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A representação da agricultura na governança paulista das águas

Resumo

O modelo de gestão dos recursos hídricos no estado de São Paulo é caracterizado pela participação dos usuários de água de diferentes setores econômicos no âmbito dos Comitês de Bacias Hidrográficas e demais estruturas do sistema de gestão. O objetivo deste artigo é apresentar o levantamento e a sistematização da atuação dos representantes da agricultura paulista nesse sistema descentralizado e participativo de governança. Para tanto, o trabalho reconstrói o perfil desta representação setorial no Conselho Estadual de Recursos Hídricos e nos Comitês circunscritos aos territórios rurais com maior dinâmica agrícola do estado. Os resultados do estudo revelam significativos distanciamentos políticos e propositivos entre setores da agricultura e da agroindústria paulista. Estes distanciamentos relacionam-se com a estrutura e a capilaridade das entidades representativas dos setores, além da própria concepção de gestão disputada entre os segmentos.

Palavras-chave:
Governança das águas; ruralidades e meio ambiente; comitês de bacias hidrográficas; sociedade e recursos hídricos

Abstract

The water resources management model in the state of São Paulo is characterized by the participation of water users from different sectors of the economy within the ambit of River Basin Committees and other organizations of the water management system. The purpose of this article is to present a survey and systematization of the performance of representatives of São Paulo’s agricultural sector in this decentralized and participatory system of water governance. To this end, this article recreates the profile of this sectoral representation in the State Water Resources Council and in the Committees for rural areas with strong agricultural dynamics in the state. The findings of this study reveal significant political and propositional differences between São Paulo’s agriculture and agroindustry sectors. Such differences have to do with the structure and capillarity of the entities that represent these sectors, as well as their divergent concept of management.

Keywords:
Water governance; ruralities and the environment; river basin committees; society and water resources

Resumen

El modelo de gestión de recursos hídricos en el estado de São Paulo se caracteriza por la participación de los usuarios del agua de diferentes sectores económicos dentro de los Comités de Cuenca y otras estructuras del sistema de gestión. El objetivo de este artículo es presentar la actuación de los representantes de la agricultura paulista en ese sistema participativo de gobernanza del agua. Para ello, el trabajo reconstruye el perfil de esta representación sectorial en el Conselho Estadual de Recursos Hídricos y en los Comités circunscritos a los territorios rurales con mayor dinámica agrícola del estado. Los resultados del estudio revelan distanciamientos políticos y propositivos entre sectores de la agricultura y de la agroindustria paulista. Estos distanciamientos se relacionan con la estructura y la capilaridad de las entidades representativas de los sectores, además de la propia concepción de gestión disputada entre estos segmentos.

Palabras-clave:
Gobernanza del agua; ruralidades y medio ambiente; comités de cuencas hidrográficas; sociedad y recursos hídricos

1. Introdução

As políticas de governança da água implantadas no Brasil desde a década de 1990 se organizam em torno de uma agenda de governança pública que pretende promover o pluralismo político, envolvendo várias categorias de atores e instituições que trazem para uma arena descentralizada seus interesses específicos e deliberam sobre a gestão do recurso (ABERS; KECK, 2013ABERS, R.; KECK, M. Practical authority: agency and institutional change in Brasilian Water Politics. New York: Oxford University Press, 2013.; JACOBI; FRACALANZA, 2005JACOBI, P.; FRACALANZA, A.P. Comitês de bacias hidrográficas no Brasil: desafios de fortalecimento da gestão compartilhada e participativa. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n.11-12, p.41-49, 2005.). Esta arena, denominada Comitê de Bacia Hidrográfica, funcionaria como uma modalidade de “parlamento das águas”. Neste parlamento, teriam representação o poder público, em seus diferentes níveis, e a sociedade civil, com a inclusão tanto dos grandes usuários do recurso quanto de representantes profissionais e de organizações voltadas aos temas da preservação e gestão dos recursos naturais (AITH; ROTHBARTH, 2015AITH, F.M.A; ROTHBARTH, R. O estatuto jurídico das águas no Brasil. Estudos Avançados, v.29, n.84, 163-177, 2015.).

Com efeito, instâncias como os Comitês de Bacias estão inscritas em redes complexas de condução de políticas públicas, situação que tanto mais tenciona as atividades de governança quanto maior for o conjunto de interesses sociais envolvidos com o território e seus recursos (MARTINS, 2012MARTINS, R.C. Do “bem comum” a ouro azul: a crença na gestão racional da água. Contemporânea - Revista de Sociologia da UFSCar, v. 2, p. 465-488, 2012.). No caso dos territórios rurais brasileiros, e principalmente no estado de São Paulo, estes interesses são marcados pela participação decisiva da agricultura na exploração dos recursos ecossistêmicos. Visando problematizar esta conjuntura, este texto tem como objetivo principal apresentar a sistematização e a análise da atuação dos representantes da agricultura paulista no sistema descentralizado e participativo de governança da água no estado.

Para tanto, o trabalho reconstrói o perfil desta representação setorial no Conselho Estadual de Recursos Hídricos e nos Comitês de Bacia circunscritos aos territórios rurais com maior dinâmica agrícola do estado. Para a apresentação do histórico desta representação, bem como dos temas mais abrangentes que lhe são concernentes, o artigo encontra-se dividido em sete tópicos. Após este tópico introdutório, serão apresentados no segundo tópico os procedimentos metodológicos adotados no estudo. No terceiro tópico serão sintetizadas as características gerais da governança da água no estado de São Paulo. No quarto tópico será apresentada a participação da agricultura no Conselho Estadual de Recursos Hídricos. O quinto tópico apresentará o levantamento da participação deste setor em cinco importantes Comitês de Bacias estruturados em territórios rurais do estado. No sexto tópico, será remontado o debate sobre a cobrança pelo uso da água entre os representantes da agricultura e da agroindústria estaduais, destacando a diversidade de interesses construídos sobre o tema. Por fim, nas considerações finais serão indicadas possibilidades analíticas que resultam das principais conclusões do estudo em tela.

