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Convivencialidade e sustentabilidade: estudos de caso sobre a governança de recursos naturais no Brasil

Resumo

A natureza multiescalar da crise ambiental aglutina mecanismos científicos e políticos que convergem para um eixo discursivo comum: a sustentabilidade. Esse texto contrapõe sentidos vernáculos e modernos do comum, sugerindo retomar a convivencialidade como contraponto aos dilemas colocados por processos de hipermercantilização da natureza. Com base em trabalhos de campo, são descritos parâmetros de governança na produção de meliponíneos e da pesca manejada do pirarucu (Arapaima spp.) na região amazônica e do extrativismo do palmito juçara (Euterpe edulis) em porções da Mata Atlântica. Explorando comparativamente particularidades na governança desses recursos, objetiva-se evidenciar possibilidades e limitações à convivencialidade em seu regime de uso. Nos casos estudados, constata-se que a perspectiva convivencial tende a se limitar ao cooperativismo produtivista e conclui-se que retomada do sentido comunal como princípio de ação política pode oferecer horizontes mais amplos para a sustentabilidade dos regimes de governança.

Palavras-chave:
Convivencialidade; governança; hipermercantilização; recursos naturais; sustentabilidade

Abstract

The multiscale nature of the environmental crisis brings together scientific and political mechanisms that converge on a common discursive axis: sustainability. This text contrasts vernacular and modern meanings of the commons and suggests conviviality as a counterpoint to the dilemmas posed by nature’s hypercommodification. Based on fieldwork, it describes governance parameters in the meliponiculture chain and the fishery management of pirarucu (Arapaima spp.) in the Amazon and the palm heart harvesting (Euterpe edulis) in the Atlantic Forest areas. It explores particularities in these resources’ governance as it aims to highlight possibilities and limitations to conviviality provided by these activities. For the cases studied, the convivial perspective is limited to cooperativism directed by the market. Still, a communal sense taken back as a principle for political action can offer broader horizons for the sustainability of governance.

Keywords:
Conviviality; governance; hyper commodification; natural resources; sustainability

Resumen

La naturaleza multiescalar de la crisis ambiental reúne mecanismos científicos y políticos que convergen en un discurso común: la sustentabilidad. Este texto contrasta los significados vernáculos y modernos del común, sugiriendo retomar la convivialidad como contrapunto a dilemas que plantean a hiper mercantilización de la naturaleza. Con base en trabajos de campo, se describen parámetros de gobernanza en la producción de meliponinas y en la pesquería manejada de pirarucú (Arapaima spp.) en la región amazónica y de la extracción de palma juçara (Euterpe. edulis) en la floresta atlántica. Al explorar particularidades en la gobernanza de estos recursos, el objetivo es evidenciar posibilidades y limitaciones a la convivencialidad en su uso. En los casos estudiados, la perspectiva convivencial tiende a limitarse al cooperativismo productivista y se concluye que la reanudación del sentido comunal como principio de acción política puede ofrecer horizontes más amplios para la sostenibilidad de la gobernanza.

Palabras-clave:
Convivialidad; gobernanza; hiper mercantilización; recursos naturales; sustentabilidad

Introdução

A natureza multiescalar da crise ambiental confronta os setores científicos e político-institucionais da agenda global contemporânea (EDGELL, 2022EDGELL, R.A. Grand challenges: the theoretics of discursive engagement, socio-temporal dilemmas and impact. Academia Letters, v. 5164, 2022.). Enquanto os primeiros requerem continuamente novas epistemologias e evidências em torno da sustentabilidade, os últimos explicitam urgências acerca das melhores práticas na governança de recursos (BAILEY; CAPROTTI, 2014BAILEY, I; CAPROTTI, F. The green economy: functional domains and theretical directions of enquiry. Environment and Planning A, Economy and Space, v.46, n.8, p. 1797-1813, 2014.). Em uma escala ampla, saberes a-institucionais reaparecem atravessando as relações políticas e científicas que conformam essa agenda e facultam inscrever a sustentabilidade como um repertório híbrido de respostas à crise ambiental (ANTUSCH, 2022ANTUSCH, S. Academics versus the climate crisis. Nat Hum Behav, n.6, p.1448-1449, 2022.). Em particular, a sustentabilidade tem guarnecido discussões sobre a valoração econômica de recursos, que não são produzidos pela atividade humana ou completamente contabilizados pela economia (KOPNINA, 2017KOPNINA, H. Commodification of natural resources and forest ecosystem services: examining implications for forest protection. Environmental Conservation, v. 44, n. 1, p. 24-33, 2017.). No bojo do discurso ambiental contemporâneo, a linguagem econômica tem consolidado elementos operativos da sustentabilidade que concebem a natureza como conjunto de recursos potencialmente apropriados pelo mercado (HAJER, 1995HAJER, M. The politics of environmental discourse: ecological modernization and the policy process. Gloucestershire: Clarendon Press, 1995.).

Inicialmente, problematizamos a economização da agenda política e científica da sustentabilidade (BENETT et al., 2018) e revisitamos o dilema dos comuns (HARDIN, 1968HARDIN, G. Tragedy of the Commons. Science, v. 162, n. 3859, p. 1243-1248, 1968.), a partir do confrontamento de suas acepções vernácula e moderna (ESTEVA, 2018ESTEVA, G. Autonomía en América Latina. In: D’ALISA, D. Descrecimiento. México: Icaria editorial y Fundación Heinrich Böll, p.317-321, 2018.; DARDOT, LAVAL, 2017DARDOT, P; LAVAL, C. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2017.; HARVEY, 2014HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.). São debatidos parâmetros de governança de recursos comuns (OSTROM, 1990OSTROM E. Governing the Commons. The Evolution of Institutions for Collective Action. Cambridge University Press: New York. 1990.) e suas interfaces com princípios de convivencialidade (ILLICH, 1976ILLICH, I. A convivencialidade. Lisboa: Publicações Europa-América, 1976.). Para tanto, a governança é perspectivada a partir de dimensões que conformam sua diversidade, qualidade e vitalidade (BORRINI; HILL, 2015BORRINI G; HILL, R. Governance for the conservation of nature. In: WORBOYS, G.L; LOCKWOOD, M; KOTHARI, A; FEARY, S; PULSFORD, I. (org). Protected area governance and management. Canberra: ANU Press, p. 169-206, 2015.).

