano?. In: FARACO, C. TEZZA, C. CASTRO, G. (Orgs.). Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. p.125-132.
  • GERALDI, J. W. Introdução: o mundo não nos é dado, mas construído. In: VOLOCHÍNOV, V. A construção da enunciação e outros ensaios São Carlos: Pedro & João Editores, 2013. p.7-27.
  • GRILLO, S. Marxismo, psicanálise e método sociológico: o diálogo de Volóchinov, marxistas soviéticos e europeus com Freud. Bakhtiniana, São Paulo, v. 12, n. 3, p.54-75, 2017. Disponível em https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/32107/23565 Acesso em 15 de maio, 2020.
    » https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/32107/23565
  • GRILLO, S.; AMÉRICO, E. V. Registros de Valentin Volóchinov nos arquivos do ILIAZV. In: VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de S. Grillo e E. V. Américo. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2019. p.7-56.
  • SÉRIOT, P. Préface. In: VOLOŠINOV, V. Marxisme et philosophie du langage: les problèmes fondamentaux de la méthode sociologique dans la science du langage. Édition bilingue traduite par Patrick Sériot et Inna Tylkowski-Ageeva. Limoges: Lambert-Lucas, 2010. p.13-109.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2020
  • Aceito
    30 Jan 2021
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bakhtinianarevista@gmail.com