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GRILLO, S. V. C.; REBOUL-TOURE, S. (Org.); GLUSHKOVA, Maria (Org.). Analyse du discours et comparaison: enjeux théoriques et méthodologiques [Análise do Discurso e comparação: questões teóricas e metodológicas]. Bruxells: Peter Lang, 2021. 350 p.

GRILLO, S. V. C.; REBOUL-TOURE, S.; GLUSHKOVA, Maria. Analyse du discours et comparaison. : enjeux théoriques et méthodologiques [Análise do Discurso e comparação: questões teóricas e metodológicas]. Bruxells: Peter Lang, 2021. 350 p

A obra intitulada Analyse du discours et comparaison: enjeux théoriques et méthodologiques [Análise do Discurso e comparação: questões teóricas e metodológicas], publicada pela renomada editora francesa Peter Lang, é composta por doze artigos escritos por pesquisadores situados na grande área de estudos em Análise do Discurso, filiados a reconhecidas Instituições de Ensino Superior (IES) de três países: França, Brasil e Rússia. Os trabalhos apresentados na coletânea são resultado da profícua parceria desenvolvida entre membros do Grupo de Pesquisa Diálogo (CNPq/USP), liderado pelas professoras Sheila Grillo (da Universidade de São Paulo) e Dária Shchukina (da Mining University, São Petersburgo), e integrantes do Grupo Cediscor (Centre de Recherche sur les Discours Ordinaires et Spécialisés, Clesthia, Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3).

No final do ano de 2017, esse grupo de pesquisadores realizou, na Universidade de São Paulo, o I Colóquio Brasileiro-Franco-Russo em Análise de Discurso, cujo enfoque foi voltado aos princípios teóricos e metodológicos da Análise de Discursos Comparativa ou Contrastiva1 1 No decorrer do livro, encontramos tanto os termos Comparativa como Contrastiva para se referirem à abordagem em foco. Na França, os pesquisadores optam por Análise Contrastiva de Discurso, ao passo que, no Brasil, a designação Análise Comparativa de Discurso é preferível, considerando que contrastivo é comumente associado a trabalhos no campo do Estruturalismo linguístico. (ADC) e à ponderação a respeito do espaço e do papel desempenhados pela comparação nos estudos realizados na França, no Brasil e na Rússia. O livro aqui resenhado reúne algumas das reflexões apresentadas durante o Colóquio Internacional de 2017, considerando pesquisas do vasto campo dos estudos do discurso que, segundo as organizadoras do trabalho, se “inscrevem, teoricamente, em uma tríplice perspectiva: a análise contrastiva/comparativa do discurso, o dialogismo de Bakhtin, Medviédev, Volóchinov e a linguocultura russa” (p.13)2 2 No original: “(...) s’inscrivent, sur le plan theorique, dan une triple perspective: l’analyse des dicurso contrastive/comparative, le dialogisme de Bakhtine, Medvedev, Volóchinov et la linguoculturologie russe”. .

Trata-se de uma produção de grande relevância, principalmente para os brasileiros que se interessam pela área dos estudos do discurso, pois denota um marco na compreensão e divulgação de trabalhos escritos por pesquisadores com sólida trajetória científica neste âmbito relativamente novo em nosso país: o da análise de discursos comparativa. A abertura a esse diálogo se dá sem desconsiderar, cabe dizer, os estudos tradicionais existentes no campo da Comparação, conforme explicitam as autoras já na introdução do trabalho, que é assinada pelas professoras Sheila Vieira de Camargo Grillo (Universidade de São Paulo), Sandrine Reboul-Touré (Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3), Maria Glushkova (Universidade de São Paulo) e Flávia Silvia Machado (Université Paris Nanterre).

