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Nos limites da sustentabilidade: a responsabilidade estendida do produtor na gestão de embalagens de agroquímicos

Resumo

O estudo analisou as limitações na promoção da sustentabilidade no recolhimento de embalagens vazias de agroquímicos. Para tanto, utilizou-se como suporte o Sistema Campo Limpo, dados do inpEV, IBGE, IBAMA e referências bibliográficas. Os resultados apontaram que a coleta de sobras de defensivos agrícolas favorece os grandes produtores rurais, a maioria vinculados à sojicultura, enquanto pequenos produtores se situam marginalizados nessa rede. Embora tal foco permita altas taxas de coleta, os efeitos na agricultura familiar representam uma deficiência importante. Por um lado, take-backs de embalagens de agroquímicos são cruciais para a gestão adequada de resíduos, por outro lado, eles podem institucionalizar o uso de agroquímicos e legitimar a sua crescente aplicação. Consequentemente, sustentabilidade na produção de alimentos é um assunto complexo e multidimensional, e exige um esforço conjunto entre a sociedade civil, poder público e produtores.

Palavras-chave:
Responsabilidade estendida do produtor; logística reversa; inPEV

Abstract

The study discusses the limitations of take-back schemes for agrochemical packaging in promoting sustainability. Through the case of inPEV and the Campo Limpo System, the analysis focused on data from IBGE, IBAMA, and secondary sources. Results show that the system’s organization favors large agricultural producers, particularly in the soybean chain, while small producers are marginalized. Although this strategy allows for high rates of collection, a crucial shortcoming refers to environment and health related effects on family farms. This is embodied in the dilemma that take-back schemes for agrochemical packaging are necessary in terms of adequate waste management, but can create conditions that institutionalize the use of agrochemicals and legitimize their increasing application. Consequently, sustainability in food production systems is a complex and multidimensional affair, which require coordinated effort of civil society, public authorities, and producers.

Keywords:
Extended producer responsibility; reverse logistics; inPEV

Resumen

Este estudio analiza las limitaciones de los esquemas de recuperación de envases de agroquímicos para promover la sostenibilidad. A través del caso de inPEV y Sistema Campo Limpo, este estudio concentrarse endatos del IBGE, IBAMA y fuentes secundarias. Los resultados muestran que la organización del sistema favorece a los grandes productores rurales, particularmente en la cadena de la soya, mientras que los pequeños productores son marginados. Si bien este resultado permite altas tasas de recolección, también presenta limitaciones relacionadas con efectos sobre las explotaciones familiares. De este modo los esquemas de recuperación de envases de agroquímicos son necesarios en términos del manejo adecuado de los desechos, pero pueden crear condiciones que institucionalicen el uso de agroquímicos y legitimen un uso más frecuente. En consecuencia, la sostenibilidad de producción de alimentos es un asunto complejo y multidimensional, el cual requiere esfuerzos coordinados de la sociedad, las autoridades y los productores.

Palabras-clave:
Responsabilidad ampliada del produtor; logística inversa; inpEV

Introdução

No sentido de promover o desenvolvimento sustentável (MENG et al., 2020MENG, X. et al. Fuzzy Min-Max neural network with Fuzzy Lattice Inclusion measure for agricultural circular economy region division in Heilongjiang province in China. IEEE Access, v. 8, p. 36120-36130, 2020.) por meio de serviços socialmente inclusivos e ambientalmente protetivos (LI; WESTLUND; LIU, 2019LI, Y.; WESTLUND, H.; LIU, Y. Why some rural areas decline while some others not: An overview of rural evolution in the world. Journal of Rural Studies, v. 68, p. 135-143, maio 2019.; OLIVEIRA; RODRIGUES, 2021RODRIGUES, M. A.; LOPES, J. B.; SILVA, E. A. Management of agricultural pesticide packaging in the Piauí Cerrado. Ambiente & Sociedade, v. 24, 2021.), governantes ao redor do mundo se engajaram na criação de políticas pautadas na ideia de Responsabilidade Estendida do Produtor (EPR no acrônimo em inglês). Esse instrumento atribui aos fabricantes a obrigatoriedade em gerenciar os seus produtos até o fim de suas vidas úteis, especialmente o descarte (LIFSET et al., 2013LIFSET, R.; ATASU, A.; TOJO, N. Extended Producer Responsibility. Journal of Industrial Ecologic, v. 17, n. 2, p. 162-166, 2013.; LIFSET; LINDHQVIST, 2008; LINDHQVIST; LIDGREN, 1991; OECD, 2001). Dentre as diversas maneiras de implementá-las, destacam-se os sistemas de logística reversa conhecidos como take-back (OECD, 2001). Na medida em que se utilizam os materiais coletados para a fabricação de novos itens, gera-se um ciclo que remete à economia circular (KIRCHHER et al., 2017KIRCHHER, J.; REIKE, D.; HEKKERT, M. Conceptualizing the circular economy: An analysis of 114 definitions. Resources, Conservation and Recycling, v. 127, p. 221-232, 2017.). Na Europa, em especial na Escandinávia, há casos bem-sucedidos de EPRs efetivados por meio do retorno das sobras descartadas (JØRGENSEN, 2011JØRGENSEN, F. A. Making a green machine: The infraestucure of bevareg container recycling. New Brunswick: Rutgers University Press, 2011.; LIFSET et al., 2013; MILJØDIREKTORATET, 2021; NOGUEIRA et al., 2022NOGUEIRA, L. A. et al. What would it take to establish a take-back scheme for fishing gear? Insights from a comparative analysis of fishing gear and beverage containers. Journal of Industrial Ecology, 2022).

