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Macaco, peixe, pássaro e turistas: atores locais e contextos globais associados à conservação da Amazônia

Resumo

A Amazônia tem se tornado cada vez mais um terreno de intensas e variadas disputas locais e transnacionais. No interior de suas matas, recortadas por miríades de grandes rios, paranãs e igarapés, habitam diversos povos de distintas matrizes étnico-culturais que dela dependem para sua sobrevivência. Este trabalho lança um olhar sobre as formas como alguns grupos locais lidam com questões atribuídas por agendas globais voltadas para a preservação da floresta. Através da relação entre três espécies da fauna e o turismo, busca compreender como esses grupos desenvolvem localmente seus processos de negociação e resolução de conflitos para praticar suas formas de conservação e desenvolvimento. Anos de pesquisa de campo, em duas áreas protegidas da Amazônia Brasileira, proporcionam a reflexão sobre as maneiras como a floresta é habitada e manejada, e revelam as formas como comunidades e instituições negociam interesses conflitantes sobre a conservação e o uso do ambiente.

Palavras-chave:
Amazônia; Uacari; Pirarucu; Freirinha; Turismo

Abstract

The Amazon has increasingly become a terrain of intense and distinct local and transnational disputes. In the interior of its forests, cut by myriads of rivers, inhabit a variety of peoples that depend on it for their survival. This work analyses the ways in which some local groups deal with issues assigned by global agendas focused on the preservation of the forest. Through the relationship between three species of fauna and tourism, it seeks to understand how these groups locally develop their processes of negotiation and conflict resolution to practice their forms of conservation and development. Years of field research in two protected areas of the Brazilian Amazon provide a reflection on how the forest is inhabited and managed, revealing the ways in which communities and institutions negotiate conflicts of interests regarding conservation and use of the environment.

Keywords:
Amazon; Uakari; Arapaima; Nunlet; Tourism

Resumen

La Amazonía se ha convertido cada vez más en un terreno de intensas y distintas disputas locales y transnacionales. En el interior de sus bosques, cortados por miríadas de ríos, habitan pueblos de diferentes matrices étnico-culturales que dependen del ambiente para su supervivencia. Este trabajo analiza las formas en que grupos locales tratan los temas asignados por las agendas globales enfocadas en la preservación de la selva. A través de la relación entre tres especies de fauna con el turismo, se busca comprender cómo estos grupos desarrollan localmente sus procesos de negociación y resolución de conflictos para practicar sus formas de conservación y desarrollo. Años de investigación de campo, en dos áreas protegidas de la Amazonía brasileña, brindan una reflexión sobre la forma en que se habita y maneja el bosque, y revelan como las comunidades e instituciones negocian intereses en conflicto sobre conservación y uso del ambiente.

Palabras-clave:
Amazonia; Uacari; Paiche; Monjilla; Turismo

Introdução

A Amazônia consolida no século XXI sua imagem como cenário das mais intensas e variadas disputas geopolíticas sobre confrontantes interesses locais e globais (BECKER, 2005BECKER, B. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n. 53, p. 71-86, 2005), encarnando a nostalgia de um equilíbrio entre seres humanos e natureza (DESCOLA, 1997DESCOLA, P. Ecologia e cosmologia. In. CASTRO, E.; PINTON, F. (orgs) Faces do Trópico úmido: conceitos e questões sobre desenvolvimento e meio ambiente. Belém: UFPA-NAEA, 1997, p. 243-261.). Desde as primeiras invasões europeias, iniciadas há mais de cinco séculos, a grande floresta tem sido cobiçada por povos estrangeiros que buscam colonizá-la, com resultados desastrosos para as populações locais (CARNEIRO DA CUNHA, 1994CARNEIRO DA CUNHA, M. O futuro da questão indígena. Estudos Avançados, São Paulo, v. 8, n. 20, p. 121-136, 1994.). Espanhóis e portugueses, principalmente, mas também ingleses, franceses e holandeses, travaram acirrados embates pelo controle de fatias da floresta (GADELHA, 2002GADELHA, R. Conquista e ocupação da Amazônia: a fronteira Norte do Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 16, n. 45, p. 63-80, 2002.) onde supostamente estaria escondido o “eldorado” e a tribo das amazonas (LANGER, 1997LANGER, J. O mito do eldorado: origem e significado no Imaginário sul-americano (século XVI). Revista de História, São Paulo, n. 136, p. 25-40, 1997.).

