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Diálogos do presente: quais os sentidos? Quais as respostas?

Chamo sentidos às respostas a perguntas.

Aquilo que não responde a nenhuma pergunta não tem sentido para nós.

Mikhail Bakhtin

O contínuo diálogo na busca de respostas que constituam sentidos é uma característica do ser humano; “a vida é dialógica por natureza”, já afirmava Bakhtin (2008, p.329)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. Tradução direta do russo, notas e prefácio Paulo Bezerra. 4. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2008.. No triste momento em que vivemos, durante esta pandemia globalizada e acirrada politicamente em nosso país, mais uma vez buscamos sentidos. E os diálogos socialmente motivados nem sempre respondem a nossas perguntas.

Nesse panorama de quarentena e fortes mudanças, a busca de compreensão de nossa realidade social e humana impulsionou significativamente o número de submissões de artigos ao periódico. Pesquisadores do discurso mostram como a ciência brasileira da linguagem se mantém ativa e produtiva, mesmo em condições adversas, aí incluída a política governamental de corte de financiamento às pesquisas de maneira geral. São artigos que, debruçando-se sobre diferentes enunciados, procuram entender a realidade, em textos que a refletem e a refratam incessantemente. Vida, arte e conhecimento interrelacionando-se, e posições éticas, estéticas e cognitivas valoram diferentes discursos.

Como sabemos, “a palavra acompanha toda a criação ideológica como seu ingrediente indispensável” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.100; itálicos no original). Por isso, como sempre, temos no número textos que estudam e analisam aspectos de criações ideológicas diversas, ora aprofundando questōes teóricas, ora buscando sentidos no discurso literário, no discurso do cinema, no discurso político, no discurso da saúde...

Iniciamos a apresentação do volume com um artigo redigido por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca - ENSP, Rio de Janeiro, Brasil, instituição que, neste momento, tem uma importância vital para todos os brasileiros nas pesquisas a respeito da pandemia e na busca e fabricação da vacina contra a covid-19. Atestando tanto o comprometimento ético e político de seus pesquisadores, como a íntima relação entre discurso e saúde, Ana Paula Pimentel (FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Rio Janeiro, Brasil) e Paulo Duarte de Carvalho Amarante (FIOCRUZ Rio de Janeiro, Rio Janeiro, Brasil), no artigo Paradigmas, percepções e práticas em saúde mental: um estudo de caso à luz de Bakhtin, refletem, a partir de contribuições bakhtinianas, sobre as vicissitudes do cuidado na rede pública de atenção psicossocial ao sujeito em sofrimento mental. O estudo, que resulta de pesquisa de mestrado vinculada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, constata a presença de posicionamentos contraditórios expressos em percepções que se mostraram, ao mesmo tempo, consonantes e conflitantes com pressupostos ético-dialógicos.

Ainda em termos de atenção ao discurso dos socialmente marginalizados, o artigo ¿Cómo hacer sentido en la precariedad? Bios-precario y vida sensible, de Martin de Mauro Rucovsky (Universidad Nacional de Córdoba - UNC, Córdoba, Argentina), dirige sua atenção a uma complementaridade conceitual entre os caminhos da biopolítica e da precariedade, defendendo a necessidade de elaboração de uma ferramenta de trama conceitual que dê conta dos marcadores que codificam uma vida precária. Ainda no nível ético, mas com outras preocupações, Deribaldo Santos (Universidade Estadual do Ceará - UECE, Quixadá, Ceará, Brasil) escreve acerca da Beleza natural e afastamento da natureza: apontamentos sobre ética e estética. O artigo, fundamentado teoricamente em Georg Lukács, questiona se as vivências naturais têm ou não um caráter estético, ou seja, como se dá a relação entre a beleza natural e o belo artístico, indicando a importância de cada um para o desenvolvimento da personalidade privada do ser social.

