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Reconhecendo a índole dialógica da paisagem: por uma semiótica marxista

RESUMO

O artigo objetiva defender a índole dialógica da paisagem. Trabalhando na fronteira entre a filosofia bakhtiniana da linguagem e os estudos culturais da paisagem, defendemos que a paisagem não seja estudada sem considerar as formas culturais de comunicação nos diferentes domínios da organização social – os gêneros discursivos; que toda paisagem é encontro semiótico com uma alteridade concreta; que o intérprete que emerge quando uma área entra em relação de representação é necessariamente caracterizado por um cronotopo; que toda paisagem é representação cronotópica; que a geografia cultural reconheça que os aspectos semióticos da paisagem são tão materiais quanto sua morfologia. Partimos da hipótese de que a paisagem é uma representação cronotópica que sempre se realiza através de algum gênero discursivo, pois sempre é um processo comunicativo e de encontro com o outro em uma situação de inter-relação socialmente organizada – é diálogo concreto. Para adentrar à profundeza de seus sentidos, precisa-se reconhecer e compreender sua índole material, histórica, geográfica e dialógica.

PALAVRAS-CHAVE:
Geografia cultural; Dialogismo; Gêneros do discurso; Cronotopo; Materialismo histórico

ABSTRACT

This article aims to defend the dialogical nature of the landscape. Working in between the borders of the Bakhtinian philosophy of language and cultural studies on landscape, we defend that landscape study should not be studied without considering the cultural forms of communication in the different domains of social organization– the speech genres; that landscape is a semiotic encounter with a concrete otherness; that the interpreter who emerges when an area enters a relationship of representation is necessarily characterized as a chronotope; that every landscape is a chronotopic representation; that cultural geography recognizes that the semiotic aspects of the landscape are as material as its morphology. We start from the hypothesis that landscape is a chronotopic representation that is always made possible by means of some speech genre, because it is always a communicative process, and an encounter with another in a situation of socially organized interrelation – it is concrete dialogue. To find the deeper meaning of a landscape, one must recognize and understand its material, historical, geographical, and dialogic nature.

KEYWORDS:
Cultural geography; Dialogism; Speech genres; Chronotope; Historical materialism

Introdução

Das inúmeras contribuições de Denis Cosgrove à geografia cultural e, mais especificamente, ao pensamento da paisagem, trazemos para discussão, neste artigo, a premissa que está, explícita ou implicitamente, presente em todos os seus trabalhos, a saber: a paisagem deve ser tratada sobre uma base marxista de interpretação dos processos culturais. Premissa essa que o autor defendeu ao identificar que as duas abordagens distintas popularizadas nos estudos da paisagem, ecológica (material) e semiótica (simbólica), não eram suficientes para o objeto. A interpretação marxista é, para o autor, a possibilidade, pois reconhece que o mundo vivido, ainda que simbolicamente constituído, é material, e que não se deve recusar sua objetividade. Que a paisagem, portanto,

não é mero produto de uma consciência humana desimpedida, mas é precisamente o encontro coletivo de sujeito e objeto, da consciência e do mundo material [...]. Manter a dialética da cultura e natureza sem cair no idealismo [abordagem semiótica] ou no materialismo reducionista [abordagem ecológica] é o principal problema teórico para o materialismo histórico [...] e, assim, para construir uma geografia marxista (COSGROVE, 1998, p.7COSGROVE, D. E. Em direção a uma geografia cultural radical: problemas da teoria. Espaço e cultura, Rio de Janeiro, v. 5, p.5-29, 1998.).

Fica notório, portanto, que o autor pede explicitamente cooperação, respeito mútuo e entendimento entre essas duas abordagens, sustentando que nenhuma interpretação ou política ecológica pode ignorar o efeito dos processos culturais de criação de significado, pois “os significados culturais são investidos e moldam um mundo cuja ‘natureza’ [o mundo material] é conhecida apenas pela cognição e representação humana e, portanto, é sempre mediada simbolicamente” (COSGROVE, 2003, p.15COSGROVE, D. E. Landscape: Ecology and Semiosis. In: PALANG, H., FRY, G. (eds.). Landscape Interfaces. Cultural Heritage in Changing Landscapes. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2003, p.15–20.)1 1 Tradução nossa. Texto original: “which cultural meanings are invested into and shape a world whose ‘nature’ is known only through human cognition and representation, and is thus always symbolically mediated”. . Do mesmo modo, deve-se reconhecer também que nenhuma interpretação semiótica da paisagem pode ignorar o fato “desse significado sempre estar enraizado nos processos materiais da vida” (COSGROVE, 2003, p.15COSGROVE, D. E. Landscape: Ecology and Semiosis. In: PALANG, H., FRY, G. (eds.). Landscape Interfaces. Cultural Heritage in Changing Landscapes. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2003, p.15–20.)2 2 Tradução nossa. Texto original: “that meaning is always rooted in the material processes of life”. . Deve-se perceber, dos excertos citados acima, que Cosgrove (2003)COSGROVE, D. E. Landscape: Ecology and Semiosis. In: PALANG, H., FRY, G. (eds.). Landscape Interfaces. Cultural Heritage in Changing Landscapes. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2003, p.15–20., em seu projeto teórico, propôs tratar a paisagem através de uma semiótica marxista, ou seja, materialista histórica; através de uma semiótica que reconhece a materialidade dos processos simbólicos, seu enraizamento social e histórico, cultural. Uma semiótica, portanto, que considera a interação dialética de conteúdo-forma na paisagem, na atividade objetiva/subjetiva dos humanos. Como diriam Lagopoulos e Boklund-Lagopoulou (2015, p.35)LAGOPOULOS, B. P.; BOKLUND-LAGOPOULOU, K. Meaning and Geography: The Social Conception of the Region in Northern Greece. Berlim: Walter de Gruyter GmbH & Co KG, 2015.3 3 “a materialist social semiotics applicable to all cultural signifying systems”. , uma semiótica social materialista.

A geografia não pode mais ser vista como uma ciência exclusivamente espacial, e é nesse sentido que a geografia marxista tem sido especialmente bem-sucedida. Não é por acaso que a maioria dos geógrafos subjetivistas que sugeriu a questão da conexão entre subjetivismo e objetivismo estava se referindo à geografia marxista – é o caso de Cosgrove. É por isso que parece razoável direcionar nossa atenção para essa tendência de integração da semiótica à geografia – da semiótica à paisagem. O pré-requisito para essa integração, porém, é a articulação mais geral entre semiótica e marxismo. Essa questão não é nova, mas a tendência marxista na semiótica está, segundo Lagopoulos (1993)LAGOPOULOS, A. P. Postmodernism, Geography, and the Social Semiotics of Space. Environment and Planning D: Society and Space, v. 11, n. 3, p.255-278, 1993., claramente sub-representada e algumas das tentativas mais notáveis, como as de Godelier (1973GODELIER, M. Horizon, Trajets Marxistes en Anthropologic. Paris: Maspero, 1973., 1978GODELIER, M. La part ideelle du reel: essai sur l’ideologique. L’Homme, v. 18, p.155-188, 1978.) e Bourdieu (1971)BOURDIEU, P. Le marche des biens symboliques. L’Atmee Sociologique troisieme seric, v. 22, p.49-126, 1971., “permaneceram fora da semiótica propriamente dita” (LAGOPOULOS, p.269)4 4 Tradução nossa. Texto original: “have remained outside semiotics proper”. . A tentativa mais antiga desse tipo, e que tomamos como base para o desenvolvimento deste artigo, remonta à União Soviética na década de 1920 e foi realizada pelo Círculo de Bakhtin5 5 Círculo de Bakhtin é o nome dado aos pesquisadores e intelectuais contemporâneos de origens disciplinares diversificadas como Matvei I. Kavan (filósofo), Ivan I. Kanaev (biólogo), Maria V. Yudina (musicista), Lev V. Pumpiannki (crítico literário) e os três mais populares no Brasil por suas obras: Mikhail M. Bakhtin, Valentin N. Volóchinov e Pavel N. Medviédev, que se reuniram entre os anos de 1919 e 1974. Cabe destacar que, como asseguram Brait e Campos (2009), os membros do Círculo se encontravam de forma não regular, devido ao stalinismo. Regularidade mesmo somente no fim da década de 1910. .

Tendo em vista o crescente reconhecimento das contribuições oferecidas pelo Círculo de Bakhtin à construção de uma semiótica materialista marxista, buscamos, tomando os aportes desenvolvidos, sobretudo, nas noções de cronotopo (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, M. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Organização da edição russa por Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2018.) e gênero discursivo (BAKHTIN, 2011BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p.261-306.), expandir as discussões presentes na premissa defendida por Cosgrove (2003)COSGROVE, D. E. Landscape: Ecology and Semiosis. In: PALANG, H., FRY, G. (eds.). Landscape Interfaces. Cultural Heritage in Changing Landscapes. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2003, p.15–20.. Isso, pois, como defende Lindström, Kul e Palang (2014, p.126)LINDSTRÖM, K.; KULL, K.; PALANG, H. Landscape Semiotics: Contribution to Culture Theory. In: LANG, V.; KULL, K. Estonian Approaches to Culture Theory. Approaches to Culture Theory 4. Tartu: University of Tartu Press, 2014, p.110-132.6 6 Tradução nossa. Texto original: “Landscape is an inherently dialogical phenomenon and communication lies at the core of semiotic processes in landscapes”. , “A paisagem é um fenômeno inerentemente dialógico e a comunicação está no centro dos processos semióticos da paisagem”. Assim, defendemos que a semiótica marxista, na sua interpretação dialógica oferecida pelo Círculo de Bakhtin,

pode fornecer ferramentas adequadas para analisar os processos de formação da paisagem, porque sempre resultam da comunicação multipartidária e dependem da categorização dos sinais dos participantes. O potencial das ideias semióticas de Mikhail Bakhtin (como cronotopo, dialogismo e heteroglossia) [...] não pode ser subestimado a esse respeito (LINDSTRÖM et.al., 2014, p.126LINDSTRÖM, K.; KULL, K.; PALANG, H. Landscape Semiotics: Contribution to Culture Theory. In: LANG, V.; KULL, K. Estonian Approaches to Culture Theory. Approaches to Culture Theory 4. Tartu: University of Tartu Press, 2014, p.110-132.)7 7 Tradução nossa. Texto original: “can provide adequate tools for analysing processes of landscape formation, because they are always a result of multi-party communication and depend on the sign categorisation of the participants. The potential for the semiotic ideas of Mikhail Bakhtin (such as chronotope, dialogism and heteroglossia) […] cannot be underestimated in this respect”. .