Além disso, ao tomar conhecimento das pesquisas que são apresentadas em cada capítulo, o leitor da coletânea tem a oportunidade de não apenas entender pontos de encontro entre os princípios teórico-metodológicos fundamentais da abordagem em questão, mas também de vislumbrar a pluralidade de enfoques e inter-relações possíveis de serem estabelecidas em trabalhos filiados à ADC. Corrente epistemológica esta cujo objetivo principal consiste em “integrando as ciências da linguagem, (...) comparar não somente diferentes línguas, mas também diferentes culturas” (SARDÁ et al., 2022SARDÁ, D.; CAVALCANTE FILHO, U; SANTOS, Y. A. B; GONÇALVES-SEGUNDO, P. R. A análise de discursos comparativa e outras abordagens comparativistas em ciências da linguagem. Linha D’Água, 35 (2), 2022, p.1-15. DOI: http://doi.org/10.11606/issn.2236-4242.v35i2p1-15.
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, no prelo). Nesse sentido, os textos presentes no livro deixam em evidência a relevância “(d)o conceito de cultura e da relação entre língua, discurso e cultura [como] pontos centrais da análise contrastiva” (GRILLO; GLUSHKOVA, 2016GRILLO, S. V. de C.; GLUSHKOVA, M. A divulgação científica no Brasil e na Rússia: um ensaio de análise comparativa de discursos. Bakhtiniana, v. 11, 2016, p.69-92. DOI: https://doi.org/10.1590/2176-457323556.
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, p.75).

Já na introdução da obra, as pesquisadoras esclarecem que a produção se propõe a vencer um desafio bastante específico: “de um lado, examinar o papel da comparação para a descrição, a compressão e a interpretação de discursos, e, por outro, reunir em torno da comparação pesquisas de corpora diversos” (p.13 e 14)3 3 No original: “Le défi de cet ouvrage est tout à fait spécifique: d’une part, examiner le rôle de la comparaison pour la description, la compréhension et l’interprétatiom des discours, et, d’autre part, rassembler autor de la comparaison des recherches sur des corpus diversifiés”. , realizadas por cientistas brasileiros, franceses e russos. Para tanto, o livro, além da introdução está dividido em quatro seções principais, acompanhadas de seus respectivos artigos: 1) Análise Comparativa/Contrastiva do Discurso: elementos de disposição teórica; 2) A articulação entre Língua e Cultura; 3) Comparação e Gêneros do Discurso: a produção de conhecimentos; e 4) Comparação: abertura teórica.

Na sequência, discorrer-se-á brevemente sobre cada um dos trabalhos pertencentes às seções mencionadas. Por meio da seleção de alguns entre os diversos e relevantes aspectos disponíveis nos textos, buscar-se-á colocar em evidência ao leitor desta resenha a riqueza de princípios epistemológicos que são postos em diálogo, a pluralidade de corpora, a multiplicidade de análises possíveis - com base nas pesquisas desenvolvidas nos três países em questão -, bem como divulgar a importância do material de estudo e trabalho que está disponível neste compêndio.

Na primeira seção do livro - Análise Comparativa/Contrastiva do Discurso: elementos de disposição teórica - constam três artigos: i) “A análise do discurso contrastiva: uma viagem ao centro do discurso”, de Patricia von Münchow; ii) “Fundamentos teórico-metodológicos para análises comparativas/contrastivas dos discursos: os documentos oficiais da educação básica no Brasil e na Rússia”, de Sheila Vieira de Camargo Grillo; e iii) “Comparar gêneros discursivos em francês e em japonês: questionamentos teóricos e metodológicos” de Chantal Claudel.

A partir dos três artigos que compõem essa primeira seção do livro, torna-se já possível ao leitor identificar e compreender princípios teóricos e metodológicos basilares da análise de discursos comparativa, como os conceitos de cultura discursiva, heterogeneidade e tertium comparationis por exemplo. Essa compreensão se dá não somente pela acuidade que é empregada pelas pesquisadoras na apresentação dos conceitos-chave que constituem a abordagem, mas também pelo desdobramento que os conceitos assumem nas análises de variadas situações reais em que as comparações se estabelecem (ver von Munchow; Rakotonoelina, 2006VON MÜNCHOW P.; RAKOTONOELINA, F. Discours, cultures, comparaisons. Les carnets du Cediscor, Paris, n. 9, 2006. DOI: https://doi.org/10.4000/cediscor.106.
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).