O discurso literário é o foco dos três artigos seguintes. De um ponto de vista teórico, Ivanete Bernardino Soares (Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP, Mariana, Minas Gerais, Brasil) apresenta-nos um instigante estudo sobre O (in)específico na análise do discurso literário. Partindo do cotejamento das teses de Dominique Maingueneau com pressupostos fundadores da análise do discurso de tradição francesa e com proposições coetâneas dos estudos literários, a autora problematiza a constituição do dispositivo teórico e metodológico do autor para o estudo da literatura na perspectiva discursiva. Andreia Pagani Maranhão (Centro Universitário Inta - UNINTA, Sobral, Ceará, Brasil), em Giallo & Subversivo - A série napolitana e a fabricação da “Febre Ferrante” no Brasil, aborda os best sellers de Elena Ferrante como literatura de transição. Explora alguns elementos do ‘hibridismo pop’ de sua obra, evidenciando aspectos que conformaram sua recepção no Brasil, a adesão febril aos seus escritos e o fenômeno de ‘desmarginação’, que permite a reaproximação do passado e o conhecimento de suas implicações na identidade, conduta e ética das pessoas comuns. Também tratando do discurso literário, Ana Lúcia Macedo Novroth (Universidade Presbiteriana Mackenzie -UPM, São Paulo, São Paulo, Brasil), no artigo As múltiplas faces do diálogo em Um certo capitão Rodrigo, de Erico Verissimo, nele examina o dalogismo e a forma como as categorias da percepção carnavalesca de mundo dessacralizam e submetem o discurso do poder ao riso.

Tratando do discurso fílmico, predominantemente sob a perspectiva bakhtiniana, temos dois artigos. O primeiro, de Natassia D’Agostin Alano (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil), denomina-se A relação entre arte e vida no longa-metragem Gabbeh, de Mohsen Makhmalbaf: a perspectiva bakhtiniana em cena. Trata-se da análise do longa-metragem Gabbeh (1996), do diretor iraniano Mohsen Makhmalbaf. O texto pretende promover reflexões que possam, em alguma medida, contribuir para o aprofundamento de questões envolvendo o campo da arte e o da vida. O segundo é O corpo deslizando sentidos: o en(tre)lace discursivo do político nas fronteiras com o social, de Emanuel Angelo Nascimento (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Campinas, São Paulo, Brasil). O autor discute a questão da materialidade significante do corpo no en(tre)lace discursivo do político imbricado nas fronteiras com o social, a partir de dois vídeos de Dan Halter, numa análise que se fixa entre a materialidade verbal e a não verbal.

Os próximos artigos têm como foco a argumentação. Tratando do discurso político nas eleições americanas de 2016, Ulisses Tadeu Vaz de Oliveira (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS, Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, Brasil), apresenta Avaliação social como recurso persuasivo em discursos políticos: H. Clinton vs. Trump. O artigo fundamenta-se na Análise Crítica do Discurso e na Linguística Sistêmico-Funcional, juntamente com o arcabouço teórico-metodológico da Avaliatividade. Os resultados mostram as diferentes estratégias de persuasão dos eleitores naquela eleição polarizada: abordagens discursivas ideológicas negativas (Trump) e positivas (H. Clinton); ambos aplicam a avaliação social como estratégia retórica central. Da perspectiva de um aprofundamento crítico-teórico dos argumentos propostos por Toulmin, Paulo Roberto Gonçalves-Segundo (Universidade de São Paulo - USP - São Paulo, São Paulo, Brasil), assina A configuração funcional da argumentação epistêmica: uma releitura do layout de Toulmin em perspectiva multidisciplinar. O autor propõe uma noção de movimento argumentativo compatível com uma abordagem linguística, discursiva e cognitivamente coerente, respondendo a requisitos teóricos e analíticos ligados tanto à faceta justificatória quanto à comunicativa da argumentação. Exemplifica o percurso desse diálogo com as ideias de Toulmin por meio da análise de parte de um discurso jornalístico.