É, portanto, trabalhando em área de fronteira com os estudos dialógicos da linguagem que defendemos neste artigo que a paisagem não pode ser estudada sem considerar as diversas formas culturais de comunicação nos diferentes domínios da organização social – os gêneros discursivos; que a paisagem não pode ser compreendida nem estudada em nenhuma das suas funções sem considerar as formas de inter-relação organizada entre as pessoas, entre as quais ela se encontra como um corpo ideológico de sua comunicação; e, por fim, que a índole da paisagem é dialógica. Nesse sentido, partimos da hipótese de que a paisagem sempre se realiza dentro de um gênero discursivo, pois sempre é um processo comunicativo e de encontro com o outro em uma situação de inter-relação socialmente organizada – é diálogo concreto (SOEIRO et al., 2020SOEIRO, Í. C. de M.; CARNEIRO, A. R. S.; RODRIGUES, S. G. C. A índole dialógica da paisagem: uma contribuição ao estudo geográfico de projetos urbanos em fase inicial. Caderno de Geografia, v. 30, n. 63, p.1074-1101, 2020.). Para que adentremos à profundeza de seus sentidos, deve-se, portanto, reconhecer e compreender sua índole geográfica, histórica e dialógica.

Para melhor posicionar nossa construção, cabe aclarar que até hoje se busca, nos estudos da paisagem, um equilíbrio entre a abordagem ecológica (material) e semiótica (simbólica). Isso, pois como argumentam Lagopoulos e Boklund-Lagopoulou (2015)LAGOPOULOS, B. P.; BOKLUND-LAGOPOULOU, K. Meaning and Geography: The Social Conception of the Region in Northern Greece. Berlim: Walter de Gruyter GmbH & Co KG, 2015., uma fraqueza epistemológica fundamental, caracteriza a geografia: uma divisão entre abordagens subjetivistas e objetivistas. A geografia marxista, nesse contexto, tenta fornecer um paradigma ligando os dois. No materialismo histórico, consciência e ideologia não são os fatores primários que moldam a sociedade, nem são independentes da práxis social material. Em vez disso, a prática ideológica depende da prática material – os sujeitos são sociais e históricos e a paisagem é um produto social e histórico. O marxismo pode, assim, fornecer aos geógrafos e demais estudiosos da paisagem uma teoria materialista da consciência, da subjetividade e da ideologia ou, como propõe Bakhtin (1981)BAKHTIN, M. The Dialogic Imagination. Translated by Caryl Emerson and Michael Holquist. Austin: University of Texas Press, 1981., uma teoria da imaginação dialógica.

A integração da semiótica com a teoria marxista da ideologia, porém, esbarra em um problema fundamental, a saber: o materialismo histórico vê a semiose brotando de processos materiais, enquanto a semiótica estruturalista se baseia no positivismo lógico (Saussure, Levi Strauss) e destaca a semiose dos processos sócio-históricos. Também há sinais de idealismo neokantiano na semiótica europeia. Portanto, a articulação do marxismo com a semiótica não se mostra fácil.

Cientes dos desafios que o objeto nos impõe, pode-se dizer que o presente artigo se insere no círculo de diálogo que se forma em torno da paisagem e que busca, através de distintos métodos, encontrar a cooperação e o respeito mútuo entre as abordagens de que nos fala Cosgrove (2003)COSGROVE, D. E. Landscape: Ecology and Semiosis. In: PALANG, H., FRY, G. (eds.). Landscape Interfaces. Cultural Heritage in Changing Landscapes. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2003, p.15–20.. Nossa contribuição parte, explicitamente, assim como propôs Cosgrove (1984COSGROVE, D. E. Landscape as Cultural Product. In: SWAFFIELD, S. R. (ed.). Theory in Landscape Architecture: A Reader. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1984, p.165-166., 2003COSGROVE, D. E. Landscape: Ecology and Semiosis. In: PALANG, H., FRY, G. (eds.). Landscape Interfaces. Cultural Heritage in Changing Landscapes. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2003, p.15–20.), de uma abordagem materialista histórica. Parte, mais especificamente, de sua interpretação dialógica oferecida pelos teóricos do Círculo de Bakhtin.

Visando à discussão ora apresentada, o presente artigo está estruturado da seguinte forma: em “Paisagem é diálogo?” (primeira seção), discute-se a relação ontológica entre paisagem e diálogo e demonstra-se que se deve reconhecer tal condição nos estudos culturais da geografia; em “Paisagem do texto ao gênero discursivo” (segunda seção), busca-se aclarar a distinção entre as abordagens semióticas estruturalistas e pós-estruturalistas que predominam nos estudos da paisagem e a abordagem dialógica da paisagem viabilizada, sobretudo, através da noção bakhtiniana de gêneros discursivos; em “Paisagem: do materialismo reducionista ao dialógico” (terceira seção), demonstra-se que a abordagem semiótica marxista proposta no dialogismo do Círculo de Bakhtin não pode ser confundida com outras abordagens materialistas reducionistas da paisagem. Por fim, em “Conclusões”, deixa-se algumas considerações com o intento de continuar contribuindo para os debates sobre o tema ora proposto. Em seu conjunto, o presente artigo abre, talvez, muito mais questões que apresenta respostas. Mas, como nenhum projeto teórico se impõe por si mesmo, abrir nossas inquietações e encaminhamentos, mesmo que em estado embrionário, pareceu-nos oportuno.

1 Paisagem é diálogo?

Para Bakhtin (1981BAKHTIN, M. The Dialogic Imagination. Translated by Caryl Emerson and Michael Holquist. Austin: University of Texas Press, 1981., 2011BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p.261-306., 2018BAKHTIN, M. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Organização da edição russa por Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2018.), o diálogo é a condição humana fundamental da troca constante e contínua com um outro8 8 No que diz respeito ao conceito bakhtiniano de outro, seria prudente alertar que em nada tem a ver com o da psicanálise. Bakhtin tem sua própria concepção particular do individual e do social. Segundo essa concepção, o desenvolvimento da comunicação tem seu ponto de partida na comunicação interindividual, que está na base psicológica da formação da psique individual. A primeira comunicação social em que um sujeito participa reside, em geral, no circuito familiar: os entes familiares são os primeiros olhares de fora que o sujeito experimenta, as primeiras valorações de si mesmo que lhe são dadas. Por esse motivo, o outro é essencial na formação do indivíduo. externo. Considerando tal noção de diálogo para responder à pergunta que intitula este tópico do artigo, respondemos que sim. Paisagem é, sem dúvida, diálogo. Para aclarar nossa resposta, devemos lembrar que tudo na conduta humana está associado à linguagem e é significante, interpretável e faz parte de uma ideologia; todo gesto e praticamente toda função – mesmo animal – do humano significam algo além de sua expressão fisiológica, marca seu pertencimento a uma sociedade e sinaliza a presença do outro em toda ação. Devemos lembrar, portanto, que todos os objetos ideológicos, incluindo a paisagem, pertencem às relações sociais e não à utilização, à contemplação, à vivência e ao deleite hedonista individuais, autônomo; é diálogo, pois não nos relacionamos pura e diretamente com os elementos que compõem uma paisagem – não nos relacionamos pura e diretamente com sua ancoragem ontológica, com sua morfologia, com sua objetividade -, uma vez que estes já se encontram, histórica e geograficamente, semiotizados pelas palavras do outro. Contemplar ou viver uma paisagem é, portanto, sempre um processo de interpretação e resposta à palavra do outro; é sempre uma atitude responsiva ativa e aberta; é sempre um processo, conflituoso, solidário e incessante de diálogo; é, por fim, sempre uma situação de comunicação entre o mesmo e o outro. A relação sujeito-objeto, assim, é sempre atravessada pela relação intersubjetiva, pela relação entre o mesmo e o outro – atravessada pelo diálogo. É por isso que defendemos que a paisagem deve ser compreendida como fenômeno dialógico, que não é nem uma mera presença e nem uma pura representação, mas o fruto do encontro entre o mundo (semiotizado pela palavra do outro) e um ponto de vista.

É verdade que não somos os primeiros a identificar nas teorias do diálogo atributos interessantes ao pensamento da paisagem. Whiston Spirn (1998)SPIRN, A. W. The Language of Landscape. Yale: University Press, 1998., por exemplo, afirma que as teorias do diálogo são amplas o suficiente para convidar a uma reformulação da forma como pensamos sobre a interação humana e paisagística. Antes mesmo de Spirn, convém lembrar da contribuição de Mireya Folch-Serra (1990)FOLCH-SERRA, M. Place, Voice, Space: Mikhail Bakhtin’s Dialogical Landscape. Environment and Planning D: Society and Space, v. 8, n. 3, p.255-274, 1990. que, ainda mais próxima de nós por explorar a epistemologia do filósofo e crítico literário Mikhail Bakhtin, já demostrara bastante intimidade com a teoria dialógica ao defender que as paisagens são objetos de sentido que põem em relação múltiplas vozes, geográfica e historicamente, direcionadas a elas. Devemos reconhecer, portanto, que no entorno de todas as paisagens se formam como que círculos crescentes de respostas e ressonâncias verbais; círculos crescentes de diálogos (conflituosos e solidários). Folch-Serra (1990)FOLCH-SERRA, M. Place, Voice, Space: Mikhail Bakhtin’s Dialogical Landscape. Environment and Planning D: Society and Space, v. 8, n. 3, p.255-274, 1990. vai defender, nesse sentido, que a paisagem não é apenas morfologicamente visível no espaço, mas também discursivamente visível no tempo através do diálogo. Círculos crescentes, pois no diálogo não há possibilidade de compreensão universal. A heteroglossia – termo bakhtiniano para descrever o número infinito de interpretações, contextos e vozes, mesmo dentro de uma única língua – é enriquecedora porque os participantes nunca se entendem completamente, portanto, continuando o diálogo (FOLCH-SERRA, 1990FOLCH-SERRA, M. Place, Voice, Space: Mikhail Bakhtin’s Dialogical Landscape. Environment and Planning D: Society and Space, v. 8, n. 3, p.255-274, 1990.).

