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Vulnerabilidade socioambiental nas três principais regiões metropolitanas da Macrometrópole Paulista: uma análise de indicadores socioambientais

Resumo

No presente artigo, operacionaliza-se empiricamente o conceito de vulnerabilidade socioambiental, com objetivo de fazer uma análise de situações de vulnerabilidade socioambiental em escala intraurbana, em um conjunto de 62 municípios das três principais regiões metropolitanas da Macrometrópole Paulista. A metodologia procura associar dois conceitos da literatura recente sobre vulnerabilidade - um social e outro físico-ambiental -, por meio de um índice que integra indicadores sociodemográficos do Censo Demográfico 2010 com cartografias de áreas de suscetibilidade a inundações e deslizamentos. Os resultados revelam que 1,8 milhões de pessoas vivem em áreas com alta vulnerabilidade socioambiental, que possuem condições socioeconômicas significativamente piores do que áreas com baixa e moderada vulnerabilidade, com destaque para as diferenças na cobertura de esgoto, no entorno dos domicílios e na população residente em aglomerados subnormais (favelas).

Palavras-chave:
Vulnerabilidade socioambiental; indicadores socioambientais; Macrometrópole Paulista

Abstract

In this article, the concept of socio-environmental vulnerability is empirically operationalized, with the objective of analyzing situations of socio-environmental vulnerability on intra-urban scale, in a group of 62 municipalities in the three main metropolitan regions of the Macro-metropolis of São Paulo State. The methodology associates two concepts from the recent literature on vulnerability - one social and the other physical-environmental - through an index that integrates socio-demographic indicators from the 2010 Demographic Census with cartographies of areas susceptible to floods and landslides. The results show that 1.8 million people live in areas with high socio-environmental vulnerability that have significantly worse socioeconomic conditions than areas with low and moderate vulnerability, especially regarding the differences in sewage coverage, in the surroundings of households and in the population living in substandard settlements (slums).

Keywords:
Socio-environmental vulnerability; socio-environmental indicators; Macro-metropolis of São Paulo State

Resumen

En este artículo, se operacionaliza empíricamente el concepto de vulnerabilidad socioambiental, con el objetivo de analizar situaciones de vulnerabilidad socioambiental a escala intraurbana, en un grupo de 62 municipios de las tres principales regiones metropolitanas del Macrometrópolis Paulista. La metodología busca asociar dos conceptos de la literatura reciente sobre vulnerabilidad - uno social y otro físico-ambiental -, a través de un índice que integra indicadores sociodemográficos del Censo Demográfico de 2010 con cartografías de áreas susceptibles a inundaciones y deslizamientos de tierra. Los resultados revelan que 1.8 millones de personas viven en áreas con alta vulnerabilidad socioambiental, las cuales tienen condiciones socioeconómicas significativamente peores que las áreas con vulnerabilidad baja e moderada, con énfasis en las diferencias en la cobertura de alcantarillado, alrededor de hogares y en la población que vive en aglomerados subnormales (barrios marginales).

Palabras-clave:
Vulnerabilidad socioambiental; indicadores socioambientales; Macrometropolis Paulista

Introdução

Nos próximos anos e décadas do século XXI, com cenários de maior frequência e intensidade de eventos climáticos extremos como tempestades, furacões, enchentes e secas, as situações de vulnerabilidade socioambiental tendem a crescer significativamente nas áreas urbanas e metropolitanas, principalmente em países pobres e em desenvolvimento como o Brasil. As populações urbanas dos países em desenvolvimento deverão crescer muito até meados deste século, expondo ainda mais enormes contingentes populacionais a desastres ambientais e a situações de risco e vulnerabilidade nas cidades e metrópoles, tanto nos países do Sul como do Norte (MARTINE; OJIMA, 2013MARTINE, G; OJIMA, R. The Challenges of Adaptation in an Early but Unassisted Urban Transition. In: MARTINE, G.; SCHENSUL, D. (Eds.). The Demography of Adaptation to Climate Change. New York, London and Mexico City: UNFPA, IIED and El Colegio de México, 2013.; MOSS et al., 2010MOSS, R. H. et al. The next generation of scenarios for climate change research and assessment. Nature, v. 463, n. 7282, p. 747-756, 2010.; HUQ et al., 2007HUQ S.; KOVATS S.; REID H.; SATTERTHWAITE D. Editorial: Reducing risks to cities from disasters and climate change. Environment & Urbanization Journal, London, v. 19, n. 1, p. 3-15, April 2007.).

Diante desses cenários, colocam-se novos desafios para abordar as questões de vulnerabilidade socioambiental, em escalas territoriais mais amplas do que as cidades e as regiões metropolitanas. Segundo a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (EMPLASA), a Macrometrópole do Estado de São Paulo abrange as regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas, Baixada Santista, Sorocaba e Vale do Paraíba/Litoral Norte, e as aglomerações urbanas de Jundiaí e Piracicaba, agregando cerca de 180 municípios situados em um raio de 200 quilômetros da capital paulista. Assim, a chamada Macrometrópole Paulista (MMP) configura-se como o maior e mais complexo sistema urbano brasileiro, concentrando 30,5 milhões de habitantes no ano de 2010, e correspondendo a 75% da população e 83% do PIB do Estado de São Paulo e 27% do PIB brasileiro. Por sua dimensão territorial e diversidade socioeconômica, demográfica e ambiental, a Macrometrópole Paulista envolve uma enorme complexidade de problemas e vulnerabilidades sociais e ambientais, que tendem a aumentar consideravelmente nos próximos anos e décadas (JACOBI et al., 2015JACOBI, P. R.; CIBIM, J.; LEAO, R. S. Crise hídrica na Macrometrópole Paulista e respostas da sociedade civil. Estudos Avançados, São Paulo, v.29, n.84, p.27-42, ago. 2015.; EMPLASA, 2015; IBGE, 2010; NOBRE; YOUNG, 2011NOBRE, C. A.; YOUNG, A. F.; (Eds.). Vulnerabilidades das Megacidades Brasileiras às Mudanças Climáticas: Região Metropolitana de São Paulo. Final Report CCST/INPE, NEPO/UNICAMP, FM/USP, IPT, 2011.) (Figura 1).

