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Editorial N° 04/2021 Água: um tema urgente para o Brasil

O Brasil é um dos países de maior biodiversidade no planeta (UNEP, 2019), porém atravessa um grave desequilíbrio ambiental, motivado pela atual crise institucional do Ministério de Meio Ambiente (MMA), o que tem resultado na redução de conselhos e órgãos deliberativos do ministério, discursos ideológicos de negação da relevância da política ambiental, no desmonte de instrumentos e de políticas ambientais (CAPELARI et al., 2020CAPELARI, Mauro Guilherme Maidana et al. Mudança de larga escala na política ambiental: análise da realidade brasileira. Revista de Administração Pública, v. 54, p. 1691-1710, 2020.). Trata-se de um movimento sem precedentes e que coloca em risco a preservação dos recursos naturais, a fauna, a flora e o planeta.

Ferrante et al. (2020FERRANTE, Lucas et al. Brazil’s biomes threatened: President Bolsonaro lied to the world. Nat. Ecol. Evol. Comm, v. 22, 2020.) ressaltam que as políticas do atual governo têm favorecido o aumento de queimadas e desmatamentos no Brasil, ao mesmo tempo que se incentiva o descumprimento das leis ambientais por meio da impunidade deliberada. Do mesmo modo, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que a Amazônia Legal tem registrado as maiores taxas de áreas desmatadas dos últimos anos (INPE, 2021).

É importante ressaltar que os serviços ecossistêmicos da Amazônia favorecem não só a natureza, mas também a vida humana. Ou seja, não se trata apenas de uma pauta ambiental, mas sim de uma agenda civilizatória e que dará condições as gerações futuras desfrutarem de um planeta saudável. Os serviços ecossistêmicos desta região incluem a manutenção dos estoques de carbono, ao mesmo tempo que regulam os sistemas hidrológicos (CLEC’H et al. 2016CLEC’H, Solen Le et al. Espacialização dos serviços ecossistêmicos na escala local em um contexto de desmatamento: que abordagens estatísticas e quais dados?. Confins. Revue franco-brésilienne de géographie/Revista franco-brasilera de geografia, n. 26, 2016.).

Neste cenário, a escassez da água apresenta-se como um dos principais desafios para o planejamento de longo prazo de diversas regiões do Brasil. A água é um recurso fundamental para a agricultura, as atividades industriais, a geração de energia e a perenidade da espécie humana. Sem água não há vida. Apesar de tamanha importância, uma série de atores governamentais negligenciam as suas responsabilidades para a preservação ambiental.

A qualidade ambiental e a preservação das águas são também de responsabilidade de Estados e municípios. Braz e Longo (2021BRAZ, Sofia Negri; LONGO, Regina Márcia. Qualidade ambiental das cidades: uso de bioindicadores para avalição da poluição atmosférica. Sustentabilidade: Diálogos Interdisciplinares, v. 2, p. 1-21, 2021.) explicam que é nas cidades onde os problemas ambientais atingem maior amplitude, seja no alto nível de poluição das águas, do solo ou do ar. Dessa forma, governos subnacionais devem criar planos de sustentabilidade, fundamentados por diretrizes de longo prazo e construídos a partir de processos participativos e colaborativos visando a preservação do meio ambiente (CONTI et al., 2019CONTI, Diego de Melo et al. Collaborative governance towards cities sustainability transition. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, 2019.).

É fundamental que os governos locais encarem o problema da água como um problema que requer uma abordagem sistêmica e muitas vezes uma atuação conjunta em escala metropolitana, cabendo a criação de estruturas de governança metropolitana para deliberação e gestão das águas, como explica o estudo de Jacobi, Buckeridge e Ribeiro (2021JACOBI, Pedro Roberto; BUCKERIDGE, Marcos; RIBEIRO, Wagner Costa. Governança da água na Região Metropolitana de São Paulo-desafios à luz das mudanças climáticas. Estudos Avançados, v. 35, p. 209-226, 2021.).

Tratando-se de desafios, um dos maiores obstáculos dos governos subnacionais e do Brasil para preservação das águas está relacionado a falta de saneamento básico. Apesar de ser um direito estabelecido pela Constituição Federal, cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e outros 100 milhões de pessoas não têm serviço de coleta de esgotos no país (BORELLI, 2020BORELLI, Elizabeth. Política de saneamento básico no Brasil versus Agenda 2030. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 27, p. 19-32, 2020.). A falta de tratamento de esgoto acarreta a poluição de rios e córregos, tornando ainda mais dramática a crise socioambiental brasileira.