Estamos seguros de que poderíamos submergir no dialogismo bakhtiniano por qualquer uma de suas categorias e conceitos que certamente alcançaríamos nosso objetivo. Dizemos isso, pois seu arcabouço teórico se encontra tramado de tal maneira que qualquer porta de entrada que propuséssemos nos direcionaria aos demais elementos de seu conjunto teórico. Porém, optamos por utilizar como porta de entrada a noção de cronotopo (tempo-espaço), pois é a categoria que versa mais abertamente sobre o espaço e o tempo – refletindo sobre paisagem, não poderíamos escolher porta de entrada mais conveniente. Por estar diretamente ligada às formas de representação do espaço e tempo, essa se fez uma das poucas categorias bakhtinianas já assimiladas por alguns geógrafos9 9 O cronotopo foi utilizado pela primeira vez em Geografia na década de 1990 por Mireya Folch-Serra. Folch-Serra aproximou-se da noção bakhtiniana de cronotopo e, numa abordagem dialógica, concebe o espaço como produto de interações dialógicas contínua de várias afirmações, discursos, vozes – um cronotopo específico baseado na proporção atual de forças centrípetas (monológicas) e centrífugas (dialógicas) opostas (FOLCH-SERRA, 1990, p.255-258). A autora também aponta para a possibilidade de a Geografia analisar a composição dos espaços a partir de produções discursivas, textuais e literárias. Os conceitos de Folch-Serra vão além da mera ‘visibilidade gráfica’ da paisagem, região, lugar e território em um contexto espacial e focam na ‘visibilidade discursiva’ no tempo, excedendo assim os critérios visuais necessários e transformando geógrafos em intérpretes de condições espaço-temporais (HOLLOWAY; KNEALE, 2000, p.82-83). e estudiosos da espacialidade (FOLCH-SERRA, 1990FOLCH-SERRA, M. Place, Voice, Space: Mikhail Bakhtin’s Dialogical Landscape. Environment and Planning D: Society and Space, v. 8, n. 3, p.255-274, 1990.; HOLLOWAY; KNEALE, 2000HOLLOWAY, J.; KNEALE, J. Mikhail Bakhtin: Dialogics of Space. In: CRANG, M.; THRIFT, N. (org.), Thinking space. Londres: Routledge, 2000, p.71-88.; CRANG, 2001CRANG, M. Temporalised Space and Motion. In: MAY, J.; THRIFT, N. (org.), Timespace: Geographies of Temporality. London: Routledge, 2001, p.187-207.; LAWSON, 2011LAWSON, J. Chronotope, Story, and Historical Geography: Mikhail Bakhtin and the Space- Time of Narratives. Antipode, v. 43, n. 2, p.384-412, 2011.; CALCATINGE, 2012CALCATINGE, A. The Need for a Cultural Landscape Theory: An Architect’s Approach. Berlim: LIT Verlag Münster, 2012.; OSMAN et.al., 2019OSMAN, R.; MULÍČEK, O.; SEIDENGLANZ, D. Regional Heteroglossia: the Metropolitan Region as a Dialogical Landscape. European Planning Studies, v. 27, n. 11, p.2079-2098, 2019.) - o que facilita nosso deslocamento e interlocução.

O que Bakhtin nomeia de cronotopo? Qual a relação do cronotopo com a paisagem? De maneira concisa, cronotopo é a interligação ontológica das relações de espaço e tempo como foram assimiladas nos gêneros discursivos. Cabe destacar que esse termo, como bem alerta Bakhtin (2018)BAKHTIN, M. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Organização da edição russa por Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2018., é empregado nas ciências matemáticas e foi introduzido e fundamentado com base na teoria da relatividade (Einstein). No entanto, ainda que a área de gênese da noção tenha sido a Física, para o autor não importava o seu sentido específico na teoria da relatividade, e ele a transferiu para o campo dos estudos literários e estéticos – quase como uma metáfora. O que importava nesse termo a Bakhtin era a expressão de inseparabilidade do espaço e do tempo nas representações do mundo através de um gênero discursivo.

Bakhtin, para se posicionar melhor, emprega esse entendimento na análise de obras literárias e concebe o cronotopo como uma categoria constitutiva capaz de expressar a inseparabilidade do tempo e do espaço. Nela, pistas espaciais e temporais se fundem em uma unidade significativa e concreta – o tempo engrossa, toma forma e se materializa, enquanto o espaço adquire significado e é medido pelo tempo (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, M. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Organização da edição russa por Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2018.). Bakhtin refere-se a este mundo como um mundo que cria texto, literatura, cenários etc, mas que também contribui para a sua representação, produção e reprodução. Os textos literários representam, assim, a cultura temporal e espacial (isto é, cronotópica) de uma sociedade na época de sua criação (FOLCH-SERRA, 1990, p.262FOLCH-SERRA, M. Place, Voice, Space: Mikhail Bakhtin’s Dialogical Landscape. Environment and Planning D: Society and Space, v. 8, n. 3, p.255-274, 1990.) – cabe alertar que não só os gêneros literários, mas todos os gêneros discursivos, primários ou secundários10 10 É de especial relevância reconhecer uma distinção essencial entre gêneros discursivos primários (simples) e secundários (complexos) – não se trata, porém, de uma distinção funcional. Os gêneros discursivos secundários (romances, dramas, pesquisas cientificas de toda espécie, projeto urbanos, etc.) são produtos de um convívio cultural mais complexo, desenvolvido e organizado. No processo de sua formação, eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários, que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata (BAKHTIN, 2011). , assimilam e representam, à sua maneira, o espaço e o tempo concretos.

O interessante a se destacar aqui é que o conceito de cronotopo tem potencial para estudos de aspectos espaço-temporais das paisagens (ver, por exemplo, CALCATINGE, 2012CALCATINGE, A. The Need for a Cultural Landscape Theory: An Architect’s Approach. Berlim: LIT Verlag Münster, 2012.; FOLCHSERRA, 1990FOLCH-SERRA, M. Place, Voice, Space: Mikhail Bakhtin’s Dialogical Landscape. Environment and Planning D: Society and Space, v. 8, n. 3, p.255-274, 1990.; LINDSTRÖM; KULL; PALANG, 2011LINDSTRÖM, K.; KULL, K.; PALANG, H. Semiotic Study of Landscapes: An Overview from Semiology to Ecosemiotics. Sign Systems Studies, v. 39. n. 2, p.12-36, 2011.). Mais que isso, que “[a]s características do cronotopo, descritas por Bakhtin e seus seguidores, apresentam bem as características semióticas da paisagem” (LINDSTRÖM, et. al ., 2014, p.121LINDSTRÖM, K.; KULL, K.; PALANG, H. Landscape Semiotics: Contribution to Culture Theory. In: LANG, V.; KULL, K. Estonian Approaches to Culture Theory. Approaches to Culture Theory 4. Tartu: University of Tartu Press, 2014, p.110-132.). Descrevendo uma pintura de paisagem, Tim Ingold pensa que a temporalidade assume forma visível em uma paisagem e escreve:

Não muito longe, aninhada em um bosque de árvores perto do topo da colina, há uma igreja de pedra. [...] Eles têm mais em comum, talvez, do que aparentam. Ambos possuem os atributos do que Bakhtin (1981, p.84)BAKHTIN, M. The Dialogic Imagination. Translated by Caryl Emerson and Michael Holquist. Austin: University of Texas Press, 1981. chama de “cronotopo” – isto é, um lugar carregado de temporalidade, no qual a temporalidade assume uma forma palpável (INGOLD, 2000, p.205INGOLD, T. The Perception of the Environment: Essays on Livelihood, Dwelling and Skill. New York: Routledge, 2000.)11 11 Tradução nossa. Texto original: “Not far off, nestled in a grove of trees near the top of the hill, is a stone church. [...] They have more in common, perhaps, than meets the eye. Both possess the attributes of what Bakhtin (1981, p.84) calls a ‘chronotope’ – that is, a place charged with temporality, one in which temporality takes on palpable form”. .

De fato, o espaço-tempo, não só no sentido físico, mas também no sentido semiótico, o cronotopo, é o próprio núcleo da paisagem, se não for idêntico a ela. Esse conceito representa o lugar temporalizado através de uma conversa de bar, de uma troca de opiniões no teatro ou concerto, de um quadro, de um romance, de uma tese, ou mesmo de um projeto urbanístico – através de um gênero discursivo.

Uma análise minuciosa é fornecida por Alexandru Calcatinge (2012)CALCATINGE, A. The Need for a Cultural Landscape Theory: An Architect’s Approach. Berlim: LIT Verlag Münster, 2012., que menciona: “Para o estudo da paisagem cultural, a importância do conceito de cronotopo deve ser reconhecida através de várias direções de abordagem” (CALCATINGE, 2012, p.144CALCATINGE, A. The Need for a Cultural Landscape Theory: An Architect’s Approach. Berlim: LIT Verlag Münster, 2012.)12 12 Tradução nossa. Texto original: “For the study of cultural landscape the importance of the concept chronotope must be acknowledged through several approach directions”. . Ou mesmo Mireya Folch-Serra, que, fornecendo uma revisão da aplicação do conceito de cronotopo na geografia, observa, entre outras coisas, que “a principal lição a ser tirada da tipologia de Bakhtin é que não existe um cronotopo único e atemporal/mestre” (FOLCH-SERRA, 1990, p.264FOLCH-SERRA, M. Place, Voice, Space: Mikhail Bakhtin’s Dialogical Landscape. Environment and Planning D: Society and Space, v. 8, n. 3, p.255-274, 1990.)13 13 Tradução nossa. Texto original: “the main lesson to be taken from Bakhtin’s typology is that there is no single, timeless/master chronotope”. .