Quanto ao primeiro trabalho do livro, escrito por Patricia von Münchow (Université Paris Descartes), convém inicialmente destacar o papel precursor da autora na ADC, pois, desde suas pesquisas desenvolvidas no início dos anos 2000, Von Münchow estabeleceu a abordagem primeiramente intitulada Linguística do Discurso Comparativa e rebatizada, depois, para análise do discurso contrastiva, tal como é conhecida na França atualmente (ver von Münchow, 2009VON MÜNCHOW, P. Les journaux télévisés en France et en Allemagne : Plaisir de voir ou devoir de s’informer. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 2009 [2004]. [2004]). Em “A análise do discurso contrastiva: uma viagem ao centro do discurso”, após breve retomada de pontos principais sobre como se instaurou a ADC, o estudo dedica-se à análise de um corpus selecionado de livros didáticos da disciplina de História, utilizados na França e na Alemanha, para demonstrar a importância que a heterogeneidade discursiva foi ganhando nos estudos da ADC, até se tornar, hoje, uma questão fundamental não só nos planos descritivo e interpretativo da área, mas nos planos teórico e metodológico também.

O segundo artigo é o de Sheila Vieira de Camargo Grillo - “Fundamentos teóricometodológicos para análises comparativas/contrastivas dos discursos: os documentos oficiais da educação básica no Brasil e na Rússia” - e estrutura-se a partir dos seguintes objetivos: delimitar o conceito de cultura ao qual a autora recorrerá para fundamentar seu estudo e comparar, via análise de documentos oficiais de ensino nos dois países, a cultura educacional brasileira e russa. Segundo observa Grillo, a pesquisa realizada parte do pressuposto de que uma análise comparativa de discursos exige necessariamente um posicionamento sobre o que é uma cultura e quais as relações que mantém com o discurso e a linguagem. Assim, ao tratar do conceito de cultura discursiva (von MÜNCHOW, 2013VON MÜNCHOW, P. Cultures, discours, langues aspects récurrents, idées émergentes. Contextes, representations et modèles mentaux. In: CLAUDEL, C.; VON MÜNCHOW; RIBEIRO, M. P.; PUGNIÈRE-SAAVEDRA, F.; TRÉGUER-FELTEN, G. Cultures, discours, langues. Nouveaux abordages, Limoges, Lambert-Lucas: 2013. p.187-207.) e colocá-lo em relação dialógica com o conceito de cultura na perspectiva dos autores do Círculo de Bakhtin, o trabalho destaca pontos de encontro e de distanciamento existentes entre os dois países pesquisados.

No terceiro texto desta primeira seção do livro, “Comparar gêneros discursivos em francês e em japonês: questionamentos teóricos e metodológicos”, Chantal Claudel (Université Paris Nanterre) descreve uma análise comparativa entre os gêneros entrevista na mídia impressa e correio eletrônico pessoal tanto em japonês quanto em francês. Claudel elege o conceito de gênero do discurso como o tertium comparationis (elemento de comparação), ou seja, como o elemento adequado para a realização das análises comparativas nessas duas comunidades linguísticas em que o grau de heterogeneidade é bastante significativo. Segundo Grillo e Glushkova (2016GRILLO, S. V. de C.; GLUSHKOVA, M. A divulgação científica no Brasil e na Rússia: um ensaio de análise comparativa de discursos. Bakhtiniana, v. 11, 2016, p.69-92. DOI: https://doi.org/10.1590/2176-457323556.
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, p.77): “o gênero discursivo figura como o principal elemento de comparação das pesquisas do Cediscor, por sua capacidade de fazer aparecer o diferente não por meio do que é idêntico, mas sim do que é próximo, comparável”, tal como é o caso desenvolvido na pesquisa de Claudel e de outros autores que participam desta coletânea.

A segunda seção principal - A articulação entre Língua e Cultura - é composta por dois artigos: i) “A análise do discurso contrastiva e os discursos profissionais”, escrito por Geneviève Tréguer-Felten (Université Sorbonne Nouvelle) e ii) “Linguoculturologia: a comparação entre linguagens e culturas”, de Darya Alekseevna Shchukina (SaintPetersburg Mining University).