Em cinco séculos de exploração, distintos interesses guiaram as ações daqueles que ainda desejam as riquezas da floresta. A começar pelas expedições movidas pelo mito das cidades de ouro (LANGER, 1997LANGER, J. O mito do eldorado: origem e significado no Imaginário sul-americano (século XVI). Revista de História, São Paulo, n. 136, p. 25-40, 1997.), passando por investidas missionárias e científicas, o imaginário europeu - embasado nas concepções fantásticas sobre as Índias (SILVEIRA, 2018SILVEIRA, S. América: projeção da geografia fantástica das Índias. In: CASTRO, E.; PINTO, R. (orgs). Decolonialidade e sociologia na América Latina. Belém: NAEA: UFPA, 2018, p. 53-80.) - projetou nos novos territórios a ideia de ‘Natureza’ como o espaço não dominado por europeus (PRATT, 1999PRATT, M. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. Bauru: EDUSC, 1999.). Daí a necessidade de investigar as riquezas naturais da Amazônia, sendo a viagem científica idealizada sob uma lógica imperialista (ALMEIDA, 2017ALMEIDA, F. Viagens. 2017. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.), em que o caráter imperial dos viajantes produziu, através dos relatos, informações úteis para os projetos europeus de dominação (CARNEIRO, 2001CARNEIRO, H. O múltiplo imaginário das Viagens modernas: ciência, literatura e turismo. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 35, p. 227-247, 2001.). Foi assim que renomados naturalistas - como Bates, Wallace, Martius e Spix, entre outros - esforçaram-se para conhecer os ‘sertões’ do Brasil, ambientes inóspitos que estavam na fronteira da colonização (MIRANDA, 2009MIRANDA, L. O Deserto dos Mestiços: O Sertão e seus Habitantes nos relatos de viagem do início do Século XIX. História, São Paulo, v. 28, n. 2, p. 621-643, 2009.).

Entre os ciclos exploratórios das riquezas da Amazônia, as ‘drogas do sertão’ - cravo, salsaparrilha, cacau, copaíba, etc. - representaram o primeiro esforço para obter lucro da floresta durante o período colonial (GOMES, 2018GOMES, C. Ciclos econômicos do extrativismo na Amazônia na visão dos viajantes naturalistas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi - Ciências Humanas, Belém, v. 13, n. 1, p. 129-146, 2018.). No final do século XIX, a borracha surgiu como a nova promessa de enriquecimento para o interior amazônico, proporcionando um crescimento efêmero que contrastava a prosperidade urbana com os abusos e a miséria nos seringais (SOUZA, 2019SOUZA, M. História da Amazônia: do período pré-colombiano aos desafios do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2019.). Já na segunda metade do século XX, as queimadas e a exploração madeireira simbolizaram o processo de destruição da floresta, ao passo que fizeram despertar a preocupação com sua proteção sob a lógica do desenvolvimento sustentável (ZHOURI, 2006ZHOURI, A. O ativismo transnacional pela Amazônia: entre a ecologia política e o ambientalismo de resultados. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 12, n. 25, p. 139-169, 2006.).