Embora o conceito original de cronotopo de Bakhtin tenha surgido na estrutura de sua teoria do romance, é importante observar que a noção é igualmente aplicável a paisagens representadas através de outros gêneros discursivos. Como a paisagem é denominada área percebida pelas pessoas, inclui um elemento interpretativo-semiótico por definição. O intérprete que emerge quando uma área entra em relação de representação é necessariamente caracterizado por um cronotopo. Ao representar uma área/território através de algum gênero discursivo, apenas “assimilaram-se apenas alguns aspectos determinados do cronotopo, acessíveis em dadas condições históricas, elavoraram-se apenas certas formas de representação artística do cronotopo real” (BAKHTIN, 2018, p.12-13BAKHTIN, M. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Organização da edição russa por Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2018.).

Fica evidente, assim, que, desde sua origem, há uma estreita relação entre paisagem, cronotopo e gêneros discursivos. “Pode-se dizer, sem rodeios, que o gênero e as modalidades de gênero são determinados justamente pelo cronotopo” (BAKHTIN, 2018, p.11BAKHTIN, M. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Organização da edição russa por Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2018.) – determinados, justamente, pelo espaço e tempo reais. Porém, deve-se ter em conta que não existe identidade entre o cronotopo e sua representação em um gênero discursivo. Não existe identidade, pois, conforme alertara o autor, a assimilação do cronotopo real e histórico (paisagem) num gênero discursivo sempre será ideológica. Ideológica porque transcorre de modo complexo e descontínuo. Deste modo, pode-se dizer que cada situação socialmente organizada, no tempo e no espaço, produz, culturalmente, um ou mais gêneros discursivos que, por sua vez, possibilitam formas únicas de visão, compreensão e representação da realidade, que são acessíveis somente a eles.

Assim como a arte gráfica é capaz de dominar aspectos da forma espacial que a pintura é incapaz de alcançar e vice-versa, igualmente, nas artes verbais, os gêneros líricos, para dar um exemplo, possuem meios de atribuir forma conceitual à realidade e à vida que são inacessíveis ou menos acessíveis à novela ou ao drama [...] Cada um dos gêneros efetivamente essenciais é um complexo sistema de meios e métodos de domínio consciente e de acabamento da realidade (MEDVIÉDEV, 2012, p.198MEDVIÉDEV, P.O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução e notas de tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Apresentação de Beth Brait. Prefácio de Sheila Vieira de Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012.).

Em sendo assim, o processo de assimilação do tempo-espaço nos gêneros do discurso sempre compreende um elemento axiológico. Ou seja, todo processo de representação de uma paisagem se dá através de um gênero discursivo, passando, assim, não só pelo campo da existência espaço-temporal, mas também pelo campo semântico e ideológico – o material e o simbólico encarnados na paisagem. Para Bakhtin, portanto, os gêneros do discurso não só têm relação como são a ferramenta analítica central para entender as diferentes formas de representação do real; para entender os diferentes sentidos de uma paisagem, sua heteroglossia; para entender a dialogicidade em torno de uma paisagem.

2 Paisagem: do texto ao gênero discursivo

Como vimos no tópico anterior, é inegável a estreita relação entre paisagem e diálogo. Uma relação que é especialmente evidente quando reconhecemos que toda paisagem é uma representação cronotópica que se realiza através de um gênero discursivo. Não se deve confundir, porém, a relação entre gênero discursivo e paisagem com a popularizada abordagem denominada de paisagem como texto. É verdade que existem certas aproximações, mas um rasgo definidor separa as duas abordagens, a saber: a paisagem como um texto guarda características estruturalistas em seu desenvolvimento. O caráter estruturalista é marcante, pois, conforme assegura Lindström et al. (2014)LINDSTRÖM, K.; KULL, K.; PALANG, H. Landscape Semiotics: Contribution to Culture Theory. In: LANG, V.; KULL, K. Estonian Approaches to Culture Theory. Approaches to Culture Theory 4. Tartu: University of Tartu Press, 2014, p.110-132., dita abordagem encontra inspiração, sobretudo, nos trabalhos de Saussure, Eco, Barthes e Greimas. A paisagem, assim, é concebida como dispositivos de comunicação produzidos por autores para transmitir informações aos leitores (DUNCAN, 1990DUNCAN, J. S. The City as Text: The Politics of Landscape Interpretation in the Kandyan Kingdom, Cambridge: Cambridge University Press, 1990.). Nos termos de James Duncan:

A paisagem, eu argumentaria, é um dos elementos centrais de um sistema cultural, pois como um conjunto ordenado de objetos, um texto, atua como um sistema significante através do qual um sistema social é comunicado, reproduzido, experimentado e explorado (DUNCAN, 1990, p.17DUNCAN, J. S. The City as Text: The Politics of Landscape Interpretation in the Kandyan Kingdom, Cambridge: Cambridge University Press, 1990.)14 14 Tradução nossa. Texto original: “The landscape, I would argue, is one of the central elements in a cultural system, for as an ordered assemblage of objects, a text, it acts as a signifying system through which a social system is communicated, reproduced, experienced, and explored”. .

Um ganho epistemológico significativo obtido através da analogia do texto é a possibilidade de desnaturalizar a paisagem, revelando seus aspectos ideológicos e semióticos. A paisagem “pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico etc.” (VOLÓCHINOV, 2017, p.16VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.). Ler a paisagem é, portanto, identificar sinais e significados em um dado recorte espacial e deduzir códigos de acordo com os quais esses significados foram agrupados. “Essa abordagem é compartilhada por muitos geógrafos que não se alinham explicitamente com a semiótica, mas falam de paisagens como ‘textos’ que precisam ser ‘lidos’ e que atuam como sistemas de comunicação” (LINDSTRÖM et al ., 2014, p.114LINDSTRÖM, K.; KULL, K.; PALANG, H. Landscape Semiotics: Contribution to Culture Theory. In: LANG, V.; KULL, K. Estonian Approaches to Culture Theory. Approaches to Culture Theory 4. Tartu: University of Tartu Press, 2014, p.110-132.)15 15 Tradução nossa. Texto original: “Such an approach is shared by many geographers who do not explicitly align themselves with semiotics, but nevertheless speak of landscapes as ‘texts’ that need to be ‘read’ and which act as communicative systems”. .

Deve-se, porém, reconhecer que, na abordagem da paisagem como texto, como bem demonstrara Mitch Rose (2002)ROSE, M. Landscape and Labyrinths. Geoforum, v. 33, n. 4, p.455-467, 2002., a interpretação da paisagem não se dissociou completamente de uma compreensão estruturalista do espaço e da linguagem. Como uma tradição fundada na leitura do mundo material através de processos culturais, ela estabelece a cultura como a força constitutiva que estrutura a forma dada à paisagem. Nessa perspectiva, a questão teórica central é: como a cultura (enquanto mecanismo operativo que estrutura a paisagem) é entendida? Na tradição paisagística da geografia cultural introduzida por Sauer (2012)SAUER, C. O. A morfologia da paisagem. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. Geografia cultural: uma antologia. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012. p.181-217. em 1925, a cultura era conceituada como um conjunto de traços ou características que podiam ser identificadas na paisagem e combinadas em grupos específicos, categorizadas e estruturadas. Em meados da década de 1980, essa concepção de cultura foi revisada pela nova geografia cultural. Vai ser nesse movimento de renovação que surge, dentre outras, a abordagem da paisagem como texto (DUNCAN, 1990DUNCAN, J. S. The City as Text: The Politics of Landscape Interpretation in the Kandyan Kingdom, Cambridge: Cambridge University Press, 1990.). Como alertara Mitch Rose (2002, p.457)ROSE, M. Landscape and Labyrinths. Geoforum, v. 33, n. 4, p.455-467, 2002.16 16 Tradução nossa. Texto original: “that while new cultural geography radically re-conceptualised culture and opened the landscape to an important set of questions, it did not move landscape theory beyond a structuralist framework”. “embora a nova geografia cultural tenha radicalmente re-conceituado a noção de cultura e aberto a paisagem a um conjunto importante de perguntas, ela não moveu a teoria da paisagem além de uma abordagem estruturalista”. Pelo contrário, substituiu uma forma de estruturalismo por outra.

A chave dessa crítica é reconhecer que a nova geografia cultural nunca descartou o entendimento estruturalista da cultura presente na geografia cultural tradicional – ela, na verdade, a humanizou. “Uma tradição humanista dentro do materialismo histórico oferece a estrutura para manter e esclarecer os interesses tradicionais da geografia cultural” (COSGROVE, 1983, p.1COSGROVE, D. E. Towards a Radical Cultural Geography: Problems of Theory. Antipode, v. 15 n. 1, p.1-11, 1983.)17 17 Tradução nossa. Texto original: “A humanist tradition within historical materialism offers the framework within which to maintain and clarify the traditional interests of cultural geography”. . Essa perspectiva, como defende Rose (2002)ROSE, M. Landscape and Labyrinths. Geoforum, v. 33, n. 4, p.455-467, 2002., é melhor ilustrada através da concepção de paisagem da nova geografia cultural, pois é baseada em um entendimento particular de representação. Os geógrafos culturais veem as representações culturais não como reflexões inocentes do mundo, mas como sistematizações de significado carregadas de poder. Nesse sentido, no processo de criação de uma representação, entramos em uma matriz política peculiar onde o ato representacional assume uma autoridade afetiva e retórica: "as representações influenciam o pensamento e as práticas dos sujeitos socioespaciais através das histórias que contam sobre o espaço social” (JONES; NATTER, 1999, p.242JONES III, J. P.; NATTER, W. Space ‘and’ Representation, In: BUTTIMER, A.; BRUNN, S. D.; WARDENGA, U. Text and Regional Image: Social Construction of Regional Knowledges, Leipzig: Selbstverlag des Instituts für Länderkunde, 1999, p.239-247.)18 18 Tradução nossa. Texto original: “representations influence the thought and practices of socio-spatial subjects through the stories they tell about social space [...] through contingent, temporary and contestable significations, such representations nonetheless provide certainty about what may or may not be practiced”. . Nesse sentido, as representações são vistas na nova geografia cultural como impondo certas crenças, caracterizando vários entendimentos e estruturando maneiras particulares de ver o mundo. Como a paisagem faz parte do nosso ambiente cotidiano, ela teria o potencial de, sem saber, nos ensinar sobre o modo como a sociedade é e deve ser organizada (DUNCAN, 1990DUNCAN, J. S. The City as Text: The Politics of Landscape Interpretation in the Kandyan Kingdom, Cambridge: Cambridge University Press, 1990.).