Em um segundo momento, são apresentadas experiências de apropriação de recursos naturais no Brasil, tomando como estudos de caso a governança de meliponíneos e da pesca manejada do pirarucu (Arapaima spp.) na região amazônica e do extrativismo do palmito juçara (Euterpe edulis) em porções da Mata Atlântica. São discutidas particularidades na governança desses recursos e objetiva-se apontar evidências de convivencialidade nesses regimes. A análise empírica pretende evidenciar como a apropriação da agenda científica e política da crise ambiental pela dimensão econômica tem concorrido para a emergência de supostas soluções assentadas na hipermercantilização da natureza (SOUZA SANTOS, 2002SOUZA SANTOS, B. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2002.). Argumenta-se que um retorno ao sentido de convivencialidade como princípio de ação política (DARDOT; LAVAL, 2017DARDOT, P; LAVAL, C. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2017.) permitiria pensar os contornos ontológicos da sustentabilidade como alternativa ao privatismo mercadológico (HARVEY, 2014HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.), que opera para reduzir os processos comunais à condição de recursos naturais (SULLIVAN, 2018SULLIVAN, S. Dissonant sustainabilities? Politicising and psychologizing antagonisms in the conservation-development nexus. Future Past Work Papers, v.5, p. 1-26, 2018.).

A sustentabilidade no contexto da hipermercantilização da natureza

A sustentabilidade pode ser concebida como uma matriz discursiva, aplicada a propósitos variados e que aciona vertentes de diferentes campos do saber (BIGGER; DEMPSEY, 2018BIGGER, P; DEMPSEY, J. Reflecting on neoliberal natures: an exchange. Environment and Planning E, p. 25-75, 2018.). Em que pese a natureza polissêmica da ideia de sustentabilidade e as fronteiras nem sempre bem definidas dos conceitos na área ambiental (JACOBI, 2006JACOBI, P.R. Racionalidade ambiental. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.), foram os aportes das ciências econômicas e ecológicas que ganharam relevo num campo que busca convergir narrativas e práticas de sustentabilidade. Esse campo articula artefatos científicos (teorias e categorias interdisciplinares) e propositividades políticas (respostas para problemas práticos), que possuem desdobramentos significativos para os dilemas socioambientais (SILVA JUNIOR, 2013SILVA JÚNIOR, R. D. A Sustentabilidade como híbrido: um olhar para artigos cientifico em ecologia, economia, sociologia e antropologia. 2013. 251p. Tese (Doutorado em Ambiente e Sociedade) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2013.). Na arena científica, a ideia de sustentabilidade foi cunhada no interior das chamadas hard sciences, em particular na teoria dos sistemas nos anos 1980; e incrementada pela tônica neoliberal nas décadas seguintes (BUSCHER et al., 2014BUSCHER, B; DRESSLER, W; FLETCHER, R. Nature Inc.: environmental conservation in the neoliberal age. The University of Arioza Press, 2014.). Desde então, categorias como ‘recursos’, ‘bens’ e ‘serviços’ - acompanhados pelos adjuntos ‘naturais’, ‘ambientais’ e ‘ecossistêmicos’ - têm sido amplamente adotados como elementos operacionais da sustentabilidade em um mundo de trocas globais (SULLIVAN, 2018SULLIVAN, S. Dissonant sustainabilities? Politicising and psychologizing antagonisms in the conservation-development nexus. Future Past Work Papers, v.5, p. 1-26, 2018.; BUSCHER et al., 2014).

Produto inacabado de um tipo tardio de modernidade, a ideia de sustentabilidade é atravessada por tensões entre cientificidades e políticas, nem sempre convergentes (ASIYANBI, 2018ASIYANBI, A.P. Financialization in the green economy: material connections, markets-in-the-making and Foucauldian organizing actions. Environment and Planning A, Economy and Space. v. 50, n. 3, p. 531-548, 2018.). Se foi a perplexidade gerada pela percepção de finitude dos recursos que concorreu para inserir a noção de uma crise ambiental - assumida como fato - no centro do debate público, científico e político (SACHS, 2002SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Editora Garamond, 2002.), foram as narrativas em torno da ideia de sustentabilidade que preconizaram a possibilidade de crescimento econômico sustentado a partir dos próprios mecanismos de mercado (LEFF, 2001LEFF, E. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis. Editoras vozes, 2001.) e resultaram no primado do poderio produtivo sobre a natureza (COLLARD; DEMPSEY, 2013COLLARD, R.C; DEMPSEY, J. Life for sale? The politics of lively commodities. Environment and Planning A, v.35, n.11, p. 2682-2699, 2013.).

Buscando alertar a sociedade sobre problemas da escassez, as ciências econômicas se insurgiram de forma exitosa e passaram a conceber a natureza como recurso, enfatizando seus atributos de uso - seja como bem ou serviço (SULLIVAN, 2018SULLIVAN, S. Dissonant sustainabilities? Politicising and psychologizing antagonisms in the conservation-development nexus. Future Past Work Papers, v.5, p. 1-26, 2018.; KOPNINA, 2017KOPNINA, H. Commodification of natural resources and forest ecosystem services: examining implications for forest protection. Environmental Conservation, v. 44, n. 1, p. 24-33, 2017.). A racionalidade econômica buscou solucionar um dilema gerado por ela mesma, a saber: conciliar um sistema linear (econômico) com um sistema cíclico (ecológico) (MARTINEZ-ALLIER, 2021MARTINEZ-ALLIER, J. The circularity gap and the growth of world movements for environmental justice. Academia Letters, p.2, 2021.). Como consequência, a ideia de sustentabilidade segue gravitando em torno dos refinamentos científicos que buscam identificar pontos críticos dos sistemas ecológicos (ROCKSTRÖM, 2009ROCKSTRÖM, J. et al. A safe operating space for humanity. Nature, v. 461, n. 7263, p. 472, 2009.) ou pontos ótimos na economia de uso de recursos chave para a humanidade (BUSCHER et al., 2014BUSCHER, B; DRESSLER, W; FLETCHER, R. Nature Inc.: environmental conservation in the neoliberal age. The University of Arioza Press, 2014.).

Nessa perspectiva, a noção de recurso natural remete a uma abstração de valor dos elementos não produzidos pelo humano, apontando para um processo de esvaziamento da materialidade inerente à noção de recurso. Em um contexto no qual a ideia de recurso natural foi deslocada da arena científica para a esfera política stricto sensu, a transformação de elementos da biodiversidade em componentes da cadeia produtiva requer mecanismos de valoração desses componentes (BUSCHER et al., 2014BUSCHER, B; DRESSLER, W; FLETCHER, R. Nature Inc.: environmental conservation in the neoliberal age. The University of Arioza Press, 2014.; HAHN et al., 2015HAHN, T; PINKSE, J; PREUSS, L; FIGGE, F. Tensions in corporate sustainability: towards an integrative framework. J. Bus. Ethics, v. 127, n. 2, p. 297-316, 2015.).