2. Procedimentos metodológicos

Para o estudo da participação da agricultura no Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) e nos Comitês de Bacia, foram adotados procedimentos qualitativos de pesquisa social, com amplo esforço de investigação exploratória. Para a reconstrução do perfil de representação do setor, foi realizado levantamento documental junto aos arquivos do CRH e dos Comitês de Bacia circunscritos aos territórios rurais com produção agrícola mais intensiva no estado. Sob tal critério, foram identificados cinco Comitês de bacia, a saber: os comitês Tietê-Jacaré (TJ) e Sorocaba Médio-Tietê (SMT), que cobrem um importante trecho do Rio Tietê, desde os limites da região metropolitana até o centro do estado de São Paulo, e; os comitês Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), Mogi-Guaçu (MOGI) e do rio Pardo (PARDO), que abrangem a maior parte da região nordeste do estado, com intensa atividade agrícola.

Figura 1
Localização das bacias de estudo na distribuição das Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos

No levantamento documental, realizado entre março de 2014 e maio de 2017, foram reunidas as atas de todas as eleições do CRH e dos Comitês, os Planos de Bacia e os estatutos de cada instância (tanto os vigentes quanto as versões anteriores, desde a fundação do CRH e de cada Comitê). Em seguida, foi realizada a sistematização das informações, através da elaboração de planilhas com a relação de todos os representantes eleitos por segmento, de modo a remontar as gestões do CRH e de cada Comitê de Bacia. Na medida em que os Comitês foram criados entre os anos de 1993 e 1998 e organizados em gestões bianuais, cada comitê registrou entre oito e doze gestões até o ano de 2017.

Após a composição de cada uma das gestões do CRH e dos Comitês de Bacia, foram identificados os representantes da agricultura paulista em cada biênio, ocupando assento titular ou suplente. Para esta identificação, se partiu do estabelecido nos estatutos das instâncias, que guardam para este setor uma representação agrícola (produtores rurais e criadores) e outra agroindustrial (indústrias de beneficiamento e transformação do produto agrícola), ambas no segmento sociedade civil. Além disso, buscou-se verificar se alguma entidade explicitamente ligada à agricultura e à agroindústria participaram das gestões ocupando representações do segmento da sociedade civil que não eram especificamente destinadas ao setor. Em quase todos os Comitês foi possível identificar esta situação de sobreposição de representação foi encontrada.

Com base na identificação dos representantes da agricultura estadual, foram organizados quadros para a apresentação das entidades setoriais (titulares e suplentes, indistintamente) partícipes dos Comitês e do CRH. Para fins de exposição, neste artigo é apresentada a relação completa dos representantes da agricultura e da agroindústria no Conselho Estadual de Recursos Hídricos no período 2002-2018. No caso dos Comitês de Bacia, os quadros apresentam a distribuição das entidades que participaram de ao menos duas gestões em cada Comitê no período de 1995 (ou posterior, a depender do ano de criação do Comitê) até 2017.

Reconstruídas as representações da agricultura paulista no CRH e nos Comitês, iniciou-se o contato com aquelas entidades que participaram por mais tempo destas representações. Através destes contatos se buscou o acesso aos materiais e documentos que as entidades produziram acerca de sua participação na instância de governança. Este material subsidiou a elaboração de roteiros de entrevistas semi-estruturadas com os representantes das entidades. Os principais temas explorados nestes roteiros foram: as conjunturas e motivações para participação nas instâncias de gestão; as estratégias de atuação dos representantes nas reuniões de gestão, as pautas de maior interesse do setor; as alianças políticas entre agricultura, agroindústria e outros segmentos partícipes do CRH e dos Comitês; as visões de cada representante sobre a relação agricultura, agroindústria e sustentabilidade do uso da água, e; a avaliação do funcionamento do sistema de governança. A escolha dos informantes baseou-se na técnica de amostragem de propósito (PATTON, 2002PATTON, M.Q. Qualitative research and evaluation methods. London: Sage Publications, 2002.), a partir da qual foram identificados os agentes com maior densidade informacional para os propósitos da pesquisa. Ao todo, foram entrevistados doze representantes da agricultura e quatro representantes das agroindústrias. A realização das entrevistas ocorreu entre os meses de agosto de 2016 e setembro de 2018, com uso de gravador digital e posterior transcrição de seus conteúdos.

3. Gestão de águas no estado de São Paulo

O debate em torno da participação social na gestão pública comumente ressalta a emergência na cena política de uma nova lógica de produção de decisões e concertações (ALMEIDA; TATAGIBA, 2012ALMEIDA, C.; TATAGIBA, L. Os conselhos gestores sob o crivo da política: balanços e perspectivas. Serviço Social & Sociedade, n.109, p.68-92, 2012.). No caso da temática ambiental, os chamados stakeholders, ao participarem efetivamente de um espaço de discussão ou de deliberação, potencializariam os interesses da sociedade frente à força institucional do Estado, aumentando assim a democratização da gestão pública e ampliando sua eficiência (ALVINO-BORBA; MATA-LIMA; MATA-LIMA, 2012ALVINO-BORBA, A.; MATA-LIMA, A.; MATA-LIMA, H. Desafios ambientais e estratégicos para condução da investigação e programas de intervenção social. Ambiente & Sociedade, v.15, n.1, p.147-155, 2012.).

No caso brasileiro, a participação social nas políticas voltadas ao meio ambiente foi fortalecida na década de 1990, com a criação de vários conselhos consultivos e deliberativos em diferentes níveis governamentais, assegurando a participação regulamentada da sociedade civil organizada. Os Conselhos de Meio Ambiente, os Comitês de Bacias Hidrográficas e os conselhos gestores de Áreas de Proteção Ambiental preveem a participação de segmentos da sociedade como ONGs e movimentos sociais no seu funcionamento (JACOBI, 2009aJACOBI, P. Governança da água no Brasil. In: RIBEIRO, W.C. (Org.) Governança da água no Brasil: uma visão interdisciplinar. São Paulo: Annablume, 2009a.). Como bem aponta a literatura, tal forma de organização destas instâncias representa a politização da gestão ambiental como forma de resolução de problemas e conflitos entre grupos e setores envolvidos (GUIVANT; JACOBI, 2003GUIVANT, J.S; JACOBI, P. Da hidrotécnica a hidropolítica: novos rumos para a regulação e gestão dos recursos ambientais no Brasil. Caderno de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, n.43, p. 1-26, 2003.).