Tendo em vista os elementos expostos acima, o presente artigo desenvolve uma operacionalização empírica do conceito de vulnerabilidade socioambiental, por meio de um indicador sintético (ou índice), tendo o setor censitário do Censo Demográfico de 2010 do IBGE como unidade de análise, com objetivo de fazer a identificação e análise espacial de situações de vulnerabilidade socioambiental em escala intraurbana em um conjunto de 62 municípios que constituem as três principais regiões metropolitanas da Macrometrópole Paulista - São Paulo, Baixada Santista e Campinas -, e que correspondem a 77% da população macrometropolitana. Este conjunto de 62 municípios é formado pelos 39 municípios que constituem a Região Metropolitana de São Paulo, pelos 9 municípios que constituem a Região Metropolitana da Baixada Santista, e por 14 dos 19 municípios que constituem a Região Metropolitana de Campinas (IBGE, 2010; EMPLASA, 2015)1 1 - As listas completas dos municípios que compõem as regiões metropolitanas de São Paulo, Baixada Santista e Campinas estão respectivamente nos seguintes links: https://emplasa.sp.gov.br/RMSP, https://emplasa.sp.gov.br/RMBS e https://emplasa.sp.gov.br/RMC. .

Figura 1
Municípios, aglomerações urbanas e regiões metropolitanas que compõem a Macrometrópole Paulista

Breve revisão da literatura

Entre as consequências da aceleração do processo de urbanização no Brasil, a partir da segunda metade do século XX, pode-se destacar: a formação de regiões metropolitanas, a verticalização e adensamento das áreas já urbanizadas, e a expansão urbana para áreas periféricas. Em geral, as metrópoles brasileiras são constituídas por uma cidade sede, que concentra as atividades comerciais e de serviços, e por extensas periferias urbanas, com funções industriais e residenciais, e predomínio de populações de baixa renda. No período de urbanização mais acelerada dos anos 1960 e 1970, foram criadas inicialmente nove regiões metropolitanas: Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. A Constituição de 1988 delegou às unidades da federação a responsabilidade de criar e institucionalizar as áreas metropolitanas, resultando na criação de 20 novas regiões metropolitanas em todo país até o ano de 2000. Neste contexto, no Estado de São Paulo, foram criadas as regiões metropolitanas de Campinas e da Baixada Santista. Mais recentemente, foram criadas as regiões metropolitanas do Vale do Paraíba/Litoral Norte e de Sorocaba (REIS; TANAKA, 2007REIS, N.G.; TANAKA, M.S. Brasil: estudos sobre dispersão urbana. São Paulo: FAU-USP, 2007.; DAVANZO; NEGREIROS, 2006DAVANZO, A.M.Q.; NEGREIROS, R. A gestão das regiões metropolitanas do interior paulista: Região Metropolitana de Campinas e Região Metropolitana da Baixada Santista. In: CUNHA, J.M.P. (Ed.). Novas metrópoles paulistas: população, vulnerabilidade e segregação. Campinas: Nepo/Unicamp, 2006.; EMPLASA, 2015).

Na Região Metropolitana de São Paulo, e também nas demais regiões metropolitanas do estado, tem havido, nas últimas décadas, um forte processo de expansão urbana para as áreas periféricas, incorporando vastos territórios às manchas urbanas dessas metrópoles. Esse expressivo crescimento demográfico e expansão horizontal dessas áreas periféricas provocaram o aumento da heterogeneidade dessas periferias metropolitanas e contribuíram para o aumento da pobreza, vulnerabilidade e desigualdade sociais e ambientais. Estudos sobre o processo de urbanização brasileiro mostram que a expansão urbana para regiões periféricas está ligada à procura por habitação em áreas com baixo preço da terra, provocando um crescimento de assentamentos precários, como favelas e loteamentos irregulares, em locais sem infraestrutura urbana e expostos a situações de risco e degradação ambiental, devido à ausência de alternativas habitacionais, tanto por meio do mercado imobiliário privado, como de políticas públicas de habitação. Uma das consequências desses processos é a forte concentração e intensidade de problemas sociais e ambientais em alguns territórios das metrópoles, com sobreposição espacial de péssimos indicadores socioeconômicos com riscos de inundações, deslizamentos de terra, forte poluição ambiental e serviços públicos ineficientes ou inexistentes. Assim, há uma intensa concentração de indicadores negativos em alguns espaços da periferia, sugerindo a presença de “pontos críticos” de vulnerabilidade social e ambiental (BONDUKI; ROLNIK, 1982BONDUKI, N.; ROLNIK, R. Periferia da Grande São Paulo: reprodução do espaço como expediente de reprodução da força de trabalho. In: MARICATO, E. (Org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) do Brasil industrial. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982.; MARICATO, 1996MARICATO, E. Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo: Hucitec, 1996.; TORRES; MARQUES, 2001TORRES, H.; MARQUES, E. Reflexões sobre a hiperperiferia: novas e velhas faces da pobreza no entorno metropolitano. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, n. 4, p. 49-70, 2001.).

Portanto, esses grandes processos de expansão e degradação das áreas periféricas das regiões metropolitanas do Estado de São Paulo (e do Brasil) têm revelado um crescente entrelaçamento entre problemas sociais e ambientais, tais como a sobreposição de péssimas condições sociais e sanitárias a riscos e conflitos ambientais. Deste modo, um conceito que pode ser utilizado para analisar essas relações e interações entre as dimensões sociais e ambientais da urbanização é o de vulnerabilidade socioambiental, cuja definição utilizada no presente artigo é a coexistência, cumulatividade ou sobreposição espacial de situações de vulnerabilidade social e de situações de vulnerabilidade (ou suscetibilidade) físico-ambiental (ALVES, 2006_________. Vulnerabilidade socioambiental na metrópole paulistana: uma análise sociodemográfica das situações de sobreposição espacial de problemas e riscos sociais e ambientais. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 23, n. 1, p. 43-59, jan./jun. 2006.; 2013).