Embora os expedientes econômicos voltados aos recursos naturais ofereçam uma aparente alternativa ao desenvolvimentismo mais convencional, a mercantilização da natureza também gera novos dilemas, seja pela ótica social, política ou ecológica (SULLIVAN, 2018SULLIVAN, S. Dissonant sustainabilities? Politicising and psychologizing antagonisms in the conservation-development nexus. Future Past Work Papers, v.5, p. 1-26, 2018.), quando considerados os riscos em tratar a biodiversidade como componente do mercado e reduzir a governança dos recursos a um ato de livre escolha (COLLARD; DEMPSEY, 2013COLLARD, R.C; DEMPSEY, J. Life for sale? The politics of lively commodities. Environment and Planning A, v.35, n.11, p. 2682-2699, 2013.; VERSCHUUREN, 2019VERSCHUUREN, B. Changing concepts and values in Natural Heritage Conservation: a view through IUCN and UNESCO Policies. Values in Heritage Management: emerging approaches and research directions. Los Angeles: The Getty Conservation Institute, p. 140-156, 2019.). Perspectivas críticas à retórica econômica na agenda ambiental procuram argumentar que a base científica do conceito de ‘recurso’ advém da pretensão de transmitir uma mensagem coerente com a visão neoliberal da governança da natureza (CORALIE et al., 2015CORALIE, C; GUILLAUME, O; CLAUDE, N. Tracking the origins and development of biodiversity offsetting in academic research and its implications for conservation: a review. Biol. Conserv, n.192, p. 492-503, 2015.).

Quando colocado em prática, o conceito de recurso natural reforça a perspectiva economicista da governança da natureza, na qual os benefícios humanos permanecem como foco. Seu principal risco é permitir que valores intrínsecos e de não-uso cedam lugar a metas econômicas que adotam a sustentabilidade apenas como pano de fundo (BUSCHER et al., 2014BUSCHER, B; DRESSLER, W; FLETCHER, R. Nature Inc.: environmental conservation in the neoliberal age. The University of Arioza Press, 2014.; ERNSTON, 2013ERNSTON, H. The social production of ecosystem services: a framework for studying environmental justice and ecological complexity in urbanized landscape. Landscape and Urban Planning, v.109, n.1, p. 7-17, 2013.; VERSCHUUREN, 2019VERSCHUUREN, B. Changing concepts and values in Natural Heritage Conservation: a view through IUCN and UNESCO Policies. Values in Heritage Management: emerging approaches and research directions. Los Angeles: The Getty Conservation Institute, p. 140-156, 2019.). Em uma escala amplifica, um amplo leque de instrumentos econômicos passou a orientar o uso dos recursos naturais: conversão de multas ambientais, pagamentos por serviços ambientais, compensação ambiental, capital natural e economia azul são alguns exemplos que buscam integrar objetivos de conservação ambiental com abordagens econômicas neoliberais (MURADIAN et al., 2010MURADIAN, R; CORBERA, E; PASCUAL, U; KOSOY, N; MAY, P.H. Reconciling theory and practice: an alternative conceptual framework for understanding payments for environmental services. Ecological Economics, v. 69, p. 1202-1208, 2010.; SULLIVAN, 2018SULLIVAN, S. Dissonant sustainabilities? Politicising and psychologizing antagonisms in the conservation-development nexus. Future Past Work Papers, v.5, p. 1-26, 2018.). Essa pretendida integração será denominada hipermercantilização da natureza.

Contudo, a valoração econômica pode ser menos evidente no caso de alguns recursos ou serviços providos pela natureza (SULLIVAN, 2018SULLIVAN, S. Dissonant sustainabilities? Politicising and psychologizing antagonisms in the conservation-development nexus. Future Past Work Papers, v.5, p. 1-26, 2018.), bem como perspectivas assentadas na qualidade de vida e no bem viver de comunidades locais podem representar a retomada de outros valores não econômicos na relação humana com esses recursos (ACOSTA, 2016ACOSTA, A. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução: Tadeu Breda São Paulo: Editora Elefante, 2016.268p.). Considerando a crise ambiental contemporânea e a ideia de sustentabilidade como produtos do mesmo arranjo discursivo, indagamos como a precedente noção de convivencialidade poderia resistir nos atuais regimes de governança? Também questionamos quais seriam o alcance e os riscos das tendências em se pensar as interações entre comunidades de usuários e recursos a partir de abordagens privatistas da governança? Quando expostas, as ambivalências de jargões econômicos e globais para governança de recursos naturais trazem de volta à cena escalas e organizações locais (HEJNOWICZ; RUDD, 2017HEJNOWICZ, A.P; RUDD, M.A. The value landscape in ecosystem services: value, value wherefore art thou value? Sustainability, v. 9, n. 5, p. 850, 2017.), que podem apontar um retorno à ideia de convivencialidade como possibilidade de perspectivas mais diversas de sustentabilidade.

Convivencialidade e governança: revistando o dilema dos comuns

Conflitos entre a racionalidade individual e coletiva, que poderiam conduzir recursos comuns ao desaparecimento, levaram Hardin (1968HARDIN, G. Tragedy of the Commons. Science, v. 162, n. 3859, p. 1243-1248, 1968.) a propor como solução a transformação desses recursos em bens privados ou controlados pelo Estado. Precursora da economização das políticas ambientais, a tese da ‘tragédia dos comuns’ recebeu suporte no campo científico e nas práticas conservacionistas em diferentes escalas. Embora compreensiva, a hipótese de Hardin (1969) é incompleta, posto que se baseia em pressupostos de livre acesso, na ausência de restrições ao comportamento individual, na superação irreversível da oferta pela demanda e na incapacidade de usuários alterarem normas no uso de um recurso (FEENY et al., 1990).

Harvey (2014HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.) formulou ampla crítica ao postulado de Hardin, questionando a lógica privatista que orienta os expedientes dispensados aos bens comuns. Para Harvey (2014), o comum não é um tipo particular de recurso, mas são práticas sociais que produzem processos de comunalização a partir dos recursos. A ‘verdadeira tragédia dos comuns’ seria enunciada por privatizações, cercamentos, controles espaciais, policiamento, vigilância e outros instrumentos que ameaçam transformar o comum em mercadoria.

No âmbito dos recursos naturais, abordagens institucionais enfatizaram a habilidade de comunidades locais para criarem e adaptarem suas próprias regras de uso. Compreende-se como instituições um conjunto de normas (formais e informais) que permitem interações sociais, restringindo e facilitando atividades humanas e que são constantemente negociadas e reformuladas (GIBSON; AGRAWAL, 1999GIBSON, C; AGRAWAL, A. Enchantment and Disenchantment: The Role of Community in Natural Resource Conservation. World Development, v. 27, n. 4, p. 629-649, 1999.). Nessa perspectiva, a governança dos recursos comuns deveria ser regulada coletivamente, com regras de inclusão e exclusão de usuários e de manutenção para um uso equilibrado e racional por todos os membros. Quando criados localmente, os arranjos institucionais em torno dos comuns podem fortalecer a coesão interna, bem como detectar e excluir atores oportunistas (free riders) (OSTROM, 1990OSTROM E. Governing the Commons. The Evolution of Institutions for Collective Action. Cambridge University Press: New York. 1990.; OSTROM; TUCKER, 2009).

Se essas constatações ganharam terreno em pequenas comunidades de usuários, uma questão premente permaneceu aberta: como resolver o dilema dos comuns em escalas mais amplas? Harvey (2014HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.) argumenta que a apropriação de comuns em pequena escala dificilmente será resolvida pelas mesmas vias que a apropriação de recursos em escalas globais. Para o autor, boas soluções locais podem não ser adequadas para problemas planetários e algum tipo de cercamento pode ser necessário.