Nas áreas agrícolas, o Brasil é uma referência em take-back através do Sistema Campo Limpo, que reporta uma taxa de coleta ao redor de 90% por ano (INPEV, 2019LI, Y.; WESTLUND, H.; LIU, Y. Why some rural areas decline while some others not: An overview of rural evolution in the world. Journal of Rural Studies, v. 68, p. 135-143, maio 2019.). Trata-se de um serviço sem fins lucrativos, criado a partir de uma obrigação imposta pela Lei nº 9.074/2000, que controla o destino das Embalagens Vazias de Agroquímicos (EVAs) no território brasileiro, e reconhecido mundialmente (MARNASIDIS et al., 2018MARNASIDIS, S. et al. Assessment of the generation of empty pesticide containers in agricultural areas. Journal of Environmental Management, v. 224, p. 37-48, out. 2018.). Sua direção está sob o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), sediado na cidade de São Paulo - SP e com representações em todas as Unidades da Federação. Detrás de tamanho esforço estão os seus principais fornecedores de agroquímicos (Basf, Bayer e Dow Chemicals, por exemplo) e instituições atuantes no Congresso Nacional com destaque à Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (Cna). Essas organizações são membros efetivos ou conselheiros do inpEV.

Enquanto o estabelecimento do sistema representa uma exigência para os fabricantes de defensivos agrícolas, a aderência é também uma obrigação por parte dos agricultores. Entretanto, inexistem mecanismos de compliance além da Lei 9.074/2000, cujo descumprimento acarreta multas, proibição em adquirir novos defensivos agrícolas e até prisão. Cabe às autoridades públicas fiscalizarem a devolução correta das EVAs para os locais habilitados, tarefa complexa devida às dimensões continentais do Brasil e a sua infraestrutura deficiente em certas áreas rurais. Assim sendo, apesar de a devolução ser compulsória, fazem-se necessárias medidas para estimular a coleta.

Uma das principais críticas ao Sistema Campo Limpo se baseia em um suporte técnico deficiente para o manejo e descarte correto das EVAs (MARQUES et al., 2019MARQUES, M. D.; BRAGA JUNIOR, S. S.; FORTI, J. C. The pesticides law under the optics of rural producers. Interações (Campo Grande), v. 20, n. 2, 5 jul. 2019.; MELLO; SCAPINI, 2016MELLO, M. F.; SCAPINI, R. Reverse logistics of agrochemical pesticide packaging and the impacts to the environment. Brazilian Journal of Operations & Production Management, v. 13, p. 110-117, 2016.; NOGUEIRA; DANTAS, 2013NOGUEIRA, V. B. M.; DANTAS, R. T. Gestão ambiental de embalagens vazias de agrotóxicos. Tema, v. 14, n. 20, 2013.; RODRIGUES et al., 2021RODRIGUES, M. A.; LOPES, J. B.; SILVA, E. A. Management of agricultural pesticide packaging in the Piauí Cerrado. Ambiente & Sociedade, v. 24, 2021.). Uma vez que tanto a diminuição do impacto ambiental quanto a qualidade operacional dependem de um rigoroso procedimento de limpeza das embalagens rígidas antes do retorno, a sua disposição final é de suma importância (PICUNO et al., 2020PICUNO, C. et al. Decontamination and recycling of agrochemical plastic packaging waste. Journal of Hazardous Materials, v. 381, jan. 2020.). Espera-se que os agricultores sigam corretamente o processo da tripla lavagem, porém nem todos o fazem devidamente, seja pela inconveniência, ou por falta de informação que leva à conscientização (MARQUES et al., 2016; SANTOS et al., 2018SANTOS, R. R. D.; GUARNIERI, P.; BRISOLA, M. Logística reversa de resíduos das atividades agrossilvipastoris e agroindustriais: uma revisão sistemática da literatura. Revista em Agronegócio e Meio Ambiente, v. 11, n. 2, 29 jun. 2018.; SILVA et al., 2016SILVA, I. A. F. et al. Logística reversa e responsabilidade compartilhada: o caso das embalagens de agrotóxicos em Mato Grosso. Revista em Gestão, Inovação e Sustentabilidade, v. 2, n. 1, p. 156-174, jun. 2016.). Além do trabalho adicional, esses produtores não são remunerados pelo encargo, nem mesmo a recuperação de depósitos cauções, que em outros contextos representam um incentivo à coleta.