Muitos desses esforços se concentram na conciliação de um interesse pós-estruturalista de representação com uma ênfase materialista nas estruturas sociais e nos processos materiais reais – ou seja, para trazer as lições da economia política para a leitura da paisagem. Assim, a paisagem como texto é vista enquanto resultado de lutas pelo poder entre vários grupos e classes. Peet (1996)PEET, R. A Sign Taken for History: Daniel Shays’ Memorial. Annals of the Association of American Geographers, Massachusetts, v. 86, n. 1, p.21-43, 1996., por exemplo, buscou estabelecer o que ele chamou de pós-estruturalismo materialista, no qual são buscadas ligações entre os textos/representação e os processos materiais através dos quais sujeitos recriam seus mundos. Em uma frase, os “discursos servem como mecanismos reguladores sociais, orientando a recriação significativa das paisagens culturais” (PEET, 1996, p.23PEET, R. A Sign Taken for History: Daniel Shays’ Memorial. Annals of the Association of American Geographers, Massachusetts, v. 86, n. 1, p.21-43, 1996.)19 19 Tradução nossa. Texto original: “discourses serve as social regulatory mechanisms by guiding the meaningful recreation of cultural landscapes”. .

Como alerta Moore (2000, p.686)MOORE, T. Emerging Memorial Landscapes of Labor Conflict in the Cotton Textile South. The Professional Geographer, v. 52, n. 4, p.684-696, 2000.20 20 Tradução nossa. Texto original: “The search for materialist roots of landscape contestation, however, often fails to extend much beyond Gramscian notions of hegemony and counter-hegemony, or the political manifestations of class struggle”. , “A busca por raízes materialistas da contestação da paisagem, no entanto, muitas vezes falha em não se estender muito além das noções gramscianas de hegemonia e contra-hegemonia, ou das manifestações políticas da luta de classes”. Ao se utilizarem dessa dicotomia, porém, é necessário reconhecer que os geógrafos culturais se esforçam para enfatizar que os sujeitos sociais territorializados não são os destinatários passivos da representação. Pelo contrário, os geógrafos culturais enfatizam continuamente que a paisagem é uma arena de luta onde vários agentes tentam continuamente impor e/ou resistir a diferentes construções representacionais. Porém, eles também se esforçam para apontar que essas lutas têm seus limites. Como sugere Moore (2000, p.686)MOORE, T. Emerging Memorial Landscapes of Labor Conflict in the Cotton Textile South. The Professional Geographer, v. 52, n. 4, p.684-696, 2000.21 21 Tradução nossa. Texto original: “By controlling the physical symbols by which communities memorialize the past, dominant classes are able to reproduce their control over the ideology under which people are socialized into society”. : “Ao controlar os símbolos físicos pelos quais as comunidades comemoram o passado, as classes dominantes são capazes de reproduzir seu controle sobre a ideologia”.

Desse modo, apesar da flexibilidade que é constitutiva dos processos culturais, os geógrafos culturais defendem que alguma forma de domínio deve estar sempre presente para que a cultura e/ou as paisagens culturais existam. Isso justifica, segundo Rose (2002)ROSE, M. Landscape and Labyrinths. Geoforum, v. 33, n. 4, p.455-467, 2002., o desenvolvimento de conceitos como comunidades interpretativas, discursos hegemônicos e ideologias dominantes para explicar a presença da cultura e da paisagem no mundo. Assim, embora a luta esteja sempre presente na paisagem, são as forças de limitação e controle que definem o que é cultura ou paisagem cultural. Esse é o dilema no coração da nova geografia cultural e da abordagem da paisagem como texto:

Embora as lutas no espaço afetem, perturbem e até reescrevam as ideologias hegemônicas que produzem a paisagem, elas não definem por si mesmas a paisagem. [...] Assim, enquanto a paisagem é descrita em termos de luta, é definida em termos de estrutura (ROSE, 2002, p.459ROSE, M. Landscape and Labyrinths. Geoforum, v. 33, n. 4, p.455-467, 2002.)22 22 Tradução nossa. Texto original: “Although struggles in space affect, disrupt and even re-write the hegemonic ideologies that produce the landscape, they do not in themselves define the landscape. […] Thus while the landscape is described in terms of struggle it is defined in terms of structure.” .

Deve-se reconhecer que o debate semiótico da paisagem acompanhou, a passos lentos, os círculos de diálogos que se formaram entorno da noção de texto. Porém, como também assegura Lindström et al. (2014)LINDSTRÖM, K.; KULL, K.; PALANG, H. Landscape Semiotics: Contribution to Culture Theory. In: LANG, V.; KULL, K. Estonian Approaches to Culture Theory. Approaches to Culture Theory 4. Tartu: University of Tartu Press, 2014, p.110-132., não conseguiu dissociar-se de uma interpretação estrutural.

A noção de texto em si sofreu várias mudanças na história científica da segunda metade do século XX, permitindo uma maior pluralidade de vozes no texto e dando mais poder ao intérprete e menos poder ao produtor do texto. No entanto, a abordagem metodológica permanece semelhante: identificar sinais, códigos e mensagens individuais entre formas físicas aparentemente neutras. [...] Apesar dos desenvolvimentos, a metáfora do texto permanece relativamente rígida e hierárquica (LINDSTRÖM et al., 2014, p.115LINDSTRÖM, K.; KULL, K.; PALANG, H. Landscape Semiotics: Contribution to Culture Theory. In: LANG, V.; KULL, K. Estonian Approaches to Culture Theory. Approaches to Culture Theory 4. Tartu: University of Tartu Press, 2014, p.110-132.)23 23 Tradução nossa. Texto original: “The notion of text itself has undergone several changes in the scientific history of the second half of the twentieth century, allowing for a larger plurality of voices in the text and giving more power to the interpreter and less power to the producer of the text. Nevertheless, the methodological approach remains similar: to identify individual signs, codes and messages among apparently neutral physical forms. In that, the emphasis is almost always on the side of the interpreter rather than the sender. Despite developments, the text-metaphor remains relatively rigid and hierarchic”. .

A paisagem como texto permitiu, é verdade, a incursão da geografia em reinos além das explicações e medidas habituais que, no passado, impediram a formulação da interpretação como prática política. Por outro lado, essa posição negligencia o discurso e as práticas discursivas por meio do diálogo. Ler o mundo como um texto, como um script, é diferente de ouvir um discurso manifesto (FOLCH-SERRA, 1990FOLCH-SERRA, M. Place, Voice, Space: Mikhail Bakhtin’s Dialogical Landscape. Environment and Planning D: Society and Space, v. 8, n. 3, p.255-274, 1990.). Além disso, esta corrente não está livre de críticos que alegam que a ênfase nas qualidades semióticas e nas representações tendem a desaparecer os aspectos substantivos da paisagem, a materialidade (DELGADO, 2005DELGADO, C. C. Pensar el paisaje. Explorando un concepto geográfico. Trayectorias, v. 7, n. 17, p.57-69, 2005.). Críticos que concentram suas preocupações nos estudos que desconsideram uma condição valiosa das representações, a de que são parte constitutiva da realidade; nos estudos que “não dão lugar suficiente às práticas e ignoram os aspectos materiais e as implicações biológicas dos fatos da cultura” (CLAVAL, 1999, p.74CLAVAL, P. La geografía cultural. Buenos Aires: Eudeba, 1999.)24 24 Tradução nossa. Texto original: “no dan un lugar suficiente a las prácticas e ignoran los aspectos materiales y las implicaciones biológicas de los hechos de la cultura”. .

Pensemos: tudo que é ideológico, incluindo a paisagem, possui significado e remete a algo situado fora de si mesmo, fora do indivíduo, fora da representação fenomênica, fora da consciência. Assim sendo, devemos reconhecer que “Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer” (VOLÓCHINOV, 2017, p.19VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.). Portanto, por seu caráter objetivo, torna-se passível de estudo. Cabe concluir que as paisagens, além de serem fenômenos concretos do mundo exterior, seus efeitos (todas as ações, reações e novas representações que decorrem dialogicamente no meio social circundante) também aparecem nessa experiência exterior. A paisagem não é apenas diálogo, mas diálogo materialmente presente.

É claro que também para Bakhtin e seu Círculo existe uma estreita relação entre linguagem e poder – uma estreita relação entre a luta de classe e a dialética do signo, por exemplo. Por reconhecer que todas as formas da interação discursiva estão intimamente relacionadas às condições de um dado campo ou situação social concreta e que reagem com extrema sensibilidade a todas as mudanças do meio social, Volóchinov (2017, p.106)VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017. vai afirmar que “Na palavra se realizam os inúmeros fios ideológicos que penetram todas as áreas da comunicação social. É bastante óbvio que a palavra será o indicador mais sensível das mudanças sociais”. As lutas e mudanças sociais, assim, materializam-se nos gêneros discursivos.

O Círculo de Bakhtin reconhece, por exemplo,

a enorme importância do aspecto hierárquico nos processos de interação discursiva e a influência poderosa da organização hierárquica da comunicação sobre as formas do enunciado. A etiqueta verbal, o tato discursivo e as demais formas de adaptação do enunciado à organização hierárquica da sociedade possuem um significado importantíssimo no processo de elaboração dos principais gêneros cotidianos (VOLÓCHINOV, 2017, p.109VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.).

É nesse sentido que alegam que as hierarquias sociais e as relações de poder se inscrevem, histórica, geográfica e culturalmente, nos gêneros discursivos – isso justifica, por exemplo, a existência de gêneros mais ou menos dialógicos.