No caso da gestão das águas, o estado de São Paulo foi pioneiro na elaboração de uma estrutura de perfil descentralizado e participativo, chegando a influenciar a legislação federal posterior. Inspirada no modelo francês de gestão do recurso, a legislação paulista de 1991 definiu a gestão como sendo participativa, integrada e descentralizada no nível das unidades de bacias hidrográficas. A gestão das bacias foi atribuída aos Comitês de Bacias, com estrutura tripartite e representação paritária entre os segmentos estado, municípios e sociedade civil. No geral, os representantes do segmento estado integram secretarias e órgãos estaduais mais diretamente ligados à questão do meio ambiente e recursos hídricos; os representantes dos municípios são os próprios prefeitos municipais, e; os representantes da sociedade civil representam entidades que atuam na região correspondente à bacia, e abrangem universidades, entidades de pesquisa, usuários das águas (representados por entidades associativas), associações especializadas em recursos hídricos, entidades de classe, associações comunitárias, além de outras associações não-governamentais, em geral ambientalistas (ABERS; KECK, 2004ABERS, R; KECK, M. Comitês de Bacia no Brasil - Uma abordagem política no estudo da participação social. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 6, n. 1, maio, 2004.).

O estado de São Paulo é dividido atualmente em 21 Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cada uma das quais administrada por um Comitê de Bacia. A estas instâncias compete o planejamento e a gestão do uso da água. Neste arranjo normativo, os Comitês de Bacia formam a substância do processo de descentralização, pois neles são promovidos os debates das questões relacionadas aos recursos hídricos da respectiva bacia, bem como a articulação e resolução, em instância local, dos conflitos potenciais e/ou efetivos (JACOBI, 2009bJACOBI, P. Atores e Processos na Governança da água no Estado de São Paulo. São Paulo: Annablume Editora, 2009b.).

Notadamente, este novo arranjo normativo reserva à sociedade civil um papel central na condução da política e da gestão das águas (RIBEIRO; JOHNSSON, 2018RIBEIRO, N.B.; JOHNSSON, R.M.F. Discussões sobre governança da água: tendências e caminhos comuns. Ambiente & Sociedade, v.21, p.01-22, 2018.). Conforme destacam Jacobi e Fracalanza (2005JACOBI, P.; FRACALANZA, A.P. Comitês de bacias hidrográficas no Brasil: desafios de fortalecimento da gestão compartilhada e participativa. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n.11-12, p.41-49, 2005.), os grupos sociais e, principalmente, os grandes usuários teriam de se organizar politicamente para participar do Comitê, visando defender seus interesses específicos quanto à precificação da água, a aplicação dos recursos arrecadados e às modalidades de concessão das outorgas dos direitos de uso.

O nível de organização e participação da sociedade civil nestas arenas, por sua vez, é diverso se tomarmos como referência seja o estado de São Paulo, seja os estados da federação (TRINDADE; SCHEIBE, 2019TRINDADE, L.L.; SCHEIBE, L.F. Gestão das águas: limitações e contribuições na atuação dos Comitês Bacias Hidrográficas brasileiros. Ambiente & Sociedade, v.22, p.01-20, 2019.; EMPINOTTI, 2011EMPINOTTI, V. L. E se eu não quiser participar? O caso da não participação nas eleições do comitê de bacia do Rio São Francisco. Ambiente & Sociedade, v.14, n. 1, p. 195-211, 2011.). Dilemas da participação, remetendo a situações como as de desigualdade ambiental ou de marcadores sociais específicos (tal como os de gênero e de classe social), já foram objetos dos estudos sobre Comitês (FRACALANZA, JACOB; EÇA, 2013FRACALANZA, A.P.; JACOB, A. M.; EÇA, R. F. Justiça ambiental e práticas de governança da água: (re)introduzindo questões de igualdade na agenda. Ambiente & Sociedade, v.16, n.1, p. 19-38, 2013.; EMPINOTTI, 2010, ARBAROTTI, 2018ARBAROTTI, A.E. Disputas e hierarquias no acesso à água em assentamentos de reforma agrária. Tese (doutorado). São Carlos: UFSCar, 2018.). Questões relativas aos desafios para participação dos grupos sociais não portadores do volume de capital cultural necessário ao debate sociotécnico comumente hegemônico nestes espaços também foram investigadas nos contextos brasileiro e paulista (GARCIA, BODIN, 2019GARCIA, M.M., BODIN, O. Participatory Water Basin Councils in Peru and Brazil: expert discourses as means and barriers to inclusion. Global Environmental Change, v.55, p.139-148, 2019.; MARTINS, 2013MARTINS, R.C. La scientifisation de la politique dans la gestion de l`eau au Brésil. Autrepart: Revue des Sciences Sociales au Sud, v.65, p.85-105, 2013.). No concernente ao tema específico das diferenças, Martins (2015MARTINS, R.C. Fronteiras entre desigualdade e diferença na governança das águas. Ambiente e Sociedade, vol.18, n.1, p.221-238, 2015.) ressalta que a expressão dos interesses dos grupos sociais organizados vem implicando na contraposição de estratégias políticas e visões de mundo, situação que pode fortalecer (ou não) os Comitês de Bacia como importante arena de debate socioambiental. No estado de São Paulo, e no que concerne aos setores ligados à agricultura, esta contraposição de interesses já se faz presente há pelo menos uma década no Conselho Estadual de Recursos Hídricos. A compreensão da formação do campo de interesses da agricultura paulista no tema das águas, por sua vez, vincula-se diretamente ao perfil de modernização do setor estruturado na segunda metade do século XX.