Ressalta-se a problemática entre os pequenos produtores rurais, que a cada ano aumentam a quantidade aplicada de defensivos agrícolas em suas lavouras (VALADARES et al., 2020VALADARES, A.; ALVES, F.; GALIZA, M. O crescimento do uso de agrotóxicos: uma análise descritiva dos resultados do Censo Agropecuário 2017. Disoc IPEA, n. 65, abr. 2020.). O excesso traz sérios riscos de intoxicação para as pessoas e para o meio ambiente por meio da contaminação do solo e das águas (GODECKE; TOLEDO, 2015GODECKE, M. V.; TOLEDO, E. R. M. DOS S. Logística reversa de embalagens de agrotóxicos: estudo do caso de Pelotas/RS. Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade, v. 9, n. 4, p. 220-242, 18 dez. 2015.; LAGARDA-LEYVA et al., 2019LAGARDA-LEYVA, E. A. et al. Managing plastic waste from agriculture through reverse logistics and dynamic modeling. Clean Technologies and Environmental Policy, v. 21, n. 7, p. 1415-1432, set. 2019.; PIGNATI et al., 2017PIGNATI, W. A. et al. Distribuição espacial do uso de agrotóxicos no Brasil: uma ferramenta para a Vigilância em Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 10, p. 3281-3293, out. 2017.), e o descarte inadequado das embalagens agrava esses danos.

A partir da perspectiva dos responsáveis pelo take-back, a limpeza inadequada das embalagens transforma-se em um grande prejuízo para o inpEV e o seus filiados, haja visto que ambos necessitam de uma matéria-prima de excelente qualidade para revender às recicladoras (RODRIGUES et al., 2018RODRIGUES, M. A.; LOPES, J. B.; SILVA, E. A. Logística reversa de embalagens de agrotóxicos. Revista Campo-Território, v. 13, n. 31, p. 280-302, 30 dez. 2018.; YANAGIHARA; BRAGAGNOLO, 2018YANAGIHARA, D.; BRAGAGNOLO, C. Custo-benefício da logística reversa de embalagens vazias de agroquímicos no Brasil. Revista IPecege, v. 4, n. 2, p. 16-24, 4 jun. 2018.) e assim, cobrirem os seus elevados custos, dado que a logística reversa é complexa e engloba todas as regiões brasileiras.

Os pilares do recolhimento das EVAs são as centrais, postos e coletas itinerantes (GODECKE; TOLEDO, 2015GODECKE, M. V.; TOLEDO, E. R. M. DOS S. Logística reversa de embalagens de agrotóxicos: estudo do caso de Pelotas/RS. Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade, v. 9, n. 4, p. 220-242, 18 dez. 2015.; RODRIGUES et al., 2021RODRIGUES, M. A.; LOPES, J. B.; SILVA, E. A. Management of agricultural pesticide packaging in the Piauí Cerrado. Ambiente & Sociedade, v. 24, 2021.; WANDSCHEER; CARVALHO, 2016WANDSCHEER, B. D.; CARVALHO, T. M. O estudo da logística reversa das embalagens de produtos agrotóxicos na região de Juína/MT. Revista Científica da Ajes, v. 5, n. 11, 2016.). As sobras consideradas impróprias para reciclagem são transferidas às incineradoras cujo serviço é pago pelo inpEV. O Sistema Campo Limpo incentiva a entrada dos agricultores nessa dinâmica organizando eventos conhecidos como “Dia de Campo”, quando se compartilham práticas e informações dentro dos estabelecimentos agropecuários. Um outro dispositivo são as coletas itinerantes. De natureza temporária, focalizam-se nas regiões com infraestrutura deficitária onde convivem moradores do campo desprovidos de outros meios para devolver as EVAs. Após alguns dias de atendimento, o material recolhido destina-se para os pontos autorizados pelos inpEV, a partir de onde terão um término apropriado.

Esta pesquisa explora a relação entre o volume vendido e recuperado em diferentes Unidades da Federação (UFs), seus perfis agrícolas e a distribuição das redes de coleta do Sistema Campo Limpo. Utilizando-se de dados secundários e referências bibliográficas, apura-se em qual ponto a introdução de políticas de EPR passa a ser um fator limitador para o cumprimento de objetivos sustentáveis mais abrangentes. Enquanto a maioria dos trabalhos anteriores sobre o inpEV e o Sistema Campo Limpo são estudos de casos com foco gerencial (SANTOS et al., 2018SANTOS, R. R. D.; GUARNIERI, P.; BRISOLA, M. Logística reversa de resíduos das atividades agrossilvipastoris e agroindustriais: uma revisão sistemática da literatura. Revista em Agronegócio e Meio Ambiente, v. 11, n. 2, 29 jun. 2018.), esta investigação almeja à obtenção de uma percepção compreensiva sobre esse serviço que se encontra consolidado no Brasil.

Após a introdução do artigo, segue-se a discussão expondo os materiais e métodos utilizados na análise. Em seguida, apresenta-se os resultados da pesquisa e realiza-se uma discussão com base em tais observações. Finaliza-se o trabalho com a conclusão, referências e anexos.