Se os gêneros são sensíveis ao meio social e a suas mudanças, pode-se dizer que “cada época e cada grupo social possui seu próprio repertório de formas discursivas de comunicação ideológica” (VOLÓCHINOV, 2017, p.109VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.). Os gêneros discursivos são culturais e não admitem universalizações; não admitem um tratamento estruturalista, monologizante. A nova geografia cultural reconhece o carácter ideológico da linguagem e, logo, das representações, porém, desconhecendo a noção de gêneros discursivos, negligencia a especificidade do material ideológico e, sob interpretações estruturalistas, simplificam o fenômeno ideológico, como bem demonstrara Rose (2002)ROSE, M. Landscape and Labyrinths. Geoforum, v. 33, n. 4, p.455-467, 2002..

O que seria mais precisamente o gênero do discurso para Bakhtin? Em suas palavras:

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2016, p.262BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Notas da edição russa por Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016.; grifos no original).

Antes de qualquer comentário e aclaração, deve-se ter em conta que Bakhtin e seu Círculo recusam limitar o entendimento dos gêneros aos seus aspectos formais e morfológicos; recusam entender os gêneros discursivos através de uma poética não sociológica e que negligencia a interação viva na unidade concreta da vida social e histórica. A primeira consideração a se fazer, portanto, é que os gêneros do discurso são “formas de pensar, constituindo um modo específico de visualizar e representar uma dada realidade, não se reduzindo a uma coleção de dispositivos nem a um modo de combinar elementos linguísticos” (BRAIT; PISTORI, 2012, p.397-398BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C. A produtividade do conceito de gênero em Bakhtin e o Círculo. Alfa: Revista de Linguística, São José do Rio Preto, v. 56, n. 2, p.371-401, 2012.). Ou seja, os gêneros discursivos não podem ser concebidos fora da dimensão espaço-temporal, pois todas as formas de representação que neles estão contidas também são orientadas pelo espaço-tempo; orientadas pela historicidade da situação concreta que lhes deu origem; orientadas pela historicidade e geograficidade de determinado campo de utilização da língua. Os gêneros, assim, guardam modos de ver e assimilar determinados aspectos do real, adquirindo, por isso, uma dimensão cultural, e passam a ser expressão de um grande tempo, enquanto memória criativa. Nesse sentido, para compreensão de qualquer gênero discursivo, deve-se considerar a materialidade que o compõe e que aponta para fora, para a vida que o produziu e que é por ele refletida e refratada; deve-se considerar, portanto, a tradição em que um gênero se insere. A tradição genérica deve ser identificada e compreendida, o que implica estudos diacrônicos e sincrônicos (BRAIT; PISTORI, 2012BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C. A produtividade do conceito de gênero em Bakhtin e o Círculo. Alfa: Revista de Linguística, São José do Rio Preto, v. 56, n. 2, p.371-401, 2012.). Deve-se reconhecer, portanto, que todo processo de representação de uma paisagem num gênero discursivo passa não só pelo campo da existência espaço-temporal e pelo campo semântico e ideológico, como vimos; passa, necessariamente, pelo campo cultural, social e dialógico.

Cabe entender, conforme propõem Brait e Pistori (2012)BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C. A produtividade do conceito de gênero em Bakhtin e o Círculo. Alfa: Revista de Linguística, São José do Rio Preto, v. 56, n. 2, p.371-401, 2012., que nos comunicamos, sempre, por meio de gêneros no interior de um dado campo da atividade humana, da vida em sociedade; que os gêneros discursivos não se limitam às produções literárias, mas que compreendem, também, a linguagem cotidiana em sua ampla variedade. Variedade essa que resulta da multiplicidade de experiências individuais e coletivas, vivenciadas numa sociedade, num espaço, num tempo e numa cultura. Não se limita, por isso, a textos ou estruturas, embora os considere, mas implica o dialogismo e a maneira de conhecer e encarar a vida em sociedade. Nas palavras de Bakhtin (2011, p.283)BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p.261-306.: “Se os gêneros do discurso não existissem e nós não os dominássemos, se tivéssemos que criá-los pela primeira vez no processo do discurso, de construir livremente e pela primeira vez cada enunciado, a comunicação discursiva seria impossível”. Fica evidente, assim, que a maneira como esse teórico concebe o gênero do discurso nos direciona para a ideia de que os gêneros governam os discursos interiores e exteriores.

Devemos, portanto, reconhecer e admitir que é sempre através de um gênero discursivo que convertemos em representação os elementos do real, os quais sem deixar de fazer parte da realidade material, passam a refletir e refratar uma outra dimensão da realidade, a dimensão dos signos, dos fenômenos, das representações. É nesse sentido que Daniels e Cosgrove (1988, p.1)DANIELS, S.; COSGROVE, D. The Iconography of Landscape: Essays on the Symbolic Representation, Design and Use of Past Environments. Cambridge: Cambridge University Press, 1988.25 25 Tradução nossa. Texto original: “A landscape is a cultural image, a pictorial way of representing, structuring or symbolising surroundings. This is not to say that landscapes are immaterial. They may be represented in a variety of materials and on many surfaces - in paint on canvas, in writing on paper, in earth, stone, water and vegetation on the ground. A landscape park is more palpable but no more real, nor less imaginary, than a landscape painting or poem. […] To understand a built landscape, say an eighteen-century English park, it is usually necessary to understand written and verbal representations of it, not as ‘illustrations’, images standing outside it, but as constituent images of its meaning or meanings”. afirmam que:

Uma paisagem é uma imagem cultural, uma maneira pictórica de representar, estruturar ou simbolizar ambientes. Isso não quer dizer que as paisagens são imateriais. Elas podem ser representadas em uma variedade de materiais e em muitas superfícies – em pintura sobre tela, escrita em papel, terra, pedra, água e vegetação no chão. Um parque paisagístico é mais palpável, mas não é mais real, nem menos imaginário, do que uma pintura ou poema de paisagem. [...] Para entender uma paisagem construída, digamos um parque inglês do século dezoito, geralmente é necessário entender representações escritas e verbais, não como ‘ilustrações’, imagens do lado de fora, mas como imagens constituintes de seu significado ou significados.

Sendo assim, deve-se ter em conta que a representação, dentro de uma semiótica materialista dialética, marxista, não é apenas a manifestação fenomênica da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade – possui manifestações empíricas e sempre se utiliza de tipos relativamente estáveis de enunciados; utiliza-se de gêneros discursivos.

Deve-se admitir, portanto, que toda paisagem se refere a uma situação comunicativa concreta que não admite uma concepção monológica, uma vez que todo gênero discursivo é dialógico; uma vez que toda emissão verbal é para alguém, não importa se é um interlocutor real, imaginário, suposto (na comunicação escrita), ou o outro sempre presente na estrutura psíquica humana (no caso do monólogo interno). Cabe reconhecer a índole dialógica da paisagem. O destinatário (o outro), então, participa de maneira mais ou menos direta do processo de enunciação e, consequentemente, da conformação do resultado, ou seja, do enunciado, que seria, portanto, uma expressão verbal com um sentido global, gerada dentro de um circuito dialógico composto, no mínimo, por dois interlocutores. Por esse motivo, o sentido do enunciado, ou de qualquer outro produto cultural – a paisagem inclusive –, é determinado tanto pela intenção do emissor quanto pela reação prefigurada do destinatário. O sentido não é dado, pronto e acabado, mas fruto do diálogo aberto, histórico e material (BUBNOVA, 1984BUBNOVA, T. Los géneros discursivos en Mijaíl Bajtín. Discurso. Cuadernos de Teoría y Análisis, Cidade do México, v. 4, p.29-43, 1984.).

reconhecer a importância do destinatário no processo de enunciação e, portanto, em seu resultado, ou seja, o enunciado: por outro lado, a própria abordagem convida a sempre levar em conta a intencionalidade do discurso e a ver em toda emissão verbal, independentemente de sua extensão, um tipo de resposta a um enunciado anterior, pois – e aqui devemos destacar outro aspecto constitutivo muito importante da enunciação em sua versão bakhtiniana – todo enunciado é apenas um elo na cadeia da comunicação discursiva, a qual nunca parte do zero (BUBNOVA, 1984, p.35-36BUBNOVA, T. Los géneros discursivos en Mijaíl Bajtín. Discurso. Cuadernos de Teoría y Análisis, Cidade do México, v. 4, p.29-43, 1984.)26 26 Tradução nossa. Texto original: “reconocer la importancia del destinatario en el proceso de la enunciación y, por consiguiente, en su resultado, es decir el enunciado: por otro lado, el enfoque mismo invita a tener siempre en cuenta la intencionalidad del discurso y a ver en toda emisión verbal, independientemente de su extensión, una especie de respuesta a un enunciado anterior, puesto que – y aquí hay que poner de relieve otro importantísimo aspecto constitutivo del enunciado en su versión bajtiniana – todo enunciado no es sino un eslabón en la cadena de la comunicación discursiva, la cual nunca parte de cero”. .

Todo enunciado/produto cultural, incluindo a paisagem, é histórico e dialógico – faz parte de uma cadeia de comunicação discursiva. A elaboração de um produto cultural – projetos urbanos, políticas públicas, livros, teses, pinturas, canções etc. – inclui uma ampla gama de atitudes que são resposta do sujeito a enunciados anteriores, externos e próprios, além de se antecipar a possível resposta do interlocutor, que pode ser imediata, virtual, imaginária, futura, pessoal, coletiva etc. (BUBNOVA, 1984BUBNOVA, T. Los géneros discursivos en Mijaíl Bajtín. Discurso. Cuadernos de Teoría y Análisis, Cidade do México, v. 4, p.29-43, 1984.). Fica evidente, portanto, que por detrás da noção bakhtiniana de enunciado/produto cultural, há uma postura ideológica e analítica relacionada com o resultado do processo da enunciação. Quanto ao interlocutor, sua possibilidade de resposta, a responsividade, é, acima de tudo, uma instância que normalmente não é levada em consideração na análise das paisagens – talvez porque, à primeira vista, pareça algo tão subjetivo que seria impossível determinar. No entanto, a situação comunicativa a torna perceptível no enunciado, desde que não seja vista como uma emissão isolada, mas como um elo intermediário em uma cadeia de discurso (BUBNOVA, 1984BUBNOVA, T. Los géneros discursivos en Mijaíl Bajtín. Discurso. Cuadernos de Teoría y Análisis, Cidade do México, v. 4, p.29-43, 1984.).