Tréguer-Felten defende, em seus estudos, que “há laços estreitos entre língua e discurso, sendo a cultura um substrato profundo e de evolução lenta que, por meio do discurso, deixa suas marcas na língua” (GRILLO; GLUSHKOVA, 2016GRILLO, S. V. de C.; GLUSHKOVA, M. A divulgação científica no Brasil e na Rússia: um ensaio de análise comparativa de discursos. Bakhtiniana, v. 11, 2016, p.69-92. DOI: https://doi.org/10.1590/2176-457323556.
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, p.76). Essa premissa também se confirma no artigo da autora presente no livro, trabalho no qual se debruça sobre a análise do emprego do inglês como língua franca, em alguns documentos de empresas multinacionais, e de sua tradução para o francês. Particularmente, a pesquisadora investiga textos que compõem o código de ética e algumas declarações oficiais que são distribuídos ao público (interno ou externo) de empresas que, na maioria dos casos, não têm o inglês como língua materna, mas que o utilizam com vistas a destacar o mérito das ações que desempenham. Por meio de pressupostos da ADC colocados em relação de diálogo com a análise interpretativa da cultura, Tréguer-Felten revela de que modo discursos produzidos em variadas situações de trabalho contribuem para a cristalização de certas relações entre línguas, culturas e sociedades.

O estudo de Darya Shchukina - “Linguoculturologia: a comparação entre linguagens e culturas” - volta-se ao trabalho realizado atualmente por pesquisadores russos na disciplina de Linguoculturologia, surgida há cerca de dez anos no país, caracterizada por seu aspecto interdisciplinar (com suas raízes no entrecruzamento das áreas da comunicação, da linguística, da culturologia e da psicologia), que tem o objetivo principal de estudar o impacto da cultura na língua e vice-versa. A Linguoculturologia, na Rússia, segundo a autora demonstra nesse texto, a partir da análise de discursos sobre os aniversários de fundação das cidades de Riga e São Petersburgo, explora formas de representar a cultura material e espiritual de um povo por meio de sua(s) língua(s).

De modo geral, pode-se afirmar que os dois textos que compõem a segunda seção do livro destacam-se, entre outros aspectos, pela riqueza de informações linguísticas, discursivas e culturais advindas das diferentes situações enunciativas nos países em foco. É importante ratificar que a dimensão cultural exerce um papel fundamental nas pesquisas situadas no âmbito da ADC, pois “permite a visualização, por um lado, das diferentes camadas de representações sociais que circulam em uma comunidade e, por outro, [de] como essas representações se materializam discursivamente por meio de marcadores linguísticos e não-linguísticos” (SARDÁ et al., 2022SARDÁ, D.; CAVALCANTE FILHO, U; SANTOS, Y. A. B; GONÇALVES-SEGUNDO, P. R. A análise de discursos comparativa e outras abordagens comparativistas em ciências da linguagem. Linha D’Água, 35 (2), 2022, p.1-15. DOI: http://doi.org/10.11606/issn.2236-4242.v35i2p1-15.
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, p.3-4).

A terceira e maior seção da obra - Comparação e Gêneros do Discurso: a produção de conhecimentos - é composta de cinco artigos: i) “Comparação e categorias para a análise do discurso - O exemplo dos blogs de vulgarização científica”, de Sandrine Reboul-Touré (Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3); ii) “Aspectos da divulgação científica em blogs brasileiros”, escrito por Flávia Machado (Université Paris Nanterre); iii) “Traços de didaticidade na divulgação científica: uma análise dialógico-comparativa do discurso de Ciência Hoje e La Recherche”, de Urbano Cavalcante Filho (Universidade de São Paulo); iv) “Philosophie Magazine e Filosofia Ciência & Vida: um suporte pedagógico e uma ferramenta para a interpretação da atualidade midiática”, de Daniele Sardá (Universidade de São Paulo); e v) “Uma análise comparativa das conversações midiáticas com cientistas: a falta de água no Brasil e na Rússia”, de Maria Glushkova (Universidade de São Paulo).

Os trabalhos apresentados nos textos de Sandrine Reboul-Touré e de Flávia Machado têm íntima relação de diálogo. Ambas as pesquisadoras comparam o mesmo gênero: blogs de vulgarização/divulgação científica em francês (Reboul-Touré) e em português (Machado) e se debruçam sobre categorias linguísticas e discursivas para ponderar a respeito dos contextos específicos em que seus corpora se inserem. A própria escolha da denominação por vulgarização ou divulgação científica já revela importantes descobertas de pesquisas situadas na Análise de Discursos Comparativa em dois contextos culturais distintos: França e Brasil.