Materiais e Métodos

Banco de dados

A análise, de vertente exploratória e descritiva, apoia-se em dados secundários fornecidos pelos órgãos competentes como medida para averiguar a responsabilidade do agricultor no Sistema Campo Limpo, um take-back encarregado pelo recolhimento de embalagens vazias de agroquímicos no Brasil. Inicialmente, determinou-se que a estrutura fundiária e produtiva brasileira têm características heterogêneas, apesar da expansão sojícola nas últimas três décadas ter trazido uma aparente homogeneidade espacial no Brasil (OLIVEIRA; RODRIGUES, 2018RODRIGUES, M. A.; LOPES, J. B.; SILVA, E. A. Logística reversa de embalagens de agrotóxicos. Revista Campo-Território, v. 13, n. 31, p. 280-302, 30 dez. 2018., 2020, 2021). Para ilustrar esse quadro, utilizaram-se os dados provenientes do Censo Agropecuário 2017 realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ainda que prevaleça a diversidade agrícola, o recente avanço do uso de agroquímicos uniformizou o manejo das lavouras, inclusive nas propriedades de base familiar (VALADARES et al., 2020VALADARES, A.; ALVES, F.; GALIZA, M. O crescimento do uso de agrotóxicos: uma análise descritiva dos resultados do Censo Agropecuário 2017. Disoc IPEA, n. 65, abr. 2020.). Em compensação, é difícil de se estabelecer uma série histórica confiável sobre o seu consumo. Apenas em 2006 o Censo Agropecuário preocupou-se em obter e detalhar tais informações. No Censo Agropecuário de 2017, essa diligência se transformou em uma questão genérica sem profundidade elucidativa.

A complexidade aumenta quando se busca dados sobre o nível de recolhimento das embalagens vazias de agroquímicos. O próprio inpEV reconhece a dificuldade em estimá-los, mesmo afirmando que esse percentual é de 90% a 92% por ano (INPEV, 2019). Os fatores que justificam esse cenário relacionam-se com a demora no uso do produto. Há casos que os compostos químicos são aplicados nas plantações somente no ano seguinte à compra, ou até em mais tempo, violando o período de devolução das EVAs, que é de 365 dias após a compra (GODECKE; TOLEDO, 2015GODECKE, M. V.; TOLEDO, E. R. M. DOS S. Logística reversa de embalagens de agrotóxicos: estudo do caso de Pelotas/RS. Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade, v. 9, n. 4, p. 220-242, 18 dez. 2015.). Além disso, os usos de mercadorias ilegais, falsificados e contrabandeados estão estimados em uma faixa entre 20 e 25% do volume total aplicado nas lavouras do Brasil (INPEV, 2019).

Neste contexto, o número de embalagens vazias disponibilizados pelo inpEV em seus relatórios de sustentabilidade são insuficientes para compreender o Sistema Campo Limpo pelo prisma da sustentabilidade. Para tanto, empregou-se a quantidade de defensivos comercializados anualmente em cada Unidade da Federação, fornecido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA) na análise. Contudo, o seu banco de dados possui uma irregularidade histórica, e assim, utilizou-se somente o que se refere a 2017, o ano do último Censo Agropecuário. Nesse procedimento, a exclusão do Acre (AC), Amazonas (AM), Amapá (AP), Ceará (CE), Distrito Federal (DF) e Paraíba (PB) se tornou necessária, uma vez que os seus postos de coleta iniciaram as operações somente após o ano de 2017.

Isto posto, trabalhou-se com as seguintes fontes de dados: Censo Agropecuário do IBGE (informações agrícolas), Relatório de Sustentabilidade do inpEV (volume recolhido de EVAs) e o Banco de Dados Ambientais do IBAMA (comércio de agroquímicos).

Seleção das variáveis e a estratégia empírica

A estratégia empírica da pesquisa seguiu três etapas, ilustradas a seguir:

Figura 1
Esquematização da estratégia empírica

O inpEV fornece a taxa de recolhimento das embalagens vazias de agroquímicos somente em nível nacional. Para mensurá-la na esfera estadual, pressupõe-se que existe uma relação direta entre o volume comercializado (dados oriundos do IBAMA) e o recuperado (dados oriundos do inpEV). A limitação desse procedimento, além de ignorar o problema da devolução após mais de um ano da aquisição e do contrabando, é que a quantidade vendida de agroquímicos está em ingrediente ativo (IA), tornando-se complexa a tarefa de separar o que é consumido do que é descartado após a sua utilização. O inpEV, por outro lado, informa em toneladas (t), isto é, somente a embalagem vazia que foi ou para a reciclagem, ou para a incineração. Ademais, a irregularidade do banco de dados dessas fontes impossibilita uma análise por ciclo de tempo. Em consequência disso, foca-se no ano de 2017, quando as informações estão completas.