As análises empíricas sobre o conceito de vulnerabilidade abrangem um espectro de perspectivas que vão desde abordagens mais sociais até abordagens mais ambientais. Cidade (2013CIDADE, L. C. F. Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade: em busca de uma construção interdisciplinar. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 15, n. 29, p. 171-191, jan/jun 2013.) faz uma revisão bibliográfica dos distintos enfoques sobre a vulnerabilidade, mostrando as dificuldades para construção de uma base conceitual comum. As ciências da natureza teriam como objeto os desastres ambientais, e as ciências sociais os processos socioeconômicos com efeitos sobre a pobreza. Assim, de um lado a vulnerabilidade social e de outro a vulnerabilidade físico-ambiental correspondem a dois conceitos que representariam duas perspectivas e acepções distintas em relação à vulnerabilidade. Nesse sentido, tem-se buscado perspectivas convergentes, que considerem tanto as dimensões sociais como as físico-ambientais da vulnerabilidade (LINDOSO, 2017LINDOSO, D. P. Vulnerabilidade e Resiliência: potenciais, convergências e limitações na pesquisa interdisciplinar. Ambiente & Sociedade, São Paulo v. XX, n. 4, p. 131-148, out.-dez. 2017.; CIDADE, 2013CIDADE, L. C. F. Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade: em busca de uma construção interdisciplinar. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 15, n. 29, p. 171-191, jan/jun 2013.).

A partir de uma ampla revisão da literatura, Canil et al. (2020CANIL, K.; LAMPIS, A.; SANTOS, K. Vulnerabilidade e a construção social do risco: uma contribuição para o planejamento na macrometrópole paulista. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 22, n. 48, p. 397-416, 2020., p. 401) identificaram dois grandes aspectos (ou dimensões) associados ao conceito de vulnerabilidade. O primeiro é a vulnerabilidade biofísica, associada às ciências exatas e à engenharia, e com ênfase “no impacto de um fenômeno em termos de vidas, perdas e danos”. O segundo aspecto é a vulnerabilidade social, associada às ciências sociais, e com foco na “compreensão dos fatores internos de um sistema que o torna vulnerável às ameaças”. Canil et al. (2020, p. 403) descrevem ainda três grandes correntes que representam diferentes heranças conceituais sobre a vulnerabilidade:

I) Risco-Ameaça (RA): corrente focada nos aspectos que produzem a vulnerabilidade, ou seja, o risco material e a ameaça física no sentido da exposição e proximidade, orientando seu interesse para a probabilidade de risco, bem como para a quantificação de seu impacto. II) Construção Social do Risco (CSR): corrente interessada nas condições de indivíduos, grupos e comunidades em relação ao estresse ao longo do tempo e eventos críticos específicos de origem externa. Ela privilegia a investigação dos fatores que aumentam a capacidade dos grupos humanos de enfrentar situações críticas e a recuperação de seus efeitos. III) Abordagem Integrada (AI): interessa-se pela relação entre território e ameaça e busca integrar as duas abordagens anteriores.

Portanto, na literatura sobre o conceito de vulnerabilidade, pode-se identificar desde enfoques mais biofísicos, passando por perspectivas mais sociais, até abordagens que procuram integrar as duas dimensões. Nesse sentido, o conceito de vulnerabilidade socioambiental pode ser classificado neste terceiro grupo, que busca integrar as dimensões social e ambiental da vulnerabilidade. Além disso, é importante destacar que:

Na literatura mais sociológica sobre o tema (MOSER, 1998MOSER, C. The asset vulnerability framework: reassessing urban poverty reduction strategies. World Development, v.26, n. 1, 1998.; KAZTMAN et al., 1999KAZTMAN, R., BECCARIA, L., FILGUEIRA, F., GOLBERT, L. & KESSLER, G. Vulnerabilidad, activos y exclusión social en Argentina y Uruguay. Santiago de Chile: OIT, 1999.), a vulnerabilidade social é analisada em relação a indivíduos, famílias ou grupos sociais. Já na geografia e nos estudos sobre riscos e desastres naturais (CUTTER, 1996CUTTER S. L. Vulnerability to environmental hazards. Progress in Human Geography, v.20, n. 4, p. 529-539, Dec. 1996.), a vulnerabilidade ambiental tem sido discutida em termos territoriais (regiões, ecossistemas). Portanto, essa disparidade entre as duas tradições de estudos sobre vulnerabilidade, em termos de escala e de tipo de objeto de análise, deve ser considerada na construção da noção de vulnerabilidade socioambiental, a qual pretende integrar as duas dimensões - a social e a ambiental (ALVES, 2006_________. Vulnerabilidade socioambiental na metrópole paulistana: uma análise sociodemográfica das situações de sobreposição espacial de problemas e riscos sociais e ambientais. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 23, n. 1, p. 43-59, jan./jun. 2006., p. 47).

Estudos sobre a vulnerabilidade social têm sido produzidos com muita frequência por instituições acadêmicas e governamentais nas últimas décadas. O conceito de vulnerabilidade social procura aprimorar as abordagens tradicionais sobre a pobreza e seus métodos de mensuração, baseados no nível de renda monetária e em medidas fixas, como a linha de pobreza. Assim, a vulnerabilidade social traria uma perspectiva mais ampla sobre as condições de vida dos grupos sociais mais pobres e, além disso, levaria em conta os recursos e estratégias das próprias famílias para enfrentarem os impactos que as afetam (MOSER, 1998MOSER, C. The asset vulnerability framework: reassessing urban poverty reduction strategies. World Development, v.26, n. 1, 1998.; KAZTMAN et al., 1999KAZTMAN, R., BECCARIA, L., FILGUEIRA, F., GOLBERT, L. & KESSLER, G. Vulnerabilidad, activos y exclusión social en Argentina y Uruguay. Santiago de Chile: OIT, 1999.).