Nas últimas décadas, a pecuária se tornou a principal atividade responsável pelo desmatamento na Amazônia Brasileira (RIVERO et al, 2009RIVERO, S.; ALMEIDA, O.; ÁVILA, S.; OLIVEIRA, W. Pecuária e desmatamento: uma análise das principais causas diretas do desmatamento na Amazônia. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 19, n 1, p. 41-66, 2009.), enquanto o plantio de soja impõe o avanço da fronteira agrícola ao ocupar as áreas de pasto, forçando a expansão de novas áreas a serem desmatadas para a criação de gado (BARONA et al, 2010BARONA, E.; RAMANKUTTY, N.; HYMAN, G.; COOMES, O. The role of pasture and soybean in deforestation of the Brazilian Amazon. Environmental Research Letters, Berkeley, v. 5, p. 1-9, 2010.) e contribuindo para o aumento do êxodo rural (DOMINGUES; BERMANN 2012DOMINGUES, M.; BERMANN, C. O arco de desflorestamento na Amazônia: da pecuária à soja. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 15, n. 2. p. 1 -22, 2012.). Com isso, as populações tradicionais ficaram impedidas de reproduzir seus modos de vida, tanto pelo padrão de ocupação predatório, quanto pelo modelo de conservação ambiental excludente (ARRUDA, 1999ARRUDA, R. “Populações Tradicionais” e a proteção dos recursos naturais em Unidades de Conservação. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 5, p. 79-92, 1999.).

Como reflexo do aumento nas perdas de cobertura vegetal e ameaças às culturas humanas, cresceu na Amazônia a luta pela preservação da floresta aliada à busca pelos direitos dos povos tradicionais, culminando na organização de importantes movimentos sociais, “que encontraram no discurso ambientalista o suporte necessário para suas reivindicações sociais” (LIMA; POZZOBON, 2005LIMA, D.; POZZOBON, J. Amazônia socioambiental. Sustentabilidade ecológica e diversidade social. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n 54, p. 45-76, 2005., p. 61). A partir das lutas dos ribeirinhos para a proteção de lagos (CASTRO; MCGRATH, 2001CASTRO, F.; MCGRATH, D. O manejo comunitário de lagos na Amazônia. Parcerias Estratégicas, Brasília, n. 12, p. 112-126, 2001.) e dos seringueiros pela criação das primeiras Reservas Extrativistas, os camponeses da floresta passaram de uma posição de invisibilidade social para se tornarem exemplo de desenvolvimento sustentável com participação popular (ALMEIDA, 2004ALMEIDA, M. Direitos à floresta e ambientalismo: seringueiros e suas lutas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 19, n. 55, p. 33-53, 2004.).

O interesse pela preservação da natureza, aliada ao discurso do desenvolvimento sustentável, recebeu aporte financeiros de grandes bancos e ONGs internacionais (RANDERIA, 2007RANDERIA, S. Global Designs and Local Lifeworlds Colonial Legacies of Conservation, Disenfranchisement and Environmental Governance in Postcolonial India. Interventions, London, v. 9, n. 1, p. 12-30, 2007.). Concomitante a esses movimentos, ganhou força o estímulo da prática do ecoturismo (GOODWIN, 1996; PINTO, 2017PINTO, P. Ecoturismo na fronteira pan-amazônica: possibilidades de gestão local em áreas protegidas do Brasil, Colômbia e Peru. Revista Brasileira de Ecoturismo, São Paulo, v. 9, n. 6, p.638-656, 2017.) e, mais recentemente, do [eco]turismo de base comunitária (KISS, 2004KISS, A. Is community-based ecotourism a good use of biodiversity conservation funds? Trends in Ecology and Evolution, v.19, n. 5, p. 232-237, 2004.). Inúmeros exemplos vêm surgindo por toda a Amazônia, de comunidades que se organizam para trabalhar o turismo em suas áreas (COELHO, 2013COELHO, E. Refletindo sobre turismo de base comunitária em Unidades de Conservação através de uma perspectiva amazônica. Revista Brasileira de Ecoturismo, São Paulo, v.6, n.1, p.313-326, 2013., REYES et al, 2015REYES, M., MACHADO, E. Y ORTEGA, A. Evaluación de territorios para desarrollar el turismo comunitario en la región amazónica del Ecuador. Turismo y Sociedad, Bogotá, v. 17, p. 39-62, 2015.; PERALTA, 2016PERALTA, N. Ecoturismo como incentivo à conservação da biodiversidade: o caso da Pousada Uacari. In. OZORIO, R.; PERALTA, N.; VIEIRA, F. (orgs.) Lições e reflexões sobre o turismo de base comunitária na Reserva Mamirauá. Tefé: IDSM, 2016, p. 168-186.; PINTO, 2017), aliando conservação ambiental, desenvolvimento, valorização cultural e empoderamento local. Este é o caso das comunidades que habitam as duas áreas protegidas foco desta análise, onde uma espécie de macaco, uma de peixe e uma de pássaro invocam diversas questões associadas à conservação e ao uso da floresta.

