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Ecologias subalternas no sul da Itália

Resumo

A Itália é um país marcado por sérias desigualdades entre suas regiões setentrionais e meridionais em termos de bem-estar, produção econômica e qualidade dos serviços públicos. O sul da Itália sofreu, também, graves casos de devastação ambiental. Uma corrente teórica com abordagem pós-colonial interpreta essas desigualdades como um efeito de relações de poder coloniais que fizeram do sul uma vítima histórica de representações racistas e dispositivos de governo autoritários. Outra linha de investigação se dedica ao estudo dos conflitos socioambientais surgidos no sul da Itália em situações de degradação ecológica. O objetivo deste artigo é contribuir para a aproximação entre essas duas correntes de pesquisa, evidenciando os pontos de conexão e divergência mais relevantes, com o propósito de indicar possíveis percursos de pesquisa comum para uma ecologia política pós-colonial do sul da Itália.

Palavras-chave:
Sul da Itália; ecologia política; estudos pós-coloniais

Abstract

Italy is a country marked by serious inequalities between its northern and southern regions in terms of welfare, economic production and level of public services. Southern Italy has also suffered serious cases of environmental devastation. A body of literature with a postcolonial approach interprets these inequalities as the outcome of colonial relations of power that have made the south a historic victim of racist representations and authoritarian means of government. Another line of investigation is dedicated to the study of the socio-environmental conflicts which emerged in southern Italy in situations of environmental degradation. The objective of this article is to contribute to build bridges between these two lines of research, identifying the most relevant points of connection and divergence, with the purpose of showing possible paths of common research for a postcolonial political ecology of Southern Italy.

Keywords:
Southern Italy; political ecology; postcolonial studies

Resumen

Italia es un país marcado por serias desigualdades entre sus regiones del norte y del sur, en términos de bienestar, producción económica y nivel de servicios públicos. El sur de Italia también ha sufrido graves casos de devastación ambiental. Una corriente teórica con un enfoque postcolonial interpreta estas desigualdades como un efecto de las relaciones de poder coloniales que han convertido al sur en una víctima histórica de representaciones racistas y dispositivos de gobierno autoritarios. Otra línea de investigación está dedicada al estudio de los conflictos socioambientales que han surgido en el sur de Italia en situaciones de degradación ambiental. El objetivo de este artículo es contribuir a la aproximación entre estas dos corrientes de investigación, destacando los puntos de conexión y divergencia más relevantes, con el propósito de indicar posibles caminos de investigación común para una ecología política postcolonial del sur de Italia.

Palabras-clave:
Sur de Italia; ecología política; estudios postcoloniales

Introdução

Desde a unificação do estado italiano, proclamada no dia 17 de março de 1861, houve uma grande desigualdade entre as regiões setentrionais e meridionais do país. Essa pode ser vista na maior pobreza, menor produção econômica, piores serviços sociais e nos níveis mais baixos de instrução e emprego das regiões meridionais (SVIMEZ, 2018). Paralelamente a esses fatos sociais, verifica-se que o sul da Itália sofre com graves casos de devastação ambiental (PETRILLO, 2009PETRILLO, A. Biopolitica di un rifiuto: le rivolte anti-discarica a Napoli e in Campania. Verona: ombre corte, 2009.).

A partir da década de 1990, desenvolveu-se uma linha de estudos com abordagem pós-colonial, que interpreta essas desigualdades nos termos de uma relação colonial entre o norte e o sul da Itália. Essa literatura estuda as origens e os elementos atuais da subalternidade meridional no contexto da história colonial do Mediterrâneo, e detecta características coloniais em diferentes dispositivos de governança e representação do sul do país.

Nessa área de investigação são estudados diferentes casos de conflitos sociais no Mezzogiorno (outra maneira para referir-se ao sul italiano), alguns dos quais surgiram em contextos de degradação ambiental.

A literatura pós-colonial sobre o sul da Itália é principalmente conectada a duas linhas de pesquisa internacionais: a primeira é aquela do Orientalismo (SAID, 1978SAID, E. Orientalism. London: Penguin, 1978.), dedicada ao estudo das representações racistas das populações do Médio Oriente e da área mediterrânica produzidas ao longo da história do colonialismo. A segunda é aquela dos estudos pós-coloniais indianos (GUHA; SPIVAK, 2002GUHA, R.; SPIVAK, G. Subaltern studies: modernità e (post)colonialismo. Edição de S. Mezzadra. Verona: ombre corte, 2002.), que aprofundaram o estudo das lutas políticas dos grupos sociais subalternos (CHATURVEDI, 2000CHATURVEDI, V. Mapping subaltern studies and the postcolonial. London-New York: Verso Books, 2000.), influenciando também a compreensão dos movimentos sociais no sul da Itália (ORIZZONTI MERIDIANI, 2014LABORATORIO BANCAROTTA; CANTIERE SOCIALE QUARTO MONDO. Territori oltre la crisi: esperienze di riappropriazione diretta, costruzione di comunità e diritto alla città nell’area flegrea e a Napoli occidentale. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p. 91-104.).

Um outro recente campo de pesquisa abrange especificamente os casos de conflitos socioambientais nas regiões meridionais italianas. Com contribuições provenientes de diferentes disciplinas, como a história ambiental, a antropologia e a sociologia, existe uma substanciosa literatura de ecologia política sobre o sul da Itália.

Nessa área de pesquisa, a existência de formas de colonialismo interno nas fronteiras do estado italiano é reconhecida, mas as suas origens e características são abordadas com pouca profundidade.

Essa literatura de ecologia política sobre o Mezzogiorno é conectada ao campo teórico do “ambientalismo dos pobres”, que interpreta os conflitos socioambientais como conflitos de distribuição ecológica (MARTINEZ-ALIER, 2002MARTINEZ-ALIER, J. The environmentalism of the poor: a study of ecological conflicts and valuation. Cheltenham: Edward Elgar, 2002.). Sobre a questão da relação entre colonialismo interno italiano e devastação ambiental, uma referência teórica fundamental é o conceito de racismo ambiental, desenvolvido por Robert Bullard (1990BULLARD, R. Dumping in Dixie: Race, class, and environmental quality. Boulder: Westview Press, 1990.).

O objetivo deste artigo é construir pontes entre essas áreas de investigação, de modo a contribuir para o desenvolvimento de uma ecologia política com abordagem pós-colonial sobre o sul da Itália. Esse texto conduz uma revisão dessas duas literaturas, evidenciando suas elaborações mais relevantes e identificando novas linhas de pesquisa que poderiam emergir através dessa aproximação teórica.

Na primeira seção do artigo, são apresentados os temas principais da literatura pós-colonial sobre o sul da Itália. O primeiro parágrafo trata da linha de pesquisa que abrange a construção dos discursos racistas e subalternizantes produzidos sobre a população da região ao longo da idade moderna e da contemporaneidade. O segundo parágrafo recolhe as análises conduzidas sobre os dispositivos jurídicos utilizados no Mezzogiorno, como as leis especiais e a administração emergencial. O terceiro parágrafo é dedicado aos estudos pós-coloniais referidos a conflitos sociais de matriz ecológica no sul da Itália.

A segunda seção do artigo se dedica à revisão dos estudos de ecologia política sobre os principais conflitos socioambientais do sul da Itália das últimas décadas. O primeiro parágrafo é dedicado à linha de estudos sobre a história industrial do sul da Itália e trata do assunto do “ambientalismo operário”. O segundo parágrafo abrange as pesquisas sobre os conflitos socioambientais surgidos na região da Campânia durante a “crise dos resíduos” (1994-2012). O terceiro parágrafo trata da literatura sobre os conflitos socioambientais surgidos por causa da extração de petróleo na região Basilicata.

A terceira seção do artigo contém uma análise comparativa sobre os elementos de contacto e divergência entre a literatura pós-colonial e a literatura de ecologia política sobre o sul da Itália. O alvo desta seção é mostrar os pontos de encontro entre as duas linhas de investigação, indicando possíveis linhas de pesquisa comum para uma ecologia política pós-colonial do Mezzogiorno.

1. Estudos pós-coloniais e subalternos no sul da Itália

O processo de racialização

A Itália é um país do norte global que participou no processo histórico de colonialismo (LOMBARDI-DIOP; ROMEO, 2012). Por outro lado, cincos séculos de literatura jurídica, filosófica, socioantropológica e jornalística representaram a parte meridional do país nos termos de uma alteridade: um sul interno, apartado do caminho da civilização europeia (MOE, 2002MOE, N. The view from Vesuvius. Berkeley - Los Angeles - London: University of California Press, 2002.; SCHNEIDER, 1998SCHNEIDER, J. (Editor). Italy’s “Southern Question”: Orientalism in one country. London: Bloomsbury USA Academic, 1998.).