Já os estudos sobre desastres naturais (natural hazards) e avaliação de risco (risk assessment) deram origem à noção de vulnerabilidade físico-ambiental. A abordagem físico-ambiental do conceito de vulnerabilidade tem sido desenvolvida principalmente pelos estudos de desastres naturais, com o objetivo de identificar áreas em situação de risco, por meio da elaboração de mapas de suscetibilidades a desastres naturais, que normalmente incluem a sobreposição de mapas com diferentes características do meio físico, tais como solos, hidrografia, declividade etc. Geralmente mais associados com as engenharias, as ciências naturais (geologia) e a geografia física, os estudos sobre a vulnerabilidade físico-ambiental dão mais ênfase às características do meio físico e não se aprofundam nos processos sociais que interagem com esse meio (CUTTER, 1996CUTTER S. L. Vulnerability to environmental hazards. Progress in Human Geography, v.20, n. 4, p. 529-539, Dec. 1996.; MARANDOLA; HOGAN, 2004MARANDOLA, E.; HOGAN, D. J. Natural hazards: o estudo geográfico dos riscos e perigos. Ambiente & Sociedade, n. 2, p. 95-109, 2004.; LOPES, 2006LOPES, E.S.S. Modelagem espacial dinâmica aplicada ao estudo de movimentos de massa em uma região da Serra do Mar paulista, na escala de 1:10.000. PH.D thesis - IGCE/UNESP, Rio Claro, 2006.; NASCIMENTO, et al., 2018NASCIMENTO, M. C.; LOMBARDO, M. A.; JÚ NIOR, S. A.; ANDRADE, E. L. Análise da Vulnerabilidade Físico-Ambiental causada pelas chuvas intensas na Região Metropolitana de Maceió. Caminhos de Geografia, v. 19, n. 67, p. 268-288, 2018.). Nesses estudos, o foco principal é a dimensão suscetibilidade, que pode ser definida “como a predisposição ou propensão dos terrenos ao desenvolvimento (...) de processos do meio físico que podem gerar desastres naturais” (CPRM; IPT, 2014, p. 3-4).

Nas últimas décadas, o conceito de vulnerabilidade também tem adquirido grande importância para as comunidades científicas de mudanças climáticas e de mudanças ambientais globais. Com relação às mudanças climáticas, a definição de vulnerabilidade mais utilizada é a do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Segundo o relatório do IPCC de 2007, vulnerabilidade é a suscetibilidade e incapacidade de um sistema de lidar com os efeitos adversos da mudança climática. Portanto, com base na definição do IPCC, a vulnerabilidade tem três componentes (ou dimensões): grau de exposição, suscetibilidade e capacidade de adaptação. A exposição refere-se à fonte de perturbação, sendo um elemento externo ao sistema sob análise. A suscetibilidade diz respeito às características internas do sistema que o tornam mais ou menos sensível a um determinado estímulo. Já a capacidade de adaptação é a habilidade do sistema de se recuperar de distúrbios ambientais (IPCC, 2007; LINDOSO, 2017LINDOSO, D. P. Vulnerabilidade e Resiliência: potenciais, convergências e limitações na pesquisa interdisciplinar. Ambiente & Sociedade, São Paulo v. XX, n. 4, p. 131-148, out.-dez. 2017.).

Segundo Lindoso (2017LINDOSO, D. P. Vulnerabilidade e Resiliência: potenciais, convergências e limitações na pesquisa interdisciplinar. Ambiente & Sociedade, São Paulo v. XX, n. 4, p. 131-148, out.-dez. 2017.), pode-se encontrar na literatura diferentes interpretações para a relação entre suscetibilidade, exposição e vulnerabilidade, revelando a grande complexidade e multidimensionalidade dos conceitos de vulnerabilidade social e vulnerabilidade biofísica. No presente artigo, será dada mais ênfase à dimensão suscetibilidade [da vulnerabilidade]. Assim, as duas dimensões do conceito de vulnerabilidade socioambiental representam duas suscetibilidades, uma social (da população) e outra físico-ambiental (do território). De todo modo, a dimensão exposição também está presente, no sentido de que populações socialmente vulneráveis estão em princípio mais expostas a desastres ambientais, ao residirem em territórios mais suscetíveis a inundações e deslizamentos.

Portanto, tendo em vista esta breve revisão da literatura, é importante que haja esforços para o desenvolvimento de indicadores, metodologias e análises que permitam identificar, caracterizar e mensurar os diferentes graus de vulnerabilidade socioambiental na Macrometrópole Paulista, assim como nas demais áreas urbanas e metropolitanas do Brasil, por meio da identificação e caracterização das áreas de maior suscetibilidade a desastres naturais e dos grupos populacionais mais vulneráveis, complementando as informações qualitativas dos órgãos de defesa civil, de maneira a subsidiar políticas de prevenção de desastres ambientais e de adaptação às mudanças climáticas (BRAGA et al., 2006BRAGA, T.M.; OLIVEIRA, E.L.; GIVISIEZ, G.H.N. Avaliação de metodologias de mensuração de risco e vulnerabilidade social a desastres naturais associados à mudança climática. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 1, p. 81-95, jan./mar. 2006.; CARMO; VALENCIO, 2014CARMO, R.; VALENCIO, N. Segurança humana no contexto dos desastres. São Carlos: RiMa Editora, 2014.).

Metodologia

Na metodologia do presente trabalho, são operacionalizadas as duas referidas acepções do conceito de vulnerabilidade. De um lado, a vulnerabilidade social da população, grupos sociais, famílias, domicílios, ainda que esta seja mensurada por meio da agregação por áreas (setores censitários) dos dados do Censo Demográfico 2010 e do IPVS. De outro lado, a vulnerabilidade físico-ambiental, que se refere à fragilidade ou suscetibilidade do território a processos do meio físico que podem gerar desastres naturais, tais como deslizamentos e inundações. Ou seja, considera-se a suscetibilidade a deslizamentos e inundações como proxy da noção de vulnerabilidade físico-ambiental.