A preservação do meio ambiente e a universalização do saneamento básico são importantes variáveis para a saúde pública e o bem-estar social (BOVOLATO, 2010BOVOLATO, Luís Eduardo. Saneamento básico e saúde. Escritas: Revista do Curso de História de Araguaína, v. 2, 2010.). Nesse sentido, a importância da água ficou ainda mais evidente durante a pandemia de COVID19, por ser um elemento fundamental para a higienização das mãos e, desse modo, na prevenção de infecções pelo novo coronavírus.

Apesar deste cenário, o governo federal, em especial, tem criado pautas que se distanciam da resolução dos principais problemas socioambientais brasileiros, fazendo-se necessário mais do que nunca a participação de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e da academia na construção de soluções e no desenvolvimento de estudos que proporcionem conhecimento técnico-científico para o enfrentamento deste momento de crise.

A produção de conhecimento científico se faz vital em um momento de desinformação, servindo como um importante alicerce para a tomada de decisões, bem como para o desenvolvimento de políticas públicas. Dessa forma, nesta sessão apresentamos dois artigos que foram premiados no II Sustentare e V WIPIS - Workshop Internacional sobre Indicadores de Sustentabilidade, os quais proporcionam uma importante discussão sobre o tema da água.

O artigo Benchmarking enquanto ferramenta de diminuição das perdas físicas em sistemas de abastecimento de água, dos autores Luis Otávio do Amaral Marques, Rafael Santos Carvalho, Marcelo Otani Marques de Sa e Tadeu Fabrício Malheiros, trata dos benefícios oriundos da redução de perdas nos sistemas de abastecimento de água, incluindo a universalização dos serviços de saneamento. O estudo teve como objetivo levantar informações sobre os modelos de aplicação de benchmarking, bem como comparar o desempenho entre os países onde há ou não a sua aplicação no âmbito do controle de perdas de água, apontando estratégias para o melhor desempenho dos sistemas de abastecimento e o desenvolvimento sustentável.

Lavorato (2004LAVORATO, Marilena. As vantagens do benchmarking ambiental. Revista Produção Online, v. 4, n. 2, 2004.) esclarece que o benchmarking ambiental é uma importante ferramenta para o aprimoramento técnico-gerencial da gestão ambiental, sendo utilizado como um instrumento de melhoria contínua e aumento de qualidade para as organizações. Assim sendo, auxilia na proposição de metas e na descoberta de métodos e processos que possam facilitar o desenvolvimento sustentável.

Já o segundo artigo Avaliação da sustentabilidade dos indicadores de saneamento do plano das bacias PCJ 2020-2035, dos autores João Miguel Merces Bega, André do Vale Borges, Cesar Ambrogi Ferreira do Lago, Jakeline Pertile Mendes, Paulo de Tarso de Azevedo, Welington José Rocha dos Santos e Duarcides Ferreira Mariosa, apresenta diversas variáveis que compõem o processo de sustentabilidade hídrica, bem como o uso de indicadores como instrumento de mensuração para o alcance do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 - Água Potável e Saneamento - da Agenda 2030. Assim, o estudo teve como objetivo analisar os índices de esgoto coletado e de esgoto tratado presentes no Plano de Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ).

O uso de indicadores no planejamento ambiental é essencial para fundamentar decisões e ações mais eficazes com base em dados objetivos, além de simplificar, esclarecer e disponibilizar informações agregadas aos formuladores de políticas públicas, melhorando a qualidade de vida e os serviços públicos (RIBEIRO et al., 2019RIBEIRO, Tatiana Soares Viana et al. What is the role of indicators as a governance tool to help cities become more sustainable? Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, v. 12, n. 3, p. 580-593, 2019.).

A água é um tema fundamental para o Brasil e urgente para o bem-estar humano e a preservação da natureza, sendo que deve ser visto como um recurso diretamente relacionado à sustentabilidade da sociedade (JACOBI; BUCKERIDGE; RIBEIRO, 2021JACOBI, Pedro Roberto; BUCKERIDGE, Marcos; RIBEIRO, Wagner Costa. Governança da água na Região Metropolitana de São Paulo-desafios à luz das mudanças climáticas. Estudos Avançados, v. 35, p. 209-226, 2021.). A relação entre meio ambiente e a saúde está permeada em atribuir melhores condições de vida para a população. A saúde humana não pode ser protegida sem a preservação e a qualidade ambiental, bem como o meio ambiente não pode ser preservado sem o bem-estar e equilíbrio social (ALMEIDA; COTA; RODRIGUES, 2020ALMEIDA, Lorena Sampaio; COTA, Ana Lídia Soares; RODRIGUES, Diego Freitas. Saneamento, Arboviroses e Determinantes Ambientais: impactos na saúde urbana. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, p. 3857-3868, 2020.).