A reconstrução desse processo de racialização e subalternização abrange os discursos sobre as populações do sul da Itália produzidos desde a idade moderna. Essa literatura mostra como os jesuítas que acompanhavam os conquistadores do império espanhol entre 1500 e 1600 construíram um paralelismo entre o sul da Itália e os territórios colonizados fora da Europa. Descreviam as regiões da Calábria e da Sicília como lugares bárbaros e selvagens, tal como se fossem as “Índias daqui” - da Europa - que serviam de terreno de aprendizagem aos missionários intencionados a atravessar o Atlântico (CHAVARRIA, 1982CHAVARRIA, E. L’attività missionaria dei Gesuiti nel Mezzogiorno d’Italia tra XVI e XVIII secolo. In GALASSO, G.; RUSSO, C. (Editores). Per la storia sociale e religiosa del Mezzogiorno d’Italia. Napoli: Guida, 1982. v. 2, p. 159-185.). O sul da Itália começou, assim, a ser constituído como o limiar entre a cristandade e o “outro” (MOE, 2002MOE, N. The view from Vesuvius. Berkeley - Los Angeles - London: University of California Press, 2002., p. 50-53).

Outros estudos mostram que, na fase da colonização da África e da Ásia, na qual foi desenvolvido o olhar racista orientalista (SAID, 1978SAID, E. Orientalism. London: Penguin, 1978.), o sul da Itália começou a ser “orientalizado” de forma peculiar. Lambropoulos (1993LAMBROPOULOS, V. The rise of Eurocentrism: anatomy of interpretation. Princeton: Princeton University Press, 1993.) descreve como os viajantes do norte apreciavam observar os territórios puros, idílicos e “helenísticos” da Europa mediterrânea. Ao mesmo tempo, lançavam acusações relativas ao “caos” que lá encontravam, e atribuíam, como características típicas de seus habitantes a preguiça, a violência e a ignorância (MOE, 2002MOE, N. The view from Vesuvius. Berkeley - Los Angeles - London: University of California Press, 2002.).

No Século XVIII, difundiu-se a representação do sul do país como “paraíso inabitado por demônios” (CROCE, 1927 in MOE, 2002MOE, N. The view from Vesuvius. Berkeley - Los Angeles - London: University of California Press, 2002.) e a filosofia política da época participou nesse processo recorrendo a estereótipos geográficos e antropológicos para explicar a ausência de instituições liberais no sul da Europa (MOE, 2002). A “teoria dos climas”, difundida principalmente por Montesquieu (2015MONTESQUIEU, C. De l’esprit des lois. Paris: Les Editions de Londres, 2015., originariamente publicado em 1748) no seu De l’esprit de lois, afirmava que a presença de governos tirânicos na região mediterrânica era devida ao espírito servil, irracional, egoísta e violento dos povos locais. Nos comentários à obra de Hegel intitulada Lineamentos de Filosofia do Direito, Eduard Gans elege os ‘lazzaroni’, isto é, a população pobre de Nápoles (ou seja: a sua representação estereotipada) como tipo ideal dos “plebeus” dependentes e preguiçosos, incapazes de participar na sociedade civil (HEGEL, 1987HEGEL, G. W. Lineamenti di filosofia del diritto: Diritto naturale e scienza dello stato in compendio con le aggiunte di Eduard Gans. Edição de G. Marini. Roma-Bari: Laterza, 1987.). Ao ser apontada como selvagem, supersticiosa, ou criminosa, a população de Nápoles - capital do Reino das Duas Sicílias, que incluía todo o sul da Itália - foi encerrada em estereótipos depreciativos (CALARESU, 2007CALARESU, M. From the street to stereotype: urban space, travel and the picturesque in late eighteen-century Naples. Italian Studies, Abingdon-on-Thames, v. 62, n. 2, p. 189-203, 2007.). Tais representações tiveram consequências e grande relevância nos primeiros debates públicos da Itália após a unificação, quando foi discutida a questão da participação política destas populações dentro do novo Estado.

Figura 1
Mapa do território do Reino das Duas Sicílias (1815) comparado com as atuais regiões italianas

Uma análise sobre o fenômeno italiano de um “Orientalismo num país só” indica que, na fase da conquista do Reino das Duas Sicílias por parte dos piemonteses, a representação orientalista do sul da Itália adquiriu características que permanecem até hoje (SCHNEIDER, 1998SCHNEIDER, J. (Editor). Italy’s “Southern Question”: Orientalism in one country. London: Bloomsbury USA Academic, 1998.). Em particular, Marta Petrusewicz (1998PETRUSEWICZ, M. Come il Meridione divenne Questione: rappresentazioni del Sud prima e dopo il Quarantotto. Soveria Manelli: Rubbettino, 1998.; 2014) aprofunda o estudo do debate político italiano nos anos imediatamente anteriores a 1861 - momento da unificação da península -, mostrando que esse contexto foi caracterizado por uma representação hostil de toda a sociedade do sul, descrita como irremediavelmente corrupta devido aos séculos de tirania.

Naquele período, a questão do “atraso” das regiões do sul adquiriu uma crescente relevância. Com o exército do norte em controle do sul, as insurgências sociais seguintes à unificação do país foram brutalmente reprimidas, e aqueles que participavam nelas eram descritos sob características quase monstruosas, como: “bárbaro”, “degenerado”, “inferior”, termos difundidos para identificar o povo conquistado (CAPUSSOTTI; FESTA, 2012CAPUSSOTTI, E.; FESTA, F. L’invenzione della razza meridionale: una critica del binomio modernità-arretratezza. Alfabeta2, Milano, v. 23, out. 2012.).

De acordo com Petrusewicz (2014PETRUSEWICZ, M. Chi ha inventato la “questione meridionale”?. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p. 17-29.), a burguesia urbana do sul participou na construção de discursos depreciativos sobre a população pobre da própria região. A burguesia tinha lutado contra a monarquia bourbônica para impor uma reforma liberal do Estado, e, no ano de 1849, sofreu uma fase de violenta repressão política (PETRUSEWICZ, 2014PETRUSEWICZ, M. Chi ha inventato la “questione meridionale”?. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p. 17-29.). Naquela fase, a monarquia teve o apoio dos estratos populares das cidades. Aos olhos dos liberais exilados, que contribuíram para estruturar o debate político italiano, esse fato demonstrou que um avanço social autônomo do povo meridional não era mais possível, e que qualquer inovação social e cultural somente podia ser trazida por forças externas (PETRUSEWICZ, 1998, 2014). Petrillo (2014) aponta que, ainda hoje, em Nápoles, é presente uma narrativa que descreve a cidade como dividida em duas partes: uma burguesa, culta, moderna e honesta, de um lado, e uma população plebéia, atrasada e criminosa, de outro.

Festa (2013FESTA, F. Orientalismo all’italiana: una genealogia del razzismo antimeridionale al tempo della crisi. Carmillaonline, 25 de junho 2013. Available at: <https://www.carmillaonline.com/2013/06/25/orientalismo-allitaliana-una-genealogia-del-razzismo-antimeridionale-al-tempo-della-crisi-i-parte/> Accessed on: April 25, 2020.
https://www.carmillaonline.com/2013/06/2...
) analisa a genealogia do racismo interno na Itália e trata do tema das teorias médico-antropológicas desenvolvidas após a unificação do país, referindo a escola de antropologia criminal de Cesare Lombroso. Essa escola teorizou divisões entre raças “baixas” e “altas” dentro da península italiana, separando os “itálicos” do sul (apaixonados, individualistas e mediterrânicos) e os “arianos” do norte (não-excitáveis, emocionalmente frios, aptos para a vida política).

Alguns estudiosos, notando a longevidade do olhar orientalista dirigido ao Mezzogiorno, cunharam o termo “meridionismo” (CAZZATO, 2012CAZZATO, L. Oriente within, Nord without: il meridionismo e i romantici inglesi. Altre Modernità, Milano, n. 8, p. 188-206, nov. 2012.), a fim de estudar o fenômeno em sua especificidade. O principal objetivo dessa perspectiva é desconstruir a formação discursiva com a qual a Europa moderna construiu sua identidade em oposição ao “outro” mediterrânico. A literatura do “pensamento meridiano” tenta subverter as representações coloniais que descrevem o sul através de termos depreciativos (CASSANO, 2005CASSANO, F. Il pensiero meridiano. Bari: Laterza, 2005.). Cassano (2011CASSANO, F. Oltre il nulla: studio su Giacomo Leopardi. Bari: Laterza, 2011.), confrontou também o pensamento do poeta Giacomo Leopardi (1798-1837), o qual refletia sobre as diferenças entre a racionalidade típica das populações nórdicas e modernas, e a “imaginação” própria das populações meridionais e antigas, supostamente mais conectadas com a natureza (LEOPARDI, 2016LEOPARDI, G. Zibaldone. Roma: Newton Compton Editori, 2016.).