Nos locais onde ocorre a sobreposição espacial de situações (áreas, setores) de vulnerabilidade social e de situações/áreas de vulnerabilidade físico-ambiental (suscetibilidade a deslizamentos e inundações), configura-se uma situação de vulnerabilidade socioambiental. Esta sobreposição é identificada e mensurada por meio da superposição espacial de dois tipos de cartografia digital: 1) cartas geotécnicas de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa e inundações do Serviço Geológico do Brasil, e 2) malhas digitais dos setores censitários do Censo 2010 do IBGE; sendo que ambas as cartografias abrangem os 62 municípios das três principais regiões metropolitanas da Macrometrópole Paulista.

A seguir, são descritos os principais procedimentos metodológicos, utilizados para fazer a operacionalização do conceito de vulnerabilidade socioambiental, combinando as duas mencionadas dimensões da vulnerabilidade - social e ambiental -, e gerando um ‘índice de vulnerabilidade socioambiental’. Primeiramente, a dimensão vulnerabilidade (suscetibilidade) físico-ambiental foi operacionalizada por meio de um indicador que representa a porcentagem do território sobreposta a áreas de maior suscetibilidade ambiental, utilizando o setor censitário como unidade de análise. No presente trabalho, são consideradas como de suscetibilidade ambiental as áreas suscetíveis a movimentos gravitacionais de massa (deslizamentos e corridas de massa) e/ou a inundações (CPRM; IPT, 2014).

Inicialmente, foram baixadas as Cartas Geotécnicas de Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundações, a partir do site do Serviço Geológico do Brasil2 2 - http://www.cprm.gov.br/publique/Gestao-Territorial/Prevencao-de-Desastres/Cartas-de-Suscetibilidade-a-Movimentos-Gravitacionais-de-Massa-e-Inundacoes---Sao-Paulo-5088.html , para 62 municípios das três principais regiões metropolitanas da MMP, que excluem 5 municípios da Região Metropolitana de Campinas - Indaiatuba, Monte-Mór, Santa Bárbara D´Oeste, Valinhos e Vinhedo -, para os quais não havia dados de suscetibilidade disponíveis no referido site. Foram então selecionadas apenas as áreas de alta e média suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa (deslizamentos) e a inundações para cada um desses 62 municípios. As áreas definidas como de alta suscetibilidade (a deslizamentos e inundações) geralmente concentram a maioria dos casos de ocorrência desses dois processos. As áreas de média suscetibilidade contemplam os demais casos de ocorrência desses dois processos, e as de baixa suscetibilidade correspondem às demais áreas dos municípios, cuja ocorrência desses processos tende a ser muito pouco provável (CPRM; IPT, 2014).

Para construir o indicador de vulnerabilidade (suscetibilidade) físico-ambiental, fez-se a sobreposição espacial das cartografias digitais dessas áreas selecionadas de alta e média suscetibilidade à malha digital dos setores censitários do Censo 2010 do IBGE dos referidos 62 municípios, por meio de um Sistema de Informação Geográfica. Calculou-se então o tamanho e o percentual da área de cada setor censitário sobreposta a essas áreas de suscetibilidade ambiental, resultando numa variável quantitativa contínua que mede a porcentagem do território do setor censitário constituído por áreas de alta e média suscetibilidade a deslizamentos e/ou inundações. Por fim, esta variável contínua foi convertida em uma variável categórica ordinal formada por duas categorias (dois grupos), utilizando-se o seguinte critério: 1) setores com mais de 50% do seu território composto de áreas de alta e média suscetibilidade a deslizamentos e/ou inundações foram classificados como de alta vulnerabilidade físico-ambiental; e 2) setores com menos de 50% do seu território composto de áreas de alta e média suscetibilidade a deslizamentos e/ou inundações foram classificados como de baixa vulnerabilidade físico-ambiental (ver Figura 2).

Figura 2
Sobreposição espacial das cartografias das áreas de alta e média suscetibilidade a deslizamentos e a inundações à malha digital dos setores censitários do Censo 2010 do IBGE dos 62 municípios das três principais regiões metropolitanas da Macrometrópole Paulista (trechos dos municípios de São Paulo, Guarulhos e Osasco, 2010)

Já para operacionalizar a dimensão ‘vulnerabilidade social´, utilizou-se o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS), produzido pela Fundação SEADE a partir dos resultados do Universo do Censo Demográfico de 2010 do IBGE. O IPVS 2010 consiste em uma tipologia de situações de exposição à vulnerabilidade social, representadas por duas dimensões - socioeconômica e ciclo de vida familiar -, por meio de indicadores tais como renda domiciliar per capita, presença de crianças menores, idade e gênero do chefe de família, e condição de alfabetização (SEADE, 2013).

Segundo a metodologia do IPVS 2010, foram classificados em 7 (sete) grupos de vulnerabilidade todos os setores censitários do Estado de São Paulo com pelo menos 50 domicílios particulares. Entre os 62 municípios das três principais regiões metropolitanas da MMP, 91% dos setores censitários atendiam esse critério (pelo menos 50 domicílios particulares) e foram classificados em um dos sete grupos de vulnerabilidade social.

Para a metodologia do presente trabalho, decidiu-se reorganizar e agregar os sete grupos do IPVS em dois grandes grupos, denominados de alta e baixa vulnerabilidade social, reunindo aqueles com patamar semelhante de vulnerabilidade na dimensão socioeconômica. Assim, foram reclassificados para baixa vulnerabilidade social os grupos 1, 2 e 3 do IPVS, que possuem dimensão socioeconômica muito alta ou média. E reclassificados para alta vulnerabilidade social os grupos 4, 5, 6 e 7 do IPVS, que possuem dimensão socioeconômica baixa. Se esta agregação e reclassificação, por um lado, reduz a diversidade de situações de vulnerabilidade social, por outro, facilita muito a comparação entre os grupos, além de simplificar o cruzamento posterior com os dois grupos de vulnerabilidade/suscetibilidade ambiental (SEADE, 2013).