São as controvérsias em torno do dilema da escala e cercamento dos comuns que facultam retomar a noção de convivencialidade, anteriormente proposta por Illich (1976ILLICH, I. A convivencialidade. Lisboa: Publicações Europa-América, 1976.) e que enfatiza a liberdade individual como expediente. Na perspectiva convivencial, qualquer ação normativa (por parte do Estado ou outro ator central) se coloca como um problema. A noção de convivencialidade sugere a possibilidade de interações mais autônomas e criativas do humano com o ambiente, opondo-se a formas sociais de instrumentação, uniformização regulada, dependência, exploração e impotência.

Illich (1992ILLICH, I. Silence is a common. In: ______. In the mirror of the past: letters and addresses 1978-1990. Nova Iorque: Marion Boyars Publishers, 1992.) argumenta que, após sucessivos cercamentos, o ambiente foi transformado em recurso a serviço de empreendimentos econômicos, dos quais depende o atendimento das necessidades de consumo. Enquanto Hardin (1968HARDIN, G. Tragedy of the Commons. Science, v. 162, n. 3859, p. 1243-1248, 1968.) e Ostrom (1994OSTROM, E. Neither market nor state: governance of common-pool resources in the twenty-first century. Lecture Presented June, 1994. Washington: International Food Policy Research Institute, 1994.) propuseram o comum enquanto alternativa econômica, Illich propôs o comum como alternativa à própria economia. Há três décadas, Illich (1992) antecipava a ideia de Harvey (2014HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.) e nos advertia que a transformação do comum em recursos produtivos constituiria a forma mais imperiosa de degradação do ambiente. A validade do postulado de Illich não impediu que diferentes concepções do convivencial fossem forjadas no tempo.

Enquanto sua acepção vernácula - a comunalidade - assenta-se na negação de premissas de escassez que definem a sociedade econômica e se manifesta na autonomia das comunidades (ESTEVA, 2018ESTEVA, G. Autonomía en América Latina. In: D’ALISA, D. Descrecimiento. México: Icaria editorial y Fundación Heinrich Böll, p.317-321, 2018.); uma acepção moderna inscreve a convivencialidade como um princípio político de autogoverno. Para Dardot e Laval (2017DARDOT, P; LAVAL, C. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2017.), o comum se funda na busca coletiva por novas formas de ação democrática. Recusando atributos apriorísticos que definiriam os bens comuns, a noção de comum repousaria no próprio agir comum e na qualidade dessa ação. Na qualidade de ‘práxis instituinte’, o comum é uma atividade que define e revê regras regularmente, concorrendo para a inapropriabilidade do recurso.

Nesse sentido, argumentamos que o uso dos recursos naturais pode agregar práticas públicas, comunais, privadas e híbridas que tensionam diferentes lentes em torno do comum e estabelecem diferentes possibilidades para se conceber uma governança em bases convivenciais. Em sentido abrangente, a governança se refere a um sistema de regras, instituições, organizações e redes que são estabelecidas, em diferentes formatos, para orientar um grupo ou sociedade a promover arranjos institucionais para conservação de recursos naturais, serviços ecossistêmicos e bem-estar humano (BERKES et al., 2013BERKES, F; IBARRA, M.A; ARMITAGE, D; CHARLES, T; GRAHAM, J; LOUCKS, L; MAKINO, M; SATRIA, C; SEIXAS, J; ABRAHAM, J. Socio-ecological systems and community resilience. Working Group. Community Conservation Research Network (CCRN), 2013. 41p.). Enquanto o termo gestão se refere à definição de objetivos e meios para garantir o uso desejado de um recurso; a governança encerra uma noção mais ampla, indicando um processo de compartilhamento de responsabilidades entre diferentes atores sobre o uso desse recurso (BORRINI; HILL, 2015BORRINI G; HILL, R. Governance for the conservation of nature. In: WORBOYS, G.L; LOCKWOOD, M; KOTHARI, A; FEARY, S; PULSFORD, I. (org). Protected area governance and management. Canberra: ANU Press, p. 169-206, 2015.; BENNET et al., 2018).

Muitas vezes, porém, a definição de governança não é acompanhada por parâmetros de análise. Borrini e Hill (2015BORRINI G; HILL, R. Governance for the conservation of nature. In: WORBOYS, G.L; LOCKWOOD, M; KOTHARI, A; FEARY, S; PULSFORD, I. (org). Protected area governance and management. Canberra: ANU Press, p. 169-206, 2015.) sugerem que a análise da governança abrange três principais dimensões: a diversidade de tipos de governança, princípios de boa governança e a vitalidade do regime de uso. Em todo o mundo, têm sido reconhecidos diferentes regimes de governança, conforme a composição de atores que detêm o poder e a responsabilidade sobre um recurso ou área, configurando experiências por governos, compartilhadas, por comunidades e por atores privados (FREDRIKSEN, 2014FREDRIKSEN, A. Assembling value(s): what a focus on the distributed agency of assemblages can contribute to the study of value. LSCV Working Paper Series, n.7, 2014.). Em complemento, um conjunto de aspectos têm se consagrado como princípios de boa governança e contemplam dimensões de legitimidade, direção estratégica, desempenho, transparência e justiça (BORRINI et al., 2017BORRINI, G; DUDLEY, N; JAEGER, T; LASSEN, B; PATHAK BROOME, N; PHILLIPS, A; SANDWITH, T. Governança de áreas protegidas: da compreensão à ação. Série Diretrizes para melhores Práticas para Áreas Protegidas, n. 20, Gland, Suíça: UICN, 2017.). Por sua vez, entende-se que vitalidade das práticas relacionadas ao uso de um recurso depende da integração funcional dos usuários, da capacidade de adaptação, da sabedoria, da inovação e do empoderamento que atravessa o regime de uso (BORRINI; HILL, 2015). O Quadro 1 sintetiza essas dimensões.