Outro tipo de literatura (CARIELLO; CHAMBERS, 2019CARIELLO, M.; CHAMBERS, I. La questione mediterranea. Milano: Mondadori Università, 2019.), em contraste com a busca por valores supostamente autóctones do sul, sublinha a importância de trocas culturais entre subjetividades subalternas. Considerando, dessa forma, a “questão meridional” italiana em relação à questão colonial geral do Mediterrâneo.

Domínio econômico, emergência e desenvolvimento

Uma linha de literatura histórica e sociológica, focada nos dispositivos político-jurídicos utilizados para o governo do Mezzogiorno, mostra como o desnível econômico e social do sul motivava, segundo o discurso dominante da Itália pós-unitária, intervenções a serem feitas dotando as instituições nacionais de “poderes especiais” pela governança do sul, ou agindo explicitamente extra legem (PANICO, 2017PANICO, C. L’autonomia dei subalterni: La Questione meridionale da Gramsci agli studi postcoloniali. 2017. Dissertação (Mestrado em História) - Dipartimento di Civiltà e Forme del Sapere, Universidade de Pisa, Pisa, 2017.).

Festa (2014FESTA, F. Oltre l’emergenza: pratiche ed esperienza di “comune” nel Sud d’Italia. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p.191-209.) trata da primeira aplicação de uma lei especial no sul, que se verificou nos anos imediatamente seguintes à unificação nacional, com a lei “Lei Pica” (em vigor de 1863 a 1865). Esta tinha a função de facilitar a “guerra aos bandidos”, ou seja, a repressão das insurgências sociais meridionais que seguiram à conquista nórdica. Tal lei introduziu normas excepcionais de governo do território, que incluíam a suspensão do princípio de igualdade perante a lei e a possibilidade de instituir tribunais militares para o julgamento sumário de pessoas envolvidas em atos de rebelião (ou simplesmente suspeitas). Festa explica que a “guerra aos bandidos” causou a destruição de aldeias inteiras, de atividades econômicas e de culturas locais, o que se revelou funcional aos interesses das classes dominantes no sul da Itália à época. Essa guerra reprimiu brutalmente as revoltas camponesas, produzindo a ampliação da propriedade fundiária da burguesia agrária meridional, imediatamente aliada à nova monarquia (FESTA, 2014FESTA, F. Oltre l’emergenza: pratiche ed esperienza di “comune” nel Sud d’Italia. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p.191-209.).

Festa (2006FESTA, F. Questione meridionale, legislazione speciale e dibattito storiografico. “Akiris”, Napoli, v. 2, n. 4-5, p. 71-83, 2006.) conduz uma detalhada análise dos instrumentos de governança utilizados na história italiana pelo desenvolvimento urbanístico e econômico do Mezzogiorno. Ao estudar a continuidade da aplicação da legislação especial no sul da Itália, o autor mostra como as medidas legislativas foram animadas por uma “lógica de extraordinariedade”, que marcou a história das grandes obras públicas, das transformações urbanas e da industrialização do sul italiano. O parlamento italiano justificou a criação de quadros legislativos especiais nas regiões do sul com base na situação de atraso econômico do Mezzogiorno. Essas leis começaram a ser usadas no final do século XIX e se tornaram sistemáticas nos anos entre 1904 e 1908, período descrito como “temporada de legislação especial” para o sul da Itália (FESTA, 2006FESTA, F. Questione meridionale, legislazione speciale e dibattito storiografico. “Akiris”, Napoli, v. 2, n. 4-5, p. 71-83, 2006.).

A primeira lei dessa temporada (31 de março de 1904) estabeleceu uma série de medidas econômicas para o desenvolvimento da região da Basilicata, e previa a atribuição de poderes de execução extraordinários a um comissário governativo. Seguiram leis especiais para a cidade de Nápoles, as regiões da Calábria e da Sardinia. Festa sublinha que, nesta fase de legislação especial, foi comum o uso de “comissários extraordinários”, oficiais nomeados pelo Estado para enfrentar situações emergenciais através de uma concentração de poderes e ações em derrogação às leis ordinárias (FESTA, 2006FESTA, F. Questione meridionale, legislazione speciale e dibattito storiografico. “Akiris”, Napoli, v. 2, n. 4-5, p. 71-83, 2006.). Festa explica que no centro do discurso dominante, havia sempre a necessidade de “ajudar” as instituições locais do sul, mas o resultado foi a redução da autonomia política das mesmas: a legislação especial previa o recurso a órgãos administrativos e comissários de direta emanação estatal, realizando, de fato, uma centralização do poder político (FESTA, 2006).

Várias intervenções extraordinárias para o desenvolvimento do sul foram implementadas, seja durante o fascismo, seja no segundo pós-guerra (FESTA, 2006FESTA, F. Questione meridionale, legislazione speciale e dibattito storiografico. “Akiris”, Napoli, v. 2, n. 4-5, p. 71-83, 2006.). Os legisladores nacionais envolveram principalmente capital industrial e financeiro do norte, de uma maneira que a maioria dos lucros gerados voltasse às cidades do norte do país (MARMO, 1978MARMO, M. Il proletariato industriale a Napoli in età liberale. Napoli: Guida, 1978.). Seguindo uma interpretação elaborada no âmbito do Marxismo autônomo italiano, o subdesenvolvimento no sul foi usado como uma função de acumulação capitalista nacional, um recurso para o desenvolvimento administrado pelo Estado (FERRARI BRAVO; SERAFINI, 1972FERRARI BRAVO, L.; SERAFINI, A. Stato e sottosviluppo: Il caso del Mezzogiorno italiano. Milano: Feltrinelli, 1972.). Essa interpretação foi recuperada pela literatura de abordagem pós-colonial: no livro Briganti o emigranti (ORIZZONTI MERIDIANI, 2014LABORATORIO BANCAROTTA; CANTIERE SOCIALE QUARTO MONDO. Territori oltre la crisi: esperienze di riappropriazione diretta, costruzione di comunità e diritto alla città nell’area flegrea e a Napoli occidentale. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p. 91-104.) é considerado que a utilização da categoria de subdesenvolvimento e a intervenção do Estado tiveram a função de possibilitar a subsunção da sociedade sulista ao capitalismo moderno, numa posição de subalternidade política e econômica.

Conflitos socioambientais nos estudos subalternos

Seguindo as indicações teóricas dos subaltern studies indianos (CHATURVEDI, 2000CHATURVEDI, V. Mapping subaltern studies and the postcolonial. London-New York: Verso Books, 2000.), o livro Briganti o emigranti (ORIZZONTI MERIDIANI, 2014LABORATORIO BANCAROTTA; CANTIERE SOCIALE QUARTO MONDO. Territori oltre la crisi: esperienze di riappropriazione diretta, costruzione di comunità e diritto alla città nell’area flegrea e a Napoli occidentale. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p. 91-104.) aprofunda o estudo do conflito social expresso pelos territórios subalternizados do Mezzogiorno. A partir de uma metodologia de co-pesquisa militante, boa parte dos ensaios do livro são escritos diretamente por ativistas envolvidos em movimentos sociais, e quatros deles tratam de conflitos de matriz ecológica. As mobilizações descritas no livro são autônomas e separadas, mas fazem parte do mesmo processo de elaboração de práticas políticas e ferramentas teóricas nos territórios do sul da Itália (ver ORIZZONTI MERIDIANI, 2014).

O primeiro desses ensaios trata das lutas ambientais na área de Caserta, na região da Campânia, a partir da década de 1990 (CSOA TEMPO ROSSO, 2014). O texto trata da história de diferentes mobilizações populares vitoriosas que impediram o desenvolvimento de projetos de alto impacto ambiental, como a instalação de uma refinaria, de uma plataforma para o tratamento de resíduos tóxicos, de novos aterros e de um gaseificador. Os autores sublinham a capacidade de os movimentos organizarem-se como “novas instituições democráticas”, experimentando formas de democracia direta para organizar a luta e produzindo saberes e propostas de política ambiental com um nível de elaboração igual ou mais alto que o da política institucional. O estudo demonstra que os sujeitos políticos favoráveis às instalações são animados por atitudes antidemocráticas e intenções especulativas, construídas na conjunção entre poderes locais e organizações criminais. O artigo conclui considerando que a luta entre capitalismo local e comunidades territoriais do Mezzogiorno não se esgota na oposição aos projetos poluentes, mas permite a expressão de pulsões de autonomia e auto-organização política mais amplas.

O ensaio dos coletivos políticos Laboratorio Bancarotta e Cantiere Sociale Quarto Mondo (2014) trata, na parte dedicada às questões de ecologia urbana, dos movimentos pelo direito à cidade no bairro napolitano de Bagnoli. O local sofre pela contaminação ambiental causada pela indústria do aço, projetada na temporada de legislação especial para o desenvolvimento do sul. No contexto da lei especial para o “ressurgimento económico” de Nápoles, o distrito de Bagnoli foi ocupado pela construção da fábrica da Ilva, que abriu em 1910, e que no segundo pós-guerra se tornou parte da Italsider, a empresa siderúrgica de Estado. O texto apresenta uma crítica à retórica sobre o atraso e o subdesenvolvimento do sul do país, argumentos usados para legitimar o uso de legislação especial e comissários extraordinários objetivando impor a construção de instalações nocivas.