4. Agricultura e agroindústria no CRH

Nos últimos cinquenta anos, a agricultura paulista foi marcada pela forte expansão de sua base tecnológica e, principalmente, pelo novo patamar de relações que passou a estabelecer com o capital industrial. De simples fornecedora de matéria-prima para a indústria, a agricultura modernizou sua base produtiva através do consumo de maquinário e implementos agrícolas manipulados com tecnologia intensiva, bem como da incorporação de novos conhecimentos provenientes da moderna genética, da física e da química. Este novo patamar de relações inter-capitais resultou no que alguns autores passariam a denominar, ainda na década de 1980, como Complexos Agroindustriais (SILVA, 1996SILVA, J.G. A nova dinâmica da agricultura brasileira. São Paulo: Unicamp, 1996.; MULLER, 1989MULLER, G. Complexo agroindustrial e modernização agrária. São Paulo: HUCITEC-EDUC, 1989.).

A constituição destes Complexos revelou transformações importantes na base produtiva da agricultura paulista, juntamente com a intensificação da concentração de terras sob o domínio dos poucos estabelecimentos integrados à nova ordem de relações. Do ponto de vista ambiental, este movimento de capitalização - ou apropriacionismo industrial da agricultura (GOODMAN; SORJ; WILKINSON, 1990GOODMAN, D., SORJ, B., WILKINSON, J. Da lavoura às biotecnologias: agricultura e indústria no sistema internacional. Rio de Janeiro: Campus, 1990.) - promoveu a degradação em grande escala do meio ambiente rural não apenas paulista. Os riscos ecológicos próprios dos componentes do moderno pacote tecnológico se somaram ao estímulo financeiro via farto crédito agrícola (DELGADO, 2012DELGADO, G. Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora UFRGS, 2012.), ao descontrole do receituário agronômico (ROMEIRO, 1998ROMEIRO, A.R. Meio ambiente e dinâmica de inovações na agricultura. São Paulo: Annablume: FAPESP, 1998.) e às conjunturas regionais de sustentação política e legitimidade do uso intensivo de agrotóxicos do país (GUIVANT, 1992GUIVANT, J. O uso de agrotóxico e os problemas de sua legitimação: um estudo de sociologia ambiental no município de Santo Amaro de Imperatriz, S.C. Tese (Doutorado em Sociologia). Campinas: UNICAMP, 1992.). No que concerne aos recursos hídricos, em particular, o uso intensivo de fertilizantes é um dos fatores comumente associados à eutrofização dos rios e lagos, à acidificação dos solos e à contaminação de aquíferos (GOMES; BARIZON, 2014GOMES, M.A.F.; BARIZON, R.R.M. Panorama da contaminação ambiental por agrotóxicos e nitrato de origem agrícola no Brasil: cenário 1992-2011. Jaguariúna: Embrapa Meio Ambiente, 2014.; MARTINS, 2004MARTINS, R.C. A construção social do valor econômico da água: estudo sociológico sobre agricultura, ruralidade e valoração ambiental no estado de São Paulo. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, 2004.).

Ante este contexto de importância da agricultura nas áreas rurais do estado, bem como considerando seu papel no uso e na degradação da qualidade das águas, a participação dos representantes deste setor nas novas instâncias participativas de gestão dos recursos hídricos possui especial importância. No CRH, em particular, este setor vem participando ativamente desde o início dos anos 2000. Como pode-se observar no quadro 1, abaixo, entre os anos de 2002 e 2018, oito representantes da sociedade civil ligados a entidades do setor agrícola e agroindustrial integraram o CRH. Dentre eles, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (FAESP)1 1 - Criada em 1965, a FAESP é a entidade representativa dos agricultores patronais e pecuaristas do estado de São Paulo, mantendo relações com os poderes públicos municipais, estaduais e federais. Sua base é formada pelos aos Sindicatos Rurais patronais, com sedes municipais. teve destacada participação, ocupando a representação titular dos usuários agrícolas em todas as oito gestões analisadas. Junto à FAESP, a suplência da representação dos usuários agrícolas de recursos hídricos foi ocupada pela Associação Brasileira de Criadores por seis gestões, tendo sido substituída pela Associação dos Fornecedores de Cana da Região de Catanduva no biênio 2014/2016. Na gestão 2016/2018, a Associação Brasileira do Agronegócio também passou a atuar no CRH, dando sequência aos esforços de participação que implementara junto aos Comitês de Bacia desde o início da década de 2010.

Quadro 1
Entidades representantes da agricultura(*) e da agroindústria(**) no Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Divisão por gestão. Período: 2002-2016

A outra entidade com participação significativa no CRH é a União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (UNICA)2 2 - A UNICA é a entidade representativa das principais unidades produtoras de açúcar, etanol ebioeletricidade da região centro-sul do Brasil, com atuação principal no estado de São Paulo. Criada em 1997, possui escritórios internacionais nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. , presente nas seis últimas gestões (de 2006 a 2018). A UNICA ingressou no Conselho como suplente da representação dos usuários industriais de recursos hídricos, entre os anos de 2006 e 2010. Posteriormente, com a criação da categoria dos usuários agroindustriais de recursos hídricos - resultante, em grande medida, da pressão e articulação política da entidade -, passou a ocupar a titularidade desta representação em todas as gestões seguintes. Ademais, em todos os anos da participação de UNICA no CRH, a representação titular da entidade esteve a cargo de apenas uma pessoa, contratada pela entidade exclusivamente para assessorá-la no tema das águas.

Esta profissionalização da representação repercutiu nas diferentes frentes de atuação da entidade acerca da questão ambiental3 3 - Além da atuação no sistema paulista de governança da água, a UNICA também teve, no mesmo período, participação destacada no Protocolo Agroambiental paulista, dedicado à redução queimadas. A propósito do Protocolo e da atuação da entidade, ver Sabadin (2017). . No caso dos recursos hídricos, as estratégias de participação e as pautas da entidade revelam importantes diferenças, como será visto adiante, em relação ao modo de atuação da FAESP nos vários níveis do sistema de governança.

5. Agricultura e agroindústria nos Comitês de Bacia

Neste tópico será discutida a atuação política da agricultura paulista nos Comitês de Bacia responsáveis pela gestão das águas nas regiões de atividade agrícola mais intensiva do estado. Para tanto, serão caracterizadas as principais atividades econômicas de cada uma das bacias em questão e, em seguida, serão relacionados os representantes da agricultura regional que já ocuparam assentos de representação (titular ou suplente) no respectivo Comitê.