A área de estudo

As regiões apresentadas neste estudo estão situadas na porção central da Amazônia, próximas ao rio Solimões. Ao longo dos séculos, a paisagem regional e seus habitantes testemunharam inúmeros eventos históricos que influenciaram fortemente o cenário social e político local. Atualmente, uma importante realidade é a existência de áreas legalmente protegidas, como Reservas Extrativistas (RESEX), Florestas Nacionais (FLONA) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS). Se, no presente, essas Unidades de Conservação (UC) simbolizam a tentativa de conciliar proteção e uso, no passado, a exploração desenfreada dos recursos naturais alterou as relações entre populações humanas e o ambiente, originando os movimentos locais e internacionais de preservação da floresta Amazônica. Foi assim com a organização dos seringueiros para a criação da primeira RESEX, no Acre (CALEGARE et al, 2014CALEGARE, M.; HIGUCHI, M; BRUNO, A. Povos e comunidades tradicionais: das áreas protegidas à visibilidade política de grupos sociais portadores de identidade étnica e coletiva. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 115-134, 2014.), e assim também com os ribeirinhos que participaram da criação das primeiras RDS do Brasil - Mamirauá e Amanã (LIMA; PERALTA, 2017LIMA, D.; PERALTA, N. Developing Sustainability in the Brazilian Amazon: Twenty Years of History in the Mamirauá and Amanã Reserves. Journal of Latin American Studies, Cambridge, p. 1-29, 2017.).

Atividades locais como a extração de borracha, madeira e outros produtos da floresta, criação de gado, pesca e agricultura, já faziam parte dos usos e das redes de trocas regionais, antes da constituição das Reservas Mamirauá e Amanã. A RDS é uma área natural que abriga populações tradicionais, onde se permite a exploração dos recursos naturais de formas sustentáveis, desempenhando a função de proteção da natureza e manutenção da diversidade biológica, além de assegurar as condições para a reprodução e a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes (BRASIL, 2000). Buscando ativar o diálogo e a negociação entre os atores envolvidos, o modelo de UC que se tornou muito replicado na Amazônia teve sua gestação e nascimento na região.

Reserva Mamirauá e Reserva Amanã se construíram a partir de processos e reivindicações assumidos e organizados por ações daqueles que formam seu contingente humano. Lideranças, comunidades, setores políticos, assembleias e conselhos; órgãos gestores, fiscalizadores e financiadores; moradores, usuários, pesquisadores e turistas - todos estes grupos congregam uma rede de atores sociais e políticos que transformaram as maneiras de condução dos processos através dos fóruns de tomada de decisão. A partir da instituição da entidade ‘Reserva’, um novo cenário se constituiu na região, com novas dinâmicas políticas, que passam a ser incorporadas por seus moradores e usuários. Noções como biodiversidade, recursos naturais, manejo e desenvolvimento sustentável, estão implicados em relações assimétricas de poder e passam a fazer parte do cotidiano das populações locais (RANDERIA, 2007RANDERIA, S. Global Designs and Local Lifeworlds Colonial Legacies of Conservation, Disenfranchisement and Environmental Governance in Postcolonial India. Interventions, London, v. 9, n. 1, p. 12-30, 2007.; GISSIBL, 2016GISSIBL, B. The Nature of German Imperialism - Conservation and the Politics of Wildlife in Colonial East Africa. Berghahn Books: New York, 2016.).