A questão central de Bagnoli é sobre a descontaminação e recuperação da área da indústria siderúrgica fechada no ano de 1992, quando se estabeleceu um conflito político entre os grupos empresariais, que projetam especulações imobiliárias, e as mobilizações comunitárias, que se opõem à demissão de patrimônio público e promovem participação e supervisão popular sobre o processo de recuperação. As práticas do movimento social incluem a reapropriação de espaços abandonados ou degradados, a reativação de redes sociais locais e a organização de assembléias populares reunidas com o objetivo de construir a capacidade de autogoverno territorial. A transformação de lugares abandonados em bens comuns para o bairro é descrita como uma parte importante das mobilizações (LABORATORIO BANCAROTTA; CANTIERE SOCIALE QUARTO MONDO, 2014).

O terceiro artigo é dedicado ao tema da extração de petróleo no sul da Itália (PACE; SAVOIA, 2014PACE, C.; SAVOIA, N. Per chi scava la trivella: appunti sulle pratiche estrattive nel Mezzogiorno in una prospettiva postcoloniale. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p. 105-115.). Este ensaio também começa pela crítica às retóricas do “atraso” meridional e das necessidades do “progresso” sob o preço da degradação ambiental. O texto interpreta a economia extrativa no sul italiano como um ataque neocolonial aos territórios proposto como grande meio de desenvolvimento. O trabalho descreve o capitalismo do sul do país como marcado por novas enclosures e modalidades “conquistadoras”, mantidas desde a conquista nórdica do Mezzogiorno.

Relativamente à indústria petrolífera, o ensaio sublinha que sua história começou no ano de 1861 e que o sistema de taxação e royalties italiano é extremamente favorável às corporações multinacionais. O maior sítio de extração se localiza em Val d’Agri, na região Basilicata, “(...) exemplo par excellence da mitopoética do capitalismo neocolonial” (PACE; SAVOIA, 2014PACE, C.; SAVOIA, N. Per chi scava la trivella: appunti sulle pratiche estrattive nel Mezzogiorno in una prospettiva postcoloniale. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p. 105-115.). Aqui, os benefícios de corporações como ENI, Shell, Total, convivem com o empobrecimento econômico local. Os autores sublinham que a poluição causada pela indústria do petróleo produz uma grande incidência de doenças respiratórias e cancerígenas na população do território, além de impedir o desenvolvimento das atividades econômicas tradicionais baseadas na agricultura e na tutela do ecossistema natural.

Festa (2014FESTA, F. Oltre l’emergenza: pratiche ed esperienza di “comune” nel Sud d’Italia. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p.191-209.), citado anteriormente, fala da crise da eliminação dos resíduos na região da Campânia, gerida no contexto de um estado de emergência que durou de 1994 até 2012. O seu artigo analisa a evolução dos discursos racistas contra a população do sul, num contexto em que os grupos de ativistas e habitantes que contestavam a escolha antidemocrática de nomear um comissário extraordinário para gerir a crise territorial foram considerados como inimigos do Estado. De acordo com o autor, as instituições e os grandes mídias descreveram os movimentos sociais como compostos por gente “ignorante”, “egoísta”, “primitiva”, pela razão de serem contra a modernidade representada pelos incineradores e aterros. As mobilizações, da parte delas, conseguiram valorizar as formas de auto-organização social na promoção de um maior espírito de comunidade nos territórios poluídos, produzindo análises e propostas políticas alternativas para a solução da crise através de assembleias populares.

Os estudos abordados concordam em atribuir grande centralidade à “auto-organização como tradição do espírito público meridional” (PIPERNO, 1997PIPERNO, F. Elogio dello spirito pubblico meridionale: genius loci e individuo sociale. Roma: DeriveApprodi, 1997., in FESTA, 2014FESTA, F. Oltre l’emergenza: pratiche ed esperienza di “comune” nel Sud d’Italia. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p.191-209.). Em diferentes análises, a literatura sublinha a capacidade de os movimentos sociais do sul da Itália produzirem suas próprias formas autônomas de organização democrática e comunitária, alternativas a partidos, sindicatos e outras organizações envolvidas no processo da democracia representativa nacional (FESTA, 2003). A compreensão desses conflitos em relação à história de representação orientalista e governança colonial do sul italiano mostra a importância das mobilizações socioambientais como meio de tomada de palavra pelas populações subalternizadas (CARUSO, 2014CARUSO, F. Anche i cafoni possono parlare: per una rilettura postcoloniale delle lotte della società politica meridionale. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p. 161-174.).

Outro livro, Il silenzio della polvere (PETRILLO, 2015PETRILLO, A. Il silenzio della polvere: capitale, verità e morte in una storia meridionale di amianto. Milano: Mimesis, 2015.), também utiliza metodologias de co-pesquisa e abordagem pós-colonial para estudar um caso de conflito social no sul da península. O livro trata dos operários envenenados pelo processamento do amianto na região da Campânia. A partir de 1980, foram enviadas à cidade de Avelino centenas de carruagens de trens para que as novas instalações da isoquímica tratassem de remover os painelamentos de amianto. Petrillo (2015PETRILLO, A. Il silenzio della polvere: capitale, verità e morte in una storia meridionale di amianto. Milano: Mimesis, 2015.) conecta as atividades mortíferas com o fenômeno do colonialismo interno italiano, que considera as vidas dos trabalhadores do sul descartáveis e exploráveis sem qualquer forma de proteção à saúde.

2. Ecologia política no sul da Itália

Figura 2
Mapa das regiões italianas atuais

Processo de industrialização e seus conflitos

Uma robusta corrente de literatura sobre os conflitos socioambientais do sul da Itália abrange as relações de poder no contexto da produção industrial. Stefania Barca, uma autora com uma ampla produção sobre este tema, conduziu também estudos sobre a origem da industrialização nessa área. O livro “Enclosing Water” (BARCA, 2010BARCA, S. Enclosing water: nature and political economy in a Mediterranean valley, 1796-1916. Cambridge: The White Horse Press, 2010.) trata do processo de industrialização no Reino das duas Sicílias nos séculos XVIII e XIX, contando a história do projeto de “recintos e melhorias” (enclosure and improvement project), inspirado pelas elaborações da economia política napolitana, que viu no Estado a entidade responsável para tornar a natureza economicamente produtiva.

Este estudo mostra que um olhar colonial em relação aos territórios do sul da Itália originou-se na mesma cultura dos intelectuais locais, e no encontro deles com a cultura europeia do Iluminismo e da economia política. As elites culturais do reino dos Bourbons foram as primeiras a descrever a sociedade do sul como “atrasada”, com o objetivo de libertar os recursos naturais dos limites do direito feudal e consuetudinário, estabelecendo direitos de propriedade individuais (BARCA, 2010BARCA, S. Enclosing water: nature and political economy in a Mediterranean valley, 1796-1916. Cambridge: The White Horse Press, 2010.). A autora sublinha que foi o rei francês Giuseppe Napoleone que aboliu o regime feudal em 1806, mostrando que a mesma ordem jurídica liberal, a partir da qual se desenvolveu a industrialização, chegou no sul da Itália na forma híbrida de um estado colonial, agitando as bandeiras do “progresso” e da “racionalização” (BARCA, 2010).

Barca (2014BARCA, S. Laboring the earth: transnational reflections on the environmental history of work. Environmental History, Oxford, v. 19, n. 1, p. 3-27, 2014.), ao se referir à história dos conflitos operários italianos sobre o tema da saúde, constata que os trabalhadores e as famílias deles foram os que pagaram o preço mais alto pela alteração ambiental nas décadas de mais intensa industrialização, no segundo pós-guerra. Esse fato também contribuiu com o nascimento de uma consciência ambiental operária. Os estudos sobre o “ambientalismo operário” no sul da Itália fazem referência ao caso de Taranto, na região Apúlia, cidade que abriga a maior fábrica de aço da Europa. Esta indústria, privatizada em 1995, era parte da Italsider, a mesma corporação estatal que geria a aciaria do bairro napolitano de Bagnoli (BARCA; LEONARDI, 2016BARCA, S.; LEONARDI, E. Working-class communities and ecology: reframing environmental justice around the Ilva steel plant in Taranto (Apulia, Italy). In: SHAW, M.; MAYO, M. (Editores). Class, inequality and community development. Bristol: The policy press, 2016. p. 487-503.).