Na divisão hidrográfica do Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado, a região alvo deste estudo está situada na área de abrangências dos comitês Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ); Sorocaba-Médio Tietê (SMT); Tietê-Jacaré (TJ); o comitê do rio Pardo (Pardo), e; comitê Mogi-Guaçu (Mogi). Como pode-se observar na figura 2, embora com diferentes intensidades de produção (situação importante do ponto de vista amostral), a região de estudo é territorialmente marcada pela economia sucroalcooleira. De acordo com dados do Instituto de Economia Agrícola, desde 2016, São Paulo detém 55% da área plantada de cana no país. Da área agrícola do estado, pouco mais de 66% é ocupada por canaviais (IEA, 2018). Na safra 2016/2017, eram 172 usinas instaladas no estado, que respondiam por 56% da cana moída nacionalmente (UNICA, 2019).

Figura 2
Produção de cana-de-açucar por escritório de desenvolvimento regional São Paulo (2015)

O Comitê Piracicaba, Capivari e Jundiaí foi criado em novembro de 1993, se constituindo no primeiro comitê paulista elaborado com base nas novas diretivas de gestão descentralizada e participativa das águas. Gerencia a segunda região mais crítica do estado em termos de quantidade e qualidade dos recursos hídricos, ficando atrás apenas da unidade de gerenciamento do Alto Tietê (que abrange a região metropolitana de São Paulo). As principais atividades econômicas da região são a agropecuária e a produção industrial, com forte presença da agroindústria canavieira nos municípios de Piracicaba e Rio Claro. A área agrícola é ocupada fundamentalmente pelo cultivo de cana-de-açúcar.

Os Comitês de Bacia do Sorocaba Médio-Tietê e do Tietê Jacaré foram criados, respectivamente, em agosto e novembro de 1995. A economia destas bacias é muito similar, tendo também por base o cultivo da cana de açúcar e da laranja. Desde a fundação dos Comitês, quatorze diferentes entidades do segmento sociedade civil representaram os setores agrícola e agroindustrial no Sorocaba Médio-Tietê; no Tietê esta representação teve doze diferentes entidades e no Comitê Piracicaba, Capivari e Jundiaí dezesseis entidades.

No quadro 2, abaixo, estão relacionadas as entidades que participaram de duas ou mais gestões em cada Comitê. Neste grupo, os sindicatos rurais patronais (institucionalmente representados em nível estadual pela FAESP) despontam como os mais atuantes em cada um dos Comitês. No Sorocaba Médio-Tietê, dois mantiveram atuação destacada, a saber: o Sindicato Rural de Piedade, que participou de oito gestões do comitê, e; o Sindicato Rural Patronal de São Roque, com seis gestões. Representante do segmento agroindustrial, a ÚNICA esteve presente em seis gestões. No Tietê-Jacaré, a representação mais duradoura esteve à cargo justamente da UNICA, presente em sete gestões, entre os anos de 2001 e 2017. Entidades importante, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e a Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos (ABECITRUS), tiveram participações mais pontuais e esparsas. E os sindicatos patronais mais atuantes foram os de Araraquara e Pederneiras, com três gestões cada.

Quadro 2
Entidades da agricultura(*) e da agroindústria(**) com maior número de participações nos Comitês de Bacia Hidrográfica do Sorocaba / Médio Tietê, do Tietê-Jacaré e do Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Divisão por gestão. Período: 1995-2017

Ainda no quadro 2, observa-se a importante participação da UNICA também no Comitê Piracicaba, Capivari e Jundiaí, com representação em oito gestões seguidas (de 2001 a 2017). Verifica-se, como nos outros dois Comitês, a constante atuação dos sindicatos patronais, com o Sindicato Rural de Campinas participando de nove gestões e os sindicatos rurais de Indaiatuba, de Limeira e de Rio Claro, cada um dos quais presente em oito gestões.

Já os comitês do Pardo e do Mogi Guaçu foram criados em fevereiro e junho de 1996, respectivamente. Seus territórios são também marcados pela forte presença da agroindústria canavieira. O cultivo de cana-de-açúcar predomina na paisagem regional. Em menor grau, a área agrícola da bacia do Mogi-Guaçu é ainda ocupada por pastagens e pelo cultivo de laranja - este último também com finalidade ao processamento de agroindústrias da região.

No período de 1997 à 2017, quinze entidades eleitas para o Comitê Mogi de 1997 à 2017 tinham ligação direta com os setores agrícola e agroindustrial. No mesmo período, esta representação no Comitê do Pardo abrangeu dez entidades. No quadro 3, abaixo, observa-se a forte presença das entidades ligadas ao complexo agroindustrial canavieiro nos dois comitês. No Mogi Guaçu, o destaque foi a UNICA (oito gestões), a COOPERSUCAR (sete gestões), a CANAOESTE (seis gestões) e o Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool no Estado de São Paulo (três gestões), e; no Pardo, a CANAOESTE (seis gestões), a UNICA (cinco gestões) e a COOPERSUCAR (por duas gestões). Ainda no Pardo destaca-se a participação da Associação Brasileira do Agronegócio - ABAG, com assento nas sete últimas gestões (de 2001 a 2017).

No vínculo estrito com a agricultura, as entidades mais atuantes do Pardo foram o Sindicato Rural de Ribeirão Preto e a Associação dos Bataticultores de Vargem Grande do Sul, com oito gestões cada. No Comitê Mogi Guaçu os sindicatos patronais mais atuantes foram de Leme e o de Pirassununga, cada um dos quais com três gestões.

Quadro 3
Entidades da agricultura(*) e da agroindústria(**) com maior número de participações no Comitê de Bacia Hidrográfica do Mogi-Guaçu e do Pardo. Divisão por gestão. Período: 1997-2017

O caráter descentralizado dos Comitês de Bacia, somado às participações esparsas de muitas das entidades, não sugerem relações causais em termos de coesão setorial entre os representantes da agricultura. Sem embargo, outras variáveis - de ordem político-partidária ou mesmo territorial - poderiam ter ainda influência nas práticas de representação que se verificam neste tipo de instância de governança ambiental. Contudo, no caso dos comitês paulistas, ao menos uma pauta estadual contribui para o mapeamento dos interesses dos setores agrícola e agroindustrial no período foco deste estudo. Esta pauta é o debate em torno da cobrança pelo uso da água no estado.