Além da restrição indicada, nem todas as Unidades da Federação estarão sob investigação. Com a exclusão prévia do Acre (AC), Amazonas (AM), Amapá (AP), Ceará (CE), Distrito Federal (DF) e Paraíba (PB), a amostra se tornou ainda menor, sendo inadequada para uma análise estatística mais robusta. Por outra via, há maneiras de compensar a ausência de informações que resulta em viés. Uma forma é o delineamento da extensão dessas perdas. Inicialmente, denotou-se por meio do histograma o elevado nível de dispersão dos dados. Esses “extremos”, também intitulados de outliers ou pontos fora da curva (POHLMAN, 2007POHLMAN, M. C. Análise de conglomerados. Em: CORRAR, L. J.; PAULO, E.; DIAS FILHO, J. M. (Eds.). Análise multivariada: para os cursos de administração, ciências contábeis e economia. São Paulo: Atlas, 2007.), necessitam de uma abordagem singular.

Em vista disso, transforma-se os dados seguindo a média e o desvio padrão da amostra em cada parâmetro como forma de melhorar a correlação entre as variáveis, além de preservar a natureza da sua distribuição. Esse método permite uma visualização compreensível dos números através de gráficos e induzindo a uma apuração comparativa entre essas duas variáveis. Caso ocorra uma discrepância de performance, afere-se que a UF em questão apresentou baixo nível de eficiência no recolhimento das EVAs.

No intuito de mensurar tais correlações, utilizou-se de uma regressão linear. Pressupõe que essas diferenciações de cobertura se relacionam com a estrutura agrícola. Todavia, o número de variáveis que retratam essa produção no Brasil, conforme demonstrou o banco de dados do Censo Agropecuário, é vasto. Desse modo, selecionou-se quais delas se relacionam com a pesquisa. No primeiro momento, concentrou-se a em um número restrito de culturas. Nesse caso, embora o fumo, cítricos, algodão e tomate sejam os principais demandadores de agroquímicos (PIGNATI et al., 2017PIGNATI, W. A. et al. Distribuição espacial do uso de agrotóxicos no Brasil: uma ferramenta para a Vigilância em Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 10, p. 3281-3293, out. 2017.), a soja, por causa do seu elevado nível de difusão no território nacional e a sua forte vinculação aos grandes agricultores, tornando-se um dos pilares do agronegócio globalizado (OLIVEIRA; RODRIGUES, 2020OLIVEIRA, T. J. A.; RODRIGUES, W. A difusão do agronegócio nos cerrados do centro norte brasileiro e nas áreas irrigadas da caatinga nordestina. Revista em Agronegócio e Meio Ambiente, v. 13, n. 2, p. 525-546, 11 abr. 2020., 2019), tem uma participação maior no Sistema Campo Limpo do que as demais lavouras.

No interior brasileiro, a maioria das regiões sojícolas realizam a segunda safra ou safra de verão, que consiste na semeadura do milho, girassol ou sorgo após a colheita da oleaginosa. Por conseguinte, insere-se na análise essas produções. Além disso, diante da sua importância na balança comercial, incorpora-se a cana-de-açúcar, o café e as frutas cítricas, intensas no emprego de defensivos, porém concentrada em certas áreas do país (OLIVEIRA; RODRIGUES, 2019LI, Y.; WESTLUND, H.; LIU, Y. Why some rural areas decline while some others not: An overview of rural evolution in the world. Journal of Rural Studies, v. 68, p. 135-143, maio 2019.). As demais, de alguma relevância econômica, agruparam-se em “Outros” (Tabela 1).

Tabela 1
Variáveis sobre a produção agrícola e discriminada por grupos de produtores

Como forma de capturar as diferenças agrícolas entre os produtores rurais no Brasil, elegeu-se dois grupos de consumidores: os donos de terras acima de 50 hectares (principais usuários), e os agricultores de base familiar (usuários secundários). Divide-se cada classe seguindo o seu contexto produtivo (Tabela 1). Em “agricultores familiares”, e incluiu-se a opção “Vegetais”, “Frutas” e “Outros”.

Por fim, complementa-se a análise utilizando-se de variáveis que retratam as condições econômicas dos trabalhadores do campo fornecidos pelos IBGE. Recorda-se que, a priori, o Sistema Campo Limpo ampara-se em agricultores com melhores condições financeiras como maneira de minimizar os seus custos de funcionamento. Desse modo, o Gini é uma ótima ferramenta ao capturar a concentração de terra em cada UF. Quanto mais próximo de 1, maior o nível de acumulação. Elabora-se faixas organizando-as de acordo com o tamanho das propriedades rurais: muito pequeno (abaixo de 1 ha), pequeno (1 ha ~ 10 ha), pequeno-médio (10 ha ~ 50 ha), médio (50 ha ~100 ha), médio-grande (100 ha ~ 500 ha), grande (500 ha ~ 1.000 ha) e muito grande (acima de 1.000 ha).

Além da questão fundiária, detecta-se o nível de renda, de interação com redes comerciais e industriais, dado que tais condicionantes são catalizadores para que os produtores rurais apliquem cada vez mais agroquímicos em suas lavouras (SANTOS et al., 2019SANTOS, C. C. A.; CASTRO, M. D.; LIMA, L. F. Centralidade e densidade em uma rede de logística reversa de embalagens de defensivos agrícolas. Revista Alcance, v. 26, n. 2, p. 212, 23 set. 2019.).