Leonardi (2013LEONARDI, E. L’ecologia come frontiera mobile della condizione operaia. La società degli individui, v. 46, n. 1, p. 15-29, 2013.) utiliza a perspectiva do ambientalismo operário para analisar o caso de Taranto e tratar de forma crítica a contradição, aparentemente inevitável, entre saúde e trabalho. Sobre as consequências da produção de aço para a saúde dos habitantes da cidade, essa literatura indica que, em comparação com a média italiana, Taranto apresenta maior taxas de mortalidade infantil, maior incidência de tumores e outras doenças mortais devido às atividades da aciaria (ver BARCA; LEONARDI, 2016BARCA, S.; LEONARDI, E. Working-class communities and ecology: reframing environmental justice around the Ilva steel plant in Taranto (Apulia, Italy). In: SHAW, M.; MAYO, M. (Editores). Class, inequality and community development. Bristol: The policy press, 2016. p. 487-503.). Além disso, essa literatura mostra como a população local sofre uma “chantagem ocupacional”, sendo forçada a ficar neste contexto de injustiça ambiental, uma vez que a ausência da aciaria significaria o desaparecimento de sua única fonte de rendimento (LEONARDI, 2013; BARCA; LEONARDI, 2018).

O objetivo de Leonardi (2013LEONARDI, E. L’ecologia come frontiera mobile della condizione operaia. La società degli individui, v. 46, n. 1, p. 15-29, 2013.) é discutir a possibilidade de outras formas de relação entre ambiente, trabalho e saúde, atribuindo centralidade ao poder dos habitantes/operários de tomar a palavra relativamente a “o que”, “como” e “onde” produzir. Essa é a mesma intenção do movimento ecologista da cidade, que critica as escolhas industrialistas das instituições e que reivindica maior democracia territorial (LEONARDI, 2013LEONARDI, E. L’ecologia come frontiera mobile della condizione operaia. La società degli individui, v. 46, n. 1, p. 15-29, 2013.).

Stefania Barca (2014BARCA, S. Laboring the earth: transnational reflections on the environmental history of work. Environmental History, Oxford, v. 19, n. 1, p. 3-27, 2014.) continua a aprofundar o assunto do conflito entre meio ambiente e trabalho em Taranto, considerando essa dicotomia como um construto político superável. A autora argumenta que o caso de Taranto pode mostrar o caminho para uma transição ecológica socialmente justa realizada diretamente pelas comunidades de trabalhadores. O artigo evidencia que as comunidades operárias foram as protagonistas de movimentos ecologistas, e que a maior autodeterminação dessas comunidades poderia ser uma fonte de políticas econômicas e ambientais sustentáveis.

Artigos mais recentes (BARCA; LEONARDI, 2016BARCA, S.; LEONARDI, E. Working-class communities and ecology: reframing environmental justice around the Ilva steel plant in Taranto (Apulia, Italy). In: SHAW, M.; MAYO, M. (Editores). Class, inequality and community development. Bristol: The policy press, 2016. p. 487-503., 2018) concentram a atenção sobre a evolução do movimento operário e ecologista de Taranto. Estes analisam como o movimento se organizou na forma de um “sindicalismo comunitário”, para renegociar os termos da compatibilidade entre produção industrial e bem-estar ecológico e social. A organização mostra ter capacidade de inovar as formas de participação política e de fazer perceber o ambientalismo como um direito da classe trabalhadora local, quebrando as fronteiras cognitivas fixadas pelo imperativo industrialista.

Barca e Leonardi (2018BARCA, S.; LEONARDI, E. Working-class ecology and union politics: a conceptual topology. Globalizations, Abingdon-on-Thames, v. 15, n. 4, p. 487-503, 2018.) analisam o conflito socioambiental em Taranto nos termos da oposição a uma forma de divisão colonial do trabalho. Esse artigo considera a situação de injustiça ambiental em Taranto como um efeito da subordinação dos âmbitos da reprodução e da ecologia do território ao imperativo da produção. A origem dessa divisão colonial do trabalho é reconduzida ao processo de colonização interna italiana, profundamente baseada em representações racistas dos habitantes meridionais, tomados como necessitados de modernização (BARCA; LEONARDI, 2018BARCA, S.; LEONARDI, E. Working-class ecology and union politics: a conceptual topology. Globalizations, Abingdon-on-Thames, v. 15, n. 4, p. 487-503, 2018.). O desenvolvimento da indústria pesada no sul era funcional à melhoria da competitividade das indústrias do norte. Desta maneira, Taranto foi transformada numa “zona de sacrifício” inteiramente dedicada à “monocultura industrial” do aço (BARCA; LEONARDI, 2018).

O mesmo artigo põe a divisão sexual do trabalho em Taranto em conexão com o desenvolvimento do sindicalismo comunitário, que se articula em relação à contradição entre produção econômica e reprodução social. No curso das décadas, a dimensão da reprodução social foi completamente invisibilizada, especialmente por causa da divisão do trabalho entre os homens, operários na fábrica, e as mulheres, trabalhadoras domésticas. Essa condição mudou na década de 2000, quando a questão da saúde começou a conectar as lutas dos trabalhadores e a luta contra a injustiça ambiental. Nesta fase, as mulheres de Taranto ganharam maior protagonismo político e tiveram um papel fundamental na criação das novas organizações comunitárias (BARCA; LEONARDI, 2018BARCA, S.; LEONARDI, E. Working-class ecology and union politics: a conceptual topology. Globalizations, Abingdon-on-Thames, v. 15, n. 4, p. 487-503, 2018.).

A crise dos resíduos e a emergência ambiental na região Campânia

A “crise dos resíduos” da região da Campânia, relativa ao estado de emergência na recolha e eliminação do lixo nas províncias de Nápoles e Caserta nos anos 1994-2012, é um tema amplamente tratado por autores com abordagem teórico pós-colonial (PETRILLO, 2015PETRILLO, A. Il silenzio della polvere: capitale, verità e morte in una storia meridionale di amianto. Milano: Mimesis, 2015.; CSOA TEMPO ROSSO, 2014; FESTA, 2014FESTA, F. Oltre l’emergenza: pratiche ed esperienza di “comune” nel Sud d’Italia. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p.191-209.). Por essa razão, para os objetivos deste artigo, é importante analisar o largo corpo de literatura de ecologia política produzida sobre o mesmo assunto. Como posicionamento geral, essa literatura reconhece que a crise ambiental foi causada pela aliança entre poderes políticos, econômicos e criminais que, desde a década de 1980, organizaram o transferimento ilegal de resíduos industriais do norte e da Europa na região da Campânia. Consequentemente, tais estudos reconhecem também a legitimidade politica dos conflitos ambientais gerados pela oposição social aos demais projetos impactantes propostos pelas autoridades como solução à crise, como a instalação de novos aterros e incineradores (PETRILLO, 2009; ARMIERO, 2014ARMIERO, M. Is there an indigenous knowledge in the Global North? Re/inventing local knowledge and communities in the struggles over garbage and incinerators in Campania. Italy. Estudos de Sociologia, v. 1, n. 20, maio 2014. ISSN 2317-5427. Available at: <https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/view/235511/28498>. Accessed on: December 7, 2020.
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).

A questão da “emergência ambiental” é um tema central dessa literatura. Armiero e D’Alisa (2012ARMIERO, M.; D’ALISA, G. The garbage struggles for environmental justice in Campania, Italy. Capitalism Nature Socialism, London, v. 23, n. 4, p. 52-68, 2012.) descrevem a articulação das lutas ambientais no contexto político autoritário produzido pelo estado de emergência, o que foi acompanhado pela designação de vários comissários extraordinários. Eles eram dotados do poder de impor soluções que violavam as leis europeias, nacionais e regionais. Os autores criticam a gestão emergencial da crise, pois ela permitiu a repressão das mobilizações pela justiça ambiental e impediu o desenvolvimento de alternativas políticas a soluções tecnocráticas. Isso se revelou prejudicial à população do território, que foi descrita como incivilizada e ignorante no discurso político mainstream (ARMIERO; D’ALISA, 2012ARMIERO, M.; D’ALISA, G. The garbage struggles for environmental justice in Campania, Italy. Capitalism Nature Socialism, London, v. 23, n. 4, p. 52-68, 2012.). D’Alisa et al. (2010) documentam que o governo central chegou a implantar até o exército nos territórios onde queria impôr a construção de incineradores não desejados pela população local. Além disso, um decreto emitido pelo Estado italiano em 2008 elevou à categoria de ofensa penal a participação em protestos políticos próximos aos locais de aterro (D’ALISA et al., 2010).