Quadro 1
- Dimensões da governança

Logo, diferentes tipos de governança podem comportar princípios de convivencialidade. Quando baseada em comunidades, a governança procura estabelecer relações positivas entre a biodiversidade e os meios de subsistência locais (SALAFSKY; WOLLENBEG, 2000SALAFSKY, N; WOLLENBERG, E. Linking livelihoods and conservation: a conceptual framework and scale for assessing the integration of human needs and biodiversity. World development, v. 28, n. 8, p. 1421-1438, 2000.). Para que essas relações positivas se concretizem, são necessárias parcerias e conexões entre os diferentes níveis de governança envolvidos na conservação dos recursos naturais (OSTROM, 2009OSTROM, E; TUCKER, C. Pesquisa multidisciplinar relacionando instituições e transformações florestais. In: MORAN, E; OSTROM, E. (org.). Ecossistemas florestais: interações homem-ambiente. São Paulo. Editora SENAC, p. 109-138, 2009.). Cabe lembrar que populações locais também podem empreender usos insustentáveis de recursos, resultando em sua escassez ou mesmo desaparecimento (CINNER et al., 2012CINNER, J.E.; McCLANAHAN, T.R.; NEIL, M.A; GRAHAM, N.A.; DAW, T.M.; MUKMININ, A.; FEARY, D.A.; RABEARISOA, A.L.; WAMUKOTA, A.; JIDDAWI, N.; CAMPBELL, S.J.; BAIRD, A.H.; JANUCHOWSKI-HARTLEY, F.A.; HAMED, S.; LAHARI, R.; MOROVE, T.; KUANGE, J. Co management of coral reef social-ecological systems. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 109, n. 14, p. 5219-5222, 2012.). Ao revistar o dilema dos comuns à luz da perspectiva convivencial, buscamos entender quais são as possibilidades e limitações da convivencialidade para a governança dos recursos naturais. Para tanto, são apresentados três estudos de caso que buscam ilustrar a diversidade de regimes de governança em torno de recursos naturais apropriados por comunidades em diferentes contextos brasileiros.

Governança de recursos naturais: estudos de caso brasileiros

A complexidade de interações e fatores que afetam a sustentabilidade e as possibilidades de convivencialidade na governança dos recursos naturais pode ser ilustrada pela diversidade socioambiental brasileira. Foram considerados três casos de uso de recursos naturais: a meliponicultura e a pesca manejada do pirarucu no Estado do Amazonas; e o extrativismo da palmeira juçara na mata atlântica. Embora situados em contextos diferentes (Figura 1), em todos os casos um recurso natural é apropriado por comunidades, que buscam validar práticas conhecidas e compartilhadas pelos usuários. Por outro lado, o prisma da convivencialidade na governança desses recursos difere em cada caso e reflete as características dos próprios recursos, a organização dos usuários e a capacidade de formular, legitimar e adaptar normas. O regime de governança desses recursos é apresentado e descrito na sequência. Posteriormente, são confrontados princípios de convivencialidade nos três estudos de caso.

Figura 1
- Localização dos estudos de caso

Meliponicultura de abelhas nativas do Rio Urubu

A criação de abelhas nativas sem ferrão é uma atividade tradicional praticada por diversas comunidades na Amazônia e costuma se basear em conhecimentos locais, muitas vezes, com a finalidade de produzir pequenos volumes de mel para fins medicinais (NOGUEIRA NETO, 1997NOGUEIRA NETO, P. Vida e criação de abelhas indígenas sem ferrão. São Paulo: Editora Nogueirapis, 1997. 447 p.). A produção de meliponíneos visando à comercialização tende a ser restrita a alguns grupos rurais, organizados em cooperativas que buscam encontrar soluções coletivas para demandas de produção. Às margens do Rio Urubu, no município de Boa Vista dos Ramos (AM), a meliponicultura é desenvolvida a partir de práticas locais de manejo das abelhas nativas e beneficiamento do mel. Desde 2007, essas práticas têm sido fomentadas por uma cooperativa - a COOPMEL (Cooperativa dos Criadores de Abelhas Indígenas da Amazônia) - que reúne cerca de 40 famílias, distribuídas em quatro comunidades e que manejam aproximadamente 2 mil colônias de abelhas. O beneficiamento do mel foi também aprimorado com a inauguração de uma fábrica, que objetiva viabilizar a produção e comercialização dos produtos cooperados; atender exigências governamentais; melhorar a renda e condições de trabalho das famílias; bem como recompor e proteger a cobertura florestal. Porém, a governança da meliponicultura depara-se com dificuldades para atender exigências sanitárias e gargalos logísticos, impedindo que sua produção alcance mercados mais abrangentes.

Pesca manejada do Pirarucu

Amplamente difundida entre moradores da várzea amazônica como atividade de subsistência, a pesca também possui algumas espécies com comércio estabelecido, como o pirarucu (Arapaima spp.). Este foi a primeira espécie de peixe comercial amazônico a ser considerada sobre-explotada (RUFFINO, 2014RUFFINO, M. L. Status and trends of the fishery resources of the Amazon Basin in Brazil. FAO Technical Paper, p.1-19, 2014.), levando o governo a publicar medidas de proteção visando à diminuição da captura e a regulamentar o comércio internacional. No Estado do Amazonas, a captura do pirarucu é permitida apenas em Unidades de Conservação de Uso Sustentável (UC), Terras Indígenas (TI) e Áreas de Acordo de Pesca (AP), em forma de manejo. Atualmente, a pesca manejada ocorre em cerca de 35 áreas, envolve mais de 300 comunidades e mais de 5 mil manejadores, incluindo pescadores e pescadoras. No contexto da pesca, o manejo compreende um conjunto de procedimentos e regras comunitárias e governamentais que visam à proteção e recuperação dos estoques pesqueiros, a fim de capturar parcela desse estoque. Nas áreas manejadas, o estoque pesqueiro cresceu consideravelmente (MELLO et al., 2019MELLO, C.M.C; MOTA, S.Q.C; SILVA, C.I.B. Harvest and trade of pirarucu in the Brazilian Amazon. In: COONEY, R (ed). Sustainable Use and Livelihoods Specialist Group. 2019. Disponível em: https://cites.org/eng/prog/livelihoods. Acesso em 28 de outubro de 2021.
https://cites.org/eng/prog/livelihoods...
), gerou renda aos participantes e estimulou a proteção do ambiente e de outras espécies que ocorrem nesses ecossistemas (SILVA; PERES, 2016SILVA, J.V.C; PERES, C.A. Community-based management induces rapid recovery of a high-value tropical freshwater fishery. Scientific reports, v.6, n.4745, 2016.). Contudo, a inserção dessa atividade na economia de mercado transformou o próprio mercado no maior balizador do trabalho dos comunitários, tornando-se responsável por valorar a produção dos manejadores em uma retribuição que nem sempre cobre os custos da pesca e da vigilância (ROSSONI et al., 2018ROSSONI, F; SILVA, J. V. C; ALVARENGA, F. Diagnóstico do manejo do pirarucu em áreas protegidas do Amazonas. Org. USAID e OPAN. Centro Laura Vicunã: Manaus, 2018.). Como resposta, os pescadores comunitários têm buscado agregar valor à atividade, organizando-se para explorar novos espaços de comércio.