6. Visões setoriais sobre a cobrança pelo uso da água

Após muitos debates entre os partícipes do novo sistema de governança da água no estado e mais de oitos anos de tramitação legislativa, foi aprovada, em dezembro de 2005, a lei de cobrança pelo uso da água no estado de São Paulo. Desde então, os Comitês de Bacia vêm construindo a implementação da cobrança, com discussões que vão desde a criação de cadastros de usuários até a definição dos valores a serem cobrados para cada segmento usuário. No caso da agricultura, em particular, as dificuldades na confecção de cadastros e a previsão de um período adicional para sua implementação junto aos agricultores fez com que o tema fosse de grande relevância nos Comitês no período de estudo, embora sua efetiva implementação ainda esteja em fase de regulamentação.

No período de debates sobre o projeto de lei - cuja primeira versão data de 1998 -, a agricultura paulista organizou-se em torno de posições que, em grande medida, refletem a representação do setor no CRH e sua replicação, com maior ou menor fidelidade, nos próprios Comitês. Atuando no CRH desde 2002, a FAESP, que formalmente representa os sindicatos rurais patronais que atuaram nos comitês no período alvo deste estudo, manteve ao longo de todo o período posição contrária à cobrança pelo uso da água para os agricultores4 4 - Convém destacar que no sistema francês, que servira de modelo ao sistema paulista de gestão, a agricultura também se opôs durante quase trinta anos a participar da política de cobrança pelo uso da água. Sobre este processo de resistência e enfrentamento político, ver Bourblanc (2019). . Em artigo sobre o tema, Fábio Meirelles, presidente da entidade desde 1975, manifestava, já no ano de 2000, questões que poriam em suspenso a cobrança para o setor agrícola.

A cobrança pelo uso da água na agricultura, executada de uma forma inadequada, ineficiente e, sem fundamentos científicos sérios, prejudicará sensivelmente o setor agrícola que vem sofrendo profunda crise desde o início da década (...). Diante desse cenário, recomenda-se que o tratamento diferenciado do setor agropecuário no que se refere a cobrança pelo uso da água, isentando-o dessa medida até o tempo necessário para que estudos científicos forneçam uma base inicial para sua discussão e, se for o caso, implantação. (MEIRELES, 2000: 200)

As três versões do projeto de lei que dispunha sobre a cobrança no estado tramitaram na Assembleia Legislativa paulista por sete anos. Apresentado inicialmente em 1998, o projeto entrou em regime de urgência no legislativo estadual em dezembro de 2000, tendo sido votado apenas em dezembro de 2005. Conforme demonstraram Martins e Valencio (2003MARTINS, R.C.; VALENCIO, N.F. Valoração dos recursos hídricos e impasse socioambiental na agricultura paulista: alguns desafios para a gestão de políticas públicas. Informações Econômicas, v.33, n.10, São Paulo, p. 28-40, 2003.), a maior resistência à aprovação do projeto vinha justamente dos deputados estaduais vinculados aos grupos de interesse da agricultura. De acordo com os autores, a proposição de subsídios foi o tema-base mais recorrente entre as emendas apresentadas ao projeto de cobrança pelo uso da água na Assembleia Legislativa. De um total de 19 emendas de subsídios, 11 propunham a isenção dos usuários agrícolas, com apoio explícito da FAESP5 5 - A posição da FAESP foi parcialmente acolhida no texto final da lei aprovada em dezembro de 2005. Nas disposições transitórias, a lei estadual determina que a cobrança dos usuários rurais se iniciaria quatro anos após a implementação da cobrança para os demais usuários. .

Esta posição da FAESP foi reproduzida por muitos sindicatos rurais patronais no âmbito dos Comitês de Bacia. A maior parte dos sindicatos atuantes nos Comitês Piracicaba-Capivari-Jundiaí, Sorocaba-Médio Tietê, Tietê-Jacaré, Pardo e Mogi sustentaram o argumento sobre as graves implicações que a cobrança pelo uso da água traria à agricultura. Mas esta posição, por sua vez, não parece, sob a ótica destes representantes, ser resultado de debates ou orientação geral da FAESP. A negativa ante a cobrança surgira da própria experiência destes representantes, que são agricultores e proprietários de terras.

Esse trabalho não vem da Federação. Somos nós aqui mesmo. A gente é a agricultura, a gente faz o sindicato. Esse é nosso dia a dia. A gente sabe que uma cobrança dessa [da água] quebra muita gente. A Federação tá lá na política, e quem vai ajudar o presidente [da FAESP] também fica por lá e não sabe o que é o dia a dia do produtor. (Representante do Sindicato Rural de Extrema no Comitê Piracicaba, Capivari, Jundiaí nas gestões 2005/2007, 2007/2009, 2009/2011, 2011/2013, 2013/2015 e 2015/2017, Entrevista de setembro de 2016)

Neste caso, no período analisado, a FAESP não incorporou, no âmbito da estrutura de gestão, um papel de efetivo stakeholder - isto é, articulador de grupo de interesse e agente proativo no debate público-ambiental, pronto ao envolvimento coletivo e cooperação estratégica (ALVINO-BORBA; MATA-LIMA; MATA-LIMA, 2012ALVINO-BORBA, A.; MATA-LIMA, A.; MATA-LIMA, H. Desafios ambientais e estratégicos para condução da investigação e programas de intervenção social. Ambiente & Sociedade, v.15, n.1, p.147-155, 2012.). A rigor, a FAESP pouco se movimentou na estrutura de governança das águas para tecer arranjos políticos envolvendo sua base sindical. A entidade conservou no CRH um discurso rarefeito em relação à agricultura paulista, posto que seus sindicatos, atomizados, não foram chamados à opinar ou construir proposições do grupo em face dos desafios impostos à agricultura por temas como a valoração dos recursos hídricos.