Na análise destas políticas autoritárias, diferentes autores evidenciam a importância da aliança entre eco-máfias e o mundo empresarial interessado em economizar dinheiro na disposição de resíduos. Os autores consideram que a ausência de uma adequada vigilância popular devido à situação de gestão emergencial favoreceu as empresas mafiosas que tiveram laços com as elites políticas (IACUELLI, 2007IACUELLI, A. Le vie infinite dei rifiuti: il sistema campano. Roma: Altrenotizie.org, 2007.; D’ALISA et al., 2010D’ALISA, G. et al. Conflict in Campania: waste emergency or crisis of democracy. Ecological Economics, Amsterdam, v. 70, n. 2, p. 239-249, 2010.).

Caggiano e De Rosa (2015CAGGIANO, M.; DE ROSA, S. Social economy as antidote to criminal economy: how social cooperation is reclaiming commons in the context of Campania’s environmental conflicts. Partecipazione e Conflitto, Lecce, v. 8, n. 2, p. 530-554, 2015.) mostram o potencial da cooperação social autônoma no combate à degradação ambiental em Campânia. As novas cooperativas sociais e os ativistas envolvidos no movimento ecologista propõem uma visão da relação entre sociedade e natureza capaz de ultrapassar a lógica da exploração, reconhecendo a interdependência entre sociedade e natureza (CAGGIANO; DE ROSA, 2015CAGGIANO, M.; DE ROSA, S. Social economy as antidote to criminal economy: how social cooperation is reclaiming commons in the context of Campania’s environmental conflicts. Partecipazione e Conflitto, Lecce, v. 8, n. 2, p. 530-554, 2015.). Sobre este assunto, Armiero (2008ARMIERO, M. Seeing like a protester: nature, power, and environmental struggles. Left History, Toronto, v. 13, n. 1, p. 59-76, 2008.) observa que, através da participação nos conflitos socioambientais, os habitantes da área de Nápoles adquiriam uma nova visão das fronteiras entre artificial e natural, se conectando mais com os processos naturais do território mais próximo deles. A crise ambiental conectou movimentos urbanos e rurais, revelando a relação entre domínio da natureza e domínio dos seres humanos que a habitam.

Esses temas são aprofundados por projectos de “narrativas guerrilheiras” (ARMIERO et al., 2019ARMIERO, M. et al. Toxic Bios: toxic autobiographies - a public environmental humanities project. Environmental Justice, Larchmont, v. 0, n. 0, p. 7-11, 2019.), que têm o propósito de explorar as “autobiografias tóxicas” das pessoas que vivem as situações de degradação ambiental. Iengo e Armiero (2017IENGO, I.; ARMIERO, M. The politicization of ill bodies in Campania, Italy. Journal of Political Ecology, v. 24, n. 1, p. 44-58, 2017.) argumentam que “as crises ambientais são também crises de conhecimento e de ciência”. No caso dos conflitos ambientais ativos na região Campânia, eles afirmam que a estratégia do estado era tornar invisível a injustiça da contaminação causada por aterros e resíduos tóxicos, atribuindo a responsabilidade da difusão de doenças aos hábitos dos habitantes e negando as responsabilidades de instituições e empresas.

Armiero e De Rosa (2017ARMIERO, M.; DE ROSA, S. Political effluvia: smells, revelations, and the politicization of daily experience in Naples, Italy. In: THORPE, J.; RUTHERFORD, S.; ANDERS SANDBERG, L. Methodological challenges in nature-culture and environmental history research. London - New York: Routledge, 2017. p. 173-186.) mostram que os movimentos ambientais exprimiram uma estratégia de politização da experiência corporal da doença, com o objetivo de romper as fronteiras entre discurso emocional e científico. Esse artigo evidencia que os movimentos ambientalistas na Campânia estão se distanciando de uma concepção puramente racional de ação política: a experiência sensorial da poluição corresponde a uma etiologia corporal da subjetivação política e da resistência (ARMIERO; DE ROSA, 2017ARMIERO, M.; DE ROSA, S. Political effluvia: smells, revelations, and the politicization of daily experience in Naples, Italy. In: THORPE, J.; RUTHERFORD, S.; ANDERS SANDBERG, L. Methodological challenges in nature-culture and environmental history research. London - New York: Routledge, 2017. p. 173-186.).

Enfim, Armiero (2014ARMIERO, M. Is there an indigenous knowledge in the Global North? Re/inventing local knowledge and communities in the struggles over garbage and incinerators in Campania. Italy. Estudos de Sociologia, v. 1, n. 20, maio 2014. ISSN 2317-5427. Available at: <https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/view/235511/28498>. Accessed on: December 7, 2020.
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) aprofunda o tema das narrações sobre os conflitos ambientais e analisa a formação de saberes a partir da participação em lutas territoriais. O artigo compara as descrições da figura do “selvagem”, como reconstruída pela literatura decolonial latino-americana (SANTOS, 2007SANTOS, B. Another knowledge is possible: beyond northern epistemologies. London-New York: Verso, 2007.), e as retóricas racializantes utilizadas contra as populações da região da Campânia envolvidas nas lutas. O autor critica o paradigma discursivo do selvagem e a sua aplicação no âmbito dos conflitos socioambientais (utilizada para justificar a repressão), sobretudo porque esse paradigma esconde a complexidade do relacionamento entre movimentos territoriais e a ciência. Os ativistas conseguiram ultrapassar a dicotomia entre conhecimento científico, utilizado como ferramenta de governo, e conhecimento local, utilizado como instrumento de autonomia e luta, explorando a pluralidade dos saberes científicos e utilizando estrategicamente pareceres de especialistas para suportar os argumentos das lutas (ARMIERO, 2014ARMIERO, M. Is there an indigenous knowledge in the Global North? Re/inventing local knowledge and communities in the struggles over garbage and incinerators in Campania. Italy. Estudos de Sociologia, v. 1, n. 20, maio 2014. ISSN 2317-5427. Available at: <https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/view/235511/28498>. Accessed on: December 7, 2020.
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).

A maioria das autoras e autores dessa corrente exprime o propósito de construir conhecimento em conjunção com os saberes elaborados pelas populações contaminadas (ARMIERO et al., 2019ARMIERO, M. et al. Toxic Bios: toxic autobiographies - a public environmental humanities project. Environmental Justice, Larchmont, v. 0, n. 0, p. 7-11, 2019.). Petrillo (2009PETRILLO, A. Biopolitica di un rifiuto: le rivolte anti-discarica a Napoli e in Campania. Verona: ombre corte, 2009.), no seu estudo sobre a biopolítica da emergência ambiental, declara uma preferência pelas vozes dos homens e das mulheres protagonistas das lutas contra os aterros, ao comparar com as vozes das instituições. O objetivo do citado projeto Toxic Bios é exatamente sabotar as “narrativas tóxicas” que naturalizam a devastação ambiental produzida pelo capitalismo, e valorizar as narrativas próprias dos territórios em luta.

Indústria extrativa e conflitos entre formas de conhecimento

Interessantes contribuições ao estudo de conflitos socioambientais no sul da Itália vêm do campo da antropologia, no qual foram produzidos estudos relativos à extração de petróleo na região Basilicata. Os conflitos socioambientais do sul são apresentados na forma de conflitos sobre a legitimidade do conhecimento científico. As pesquisas realizadas na área de Val D’Agri mostram a dialética entre as diferentes formas de racionalidade presentes em áreas contaminadas, no contexto de um território já vulnerável economicamente e afetado pela extração de óleo (ALLIEGRO, 2012ALLIEGRO, E. V. Il totem nero: petrolio, sviluppo e conflitti in Basilicata. Antropologia politica di una provincia italiana. Roma: Cisu, 2012.).

Uma das conclusões desses estudos é que, para controlar o território da Basilicata e utilizá-lo como bacia pela extração petrolífera, as multinacionais tiveram de ativar uma estratégia de domínio simbólico do imaginário (ALLIEGRO, 2012ALLIEGRO, E. V. Il totem nero: petrolio, sviluppo e conflitti in Basilicata. Antropologia politica di una provincia italiana. Roma: Cisu, 2012.). A indústria extractiva teve que se apresentar como solução aos antigos problemas do atraso, pobreza e subdesenvolvimento da Basilicata, capaz de transformá-la numa região rica, próspera e desenvolvida.

Alliegro apresenta as extrações petrolíferas como o resultado de relações de poder fortemente desequilibradas entre sujeitos econômicos e comunidades locais (ALLIEGRO, 2012ALLIEGRO, E. V. Il totem nero: petrolio, sviluppo e conflitti in Basilicata. Antropologia politica di una provincia italiana. Roma: Cisu, 2012.). O autor explica como formou-se um movimento socioambiental capaz de questionar a retórica extrativista. O movimento ganhou força graças à capacidade de contestar as formas de conhecimento técnico e científico que suportavam a indústria extractiva, às quais contrapôs o conhecimento subjetivo do corpo, ou seja, a possibilidade de reconhecer a poluição dos territórios por meio das sensações físicas, sem recorrer ao pessoal técnico de Estado e multinacionais, que negavam a presença de danos ambientais. Como ponto fraco do protesto, o autor mostra que o movimento ambientalista não consegui tornar as comunidades locais numa frente completamente unida (ALLIEGRO, 2016).