Resultados

Embora o Sistema Campo Limpo ofereça facilidades para os produtores rurais, evidências sugerem que os maiores consumidores de agroquímicos têm a preferência nessa estrutura (Figura 2). Ao atendê-los, o serviço consegue obter maior eficiência, uma vez que tal abordagem permite uma alta taxa de coleta a um custo otimizado, dado que esse grupo tende a concentrar-se geograficamente no Brasil. A prerrogativa se torna visível quando se analisa o estado do Mato Grosso (MT), o principal demandador de agroquímicos entre as UFs, alcançando o valor de 11,1 toneladas de EVAs recolhidas (INPEV, 2019), ao passo que o segundo (Paraná-PR) e o terceiro (São Paulo - SP) estão distantes de MT.

Figura 2
Relação entre o volume comercializado (IBAMA) e o recuperado (inpEV) nas UFs do Brasil (2017)

Na Figura 2, atenta-se aos pontos que correspondem o Rio Grande do Sul (RS) e São Paulo (SP), localizados abaixo da reta de regressão. Ambos possuem um relevante número de postos e centrais gerenciados pelo inpEV e parceiros, porém a parcela recuperada de embalagens vazias está em um nível baixo quando se compara com o consumido. No quadrante inferior, denotou-se que o Pará (PA) tem uma restrita taxa de vendas e de embalagens resgatado pelo Sistema Campo Limpo.

As constatações retiradas da Figura 2 apontam para a existência de diferenciações regionais no que tange ao nível de cobertura do serviço ambiental. Há UFs com forte correlação entre o volume vendido e o recuperado (especialmente MT), outros apontando discrepância entre os valores (RS e SP), e os demais tendo uma fraca aderência, com destaque para o Pará (PA). A presença de pontos fora da curva (MT, RS, SP e PA) condiciona para a segunda etapa, que é a análise das suas estruturas agrícolas.

Entre os outliers, Mato Grosso apresentou a maior quantidade de área plantada pelos proprietários de terra acima de 50 hectares para as culturas de soja (o dobro do segundo colocado, RS) e de igual modo, para a segunda safra ou safra de verão. No entanto, para as outras classes, MT possui limitada relevância, especialmente referente às produções vindas da agricultura familiar. A estrutura fundiária mato-grossense é marcada pela participação significativa de latifúndios com vastas áreas utilizadas para o plantio da soja, o que é um diferencial para que o estado abasteça as recicladoras com elevada quantidade de matéria-prima submetida à tripla-lavagem.

A existência de centralidade urbana (Rondonópolis-MT e Sorriso-MT) relacionada à compra de insumos agrícolas (IBGE, 2020) e a instalação de uma recicladora de EVAs em Cuiabá-MT também colaboraram para que a UF se torne referência nesse serviço (SILVA et al., 2016SILVA, I. A. F. et al. Logística reversa e responsabilidade compartilhada: o caso das embalagens de agrotóxicos em Mato Grosso. Revista em Gestão, Inovação e Sustentabilidade, v. 2, n. 1, p. 156-174, jun. 2016.). Encontra-se um cenário diferente no Rio Grande do Sul, onde os agricultores familiares possuem bastante representatividade na base agrícola estadual, especialmente em “Grãos e Sementes”. Em São Paulo, cana-de-açúcar, café e cítricos são as lavouras dominantes em suas grandes propriedades. Por fim, a área plantada no Pará situa-se em um patamar abaixo das demais UFs (Tabela 2).

Tabela 2
Área de produção agrícola e a sua relação com os grupos de produtores rurais (em 1.000 ha)

Ressalta-se que o Rio Grande do Sul possui uma considerável força em “Outros”. Nessa classe, a rizicultura é o “carro-chefe” no estado, enquanto na agricultura familiar, a soja é a principal produção em “Grãos e Sementes”. Constatou--se que a estrutura produtiva nesse estado é diversificada, onde pequenos e grandes produtores rurais compartilham o mesmo espaço. Tanto que o seu Gini é baixo (0.427), indicando a existência de uma melhor distribuição fundiária do que o Mato Grosso (0.747). No MT, além da concentração de terra, a renda proveniente do campo é bastante elevada.

Em contrapartida, a fraca presença de redes comerciais e industriais no território mato-grossense indicam que a maior parte dos ganhos financeiros advém das exportações in natura de grãos, comprovando-se a sua forte relação com o agronegócio globalizado. Por fim, São Paulo e Pará possuem uma estrutura fundiária similar, porém com diferenças significativas no que condiz a renda e a inclusão dos seus agricultores em redes industriais (Tabela 3).

Tabela 3
Análise das variáveis complementares

Em vista de tais resultados, propõe-se que o fator determinante para a eficiência do Sistema Campo Limpo se relaciona com a sua aproximação com os grandes produtores rurais do Brasil, sendo que uma considerável parte deles residem no estado do Mato Grosso. No Rio Grande do Sul, embora haja uma quantidade significativa de unidades autorizados do inpEV, a sua estrutura rural heterogênea, de forte atuação da agricultura familiar, limita a sua participação no take-back. A restrita relevância do Pará no cenário agrícola nacional, em termos financeiros, torna-se a sua participação no projeto quase insignificante. Por último, a argumentação sobre São Paulo demanda maiores estudos, porém pesquisas correlatas sugerem que a sua limitação no arranjo se encontra na escala local (MARQUES et al., 2016MARQUES, M. D.; VIEIRA, S. C.; BRAGA JUNIOR, S. S. B. A logística reversa de embalagens vazias de agrotóxicos junto a produtores rurais do interior do Estado de São Paulo. Fórum Ambiental da Alta Paulista, v. 12, n. 3, p. 1-13, 2016., 2019).