De outra parte, alguns poucos sindicatos construíram discurso alternativo ao da FAESP. Alguns representantes do setor no Comitê Piracicaba-Capivari-Jundiaí e no Comitê Tietê-Jacaré sustentaram nas assembleias ordinárias apoio à cobrança tendo em vista a possibilidade de captação de parte dos recursos arrecadados para projetos de desenvolvimento da agricultura regional. Isto é: a receita da cobrança poderia se constituir em um adicional aos recursos regularmente captados pelos agricultores junto aos instrumentos tradicionais de política agrícola.

Na camara técnica do Comitê chegamos a propor que tínhamos que pedir incentivos para as práticas agrícolas, até mesmo no que se refere ao saneamento rural. Infelizmente os próprios membros do Comitê questionaram o uso deste dinheiro para nós. E não é bem assim, porque estamos pedindo incentivo para a prática de conservação na encosta de represas, de rios. (Representante do Sindicato Rural de Pederneiras no Comitê Tietê-Jacaré nas gestões 2011/2013, 2013/2015 e 2015/2017, Entrevista de março de 2017)

Da parte dos representantes da agricultura, a dificuldade de obtenção de recursos financeiros via Comitês de Bacia estimulou a incorporação pelo setor do discurso que fundamenta os instrumentos de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA). A este respeito, o produtor de cana-de-açúcar e representante do Sindicato Rural de Rio Claro no Comitê Piracicaba-Capivari-Jundiaí, afirma:

Dentro deste espaço buscamos muito o Pagamento por Serviços Ambientais, o PSA. Agora, no estado de São Paulo essa é uma pauta bem complicada. O cidadão não vai reflorestar se não tiver uma contrapartida. Inclusive nosso Sindicato já fez um projeto com a UNESP e com a prefeitura, e a gente quer que o Comitê também participe. Apelidamos o projeto de PSA Canavieiro. O produtor nem sabe o que é PSA, e nesse projeto a gente tá conscientizando o produtor, explicando que a propriedade tem que estar em ordem, tudo isso. (Represetannte do Sindicato Rural de Rio Claro no Comitê Piracicaba-Capivari-Jundiaí nas gestões 2005/2007, 2009/2009, 2009/2011, 2011/2013 e 2013/2015. Entrevista de agosto de 2016)

Nos últimos anos, estimulada pelo contexto de mudanças no Código Florestal brasileiro, a FAESP também começou a pautar o PSA como estratégia importante de adesão dos agricultores paulistas ao cenário crescente de controle ambiental da produção e, principalmente, como forma de captação de recursos financeiros. Esta posição da Federação foi confirmada pelo representante da entidade no CRH e pôde ser acompanhada em seus informativos desde 2015-20166 6 - O Informativo FAESP-SENAR é editado desde o ano de 2007 e publica, em média, quatro números por ano. No período deste estudo, sobre a pauta ambiental, o Informativo publicou basicamente matérias dedicadas à reformulação do Código Florestal. . Este envolvimento da entidade, contudo, ainda não se espraiara entre seus sindicatos até o ano de 2017.

No debate sobre a cobrança pelo uso da água, a UNICA, representante dos usuários agroindustriais, teve posição diferenciada em relação à FAESP e à maior parte dos sindicatos rurais. Apreciando as implicações da cobrança, a entidade colocou-se favorável à implementação do instrumento de gestão, porém sob perspectiva bastante estratégica. De acordo com o representante da entidade no CRH:

A cobrança trará sim algum custo para o setor. Mas ela tem de garantir que teremos água no momento que precisaremos. Não podemos ser penalizados pela falta do recurso, já que a cobrança tem que inibir o mau uso. E também não é correto os comitês usarem este recurso para obras de saneamento, para o meio ambiente. Essa é uma tarefa do governo que não podemos aceitar que caia no colo dos usuários. (Represente da UNICA no Conselho Estadual de Recursos Hídricos nas gestões 2006-2008, 2008-2010, 2010-2012, 2012-2014 e 2014-2016. Entrevista de novembro de 2016)

Com efeito, a favorabilidade da UNICA ante a cobrança tem relação direta com a garantia do uso futuro do recurso, mobilizando assim os preceitos (ou grandezas) morais de mercado em torno do ajuste da demanda do “bem” ambiental por meio dos sinais de escassez revelados em seu custo7 7 - A propósito da noção grandezas morais em ordens de justificação sob a perspectiva sociológica, ver Boltanski e Thévenot (1991). . No caso desta entidade, sua participação direta nos Comitês de Bacias proporciona maior centralização das posições políticas, visto que são seus integrantes que atuam diretamente na instância de governança. Situação oposta enfrenta a FAESP, cuja capilaridade das posições depende de seu poder de convencimento junto aos sindicatos associados. Esta diferença na institucionalização da representação resulta, no caso dos agricultores, em posições não ortodoxas em relação à temas sensíveis como a cobrança pelo uso da água.

Ademais, é possível notar nas estratégias de atuação das entidades que a FAESP ainda não dedicou atenção ao caráter descentralizado de gestão que os Comitês de Bacia proporcionam. No tema das águas, há pouca interação da entidade com os sindicatos presentes nos Comitês. Já a UNICA possui atuação coordenada inclusive com representantes de outros segmentos, seguindo mapeamento centralizado por seu representante no CRH:

Nós temos reuniões regulares com nossos representantes nos Comitês. Definimos linhas de ação e discutimos problemas pontuais. Temos também uma planilha com as entidades que podemos dialogar. Algumas são do setor, outras não. Fazemos isso até pra orientar nosso pessoal dos comitês. (Representante da UNICA no Conselho Estadual de Recursos Hídricos na gestão 2014-2016. Entrevista de novembro de 2016).

Estas diferenças nos perfis de atuação dos representantes da agricultura e das agroindústrias indicam ao menos duas conclusões de extrema relevância para a compressão da dinâmica dos Comitês de Bacia no rural paulista. A primeira delas é que a agricultura ou mesmo os Complexos Agroindustriais não podem ser interpretados como unidade política para a identificação dos interesses setoriais em torno dos temas que conformam a questão hídrica no estado. Os interesses envolvidos na relação agricultura-indústria são diversos e contraditórios, a julgar pela própria origem dos capitais investidos nestas frentes de acumulação. As formas de atuação no CRH e nos Comitês permitem afirmar que agricultura e agroindústria formam diferentes universos, com visões e interesses plurais sobre os usos da água e seus instrumentos de gestão.