Assim como defendemos neste artigo, Bubnova (1984, p.39)BUBNOVA, T. Los géneros discursivos en Mijaíl Bajtín. Discurso. Cuadernos de Teoría y Análisis, Cidade do México, v. 4, p.29-43, 1984.27 27 Tradução nossa. Texto original: “El concepto de géneros discursivos permite ver por qué el enunciado es tan sólo un eslabón en la cadena discursiva”. considera que “O conceito de gêneros discursivos nos permite ver por que o enunciado é apenas um elo na cadeia discursiva”, ou seja, nos permite ver que toda paisagem é um elo na cadeia discursiva e uma ponte entre o mesmo e o outro. O conceito de gênero discursivo, implicando, como vimos, uma variedade de papéis sociais que o sujeito do discurso pode adotar, parece ser a ferramenta mais adequada para a análise de todos os tipos de discurso e paisagens. Por um lado, o enunciado é irrepetível devido às condições únicas do processo de sua produção, que não podem ser reproduzidas com total precisão; por outro lado, cada enunciado/produto cultural/paisagem pertence a um certo gênero discursivo ou, o que é o mesmo, é constituído seguindo certas convenções e regras que a linguagem elabora para fins concretos e práticos da expressão verbal.

Desse modo, ficam, para finalizar este tópico, três exigências metodológicas fundamentais ao estudo da paisagem, a saber: não se pode isolar a paisagem da realidade material dos gêneros discursivos; não se pode isolar a paisagem das formas concretas da comunicação social (a paisagem é uma parte da comunicação social organizada e não existe, como tal, fora dela, pois se tornaria um simples objeto físico); não se pode isolar a comunicação e suas formas da base material, histórica e geográfica.

3 Paisagem: do materialismo reducionista ao dialógico

Deve-se alertar, também, que o tratamento da paisagem sob uma base semiótica materialista marxista não deve, em hipótese alguma, ser confundido com abordagens materialistas reducionistas. Isso, pois o materialismo reducionista entende a paisagem como um dado objetivo independente da consciência e da psique subjetivas. Por isso tratam as paisagens de acordo com suas características internas e imanentes – de acordo com sua morfologia. Considerando que boa parte das abordagens materialistas reducionistas emergem como corrente contrária à interpretação subjetiva e psicológica da paisagem tomada como expressão do mundo interior, da alma, o mesmo é bastante aceitável, mas não é suficiente (MEDVIÉDEV, 2012MEDVIÉDEV, P.O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução e notas de tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Apresentação de Beth Brait. Prefácio de Sheila Vieira de Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012.).

Sob uma abordagem materialista história e dialética, Milton Santos – com todas as ressalvas ao seu projeto teórico cuja categoria central não era a paisagem, mas o espaço – é um exemplo de tratamento materialista reducionista da paisagem. Para Milton Santos, a paisagem “é o conjunto de elementos naturais e artificiais que fisicamente caracterizam uma área. [...] A paisagem se dá como um conjunto de objetos reais-concretos” (SANTOS, 2006, p.66-67SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2006.).

Durante a guerra fria, os laboratórios do Pentágono chegaram a cogitar da produção de um engenho, a bomba de nêutrons, capaz de aniquilar a vida humana em uma dada área, mas preservando todas as construções. O Presidente Kennedy afinal renunciou a levar a cabo esse projeto. Senão, o que na véspera seria ainda o espaço, após a temida explosão seria apenas paisagem. Não temos melhor imagem para mostrar a diferença entre esses dois conceitos (SANTOS, 2006, p.67-68SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2006.).

Podemos lembrar também da busca por objetividade e cientificidade que marcou a noção de paisagem elaborada por Carl Ortwin Sauer (2012)SAUER, C. O. A morfologia da paisagem. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. Geografia cultural: uma antologia. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012. p.181-217.. A paisagem, em seu projeto teórico, é o conjunto de formas naturais e culturais associadas em área. Como aclara Corrêa (2014, p.41)CORRÊA, R. L. Carl Sauer e Denis Cosgrove: a Paisagem e o Passado. Espaço Aberto, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p.37-46, 2014.,

Materialidade e extensão são atributos essenciais da paisagem Saueriana, não se admitindo o uso do termo como metáfora, como paisagem política ou econômica. As formas que constituem a paisagem estão integradas entre si, apresentando funções que criam uma estrutura. A paisagem se constitui, assim, em uma unidade orgânica ou quase orgânica. Trata-se de morfologia na qual forma, função e estrutura são elementos centrais.

Fica evidente, portanto, que o materialismo reducionista, ao separar a paisagem da consciência subjetiva e da psique, ao mesmo tempo, a separa do ambiente ideológico em geral, bem como da comunicação social objetiva. A paisagem aparece separada de todo o mundo sociológico. Assim como os idealistas e psicologistas, a interpretação materialista da paisagem projetara tudo o que é ideologicamente significativo para a consciência individual e subjetiva. A ideia, a avaliação, a visão de mundo, o humor etc., tudo isso era por eles considerado como o conteúdo da consciência subjetiva, do mundo interior e da alma. Ao rejeitarem a consciência subjetiva, os materialistas recusaram, num mesmo movimento epistemológico, todos esses conteúdos ideológicos que lhe foram erroneamente atribuídos. Como resultado, a paisagem ficava em um vazio ideológico. “A objetividade era comprada à custa do sentido” (MEDVIÉDEV, 2012, p.212MEDVIÉDEV, P.O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução e notas de tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Apresentação de Beth Brait. Prefácio de Sheila Vieira de Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012.).

Propomos tomar a paisagem a partir da abordagem dialógica do materialismo histórico e dialético do Círculo de Bakhtin, que não ignora a consciência individual nem a trata de forma fantasmagórica, pelo contrário, defende que os conteúdos da consciência podem ser apresentados materialmente e tão objetivamente quanto a morfologia da paisagem. Nesse sentido, defendemos que a consciência individual deve ser tomada em suas manifestações objetivas. Como defende Medviédev (2012, p.211)MEDVIÉDEV, P.O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução e notas de tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Apresentação de Beth Brait. Prefácio de Sheila Vieira de Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012.,

A consciência individual é um fator que deve ser calculado e estudado apenas na medida em que ela se manifesta em determinados aspectos do trabalho, da ação, da palavra, do gesto, e assim por diante, ou seja, conforme a consciência individual aparece expressa materialmente de forma objetiva. Nesse sentido, o caráter objetivo do método deve ser mantido.

A objetividade que os materialistas atribuem à morfologia da paisagem pode ser estendida, pelo mesmo motivo, a todas as significações ideológicas sem exceção, por mais breves que sejam suas manifestações externas. Pois a expressão primitiva da sua avaliação (emoção) em um enunciado ou até mesmo em um gesto é um fato tão externo à consciência quanto a morfologia da paisagem, embora seu significado e sua influência na totalidade do ambiente ideológico sejam pequenos. Trata-se, portanto, da contraposição de uma formação ideológica, a paisagem, a outras formações ideológicas: ética, cognitivas e religiosas, ou seja, da contraposição de vários momentos do meio material ideologicamente objetivado, e não da contraposição da paisagem à psique subjetiva (MEDVIÉDEV, 2012MEDVIÉDEV, P.O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução e notas de tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Apresentação de Beth Brait. Prefácio de Sheila Vieira de Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012.).

Deve-se afastar, assim, qualquer forma de tratamento materialista reducionista dos estudos da paisagem, pois faz com que a paisagem ocupe uma posição externa não em relação à psique subjetiva, mas em relação à comunicação e à interação das pessoas que se comunicam, entre as quais uma paisagem se constrói e continua a viver no processo de sua alternância histórica. Cada elemento da paisagem, portanto, deve ser compreendido como um fio estendido entre os sujeitos. A paisagem, em sua totalidade, é uma rede composta por esses fios, que cria uma interação social complexa e diferenciada entre as pessoas que passam a fazer parte dela.

Conclusão

Diante das reflexões desenvolvidas, deve-se admitir que:

  1. i) toda paisagem é um testemunho de que o diálogo é uma condição ontológica da existência humana; é testemunho da presença de um outro externo e que nunca se reduz ou mescla ao mesmo. Interpretar uma paisagem é encontrar-se semioticamente com uma alteridade. Na interpretação de uma paisagem, os sentidos que preenchem e contornam o sujeito são postos em contato com o universo de sentidos e valores do intérprete, pois só assim, só aos olhos da cultura do intérprete “se revela com plenitude e profundidade” (BEZERRA, 2017, p.96BEZERRA, P. Bakhtin: remate final. In: BAKHTIN, M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. São Paulo: Editora 34, 2017, p.81-96.). Interpretar um território e suas paisagens, portanto, significa completá-los, revesti-los de novos sentidos e, desse modo, perpetuá-los no tempo como objeto estético/ideológico. Assim, na interpretação, a paisagem é completada pela consciência do intérprete e descobre-se a diversidade dos seus sentidos. Desse modo, pode-se dizer que a interpretação completa a paisagem: ela é ativa e criadora. Ela é, pois, sempre responsiva. A paisagem, por sua vez, deve ser entendida como uma cocriação dos intérpretes; como resultado de uma interpretação criadora e compartilhada. A interpretação completa o texto, completa a paisagem e dá continuidade à criação, ou seja, faz do intérprete um criador compartilhante que Bakhtin chama de cocriador, que “multiplica a riqueza artística da humanidade” (BAKHTIN, 2017, p.36BAKHTIN, M. Fragmentos dos anos 1970-1971. In: BAKHTIN, M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2017.);

  2. ii) a paisagem é um fenômeno do mundo exterior e que sempre se realiza através de algum gênero discursivo, ou seja, através de algum material ideológico social, geográfica e historicamente desenvolvido, disponível e objetivo – a palavra, materialmente presente como palavra falada, escrita, impressa, sussurrada no ouvido e pensada no discurso interior, acompanha e comenta todo fenômeno ideológico; acompanha e comenta todo ato de consciência; acompanha e comenta toda paisagem;

  3. iii) a paisagem é um diálogo materialmente presente e reconhecer que mesmo seus aspectos semióticos/simbólicos são materiais;

  4. iv) a nova geografia cultural pode encontrar nos textos do Círculo de Bakhtin aportes teóricos que apontem para novas possibilidades de (re)trabalhar o entendimento da relação paisagem-consciência e paisagem-linguagem. Por isto, acreditamos que deve se ponderar a abordagem dialógica da linguagem como um possível fator impulsor de um debate renovado da paisagem, pois aprimorar o entendimento de seus aspectos semióticos e dialógicos é possibilitar o entendimento de processos ideológicos e políticos inerentes à paisagem;

  5. v) por fim, existem nas produções do Círculo de Bakhtin elementos extremamente geográficos. Uma geograficidade que fica especialmente evidente na noção de cronotopia – noção essa que, como vimos, admite que todo processo de representação passa, necessariamente, pelas categorias tempo-espaço. Nesse sentido, os estudos culturais e semióticos da paisagem, por sua vez, também podem oferecer aportes interessantes para uma possível ampliação do elemento espacial e visual nos estudos dialógicos da linguagem – podem contribuir para ampliação da noção de verbo-visualidade de Brait (2013)BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 8, n. 2, p.43-66, 2013., por exemplo.