Conclui-se que a sustentabilidade é um fenômeno multifacetário e que requer uma construção interdisciplinar, no intuito de se criar ações sistêmicas para o enfrentamento de problemas históricos e complexos (CONTI, 2020CONTI, Diego de Melo. Interview with Fritjof Capra| Entrevista com Fritjof Capra. Sustentabilidade: Diálogos Interdisciplinares, v. 1, p. 1-6, 2020.; DE BENEDICTO et al. 2020DE BENEDICTO, S. C. et al. Sustentabilidade: um fenômeno multifacetário que requer um diálogo interdisciplinar. Sustentabilidade: Diálogos Interdisciplinares, v.1, e205158, 2020.). Dessa forma, deve ser tratado como uma agenda prioritária por municípios, Estados e o governo federal, no intuito de dar condições de habitabilidade e desenvolvimento as gerações atuais e futuras.

Desejamos a todos uma boa leitura!

References

  • ALMEIDA, Lorena Sampaio; COTA, Ana Lídia Soares; RODRIGUES, Diego Freitas. Saneamento, Arboviroses e Determinantes Ambientais: impactos na saúde urbana. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, p. 3857-3868, 2020.
  • BORELLI, Elizabeth. Política de saneamento básico no Brasil versus Agenda 2030. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 27, p. 19-32, 2020.
  • BOVOLATO, Luís Eduardo. Saneamento básico e saúde. Escritas: Revista do Curso de História de Araguaína, v. 2, 2010.
  • BRAZ, Sofia Negri; LONGO, Regina Márcia. Qualidade ambiental das cidades: uso de bioindicadores para avalição da poluição atmosférica. Sustentabilidade: Diálogos Interdisciplinares, v. 2, p. 1-21, 2021.
  • CAPELARI, Mauro Guilherme Maidana et al. Mudança de larga escala na política ambiental: análise da realidade brasileira. Revista de Administração Pública, v. 54, p. 1691-1710, 2020.
  • CLEC’H, Solen Le et al. Espacialização dos serviços ecossistêmicos na escala local em um contexto de desmatamento: que abordagens estatísticas e quais dados?. Confins. Revue franco-brésilienne de géographie/Revista franco-brasilera de geografia, n. 26, 2016.
  • CONTI, Diego de Melo. Interview with Fritjof Capra| Entrevista com Fritjof Capra. Sustentabilidade: Diálogos Interdisciplinares, v. 1, p. 1-6, 2020.
  • CONTI, Diego de Melo et al. Collaborative governance towards cities sustainability transition. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, 2019.
  • DE BENEDICTO, S. C. et al. Sustentabilidade: um fenômeno multifacetário que requer um diálogo interdisciplinar. Sustentabilidade: Diálogos Interdisciplinares, v.1, e205158, 2020.
  • FERRANTE, Lucas et al. Brazil’s biomes threatened: President Bolsonaro lied to the world. Nat. Ecol. Evol. Comm, v. 22, 2020.
  • JACOBI, Pedro Roberto; BUCKERIDGE, Marcos; RIBEIRO, Wagner Costa. Governança da água na Região Metropolitana de São Paulo-desafios à luz das mudanças climáticas. Estudos Avançados, v. 35, p. 209-226, 2021.
  • LAVORATO, Marilena. As vantagens do benchmarking ambiental. Revista Produção Online, v. 4, n. 2, 2004.
  • RIBEIRO, Tatiana Soares Viana et al. What is the role of indicators as a governance tool to help cities become more sustainable? Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, v. 12, n. 3, p. 580-593, 2019.
  • INPE. Terra Brasilis. Taxas de Desmatamento da Amazônia Legal. Disponível em: <http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/deforestation/biomes/legal_amazon/rates>. Acesso em 30 ago. 2021.
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  • UNEP. Megadiverse Brazil: giving biodiversity an online boost. 28 fev. 2019. Disponível em: <http://www.unep.org/news-and-stories/story/megadiverse-brazil-giving-biodiversity-online-boost>. Acesso em: 22 ago. 2021.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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