Em outros estudos Alliegro sublinha que a indústria extrativista se legitima ao impor um debate político altamente científico, e deslegitima as oposições produzindo um ponto de confronto no qual “a ciência do Estado” e a “ciência da empresa” podem dominar a dialética política. Essa “alta” certificação da realidade é contrastada com a “ciência da proximidade”, gerada pelo encontro de cientistas com as comunidades locais. Por um lado, esse encontro fornece uma mediação cultural frutífera, no sentido da difusão do conhecimento científico e jurídico. E, por outro, a erupção de linguagens e abordagens positivistas contribui para gerar um “distanciamento dos sistemas endógenos de registro de desconforto” (ALLIEGRO, 2016ALLIEGRO, E. V. Crisi ecologica e processi di “identizzazione”: l’esempio delle estrazioni petrolifere in Basilicata. EtnoAntropologia, Matera, v. 4, n. 2, p. 5-32, 2016.), ou seja, das formas de conhecimento que emergem diretamente da experiência dos sentidos, deslegitimando dessa maneira as avaliações autônomas sobre o estado de saúde humana e dos territórios.

Figura 3
Mapa das províncias do sul da Itália. Em evidência as áreas dos conflitos socioambientais tratados neste ensaio

3. Ressonâncias, oportunidades perdidas e possíveis percursos de pesquisa

A leitura conjunta da literatura pós-colonial e dos estudos de ecologia política sobre o sul da Itália demonstra que existe uma notável convergência nas questões tratadas e nas conclusões alcançadas entre os dois corpos de pesquisa. Isso é particularmente evidente na literatura de abordagem pós-colonial que estuda os casos de conflitos socioambientais (CSOA TEMPO ROSSO, 2014; FESTA, 2014FESTA, F. Oltre l’emergenza: pratiche ed esperienza di “comune” nel Sud d’Italia. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p.191-209.; LABORATORIO BANCAROTTA; CANTIERE SOCIALE QUARTO MONDO, 2014; PACE; SAVOIA, 2014PACE, C.; SAVOIA, N. Per chi scava la trivella: appunti sulle pratiche estrattive nel Mezzogiorno in una prospettiva postcoloniale. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p. 105-115.; PETRILLO, 2015PETRILLO, A. Il silenzio della polvere: capitale, verità e morte in una storia meridionale di amianto. Milano: Mimesis, 2015.). Além das semelhanças, emergem também pontos relevantes de divergência, talvez os mais importantes, porque indicam as possibilidades de crítica, encontro e discussão entre as duas correntes no âmbito de futuros percursos de pesquisa.

Ótimos exemplos de conjunção entre essas literaturas estão nos estudos com abordagem histórica, como Enclosing Water (BARCA, 2010BARCA, S. Enclosing water: nature and political economy in a Mediterranean valley, 1796-1916. Cambridge: The White Horse Press, 2010.) ou Il silenzio della polvere (PETRILLO, 2015PETRILLO, A. Il silenzio della polvere: capitale, verità e morte in una storia meridionale di amianto. Milano: Mimesis, 2015.). No primeiro, Barca enfrenta o tema das representações subalternizantes internas ao sul italiano, baseando-se nos trabalhos de Moe (2002MOE, N. The view from Vesuvius. Berkeley - Los Angeles - London: University of California Press, 2002.) e Petrusewicz (1998PETRUSEWICZ, M. Come il Meridione divenne Questione: rappresentazioni del Sud prima e dopo il Quarantotto. Soveria Manelli: Rubbettino, 1998.), que têm grande centralidade na literatura pós-colonial. Por seu lado, Petrillo estudou seja a história da industrialização, seja os conflitos socioambientais conetados à gestão dos resíduos na região Campânia (PETRILLO, 2009), evidenciando o fenômeno do colonialismo interno italiano e construindo um diálogo entre os estudos pós-coloniais e a ecologia política. Exemplos como esses mostram que, em alguns casos, a aproximação entre as duas literaturas já acontece, e que isso pode produzir avanços teóricos relevantes.

A crítica ao discurso racista contra o sul da Itália é central nos estudos pós-coloniais e a presença de retóricas subalternizantes é um tema tratado também pela ecologia política. As duas correntes de estudos sublinham a evolução destes discursos contra os ativistas territoriais (sobretudo ARMIERO, 2014ARMIERO, M. Is there an indigenous knowledge in the Global North? Re/inventing local knowledge and communities in the struggles over garbage and incinerators in Campania. Italy. Estudos de Sociologia, v. 1, n. 20, maio 2014. ISSN 2317-5427. Available at: <https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/view/235511/28498>. Accessed on: December 7, 2020.
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, e FESTA, 2014FESTA, F. Oltre l’emergenza: pratiche ed esperienza di “comune” nel Sud d’Italia. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p.191-209.). Com a excepção de Barca e Leonardi (2018BARCA, S.; LEONARDI, E. Working-class ecology and union politics: a conceptual topology. Globalizations, Abingdon-on-Thames, v. 15, n. 4, p. 487-503, 2018.), Caggiano e De Rosa (2015CAGGIANO, M.; DE ROSA, S. Social economy as antidote to criminal economy: how social cooperation is reclaiming commons in the context of Campania’s environmental conflicts. Partecipazione e Conflitto, Lecce, v. 8, n. 2, p. 530-554, 2015.), Barca (2010) e Petrillo (2009PETRILLO, A. Biopolitica di un rifiuto: le rivolte anti-discarica a Napoli e in Campania. Verona: ombre corte, 2009.), boa parte da literatura de ecologia política (ARMIERO; DE ROSA, 2017; IENGO; ARMIERO, 2017IENGO, I.; ARMIERO, M. The politicization of ill bodies in Campania, Italy. Journal of Political Ecology, v. 24, n. 1, p. 44-58, 2017.; BARCA; LEONARDI, 2016BARCA, S.; LEONARDI, E. Working-class communities and ecology: reframing environmental justice around the Ilva steel plant in Taranto (Apulia, Italy). In: SHAW, M.; MAYO, M. (Editores). Class, inequality and community development. Bristol: The policy press, 2016. p. 487-503.) não faz referência explícita à literatura pós-colonial relativa ao Mezzogiorno. Armiero (2014ARMIERO, M. Is there an indigenous knowledge in the Global North? Re/inventing local knowledge and communities in the struggles over garbage and incinerators in Campania. Italy. Estudos de Sociologia, v. 1, n. 20, maio 2014. ISSN 2317-5427. Available at: <https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/view/235511/28498>. Accessed on: December 7, 2020.
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) analisa a figura do “selvagem” referindo-se à literatura decolonial latinoamericana (SANTOS, 2007SANTOS, B. Another knowledge is possible: beyond northern epistemologies. London-New York: Verso, 2007.), mas essa elaboração não é acompanhada por uma comparação com as descrições depreciativas dos velhos “bandidos” do sul da península. Da mesma maneira, Demaria e D’Alisa (2013) se referem aos “povos subalternos” do Mezzogiorno, mas não exploram as raízes coloniais dessa subalternidade. Em geral, a ecologia política reconhece o fenômeno do colonialismo interno italiano, mas não enfrenta de forma detida a reflexão teórica (FESTA, 2013; MOE, 2002MOE, N. The view from Vesuvius. Berkeley - Los Angeles - London: University of California Press, 2002.; SCHNEIDER, 1998SCHNEIDER, J. (Editor). Italy’s “Southern Question”: Orientalism in one country. London: Bloomsbury USA Academic, 1998.; PETRUSEWICZ, 1998PETRUSEWICZ, M. Come il Meridione divenne Questione: rappresentazioni del Sud prima e dopo il Quarantotto. Soveria Manelli: Rubbettino, 1998.) já desenvolvida sobre o assunto.

As duas literaturas dão grande importância ao tema dos dispositivos jurídicos emergenciais e concordam em considerá-los como instrumentos centralizadores, aplicados às custas da democracia local. A literatura pós-colonial sobre o sul da Itália analisa com maior precisão as origens históricas destes dispositivos (FESTA, 2006FESTA, F. Questione meridionale, legislazione speciale e dibattito storiografico. “Akiris”, Napoli, v. 2, n. 4-5, p. 71-83, 2006.; 2014), enquanto a literatura de ecologia política observa as suas aplicações contemporâneas em situações de devastação e conflito ambiental (PIPERNO, 2009; D’ALISA ET AL., 2010D’ALISA, G. et al. Conflict in Campania: waste emergency or crisis of democracy. Ecological Economics, Amsterdam, v. 70, n. 2, p. 239-249, 2010.; ARMIERO; D’ALISA, 2012ARMIERO, M.; D’ALISA, G. The garbage struggles for environmental justice in Campania, Italy. Capitalism Nature Socialism, London, v. 23, n. 4, p. 52-68, 2012.). Logo, as duas correntes se completam sobre a analise dessa questão, mas não fazem referência uma à outra, chegando a conclusões parecidas de forma independente. Uma exceção está no artigo de Caggiano e De Rosa (2015CAGGIANO, M.; DE ROSA, S. Social economy as antidote to criminal economy: how social cooperation is reclaiming commons in the context of Campania’s environmental conflicts. Partecipazione e Conflitto, Lecce, v. 8, n. 2, p. 530-554, 2015.), no qual a relação entre dispositivos emergenciais e racialização da população do sul é enfrentada utilizando a reflexão de Festa (2014FESTA, F. Oltre l’emergenza: pratiche ed esperienza di “comune” nel Sud d’Italia. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p.191-209.), que analisa sob uma abordagem pós-colonial as origens históricas desses fenômenos.