Extrativismo do palmito juçara no Vale do Ribeira

A extração do palmito juçara (Euterpe edulis) na floresta atlântica ilustra como o dilema de apropriação dos recursos também pode caracterizar a inserção de usuários em modelos exógenos de resolução de conflitos. Como a retirada do palmito depende da derrubada das palmeiras, essa produção causa uma grande pressão ecológica sobre a espécie. O risco de extinção pelo uso desregrado é resultado de normas ambientais introduzidas com a criação de UCs de Proteção Integral, que alteraram a governança do recurso (MARINHO; FURLAN, 2008; REIS et al., 2000REIS, M. S; FANTINI, A. C; NODARI, R. O; REIS, A; GUERRA, M. P; MANTOVANI, A. Management and conservation of natural population in Atlantic Rain Forest: the case study of palm heart (Euterpe edulis Martius). Biotropica, v. 32, n. 4b, p. 894-902, 2000.). Além da derrubada da palmeira, a defaunação de grandes frugívoros é outra ameaça à extinção da juçara (GALETTI et al., 2013), produzindo uma homogeneização genética entre as populações de palmeiras (CARVALHO et al., 2016CARVALHO, C.S; GALETTI, M; COVELATTI, R.G; JORDANO, P. Defaunations leads to microevolutionary changes in a tropical palm. Sci. Rep, v. 6, n. 31957, p. 1-9, 2016.). Localizado nos remanescentes mais extensos da mata atlântica do país, o Vale do Ribeira abriga um conjunto de áreas protegidas no sudeste brasileiro, cujo entorno é ocupado por comunidades rurais que, frente ao impedimento do corte, tornaram-se extrativistas e caçadores clandestinos (GALETTI; FERNANDEZ, 1998). Na região, diferentes comunidades de extrativistas interagem com diferentes regulações de políticas e organizações ambientais e são incentivadas a se adequarem a alternativas de geração de renda, pouco conhecidas pelos extrativistas. A despeito da proposta de práticas sustentáveis, essas comunidades são sobremaneira pressionadas pelo patrulhamento policial no entorno das áreas protegidas.

Figura 2
Recursos naturais dos estudos de caso: juçara, pirarucu e meliponíneos

Resultados: caracterizando as dimensões da governança dos recursos

Os estudos de caso (Figura 2) ilustram não apenas uma diversidade de regimes de governança, mas também como esses regimes podem se sobrepor ao longo do tempo, ou ainda, como um mesmo modelo pode manifestar particularidades em contextos semelhantes. O uso dos recursos amazônicos - meliponíneos e pirarucu - configura uma governança do tipo compartilhada (FREDRIKSEN, 2014FREDRIKSEN, A. Assembling value(s): what a focus on the distributed agency of assemblages can contribute to the study of value. LSCV Working Paper Series, n.7, 2014.). Na pesca, as comunidades controlam ações de vigilância, proteção e monitoramento da atividade e essas práticas são reconhecidas por diferentes níveis governamentais, responsáveis pela autorização da pesca e gestão das áreas de manejo. Em contraponto, a governança da meliponicultura evidencia uma dependência do cooperativismo local em relação a organizações não governamentais, caracterizando relações de poder assimétricas que comprometem a autonomia da governança do mel. O autogoverno na apropriação dos meliponíneos do Rio Urubu perde vitalidade com a ausência de monitoramento e punição de infratores das regras comuns, amplificando o ‘efeito oportunista’ (OSTROM, 1990OSTROM E. Governing the Commons. The Evolution of Institutions for Collective Action. Cambridge University Press: New York. 1990.) na produção do mel. Por fim, diferentes fatores influenciaram uma transição de modelos de governança no extrativismo da juçara na Mata Atlântica. Originalmente, um ritmo de corte condizente com a taxa de reprodução da espécie atendia um relativo equilíbrio entre consumo local e demandas externas. A intensificação da taxa de extração da palmeira é reflexo do processo pouco participativo de criação de UCs no Vale do Ribeira e do incremento do mercado de consumo do palmito em escala regional. Uma governança conduzida por atores governamentais substituiu práticas comunitárias e se concentrou em promover ações de fiscalização e punição. Mesmo centralizando decisões sobre o uso do recurso, o Estado não conseguiu impedir o extrativismo clandestino e, mais recentemente, regimes compartilhados têm buscado fomentar usos sustentáveis do recurso - como ações de repovoamento, manejo certificado, produção de polpa, sistemas agroflorestais e usos indiretos, como turismo.

Parâmetros de qualidade e vitalidade da governança também se particularizam em cada caso. No Rio Urubu (AM), o manejo de abelhas nativas apresenta bons indicadores de governança, evidenciados em decisões endógenas, na capilaridade da rede de cooperação dos produtores, na diversidade de parcerias, na transparência das ações da cooperativa e na existência de boas práticas ambientais, como selo de inspeção. Porém, a produção e comercialização de mel sem beneficiamento e comportamentos oportunistas de não cooperados prejudicam a qualidade da governança. A vitalidade do regime de uso da meliponicultura é favorecida pelo êxito da COOPMEL em consolidar integrações com diferentes níveis de decisão, bem como pela sinergia entre conhecimentos tradicionais e científicos e pela abertura a práticas inovadoras de manejo, como os pastos melíponas. Por outro lado, pontos críticos são encontrados nas capacidades locais de adaptação e na dependência externa para a fiscalização e monitoramento. Bons indicadores de governança também são encontrados na pesca manejada do pirarucu, destacando-se as capacidades locais em formular e adaptar regras de uso, que resultaram no aumento do estoque de peixes usados para alimentação, comércio e outras espécies, como quelônios. Mesmo que invasões nas áreas de manejo ameacem a vitalidade da governança, as comunidades locais se organizam para combater ocupações indesejadas e acionar órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização. Essa organização coletiva fortalece capacidades de tomada de decisão e monitoramento das práticas de pesca. Por seu turno, a governança da juçara apresenta poucos indicadores de qualidade. Como o corte clandestino tende a ser a principal forma de apropriação do recurso na região, o extrativismo da juçara ilustra como a ação comunitária pode resultar em efeitos ambientais indesejados (CINNER et al., 2012CINNER, J.E.; McCLANAHAN, T.R.; NEIL, M.A; GRAHAM, N.A.; DAW, T.M.; MUKMININ, A.; FEARY, D.A.; RABEARISOA, A.L.; WAMUKOTA, A.; JIDDAWI, N.; CAMPBELL, S.J.; BAIRD, A.H.; JANUCHOWSKI-HARTLEY, F.A.; HAMED, S.; LAHARI, R.; MOROVE, T.; KUANGE, J. Co management of coral reef social-ecological systems. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 109, n. 14, p. 5219-5222, 2012.). A vitalidade da governança da juçara é afetada pela resistência local aos usos alternativos, pela dependência externa e pelas capacidades heterogêneas de organização das comunidades. O Quadro 2 compila as principais evidências de parâmetros de governança dos três recursos apresentados.