Os próximos três artigos desta seção do livro trazem resultados de pesquisas feitas por membros do Grupo Diálogo (CNPq/USP). Esses trabalhos, a partir da seleção de diversos corpora, exemplificam a qualidade e profundidade das análises que têm sido propostas por integrantes desse Grupo, considerando que “no Brasil, a análise de discursos comparativa é marcada, preponderantemente, pela articulação com as reflexões teórico-metodológicas levadas a cabo por Bakhtin e o Círculo” (SARDÁ et al., 2022SARDÁ, D.; CAVALCANTE FILHO, U; SANTOS, Y. A. B; GONÇALVES-SEGUNDO, P. R. A análise de discursos comparativa e outras abordagens comparativistas em ciências da linguagem. Linha D’Água, 35 (2), 2022, p.1-15. DOI: http://doi.org/10.11606/issn.2236-4242.v35i2p1-15.
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, no prelo). Grillo e Glushkova, no ano de 2016, ao proporem uma análise comparativa de discursos sobre a divulgação científica no Brasil e na Rússia, traçam um paralelo entre a produção de Bakhtin e o Círculo e os fundamentos da ADC, demonstrando que “No conjunto de textos por meio dos quais essa teoria da linguagem [a análise dialógica do discurso] é formulada, encontramos reiteradamente a comparação de fenômenos em culturas e línguas distintas” (GRILLO; GLUSHKOVA, 2016GRILLO, S. V. de C.; GLUSHKOVA, M. A divulgação científica no Brasil e na Rússia: um ensaio de análise comparativa de discursos. Bakhtiniana, v. 11, 2016, p.69-92. DOI: https://doi.org/10.1590/2176-457323556.
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, p.70).

Nessa perspectiva, a pesquisa de Urbano Cavalcante Filho - “Traços de didaticidade na divulgação científica: uma análise dialógico-comparativa do discurso de Ciência Hoje e La Recherche” - analisa as marcas de didaticidade presentes no discurso de divulgação científica nos periódicos Ciência Hoje (brasileiro) e La Recherche (francês), apontando semelhanças e diferenças significativas entre as duas línguas/culturas. O artigo de Daniela Sardá - “Philosophie Magazine e Filosofia Ciência & Vida: um suporte pedagógico e uma ferramenta para a interpretação da atualidade midiática” - elege dois periódicos que estão entre os mais populares na divulgação científica francesa e brasileira respectivamente para tratar da divulgação científica “como uma prática de reformulação ou de tradução do discurso científico como um discurso secundário” (GRILLO; GIERING; MOTTA-ROTH, 2016GRILLO, S. V. de C.; GIERING, M. E.; MOTTA-ROTH, D. Perspectivas discursivas da divulgação/popularização da ciência. Bakhtiniana, v. 11, n. 2, São Paulo, p.3-13, 2016. https://doi.org/10.1590/2176-457327166.
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) e comprovar o duplo papel social que esses periódicos desempenham nas diferentes comunidades linguísticas analisadas. Encerra esta penúltima seção do livro, o trabalho de Maria Glushkova - “Uma análise comparativa das conversações midiáticas com cientistas: a falta de água no Brasil e na Rússia” - cujo objetivo principal é realizar uma análise comparativa dos discursos extraídos de duas entrevistas orais gravadas, realizadas com cientistas brasileiros e russos acerca do mesmo tema: a falta de água. Assim, Glushkova aponta diferenças consideráveis existentes nas duas línguas/culturas quanto à relação entre sociedade e ciência no Brasil e na Rússia bem como ao papel da ciência tal como é compreendido em cada um desses países.

A última seção da obra - Comparação: abertura teórica - é composta por dois artigos de pesquisadoras situadas no contexto francês, da Université Sorbonne Nouvelle, intitulados: i) “Das exigências teóricas da comparação às contingências de um corpus particular: ‘immigrationniste’ em um discurso político de vocação polêmica”, de Sophie Moirand; e ii) “Comparar para compreender a comunicação institucional: análises discursivas das lógicas comunicacionais das campanhas de informação e educação”, de Florimond Rakotonoelina. Os textos disponíveis no final do livro nos convidam a “questionar a comparação tanto do ponto de vista teórico quanto do ponto de vista metodológico e a identificar melhor as exigências em torno dessa compreensão no campo das ciências da linguagem e no campo das com foco epistemológico em aberto” (p.28).