  • 1
    Tradução nossa. Texto original: “which cultural meanings are invested into and shape a world whose ‘nature’ is known only through human cognition and representation, and is thus always symbolically mediated”.
  • 2
    Tradução nossa. Texto original: “that meaning is always rooted in the material processes of life”.
  • 3
    “a materialist social semiotics applicable to all cultural signifying systems”.
  • 4
    Tradução nossa. Texto original: “have remained outside semiotics proper”.
  • 5
    Círculo de Bakhtin é o nome dado aos pesquisadores e intelectuais contemporâneos de origens disciplinares diversificadas como Matvei I. Kavan (filósofo), Ivan I. Kanaev (biólogo), Maria V. Yudina (musicista), Lev V. Pumpiannki (crítico literário) e os três mais populares no Brasil por suas obras: Mikhail M. Bakhtin, Valentin N. Volóchinov e Pavel N. Medviédev, que se reuniram entre os anos de 1919 e 1974. Cabe destacar que, como asseguram Brait e Campos (2009)BRAIT, B.; CAMPOS, M. I. B. Da Rússia czarista à web. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin e o Círculo. São Paulo: Contexto, 2009, p.15-30., os membros do Círculo se encontravam de forma não regular, devido ao stalinismo. Regularidade mesmo somente no fim da década de 1910.
  • 6
    Tradução nossa. Texto original: “Landscape is an inherently dialogical phenomenon and communication lies at the core of semiotic processes in landscapes”.
  • 7
    Tradução nossa. Texto original: “can provide adequate tools for analysing processes of landscape formation, because they are always a result of multi-party communication and depend on the sign categorisation of the participants. The potential for the semiotic ideas of Mikhail Bakhtin (such as chronotope, dialogism and heteroglossia) […] cannot be underestimated in this respect”.
  • 8
    No que diz respeito ao conceito bakhtiniano de outro, seria prudente alertar que em nada tem a ver com o da psicanálise. Bakhtin tem sua própria concepção particular do individual e do social. Segundo essa concepção, o desenvolvimento da comunicação tem seu ponto de partida na comunicação interindividual, que está na base psicológica da formação da psique individual. A primeira comunicação social em que um sujeito participa reside, em geral, no circuito familiar: os entes familiares são os primeiros olhares de fora que o sujeito experimenta, as primeiras valorações de si mesmo que lhe são dadas. Por esse motivo, o outro é essencial na formação do indivíduo.
  • 9
    O cronotopo foi utilizado pela primeira vez em Geografia na década de 1990 por Mireya Folch-Serra. Folch-Serra aproximou-se da noção bakhtiniana de cronotopo e, numa abordagem dialógica, concebe o espaço como produto de interações dialógicas contínua de várias afirmações, discursos, vozes – um cronotopo específico baseado na proporção atual de forças centrípetas (monológicas) e centrífugas (dialógicas) opostas (FOLCH-SERRA, 1990, p.255-258FOLCH-SERRA, M. Place, Voice, Space: Mikhail Bakhtin’s Dialogical Landscape. Environment and Planning D: Society and Space, v. 8, n. 3, p.255-274, 1990.). A autora também aponta para a possibilidade de a Geografia analisar a composição dos espaços a partir de produções discursivas, textuais e literárias. Os conceitos de Folch-Serra vão além da mera ‘visibilidade gráfica’ da paisagem, região, lugar e território em um contexto espacial e focam na ‘visibilidade discursiva’ no tempo, excedendo assim os critérios visuais necessários e transformando geógrafos em intérpretes de condições espaço-temporais (HOLLOWAY; KNEALE, 2000, p.82-83HOLLOWAY, J.; KNEALE, J. Mikhail Bakhtin: Dialogics of Space. In: CRANG, M.; THRIFT, N. (org.), Thinking space. Londres: Routledge, 2000, p.71-88.).
  • 10
    É de especial relevância reconhecer uma distinção essencial entre gêneros discursivos primários (simples) e secundários (complexos) – não se trata, porém, de uma distinção funcional. Os gêneros discursivos secundários (romances, dramas, pesquisas cientificas de toda espécie, projeto urbanos, etc.) são produtos de um convívio cultural mais complexo, desenvolvido e organizado. No processo de sua formação, eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários, que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata (BAKHTIN, 2011BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p.261-306.).
  • 11
    Tradução nossa. Texto original: “Not far off, nestled in a grove of trees near the top of the hill, is a stone church. [...] They have more in common, perhaps, than meets the eye. Both possess the attributes of what Bakhtin (1981, p.84)BAKHTIN, M. The Dialogic Imagination. Translated by Caryl Emerson and Michael Holquist. Austin: University of Texas Press, 1981. calls a ‘chronotope’ – that is, a place charged with temporality, one in which temporality takes on palpable form”.
  • 12
    Tradução nossa. Texto original: “For the study of cultural landscape the importance of the concept chronotope must be acknowledged through several approach directions”.
  • 13
    Tradução nossa. Texto original: “the main lesson to be taken from Bakhtin’s typology is that there is no single, timeless/master chronotope”.
  • 14
    Tradução nossa. Texto original: “The landscape, I would argue, is one of the central elements in a cultural system, for as an ordered assemblage of objects, a text, it acts as a signifying system through which a social system is communicated, reproduced, experienced, and explored”.
  • 15
    Tradução nossa. Texto original: “Such an approach is shared by many geographers who do not explicitly align themselves with semiotics, but nevertheless speak of landscapes as ‘texts’ that need to be ‘read’ and which act as communicative systems”.
  • 16
    Tradução nossa. Texto original: “that while new cultural geography radically re-conceptualised culture and opened the landscape to an important set of questions, it did not move landscape theory beyond a structuralist framework”.
  • 17
    Tradução nossa. Texto original: “A humanist tradition within historical materialism offers the framework within which to maintain and clarify the traditional interests of cultural geography”.
  • 18
    Tradução nossa. Texto original: “representations influence the thought and practices of socio-spatial subjects through the stories they tell about social space [...] through contingent, temporary and contestable significations, such representations nonetheless provide certainty about what may or may not be practiced”.
  • 19
    Tradução nossa. Texto original: “discourses serve as social regulatory mechanisms by guiding the meaningful recreation of cultural landscapes”.
  • 20
    Tradução nossa. Texto original: “The search for materialist roots of landscape contestation, however, often fails to extend much beyond Gramscian notions of hegemony and counter-hegemony, or the political manifestations of class struggle”.
  • 21
    Tradução nossa. Texto original: “By controlling the physical symbols by which communities memorialize the past, dominant classes are able to reproduce their control over the ideology under which people are socialized into society”.
  • 22
    Tradução nossa. Texto original: “Although struggles in space affect, disrupt and even re-write the hegemonic ideologies that produce the landscape, they do not in themselves define the landscape. […] Thus while the landscape is described in terms of struggle it is defined in terms of structure.”
  • 23
    Tradução nossa. Texto original: “The notion of text itself has undergone several changes in the scientific history of the second half of the twentieth century, allowing for a larger plurality of voices in the text and giving more power to the interpreter and less power to the producer of the text. Nevertheless, the methodological approach remains similar: to identify individual signs, codes and messages among apparently neutral physical forms. In that, the emphasis is almost always on the side of the interpreter rather than the sender. Despite developments, the text-metaphor remains relatively rigid and hierarchic”.
  • 24
    Tradução nossa. Texto original: “no dan un lugar suficiente a las prácticas e ignoran los aspectos materiales y las implicaciones biológicas de los hechos de la cultura”.
  • 25
    Tradução nossa. Texto original: “A landscape is a cultural image, a pictorial way of representing, structuring or symbolising surroundings. This is not to say that landscapes are immaterial. They may be represented in a variety of materials and on many surfaces - in paint on canvas, in writing on paper, in earth, stone, water and vegetation on the ground. A landscape park is more palpable but no more real, nor less imaginary, than a landscape painting or poem. […] To understand a built landscape, say an eighteen-century English park, it is usually necessary to understand written and verbal representations of it, not as ‘illustrations’, images standing outside it, but as constituent images of its meaning or meanings”.
  • 26
    Tradução nossa. Texto original: “reconocer la importancia del destinatario en el proceso de la enunciación y, por consiguiente, en su resultado, es decir el enunciado: por otro lado, el enfoque mismo invita a tener siempre en cuenta la intencionalidad del discurso y a ver en toda emisión verbal, independientemente de su extensión, una especie de respuesta a un enunciado anterior, puesto que – y aquí hay que poner de relieve otro importantísimo aspecto constitutivo del enunciado en su versión bajtiniana – todo enunciado no es sino un eslabón en la cadena de la comunicación discursiva, la cual nunca parte de cero”.
  • 27
    Tradução nossa. Texto original: “El concepto de géneros discursivos permite ver por qué el enunciado es tan sólo un eslabón en la cadena discursiva”.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2021
  • Aceito
    15 Mar 2022
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