Por fim, fazendo uma combinação entre as duas dimensões da vulnerabilidade socioambiental - vulnerabilidade social e vulnerabilidade/suscetibilidade ambiental -, foi gerado o ‘índice de vulnerabilidade socioambiental’ (IVSA), que consiste em uma variável categórica ordinal com quatro categorias/grupos, descritos no Quadro 1.

Quadro 1
Construção do índice de vulnerabilidade socioambiental, por meio da combinação das dimensões suscetibilidade ambiental e vulnerabilidade social

Por meio deste índice de vulnerabilidade socioambiental, é possível desenvolver uma análise em escala espacial intraurbana (setores censitários) e ao mesmo tempo com um recorte espacial macrometropolitano, abrangendo 62 municípios de três regiões metropolitanas, a partir de uma base de dados composta de um conjunto de indicadores sociais e ambientais de diferentes fontes (Censo 2010, IPVS, Serviço Geológico), para mais de 37 mil setores censitários. Destaca-se ainda o esforço analítico e metodológico para integrar dois conceitos (ou definições) de vulnerabilidade - um social e outro físico-ambiental - com tradições teóricas e epistemológicas distintas, por meio da integração de indicadores sociais e ambientais.

Porém, é importante ressalvar que, na escala de análise do presente trabalho (setores censitários do IBGE), os resultados não permitem a identificação de riscos associados a inundações e deslizamentos. Para avaliar esses riscos, seria necessária uma escala espacial de maior detalhe. Portanto, cabe enfatizar que o objetivo do trabalho não é identificar áreas de risco de inundação e deslizamentos, e muito menos apontar áreas onde eventualmente deveria haver remoção de famílias e domicílios. Nesse sentido, os resultados do trabalho permitem identificar tão somente áreas (territórios) onde residem populações socialmente vulneráveis e onde também existe a suscetibilidade (fragilidade, propensão) a processos do meio físico que podem eventualmente gerar desastres naturais, tais como inundações e deslizamentos.

Resultados e discussão: análise comparativa dos quatro grupos de vulnerabilidade socioambiental

No presente item, são apresentados os resultados da operacionalização empírica do conceito de vulnerabilidade socioambiental, por meio da análise do índice de vulnerabilidade socioambiental. Para isso, é feita a seguir uma análise comparativa entre os quatro grupos de vulnerabilidade socioambiental (representados na Figura 3), em relação a indicadores socioeconômicos e demográficos, selecionados dos resultados do Universo do Censo Demográfico 2010 do IBGE e apresentados na Tabela 1.

Como mostra a Tabela 1, a população de 23,5 milhões de habitantes do conjunto de 62 municípios das três principais regiões metropolitanas da Macrometrópole Paulista (MMP) no ano de 2010, distribui-se da seguinte maneira entre os quatro grupos de vulnerabilidade socioambiental. Nas áreas (setores censitários) com baixa vulnerabilidade socioambiental (Grupo 1) residem 13,5 milhões de pessoas, que correspondem a 57,4% da população das três principais regiões metropolitanas da MMP no ano 2010. Já nas áreas de moderada vulnerabilidade socioambiental [com alta suscetibilidade ambiental] (Grupo 2) vivem 1,6 milhões de pessoas (6,7% da população da macrometrópole). Nas áreas de moderada vulnerabilidade socioambiental [com alta vulnerabilidade social] (Grupo 3) residem 6,4 milhões de pessoas (27,3% da população da macrometrópole). Por fim, nas áreas de alta vulnerabilidade socioambiental (Grupo 4) vivem 1,8 milhões de pessoas, que correspondem a 7,6% da população do conjunto de 62 municípios das três principais regiões metropolitanas da MMP (Tabela 1). Cabe ressalvar, porém, que 222 mil habitantes (menos de 1% da população do referido conjunto de 62 municípios) não foram classificados pelo IPVS e por isso também não puderam ser classificados pelo IVSA.

Figura 3:
Classificação dos setores censitários dos 62 municípios das três principais regiões metropolitanas da Macrometrópole Paulista nos quatro grupos de vulnerabilidade socioambiental (RMSP e RMBS, 2010)

Para facilitar a descrição dos dados e a leitura do artigo, a partir deste ponto, no restante do texto, quando for feita referência à Macrometrópole Paulista (ou à sigla MMP), estaremos nos referindo ao conjunto de 62 municípios das três principais regiões metropolitanas da Macrometrópole, conforme justificado na introdução do artigo. Além disso, consideraremos os conceitos de “suscetibilidade ambiental” e “vulnerabilidade físico-ambiental” como sinônimos (ou equivalentes).

Comparando-se os níveis de cobertura de saneamento básico dos quatro grupos de vulnerabilidade socioambiental, pode-se constatar que a coleta de lixo está quase universalizada na Macrometrópole Paulista, uma vez que os quatro grupos apresentam quase 100% dos seus domicílios com lixo coletado. Com relação ao abastecimento de água, enquanto os dois grupos que possuem baixa vulnerabilidade social (Grupos 1 e 2) possuem perto de 100% dos seus domicílios com acesso à rede geral de água, nos dois grupos que possuem alta vulnerabilidade social (Grupos 3 e 4) o acesso à rede de água está abaixo de 96% dos domicílios (ver Quadro 1 e Tabela 1).

No que tange à cobertura de esgoto, observam-se diferenças consideráveis entre os quatro grupos. Enquanto nas áreas de baixa vulnerabilidade socioambiental (Grupo 1), 93,4% dos domicílios estão ligados à rede geral de esgoto, nas áreas de alta vulnerabilidade socioambiental (Grupo 4) esta porcentagem é de apenas 66,5%, revelando uma expressiva carência de cobertura da rede de esgoto para nada menos que um terço dos domicílios deste grupo. Já no Grupo 3 (baixa suscetibilidade ambiental e alta vulnerabilidade social), o percentual de moradores em domicílios ligados à rede geral de esgoto é de 73,4%, significativamente maior do que o Grupo 4, o que mostra que a ausência de esgotamento sanitário se manifesta principalmente nas residências localizadas em áreas onde há sobreposição espacial entre vulnerabilidade social e suscetibilidade ambiental.