A partir dos resultados apresentados, discute-se sobre os limites desse serviço ambiental no cumprimento dos seus compromissos instituídos pela Lei nº 9.074/2000.

Discussões

Além dos conhecidos impactos ambientais e sociais negativos, as EVAs também geram efeitos econômicos danosos como a elevação dos custos operacionais do sistema de recolhimento das sobras sem a limpeza adequada (YANAGIHARA; BRAGAGNOLO, 2018YANAGIHARA, D.; BRAGAGNOLO, C. Custo-benefício da logística reversa de embalagens vazias de agroquímicos no Brasil. Revista IPecege, v. 4, n. 2, p. 16-24, 4 jun. 2018.). Essa pesquisa demonstra que há uma forte correlação entre o retorno de EVAs e UFs com perfil agrícola caracterizado por grandes propriedades sojícolas, do que com regiões onde predominam plantios com uma utilização mais intensiva de defensivos agrícolas.

Neste sentido, apesar dos seguidos esforços em ampliar a cobertura de atendimento, o Sistema Campo Limpo escora-se nos grandes agricultores, que são mais informados, capitalizados e pressionados pela fiscalização (OLIVEIRA et al., 2020OLIVEIRA, T. J. A.; RODRIGUES, W. A difusão do agronegócio nos cerrados do centro norte brasileiro e nas áreas irrigadas da caatinga nordestina. Revista em Agronegócio e Meio Ambiente, v. 13, n. 2, p. 525-546, 11 abr. 2020.). Desta forma, minimiza-se a atuação restrita dos pequenos produtores uma vez que ao servir os maiores proprietários de terras do país, pode-se manter elevada a taxa de retorno de EVAs recolhidas. Em compensação, há o risco de que ao cumprir com a letra da lei, desviando-se de seu espírito e estruturas cujos propósitos ambientais foram outrora ambiciosos, podem se transformar em meras cumpridoras da legislação (SAVAGE et al., 2017SAVAGE, M.; DELGADO, L.; LINDBLOM, J. Implementation of waste electric and electronic equipment Directive in the EU 25. [s.l.] Publications Office, 2017.).

Por sua vez, a metodologia adotada impossibilita afirmar se a baixa aderência dos pequenos agricultores no Sistema Campo Limpo é resultado de exclusão ou de circunstâncias fora do alcance dos seus líderes. Salienta-se que o inpEV e associados organizam coletas itinerantes exclusivamente para facilitar a devolução das EVAs. Ademais, a fiscalização nas propriedades rurais está a cargo das autoridades competentes, e nem todas possuem um desempenho satisfatório (MARQUES et al., 2019MARQUES, M. D.; BRAGA JUNIOR, S. S.; FORTI, J. C. The pesticides law under the optics of rural producers. Interações (Campo Grande), v. 20, n. 2, 5 jul. 2019.). Por isso, em tempos de incentivo à entrada de defensivos agrícolas genéricos, flexibilização das leis ambientais e o aumento considerável do seu consumo nos estabelecimentos de base familiar (VALADARES et al., 2020VALADARES, A.; ALVES, F.; GALIZA, M. O crescimento do uso de agrotóxicos: uma análise descritiva dos resultados do Censo Agropecuário 2017. Disoc IPEA, n. 65, abr. 2020.), ocorre um certo descontrole na disposição adequada de tais embalagens. Esses episódios são perceptíveis quando se analisa o Rio Grande do Sul, estado marcado pelo elevado consumo de agroquímicos, inclusive contrabandeados dos países vizinhos (GODECKE; TOLEDO, 2015GODECKE, M. V.; TOLEDO, E. R. M. DOS S. Logística reversa de embalagens de agrotóxicos: estudo do caso de Pelotas/RS. Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade, v. 9, n. 4, p. 220-242, 18 dez. 2015.), independente do grupo de produtores rurais em análise.