Um elemento importante das duas literaturas é a crítica ao conceito de desenvolvimento. O tema da imposição do desenvolvimento é central na literatura pós-colonial, que o analisa desde as primeiras fases de legislação especial no sul da Itália (FESTA, 2006FESTA, F. Questione meridionale, legislazione speciale e dibattito storiografico. “Akiris”, Napoli, v. 2, n. 4-5, p. 71-83, 2006.) até as mais recentes atividades extrativas (PACE; SAVOIA, 2014PACE, C.; SAVOIA, N. Per chi scava la trivella: appunti sulle pratiche estrattive nel Mezzogiorno in una prospettiva postcoloniale. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p. 105-115.). A partir dos seus estudos sobre os conflitos ambientais na região da Basilicata, Alliegro (2012ALLIEGRO, E. V. Il totem nero: petrolio, sviluppo e conflitti in Basilicata. Antropologia politica di una provincia italiana. Roma: Cisu, 2012.; 2016) enfrenta o tema da extração de petróleo criticando a dicotomia entre modernidade e arcaísmo. Os diferentes autores concordam sobre o fato de que as empresas petrolíferas reforçaram as suas posições na região exercendo o seu poder sobre o mesmo imaginário da população local. Um importante elemento de divergência está no posicionamento a partir do qual as análises são desenvolvidas: os autores do coletivo de Orizzonti Meridiani participam diretamente nas lutas ambientais sobre as quais escrevem. A diferença de posicionamento é acompanhada por uma diferença nas conclusões: Alliegro (2016) sublinha mais que Pace e Savoia (2014PACE, C.; SAVOIA, N. Per chi scava la trivella: appunti sulle pratiche estrattive nel Mezzogiorno in una prospettiva postcoloniale. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p. 105-115.) os pontos fracos da luta ambiental e a ausência de uma frente unitária popular contra o petróleo. Apesar da proximidade dos temas abordados, os autores parecem ignorar os recíprocos trabalhos, perdendo a oportunidade de construir um diálogo entre pontos de vista elaborados de maneiras diferentes.

Por outro lado, o propósito de elaborar saberes em conjunção com as lutas territoriais é bem presente também nas duas linhas de pesquisa (PETRILLO, 2009PETRILLO, A. Biopolitica di un rifiuto: le rivolte anti-discarica a Napoli e in Campania. Verona: ombre corte, 2009.; ARMIERO, 2014ARMIERO, M. Is there an indigenous knowledge in the Global North? Re/inventing local knowledge and communities in the struggles over garbage and incinerators in Campania. Italy. Estudos de Sociologia, v. 1, n. 20, maio 2014. ISSN 2317-5427. Available at: <https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/view/235511/28498>. Accessed on: December 7, 2020.
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; ORIZZONTI MERIDIANI, 2014LABORATORIO BANCAROTTA; CANTIERE SOCIALE QUARTO MONDO. Territori oltre la crisi: esperienze di riappropriazione diretta, costruzione di comunità e diritto alla città nell’area flegrea e a Napoli occidentale. In: ORIZZONTI MERIDIANI. Briganti o emigranti: Sud e movimenti tra conricerca e studi subalterni. Verona: ombre corte, 2014. p. 91-104.; ARMIERO et al., 2019). Os textos contidos em Briganti o emigranti (ORIZZONTI MERIDIANI, 2014) propõem o tema da superação dos saberes coloniais através daqueles que são produzidos nas lutas subalternas. Os estudos de ecologia política consideram também a percepção sensorial das populações locais como uma fonte de conhecimento (ARMIERO; DE ROSA, 2017; IENGO; ARMIERO, 2017IENGO, I.; ARMIERO, M. The politicization of ill bodies in Campania, Italy. Journal of Political Ecology, v. 24, n. 1, p. 44-58, 2017.; ALLIEGRO; 2012ALLIEGRO, E. V. Il totem nero: petrolio, sviluppo e conflitti in Basilicata. Antropologia politica di una provincia italiana. Roma: Cisu, 2012., 2016). Confrontar as metodologias de co-pesquisa entre ecologia política e estudos pós-coloniais pode revelar-se particularmente importante para o avanço dos estudos sobre as diferentes formas de conflitualidade subalterna no sul da Itália.

A ecologia política, através dos estudos sobre a situação de Taranto (BARCA; LEONARDI, 2016BARCA, S.; LEONARDI, E. Working-class communities and ecology: reframing environmental justice around the Ilva steel plant in Taranto (Apulia, Italy). In: SHAW, M.; MAYO, M. (Editores). Class, inequality and community development. Bristol: The policy press, 2016. p. 487-503., 2018), explorou as especificidades das lutas ecologistas em contextos dominados pela produção industrial, pondo o “ambientalismo operário” em relação ao tema da divisão colonial do trabalho interna à Itália. Estudos parecidos foram conduzidos por Petrillo (2015PETRILLO, A. Il silenzio della polvere: capitale, verità e morte in una storia meridionale di amianto. Milano: Mimesis, 2015.), que também explica o fenômeno da poluição industrial à luz da existência de uma história de colonialismo interno no sul. A teoria do ambientalismo operário apresenta relevantes analogias com os estudos subalternos contidos em Briganti o emigranti, sobretudo pela centralidade conferida aos temas da difusão do poder político nas mãos dos habitantes/trabalhadores e da construção de autonomia política em oposição aos imperativos produtivistas. Portanto, as duas literaturas mostram a possibilidade de evoluir conjuntamente, aprofundando o tema das reivindicações democráticas nos conflitos socioambientais do Mezzogiorno.

Por fim, analisando a etiologia do ambientalismo operário, a corrente de ecologia política problematiza a questão de gênero, analisando a contradição entre trabalho e saúde nos termos da dialética entre produção e reprodução (BARCA; LEONARDI, 2018BARCA, S.; LEONARDI, E. Working-class ecology and union politics: a conceptual topology. Globalizations, Abingdon-on-Thames, v. 15, n. 4, p. 487-503, 2018.). Este avanço teórico é particularmente relevante e, no caso de uma maior aproximação entre ecologia política e estudos pós-coloniais, as interseções entre subalternidade meridional, posicionamento de classe e de gênero poderiam ser compreendidas de forma mais aprofundada.

Conclusões

Neste texto foi realizada uma revisão das principais correntes de investigação dos estudos pós-coloniais e da ecologia política relativas ao sul da Itália. Os aspectos mais relevantes das duas literaturas foram analisados e comparados visando mostrar seus principais pontos de encontro e divergência, para indicar possíveis evoluções de pesquisa comum.

As duas literaturas mostram uma grande convergência: tratam de questões similares, chegam a conclusões muito próximas, propõem críticas parecidas aos discursos e práticas de governação dos territórios do sul, mostram um posicionamento de proximidade e apoio às lutas e compartilham, em muitos casos, metodologias de co-pesquisa.

No entanto, as correntes foram desenvolvidas de forma independente e dialogam superficialmente uma com a outra. O resultado é que a literatura pós-colonial não reconhece plenamente a relevância ecológica dos seus estudos históricos e sociológicos e a literatura de ecologia política não contém muitas referências à história dos discursos e das práticas coloniais utilizadas no sul da Itália, apesar de reconhecer a existência e a relevância do assunto.

Apesar desses elementos críticos, é claro que os pontos de contato excedem em muito os pontos de divergência. O reconhecimento dessa proximidade e uma maior comunicação entre essas duas literaturas poderiam resultar em preciosas evoluções teóricas, dando à luz uma linha de investigação de ecologia política pós-colonial mais completa para abordar os problemas específicos do sul da Itália. Os percursos de pesquisa relativos poderiam abranger questões de grande alcance, como as raízes históricas das políticas econômicas e ambientais da região, ou análises mais precisas sobre as relações de classe, gênero, raça e poder evidenciadas pelos conflitos socioambientais.

Agradecimentos

O trabalho neste artigo foi possível graças ao financiamento concedido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) à bolsa de doutoramento do autor.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2020
  • Aceito
    13 Maio 2021
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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