Quadro 2
- Dimensões da governança dos recursos

Discussão: as possibilidades do convivencial na governança

Ao colocar em revista a governança de recursos naturais, buscamos entender como perspectivas convivenciais permeiam o regime de uso desses recursos. Em princípio, a convivencialidade na apropriação de meliponíneos em comunidades do Rio Urubu é evidenciada no papel da cooperativa local, responsável por criar parcerias com uma rede ampla de atores. Foi essa capacidade de articulação que permitiu a contemplação dos meliponicultores em programas governamentais de aquisição de alimentos. Ao atender exigências sanitárias, conquistando um selo de inspeção estadual, os meliponicultores expandiram o mercado consumidor. Embora certificações de inspeção e procedência atendam finalidades distintas, a chancela externa sobre produções comunitárias opera como simbolização do valor econômico da natureza e ilustra como instrumentos de hipermencantilização se mesclam a práticas comunitárias (ASIYANBI, 2018ASIYANBI, A.P. Financialization in the green economy: material connections, markets-in-the-making and Foucauldian organizing actions. Environment and Planning A, Economy and Space. v. 50, n. 3, p. 531-548, 2018.). Assim, o processo de abstração de valor que norteia uma governança com viés economicista (BUSCHER et al., 2014BUSCHER, B; DRESSLER, W; FLETCHER, R. Nature Inc.: environmental conservation in the neoliberal age. The University of Arioza Press, 2014.) tem se tornado condição para garantir o escoamento de produções comunitárias, mesmo que em escalas pequenas. Em complemento, a autonomia dos produtores de Boa Vista dos Ramos (AM), base da comunalidade (ESTEVA, 2018ESTEVA, G. Autonomía en América Latina. In: D’ALISA, D. Descrecimiento. México: Icaria editorial y Fundación Heinrich Böll, p.317-321, 2018.), é comprometida por aspectos de representatividade dos cooperados e formação de novas lideranças. Logo, a comunalidade na governança de meliponíneos parece se limitar ao cooperativismo produtivista, distanciando-se da ideia de comunalidade como princípio político que busca novas formas democráticas de ação (DARDOT; LAVAL, 2017DARDOT, P; LAVAL, C. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2017.).

Na pesca do pirarucu, a definição das áreas de manejo contempla conhecimentos tradicionais sobre o recurso e as regras de uso resultam da organização comunitária, representando uma prática de comunalização (HARVEY, 2014HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.). O manejo tem uma base territorial e comunal, definida a partir da necessidade de vigiar os ambientes compartilhados e manter ou aumentar os estoques pesqueiros. É interessante observar que, embora se trate do mesmo recurso, as áreas de manejo e as capacidades logísticas e gerenciais comunitárias são heterogêneas. Entretanto, essa heterogeneidade não afeta a sustentabilidade da governança. Como sugere a concepção vernácula do comum (ILLICH, 1992ILLICH, I. Silence is a common. In: ______. In the mirror of the past: letters and addresses 1978-1990. Nova Iorque: Marion Boyars Publishers, 1992.), quando a ação coletiva escapa às práticas uniformizantes, oportunizam-se interações mais autônomas com o recurso. Mesmo que inserida em um contexto de comercialização direta do recurso, a organização das comunidades de manejadores sugere um repertório de ações alinhadas a princípios democráticos. O fortalecimento comunitário (FREDRIKSEN, 2014FREDRIKSEN, A. Assembling value(s): what a focus on the distributed agency of assemblages can contribute to the study of value. LSCV Working Paper Series, n.7, 2014.) ocorre através da busca local por capacitações, conexões institucionais e oportunidades de melhoria das condições de trabalho em todas as etapas do manejo (pesca, captura e comercialização).

Historicamente, o extrativismo da juçara no Vale do Ribeira demonstra como um rígido controle externo minou possibilidades de autogoverno (HARVEY, 2014HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.). Nos anos 1980, a consolidação de políticas conservacionistas top down, fundadas na criação áreas protegidas, concorreu para rivalizar comunidades locais e órgãos ambientais, produzindo uma intensificação do corte clandestino. Em que pesem as tentativas de implantação de manejo sustentável do palmito, as iniciativas não lograram êxito devido a conflitos entre competências normativas e de monitoramento entre diferentes instituições. Mesmo a recente proposta de comercialização da polpa da juçara, que visa manter o estoque de palmeiras na floresta, esbarra em exigências não condizentes com a realidade das comunidades. Nesse caso, as normas ambientais representam uma ‘ferramenta’ (ILLICH, 1976ILLICH, I. A convivencialidade. Lisboa: Publicações Europa-América, 1976.) que tende a uniformizar práticas heterogêneas de manejo, fragilizando formas convivenciais de uso do recurso. Por outro lado, iniciativas compartilhadas entre comunidades e parceiros regionais pretendem fomentar competências comunais, a exemplo da implantação de sistemas agroflorestais (SAF’s), do ecoturismo como agregação de valor aos produtos rurais e da formação de uma rede comunitária (Rede Juçara). Mesmo que insurjam como alternativas dentro de uma cadeia produtiva refreada por uma política ambiental hierarquizada pelo mercado (BUSCHER et al., 2014BUSCHER, B; DRESSLER, W; FLETCHER, R. Nature Inc.: environmental conservation in the neoliberal age. The University of Arioza Press, 2014.), essas propostas enfrentam desconfiança das comunidades.

Embora encerrem particularidades, os três regimes de uso apresentam pontos em comum. Regulamentações externas exercem forte influência nas possibilidades de convivencialidade na governança desses recursos. Mesmo que as normas comuns dependam da validação de instituições externas (OSTROM, 1994OSTROM, E. Neither market nor state: governance of common-pool resources in the twenty-first century. Lecture Presented June, 1994. Washington: International Food Policy Research Institute, 1994.), a busca por práticas coletivas autônomas é um princípio de comunalidade frequentemente limitado pela uniformização que afeta o uso dos recursos (ESTEVA, 2018ESTEVA, G. Autonomía en América Latina. In: D’ALISA, D. Descrecimiento. México: Icaria editorial y Fundación Heinrich Böll, p.317-321, 2018.). Nos casos investigados, a ideia de comunalidade tende a se manifestar inicialmente em um quadro de instituições locais (principalmente, associações e cooperativas), ainda que muitas dessas organizações operem mais para atender exigências burocráticas do que demandas comunitárias.

Em regra, os arranjos locais são ferramentas de governança importantes para troca de conhecimentos e articulação com parceiros externos, podendo alcançar territórios mais abrangentes e se conectar com perspectivas do bem viver nas comunidades (ACOSTA, 2016ACOSTA, A. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução: Tadeu Breda São Paulo: Editora Elefante, 2016.268p.). A criação do Coletivo do Pirarucu e da Rede Juçara ilustram essas possibilidades. Por outro lado, conflitos locais têm sido acentuados pela concorrência entre recursos manejados coletivamente e outros obtidos irregularmente. A vulnerabilidade dos arranjos comunais tem dupla consequência: tornam os preços dos produtos comunais menos atrativos quando comparados aos recursos sem controle e concorrem para novos riscos ecológicos. No Quadro 3, sintetizamos as principais possibilidades e desafios à convivencialidade na governança dos recursos nos estudos de caso.