Neste ponto, o Sistema Campo Limpo atingiu o limite de sua sustentabilidade. O serviço necessita de EVAs apropriadamente limpas para o seu funcionamento. Ao mesmo tempo, o recolhimento e até mesmo a reciclagem de embalagens vazias não conferem automaticamente o status de sustentabilidade ao uso de defensivos agrícolas, que são produtos que oferecem graves riscos à saúde pública e ao meio ambiente. Além disso, esse tipo de manejo de EVAs pode levar à institucionalização do uso de defensivos agrícolas e à legitimação de seu crescente uso. Intitula-se esse fenômeno de rebound effect, ou seja, ocorre quando iniciativas para a sustentabilidade acabam levando a um aumento na demanda total por determinados materiais, de forma que reciclagem de itens descartados são insuficientes para atender a expansão dessa demanda (ZINK; GEYER, 2017ZINK, T.; GEYER, R. Circular economy rebound. Journal of Industrial Ecology, v. 21, n. 3, p. 593-602, jun. 2017.). Essa situação acontece frequentemente nas take-backs eficientes que atendem uma grande demanda, cuja forte conexão entre os participantes criam custos de oportunidades (FIGGE; THORPE, 2019FIGGE, F.; THORPE, A. S. The symbiotic rebound effect in the circular economy. Ecological Economics, v. 163, p. 61-69, set. 2019.) e consequentemente, decisões germinadoras de vencedores e perdedores ao longo do processo (HOBSON, 2021HOBSON, K. The limits of the loops: critical environmental politics and the Circular Economy. Environmental Politics, v. 30, n. 1-2, p. 161-179, 23 fev. 2021.).

O nível de complexidade da agricultura brasileira, procurando ser cada vez mais competitivo no mercado internacional, colabora para que o rebound effect surja nesse meio. O seu domínio, inclusive no cenário político-institucional, inibe a formação de produções agrícolas que utilizam pouco ou nada de agroquímicos. Sem uma concorrência efetiva, que em médio ou longo prazo substituiria o modelo vigente, desincentiva os agricultores a abandonarem o uso massivo de agroquímicos. Diante disso, a expansão da rede de coleta do inpEV, de uma forma geral, teria somente um efeito marginal na promoção da sustentabilidade. Todavia, estados caracterizados pela recente expansão agrícola, como o Pará, o impacto inclina ao lado positivo.

De uma forma geral, tanto a legislação quanto a implementação prática de responsabilidade estendida do produtor exigem constantes readequações a fim de se adaptarem as novas conjunturas e desafios antes não conhecidos. Essa tarefa requer um sólido engajamento por parte dos formuladores de políticas públicas, empresas e sociedade civil.

Conclusões

A pesquisa demonstrou que o Sistema Campo Limpo, um serviço de tratamento das embalagens vazias de agrotóxicos, reconhecido internacionalmente, favorece os grandes produtores rurais do Brasil, cuja maioria são ativos participantes da cadeia global da sojicultura, e relatou sobre as implicações desse amparo no que tange a sustentabilidade dessa atividade. Ressaltou-se que a opção adotada pelo inpEV contorna o problema da participação deficitária de uma parcela de pequenos agricultores nesse contexto. Com isso, apesar das limitações no acesso ao banco de dados oficiais, as informações disponíveis em relatórios, assim como a estratégia empírica adotada, foram suficientes para discutir sobre o conceito “Responsabilidade Estendida do Produtor” como uma política ambiental.

Efetivada a delimitação do espectro de atuação do Sistema Campo Limpo, aprofundou-se o entendimento sobre essa temática. Esse projeto, complexo e de abrangência nacional, por uma questão de economicidade, deparou-se com um custo de oportunidade. Posto isto, priorizou-se os grandes produtores rurais, e haja visto a pujança do agronegócio brasileiro no contexto internacional, somado com o barateamento do preço dos agroquímicos devido a aprovação dos genéricos e a inexistência de um substituto eficiente, ecológico e saudável para esses compostos aplicados nas lavouras, concluiu-se que a opção adotada se propagará por longos períodos. Os pequenos agricultores, desprovidos de informações e suporte financeiro, permanecerão marginalizados nessa dinâmica.

Para os próximos estudos recomenda-se a aplicação do conceito de rebound effect como forma de compreender as limitações dos loops na mitigação da poluição e do desperdício. Essa ideia, embora seja bastante difundida na Europa, tem pouca utilização nos trabalhos acadêmicos brasileiros sobre take-backs. Um outro caminho seria analisar as soluções locais que destinam apropriadamente as EVAs sem contar com uma gestão centralizada. Existem trabalhos internacionais que seguem esse direcionamento (JIN et al., 2018JIN, S.; BLUEMLING, B.; MOL, A. P. J. Mitigating land pollution through pesticide packages - The case of a collection scheme in Rural China. Science of The Total Environment, v. 622-623, p. 502-509, maio 2018.; LAGARDA-LEYVA et al., 2019LAGARDA-LEYVA, E. A. et al. Managing plastic waste from agriculture through reverse logistics and dynamic modeling. Clean Technologies and Environmental Policy, v. 21, n. 7, p. 1415-1432, set. 2019.; MARNASIDIS et al., 2018MARNASIDIS, S. et al. Assessment of the generation of empty pesticide containers in agricultural areas. Journal of Environmental Management, v. 224, p. 37-48, out. 2018.) e possibilitam o seu uso como base para as futuras pesquisas nacionais.

Agradecimentos

Nossos sinceros agradecimentos ao Dr. Tadeu Fernando Nogueira e Dr. Stefan H. Dorner pelo excelente diálogo e valiosas sugestões durante a execução do estudo. Somos também gratos ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Tocantins pelo apoio inicial na nossa pesquisa. Por fim, fomos honrados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que financiaram parcialmente o estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2022
  • Aceito
    09 Fev 2023
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