A segunda conclusão relevante é a de que as representações setoriais nos Comitês de Bacia são tecidas por distintas modalidades de composição e interações. Supor que uma rede de representação se forma como simples resultado de extensões institucionais pode resultar em importantes equívocos analíticos. Os aparentes interesses comuns são mediados, na prática, por interseccionalidades que escapam à gestão estanque de recurso ambiental. No caso dos territórios rurais, estas interseccionalidades atravessam a história agrária, as conjunturas de dominação territorial e institucional, as motivações econômicas e mesmo a relação costumeira dos agentes e classes sociais com os recursos ecossistêmicos. No estudo em tela, estas intersecções emergem na forma de condução dos sindicatos rurais, na organização da participação política e na pauta socioambiental reconhecida como categoria legítima pelas diferentes entidades representativas.

7. Considerações finais

O objetivo deste artigo foi sistematizar a participação da agricultura nas primeiras duas décadas de implementação e estruturação do sistema paulista de governança das águas. O estudo reconstituiu o histórico de representantes deste setor a partir dos perfis das entidades partícipes dos comitês. Em larga medida, esta representação se realizou no Conselho Estadual de Recursos Hídricos e nos Comitês de Bacia através da participação de entidades agroindustriais, sindicatos patronais e associações de produtores - neste último caso, associações de representação setorial (caso dos agricultura canavieira) ou associações identificadas por técnicas de uso da água (caso dos irrigantes).

Das conclusões mais significativas do estudo, destaca-se o fato de que a participação da agricultura nos Comitês de Bacia, bem como no Conselho Estadual de Recursos Hídricos, não pode ser dissociada da trajetória de representação do segmento agroindustrial. Sem embargo, a formação dos complexos agroindustriais no estado não indica a integração plena dos interesses de agricultores, proprietários de terras e de industriais. Estes complexos constituem redes densas de poder, com níveis específicos de disputas territoriais e de mercado. No entanto, na governança socioambiental, a articulação entre diferentes classes e frações de classe depende em larga medida das aproximações econômicas e, não menos importantes, das construções morais-discursivas em torno do que se classifica como sustentabilidade. A polissemia inerente às noções de sustentabilidade e desenvolvimento econômico demanda esforços de investigação sobre os efetivos níveis de aproximação entre agricultura e agroindústria nos comitês de bacia.

Por outro lado, entre as representações da agricultura e da agroindústria paulistas, foi possível observar tanto momentos de complementariedades, quanto de distanciamentos políticos e propositivos. Outrossim, a construção de uma única hipótese explicativa para o perfil das representações do rural nas arenas de governança da água no estado simplificaria sobremaneira a história destes territórios. Por esta razão, mais do que hipóteses explicativas, os resultados apresentados demandam atenção para as especificidades que cada rede de representação recria e reproduz em sua dinâmica. Isso porque a agricultura e a agroindústria paulistas, como importante bloco de poder, atuam em diferentes redes e frentes, mobilizando forças externas às arenas de governança nos momentos que convêm aos propósitos do setor. A força desta representação, portanto, chega até os Comitês, não é neles produzida. Neste sentido, estudos específicos dos Comitês de Bacia, baseados nas interações, dinâmicas e estratégias das entidades relacionadas às pautas internas da gestão, podem revelar muito da complexidade que a governança ambiental em territórios rurais assume. Sobretudo no que concerne à articulação empírica das dimensões do agrário e do ambiental nas práticas de gestoras.

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Agradecimentos

A realização deste trabalho contou com suporte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

  • 1
    - Criada em 1965, a FAESP é a entidade representativa dos agricultores patronais e pecuaristas do estado de São Paulo, mantendo relações com os poderes públicos municipais, estaduais e federais. Sua base é formada pelos aos Sindicatos Rurais patronais, com sedes municipais.
  • 2
    - A UNICA é a entidade representativa das principais unidades produtoras de açúcar, etanol ebioeletricidade da região centro-sul do Brasil, com atuação principal no estado de São Paulo. Criada em 1997, possui escritórios internacionais nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia.
  • 3
    - Além da atuação no sistema paulista de governança da água, a UNICA também teve, no mesmo período, participação destacada no Protocolo Agroambiental paulista, dedicado à redução queimadas. A propósito do Protocolo e da atuação da entidade, ver Sabadin (2017SABADIN, A.C. Das estratégias às justificações: uma análise da construção política do Protocolo Agroambiental paulista. Dissertação (mestrado). São Carlos: UFSCar, 2017.).
  • 4
    - Convém destacar que no sistema francês, que servira de modelo ao sistema paulista de gestão, a agricultura também se opôs durante quase trinta anos a participar da política de cobrança pelo uso da água. Sobre este processo de resistência e enfrentamento político, ver Bourblanc (2019BOURBLANC, M. L’agriculture à l’épreuve de l’environnement: trente ans de lutte pour la qualité des eaux em Bretagne. Paris: L’Harmattan, 2019.).
  • 5
    - A posição da FAESP foi parcialmente acolhida no texto final da lei aprovada em dezembro de 2005. Nas disposições transitórias, a lei estadual determina que a cobrança dos usuários rurais se iniciaria quatro anos após a implementação da cobrança para os demais usuários.
  • 6
    - O Informativo FAESP-SENAR é editado desde o ano de 2007 e publica, em média, quatro números por ano. No período deste estudo, sobre a pauta ambiental, o Informativo publicou basicamente matérias dedicadas à reformulação do Código Florestal.
  • 7
    - A propósito da noção grandezas morais em ordens de justificação sob a perspectiva sociológica, ver Boltanski e Thévenot (1991BOLTANSKI, L.; THÉVENOT, L. De la justification: les économies de la grandeur. Paris, Gallimard, 1991.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2020
  • Aceito
    07 Jan 2021
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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