Do ponto de vista da Análise do Discurso de linha francesa, Giovane Fernandes Oliveira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil) busca a enunciação nos textos peucheuxtianos, no artigo A enunciação em Michel Pêcheux: uma questão inquietante. Para isso, procede a um exame de textos do filósofo francês publicados entre 1969 e 1975, investigando neles a problemática da enunciação. Seu estudo revela, no conjunto, um estatuto epistemológico e um estatuto teórico-metodológico da enunciação no estabelecimento das bases fundantes da AD francesa. Finalmente, voltado a questões da educação, o artigo O conceito de compreensão em Bakhtin e no Círculo: reflexões para pensar o processo educativo, de Guilherme da Silva Lima (Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil), discute o que seja a compreensão na obra do Círculo, indicando que envolve elementos concretos, ideológicos e axiológicos, além de ser um processo que permite a representação e o prolongamento da atividade comunicativa.

A resenha deste número trata da obra Currículo e responsividade. Entre políticas, sujeitos e práticas, de Jozanes A. Nunes, um estudo sobre currículos dos cursos de Letras e suas possíveis alterações. É redigida por Maria Helena Cruz Pistori, Editora Associada Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, PUC-SP, São Paulo, São Paulo, Brasil.

E duas importantes questões antes de fecharmos este Editorial. Em primeiro lugar, lembramos que, em 2021, teremos um número inteiramente dedicado à problemática discursiva da pandemia da covid-19. Sabemos que discursos nos constituem e constituem o outro, em inescapavéis relações responsivas, produtoras de sentidos, prenhes de valores, de posições axiológicas. Para esse número, portanto, convidamos pesquisadores das diferentes vertentes da Análise do Discurso a contribuir, submetendo artigos ou resenhas de livros sobre o tema.

Em segundo, uma notícia que nos entristece. Orison Marden Bandeira de Mello Junior (Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil), Editor de Língua Estrangeira desde 2012, quando Bakhtiniana passou a ser bilíngue, está deixando a função. Bakhtiniana deve muito a ele! Sabemos todos - equipe executiva e autores - de sua dedicação, compromisso e rigor. O periódico não teria o alcance que tem hoje sem a sua inestimável atuação. Agradecemos muitíssimo seu trabalho, sempre responsável, minucioso e correto. Vamos todos sentir sua falta! Ao mesmo tempo, damos as boas-vindas à nova Editora de Língua Estrangeira, Renata Philipov (Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, Guarulhos, São Paulo, Brasil), com quem esperamos continuar o desenvolvimento deste processo, que permite dar maior visibilidade e internacionalização à pesquisa em estudos do discurso, brasileira e internacional.

Fechamos o Editorial com nosso costumeiro balanço. Este número apresenta 13 textos de 14 autores, representantes de 13 instituições diferentes (UNC, Argentina; FIOCRUZ; UECE; UFOP; UNICAMP; UNINTA; UPM; UFSC; UFMS; USP; UFRGS; UFMG; PUCSP). Convidamos os leitores a saborear e incluir em suas pesquisas este conjunto que, mais uma vez, dá ao periódico Bakhtiniana a oportunidade de participar ativamente da vida cultural e acadêmica brasileira e internacional. A quantidade de submissões, assim como sua rigorosa seleção, realizada por competentes e colaborativos pareceristas do Conselho e também ad hoc, permitiu chegar a este excelente resultado: Bakhtiniana mantém-se firme no compromisso de sempre criar possibilidades dialógicas entre a pesquisa ligada aos estudos da linguagem. Nesse sentido, agradecemos, mais uma vez, o inestimável e constante apoio, auxílio e reconhecimento do MCTI/CNPq/MEC/CAPES - Chamada CNPq Nº 19/2019 - Programa Editorial / Editoração Ch 2019 - e da PUC-SP, por meio do Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPE’q) / Publicação de Periódicos (PubPer-PUCSP) - 2020.

REFERÊNCIAS

  • BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski Tradução direta do russo, notas e prefácio Paulo Bezerra. 4. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
  • BAKHTIN, M. Fragmentos dos anos 1970-1971. In: BAKHTIN, M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2017.p.41.
  • VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020
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