Se forem analisadas as características de entorno dos domicílios, também se observam importantes diferenças entre os quatro grupos, particularmente do Grupo 4 em relação aos demais. Como mostra a Tabela 1, nas sete variáveis referentes ao entorno dos domicílios (ausência de identificação do logradouro, falta de iluminação pública, ruas sem pavimentação, ruas sem calçamento, ruas sem arborização, esgoto a céu aberto e lixo nos logradouros), o Grupo 4 apresenta percentuais significativamente piores do que os outros grupos, com destaque para ruas sem arborização (43,9% dos domicílios), ausência de identificação do logradouro (33,7% dos domicílios), ruas sem calçamento (31,5% dos domicílios), ruas sem pavimentação (13,6% dos domicílios) e esgoto a céu aberto (10,3% dos domicílios) (Tabela 1).

Tabela 1:
Indicadores socioeconômicos e demográficos por grupo de vulnerabilidade socioambiental. Conjunto de 62 municípios das três principais regiões metropolitanas da Macrometrópole Paulista, 2010

Com relação à cor da pele, a proporção pessoas de cor preta ou parda é significativamente mais alta nos dois grupos que possuem alta vulnerabilidade social (Grupos 3 e 4), chegando a 56% no conjunto de setores censitários com alta vulnerabilidade socioambiental. No grupo de baixa vulnerabilidade socioambiental, esta proporção é inferior a 30% (Tabela 1).

No que concerne à estrutura etária da população, as diferenças entre os quatro grupos também são expressivas, com as áreas de alta vulnerabilidade socioambiental apresentando maior concentração de crianças e jovens. Enquanto nas áreas de baixa vulnerabilidade socioambiental (Grupo 1), as pessoas de até 17 anos de idade correspondem a 22,9% da população, nas de alta vulnerabilidade socioambiental (Grupo 4) esta proporção é bem maior (34,4%).

As diferenças entre os quatro grupos são muito grandes em relação aos indicadores de renda. Tomando-se como exemplo o percentual de domicílios com renda média per capita abaixo de meio salário mínimo, as diferenças são consideráveis, com expressivos 29,7% dos domicílios abaixo deste patamar nas áreas de alta vulnerabilidade socioambiental, contrastando com apenas 8,4% nas áreas de baixa vulnerabilidade socioambiental. Os resultados revelam ainda uma grande variação da renda média domiciliar entre os grupos. Enquanto nas áreas de baixa vulnerabilidade socioambiental, a renda média domiciliar chega a 3.779 reais (7,4 salários mínimos em 2010), nas áreas de alta vulnerabilidade socioambiental a renda domiciliar média é de apenas 1.373 reais (2,7 salários mínimos). Já a renda média domiciliar per capita é mais de três vezes maior nas áreas de baixa vulnerabilidade (1.240 reais) em comparação com as de alta vulnerabilidade socioambiental (386 reais) (valores do ano 2010)3 3 - Em 2010, o valor do salário mínimo era de 510 reais. (Tabela 1).

A proporção de pessoas residentes em aglomerados subnormais (áreas com características de favela segundo classificação do IBGE) é uma variável que expressa a associação entre vulnerabilidade social e falta de infraestrutura urbana, e que também pode revelar situações de suscetibilidade ambiental (TASCHNER, 2000TASCHNER, S. P. Degradação ambiental em favelas de São Paulo. In: TORRES, H.; COSTA, H. (Orgs.). População e meio ambiente: debates e desafios. São Paulo: Editora Senac, 2000, p. 271-297.; ALVES, 2013ALVES, H. P. F. Análise da vulnerabilidade socioambiental em Cubatão - SP por meio da integração de dados sociodemográficos e ambientais em escala intraurbana. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 30, n. 2, p. 349-366, jul./dez. 2013.). Nas áreas classificadas como de alta vulnerabilidade socioambiental (Grupo 4), nada menos do que 39,7% da população vive em aglomerados subnormais, ou seja, em áreas classificadas como favelas. Já nas áreas que também possuem alta vulnerabilidade social, mas que não são suscetíveis a deslizamentos e inundações (classificadas no Grupo 3), a porcentagem de população residente em aglomerados subnormais é bem mais baixa (24,5%). Nas áreas que possuem baixa vulnerabilidade social (grupos 1 e 2), observam-se baixíssimas proporções de população residente em aglomerados subnormais, com meros 1,6% no Grupo 1 e 5,3% no Grupo 2 (Tabela 1).

Sintetizando os resultados, pode-se constatar que, além de apresentarem maiores concentrações de crianças e jovens, as áreas (setores censitários) com alta vulnerabilidade socioambiental possuem características socioeconômicas significativamente piores do que aquelas com baixa vulnerabilidade socioambiental, e mesmo em relação às situações intermediárias de moderada vulnerabilidade socioambiental (grupos 2 e 3). Entre as variáveis que mais diferenciam as áreas de alta vulnerabilidade socioambiental em relação aos outros três grupos, destacam-se a cobertura de esgoto, as características de entorno dos domicílios (ausência de identificação do logradouro, esgoto a céu aberto, ruas sem arborização, sem pavimentação e sem calçamento), e principalmente a população residente em aglomerados subnormais. Além disso, praticamente todos os indicadores socioeconômicos das áreas de alta vulnerabilidade socioambiental (Grupo 4) são piores do que os das áreas do Grupo 3, as quais também possuem alta vulnerabilidade social, mas não são suscetíveis a deslizamentos e inundações.