Quadro 3
- Possibilidades e limitações à convivencialidade na governança dos recursos

Quando comparados, os regimes de governança indicam que a convivencialidade no uso dos recursos reflete a natureza dos arranjos institucionais, que podem ser consolidados (pesca), frágeis (meliponíneos) ou inexistentes (juçara). A perspectiva convivencial (ILLICH, 1992ILLICH, I. Silence is a common. In: ______. In the mirror of the past: letters and addresses 1978-1990. Nova Iorque: Marion Boyars Publishers, 1992.) pode ser potencializada ou limitada por governanças nas quais as comunidades operam como vigias do recurso (pesca) ou em regimes nos quais as comunidades são vigiadas (extrativismo). O número e a maturidade de parcerias das comunidades com outros atores (BORRINI et al., 2017BORRINI, G; DUDLEY, N; JAEGER, T; LASSEN, B; PATHAK BROOME, N; PHILLIPS, A; SANDWITH, T. Governança de áreas protegidas: da compreensão à ação. Série Diretrizes para melhores Práticas para Áreas Protegidas, n. 20, Gland, Suíça: UICN, 2017.) também contribuem para que os recursos manejados cheguem em mercados mais abrangentes e reconhecidos pela confiança e qualidade, como nos casos do mel e do pirarucu; ou por sua procedência desconhecida, como no caso do palmito.

Tanto na meliponicultura como no extrativismo da juçara, a valoração econômica dos recursos pretende garantir a integridade dos remanescentes naturais onde ocorrem. Na pesca, essa valoração se manifesta em estratégicas para conquistar selos de rastreabilidade e certificação sustentável, enquanto a busca por novos mercados de consumo é uma tentativa de manter os pescadores no manejo. Por outro lado, o aumento dos estoques pesqueiros desempenha papel importante na soberania alimentar das populações da várzea amazônica. Em que pesem as ambivalências dos mecanismos de valoração econômica na governança desses recursos, as práticas de certificação correspondem a um claro exemplo de instrumentalização do processo de hipermencantilização da natureza (HAHN et al., 2015HAHN, T; PINKSE, J; PREUSS, L; FIGGE, F. Tensions in corporate sustainability: towards an integrative framework. J. Bus. Ethics, v. 127, n. 2, p. 297-316, 2015.).

Sem deixar de reconhecer a complexidade de interações que influenciam o uso dos recursos naturais, os casos sugerem que a incorporação de princípios de convivencialidade em sua governança pode atuar como ação política para a própria sustentabilidade do recurso. Em contraponto, regimes de uso orientados por decisões individuais ou rigidamente hierárquicas limitam a ideia de comum às esferas do cooperativismo produtivista (DARDOT; LAVAL, 2017DARDOT, P; LAVAL, C. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2017.). Não obstante, essas inferências podem contribuir para balizar a convivencialidade em diferentes contextos de comunidades atuantes na governança de outros recursos naturais, em busca de suas ‘próprias’ sustentabilidades (SULLIVAN, 2018SULLIVAN, S. Dissonant sustainabilities? Politicising and psychologizing antagonisms in the conservation-development nexus. Future Past Work Papers, v.5, p. 1-26, 2018.).

Considerações finais

Os regimes de uso de recursos naturais que configuram as práticas de meliponicultores, pescadores e extrativistas estão inseridos em modelos de governança que permitem retomar dilemas em torno da escala, cercamento e apropriação dos comuns (DARDOT; LAVAL, 2017DARDOT, P; LAVAL, C. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2017.; OSTROM, 1994OSTROM, E. Neither market nor state: governance of common-pool resources in the twenty-first century. Lecture Presented June, 1994. Washington: International Food Policy Research Institute, 1994.). Quando um ‘comum’ é transformado em ‘recurso natural’ (KOPNINA, 2017KOPNINA, H. Commodification of natural resources and forest ecosystem services: examining implications for forest protection. Environmental Conservation, v. 44, n. 1, p. 24-33, 2017.; SULLIVAN, 2018SULLIVAN, S. Dissonant sustainabilities? Politicising and psychologizing antagonisms in the conservation-development nexus. Future Past Work Papers, v.5, p. 1-26, 2018.), a sobreposição da lógica privatista às possíveis práticas de comunalização pode levar à ‘verdadeira tragédia dos comuns’ (HARVEY, 2014HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.).

Partindo da premissa que a governança pode ser analisada a partir de sua diversidade, qualidade e vitalidade (BORRINI; HILL, 2015BORRINI G; HILL, R. Governance for the conservation of nature. In: WORBOYS, G.L; LOCKWOOD, M; KOTHARI, A; FEARY, S; PULSFORD, I. (org). Protected area governance and management. Canberra: ANU Press, p. 169-206, 2015.), esse estudo comparou o uso de três recursos no território brasileiro. Como apresentado, a governança de meliponíneos e da pesca manejada do pirarucu na Amazônia e da palmeira juçara na Mata Atlântica se diferenciam não apenas por estarem situadas em contextos diversos, mas também pelas possibilidades e limitações à comunalização das práticas de manejo empreendidas pelos usuários desses recursos.

Enquanto o sentido vernáculo da comunalidade preconiza comunidades autônomas que subvertem a lógica econômica da escassez (ESTEVA, 2018ESTEVA, G. Autonomía en América Latina. In: D’ALISA, D. Descrecimiento. México: Icaria editorial y Fundación Heinrich Böll, p.317-321, 2018.), o emprego contemporâneo do ‘comum’ permite compreendê-lo como um princípio político que busca atualizar formas democráticas de ação. Porém, os casos demonstraram que a convivencialidade nos regimes de uso tende a se limitar à noção de cooperativismo produtivista, refletindo ambivalências da hipermercantilização da natureza (HAHN et al., 2015HAHN, T; PINKSE, J; PREUSS, L; FIGGE, F. Tensions in corporate sustainability: towards an integrative framework. J. Bus. Ethics, v. 127, n. 2, p. 297-316, 2015.). Uma ‘práxis instituinte’ (DARDOT; LAVAL, 2017DARDOT, P; LAVAL, C. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2017.), fundada no agir comum e manifesta em lutas sociais, é mais evidente em regimes de uso nos quais a ação coletiva prevalece sobre decisões individuais.

Em todos os casos, as práticas comunais são idealizadas a partir de demandas de comercialização dos recursos naturais. Nesses casos, as possibilidades de convivencialidade parecem não negar o mercado, mas promover alinhamentos entre demandas de autogoverno e os mecanismos de valoração econômica (BUSCHER et al., 2014BUSCHER, B; DRESSLER, W; FLETCHER, R. Nature Inc.: environmental conservation in the neoliberal age. The University of Arioza Press, 2014.). Destacamos, porém, que a centralidade do mercado na valoração dos recursos naturais produz contradições que podem desconsiderar o valor da ação coletiva das comunidades produtoras e responsáveis pela conservação desses recursos. Dentro dessas contradições, resistem práticas comunais que devem ser observadas como fonte de um repertório mais amplo de sustentabilidade.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao suporte do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Dez 2022
  • Aceito
    22 Abr 2023
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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