O texto de Sophie Moirand volta-se ao caminho que levou uma linguística do discurso comparado (baseada em dados intra ou interlinguais) para o estabelecimento da comparação entre declarações representadas diariamente na imprensa francesa durante a campanha presidencial de 2017. A autora coloca em evidência distintos elementos de um discurso político que se situa na fronteira entre a política e a mídia e mostra como fragmentos de “discursos representados”, fora de seus cotextos e contextos, assumem diferentes significados e valorações acerca dos mesmos eventos. O trabalho de Florimond Rakotonoelina, por sua vez, a partir de uma análise do discurso que relaciona a enunciação anglo-saxã e a enunciação indicial, faz uma comparação de campanhas institucionais de informação e educação disponíveis na internet, no que se refere às suas constituições lógicas e pragmáticas, a fim de compreender questões sociais envoltas nesse tipo de comunicação. O trabalho demonstra que um site, por exemplo, não se caracteriza por um discurso particular ou se configura como um gênero específico, mas constitui a sua organização lógica a partir da combinação de variados discursos e gêneros.

As sucintas observações realizadas a respeito dos textos que compõem o livro Analyse du discours et comparaison: enjeux théoriques et méthodologiques testemunham a relevância dos trabalhos contidos nessa obra para os estudiosos da Análise do Discurso e para as futuras pesquisas em torno de uma abordagem linguística dos estudos da comparação. Nesse sentido, é mister salientar também que, em tal perspectiva, a postura comparativa adotada pelo pesquisador nesse âmbito “requer o conhecimento das diferentes realidades em contato, aproximadas por um questionamento a ser respondido de maneira específica pelos vínculos estabelecidos entre os objetos, os sujeitos do conhecimento e os contextos externos a eles” (SARDÁ et al., 2022SARDÁ, D.; CAVALCANTE FILHO, U; SANTOS, Y. A. B; GONÇALVES-SEGUNDO, P. R. A análise de discursos comparativa e outras abordagens comparativistas em ciências da linguagem. Linha D’Água, 35 (2), 2022, p.1-15. DOI: http://doi.org/10.11606/issn.2236-4242.v35i2p1-15.
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, no prelo). Outrossim, vale ainda ressaltar também a acuidade com que os pesquisadores se debruçam aos diversos corpora disponíveis nos trabalhos que compõem essa obra, buscando melhor compreender as culturas discursivas, ou os “lugares”, “onde as representações sociais das comunidades manifestam[-se] discursivamente” (CAVALCANTE FILHO, 2018CAVALCANTE FILHO, U. A construção composicional em enunciados de divulgação científica: uma análise dialógico-comparativa de Ciência Hoje e La Recherche. Linha D’Água, [S. l.], v. 31, n. 3, p.99-120, 2018. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.22364242.v31i3p99-120.
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, p.106).

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    No decorrer do livro, encontramos tanto os termos Comparativa como Contrastiva para se referirem à abordagem em foco. Na França, os pesquisadores optam por Análise Contrastiva de Discurso, ao passo que, no Brasil, a designação Análise Comparativa de Discurso é preferível, considerando que contrastivo é comumente associado a trabalhos no campo do Estruturalismo linguístico.
  • 2
    No original: “(...) s’inscrivent, sur le plan theorique, dan une triple perspective: l’analyse des dicurso contrastive/comparative, le dialogisme de Bakhtine, Medvedev, Volóchinov et la linguoculturologie russe”.
  • 3
    No original: “Le défi de cet ouvrage est tout à fait spécifique: d’une part, examiner le rôle de la comparaison pour la description, la compréhension et l’interprétatiom des discours, et, d’autre part, rassembler autor de la comparaison des recherches sur des corpus diversifiés”.
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REFERÊNCIAS

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    » https://doi.org/10.11606/issn.22364242.v31i3p99-120
  • GRILLO, S. V. de C.; GLUSHKOVA, M. A divulgação científica no Brasil e na Rússia: um ensaio de análise comparativa de discursos. Bakhtiniana, v. 11, 2016, p.69-92. DOI: https://doi.org/10.1590/2176-457323556
    » https://doi.org/10.1590/2176-457323556
  • GRILLO, S. V. de C.; GIERING, M. E.; MOTTA-ROTH, D. Perspectivas discursivas da divulgação/popularização da ciência. Bakhtiniana, v. 11, n. 2, São Paulo, p.3-13, 2016. https://doi.org/10.1590/2176-457327166
    » https://doi.org/10.1590/2176-457327166
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2022
  • Aceito
    29 Ago 2022
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