Deste modo, os resultados revelam que em alguns territórios espalhados pela MMP a suscetibilidade ambiental possui uma forte associação e sobreposição espacial com a vulnerabilidade social, gerando situações de alta vulnerabilidade socioambiental. Um dos principais fatores que explicam isso é a grande concentração de aglomerados subnormais (favelas) nessas áreas de alta vulnerabilidade socioambiental, que muitas vezes correspondem a áreas não edificantes, consideradas inadequadas pelas legislações urbanística e ambiental para ocupação urbana, seja porque podem oferecer risco ambiental, seja porque são áreas de preservação permanente. Assim, diversas vezes são áreas (públicas ou privadas) invadidas por assentamentos precários, que se configuram como áreas de favela. Além disso, essas áreas de alta vulnerabilidade socioambiental muitas vezes são as localidades mais acessíveis à população de mais baixa renda, pois são áreas muito desvalorizadas no mercado de terras por serem pouco propícias à ocupação, devido à falta de infraestrutura urbana e às características de suscetibilidade a deslizamentos e inundações (ALVES, 2006_________. Vulnerabilidade socioambiental na metrópole paulistana: uma análise sociodemográfica das situações de sobreposição espacial de problemas e riscos sociais e ambientais. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 23, n. 1, p. 43-59, jan./jun. 2006.; 2013).

Considerações finais

No presente artigo, o conceito de vulnerabilidade socioambiental foi operacionalizado empiricamente, por meio da construção de um índice que faz a integração de indicadores sociodemográficos do Censo 2010 do IBGE com cartografias que representam áreas de suscetibilidade a inundações e deslizamentos, com objetivo de fazer uma análise de situações de vulnerabilidade socioambiental em escala intraurbana em um conjunto de 62 municípios das três principais regiões metropolitanas da Macrometrópole Paulista.

Os resultados do trabalho mostraram que determinadas áreas, espalhadas pelos territórios das principais regiões metropolitanas da MMP, possuem uma forte concentração e sobreposição espacial de situações de suscetibilidade ambiental e de situações de vulnerabilidade social, produzindo situações de alta vulnerabilidade socioambiental. A análise comparativa entre os quatro grupos revelou que as áreas de alta vulnerabilidade socioambiental possuem condições socioeconômicas significativamente piores do que aquelas com baixa vulnerabilidade socioambiental, e mesmo em relação às duas situações intermediárias de moderada vulnerabilidade, com destaque para as diferenças em relação à cobertura de esgoto, às características de entorno dos domicílios e à população residente em aglomerados subnormais (favelas).

Os resultados mostraram ainda que 1,8 milhões de pessoas vivem nessas áreas classificadas como de alta vulnerabilidade socioambiental (com suscetibilidade a inundações e deslizamentos), o que são números expressivos e preocupantes, em vista dos cenários de aumento da intensidade e frequência de eventos climáticos extremos, nos próximos anos e décadas, no contexto das mudanças climáticas (NOBRE; YOUNG, 2011NOBRE, C. A.; YOUNG, A. F.; (Eds.). Vulnerabilidades das Megacidades Brasileiras às Mudanças Climáticas: Região Metropolitana de São Paulo. Final Report CCST/INPE, NEPO/UNICAMP, FM/USP, IPT, 2011.). Nesse sentido, o trabalho pretende contribuir com o desenvolvimento de indicadores e metodologias para identificação e caracterização das áreas de maior suscetibilidade a desastres naturais e dos grupos populacionais mais vulneráveis, trazendo subsídios para políticas de prevenção de desastres ambientais e de adaptação às mudanças climáticas, em áreas urbanas e metropolitanas da Macrometrópole Paulista.

Além disso, o presente trabalho pretende trazer uma contribuição empírica e metodológica para os estudos sobre vulnerabilidades sociais e ambientais em áreas urbanas, ao empregar uma metodologia de integração de indicadores sociodemográficos e ambientais, com utilização de dados públicos e software livre, para análise da vulnerabilidade socioambiental em escala intraurbana e com um recorte espacial macrometropolitano, abrangendo 62 municípios de três regiões metropolitanas da MMP. Essas metodologias e indicadores podem ser replicados e adaptados para outras áreas urbanas e metropolitanas do Estado de São Paulo e do Brasil, uma vez que utilizam as malhas digitais de setores censitários do Censo Demográfico 2010 do IBGE e as cartas geotécnicas de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa e inundações do Serviço Geológico do Brasil (IBGE, 2010; CPRM; IPT, 2014; ALVES, 2013ALVES, H. P. F. Análise da vulnerabilidade socioambiental em Cubatão - SP por meio da integração de dados sociodemográficos e ambientais em escala intraurbana. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 30, n. 2, p. 349-366, jul./dez. 2013.).

Agradecimentos

O presente artigo é parte das atividades do projeto temático, em andamento, “Governança ambiental na Macrometrópole Paulista, face à variabilidade climática”, processo nº 2015/03804-9, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e vinculado ao Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.

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  • 1
    - As listas completas dos municípios que compõem as regiões metropolitanas de São Paulo, Baixada Santista e Campinas estão respectivamente nos seguintes links: https://emplasa.sp.gov.br/RMSP, https://emplasa.sp.gov.br/RMBS e https://emplasa.sp.gov.br/RMC.
  • 2
    - http://www.cprm.gov.br/publique/Gestao-Territorial/Prevencao-de-Desastres/Cartas-de-Suscetibilidade-a-Movimentos-Gravitacionais-de-Massa-e-Inundacoes---Sao-Paulo-5088.html
  • 3
    - Em 2010, o valor do salário mínimo era de 510 reais.
  • Errata

    No artigo Socio-environmental vulnerability in the São Paulo Macro-metropolis’ three main metropolitan regions: a socio-environmental indicators analysis indicators analysis, com número de DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1809-4422asoc20200030r2vu2021L1AO, publicado no periódico Revista Ambiente & Sociedade, Vol 24, na página 01:
    Onde se lia:
    Socio-environmental vulnerability in the São Paulo Macro-metropolis’ three main metropolitan regions: a socio-environmental indicators analysis indicators analysis
    Leia-se:
    Socio-environmental vulnerability in the São Paulo Macro-metropolis’ three main metropolitan regions: a socio-environmental indicators analysis

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2020
  • Aceito
    25 Out 2020
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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