A RDS Mamirauá, instituída em 1996 com 1.124.000 hectares, foi a primeira UC dessa categoria; criada por meio de esforços conjuntos entre diversos atores, em especial seus moradores que, apoiados pela igreja católica, se organizavam em comunidades para lutar pela preservação de suas áreas contra a pesca predatória (PERALTA; LIMA, 2015PERALTA, N.; VIEIRA, F.; OZORIO, R. Gestão participativa da Pousada Uacari: um processo em construção. Revista Brasileira de Ecoturismo, São Paulo, v.8, n.1, p. 115-133, 2015.). Com a chegada do biólogo José Marcio Ayres à região, na década de 1980, para pesquisar o primata estudado no século anterior por Henry Bates (AYRES; JOHNS, 1987AYRES, J.; JOHNS, A. Conservation of white uacaries in Amazonian várzea. Oryx, Cambridge, v. 21, n. 2, p. 74-80, 1987.), a região do lago Mamirauá passou a ser também alvo de interesse científico e preservacionista. Uma equipe de pesquisadores1 1 - O Projeto Mamirauá, desenvolvido pela Sociedade Civil Mamirauá, deu origem ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM). passou a atuar na região, agindo também politicamente para garantir a preservação das várzeas de Mamirauá.

Em 1990 foi decretada uma Estação Ecológica, que não permitia a permanência nem o uso pelos moradores (LIMA; PERALTA, 2017LIMA, D.; PERALTA, N. Developing Sustainability in the Brazilian Amazon: Twenty Years of History in the Mamirauá and Amanã Reserves. Journal of Latin American Studies, Cambridge, p. 1-29, 2017.). Seis anos depois, em meio a novos debates sobre conservação e desenvolvimento (CALEGARE et al., 2014CALEGARE, M.; HIGUCHI, M; BRUNO, A. Povos e comunidades tradicionais: das áreas protegidas à visibilidade política de grupos sociais portadores de identidade étnica e coletiva. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 115-134, 2014.), foi instituído o modelo de Reserva de Desenvolvimento Sustentável, que visa harmonizar interesses locais e globais, conciliando conhecimento tradicional e científico, a fim de alcançar o desenvolvimento sustentável que tipifica a reserva. Em 1998, a ideia de ‘Reserva’ atravessou o rio Japurá, chegando às várzeas e terras firmes do que viria a se tornar a RDS Amanã. Com 2.348.962 hectares a reserva forma, ao lado de Mamirauá e outras UCs, um enorme mosaico de áreas protegidas do Corredor da Amazônia Central (AYRES et al. 2005AYRES, J., FONSECA, G., RYLANDS, A., QUEIROZ, H. PINTO, L., MASTERSON, D., CAVALCANTI, R. Os corredores ecológicos das florestas tropicais do Brasil. Belém, PA: Sociedade Civil Mamirauá, 2005.).

A partir da criação das reservas, as atividades econômicas pré-existentes na região foram mantidas, porém com foco no manejo sustentável através de uma abordagem técnico-científica. O Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) realiza trabalhos de pesquisa e extensão, ganhando notoriedade as ações desenvolvidas em conjunto com os moradores nas temáticas da pesca e do turismo2 2 - Os trabalhos relacionados ao manejo do pirarucu e à iniciativa de ecoturismo da Pousada Uacari, já receberam diversos prêmios nacionais e internacionais. . Ambas UCs têm complexa estrutura política e forte participação social, com diversas instâncias de tomada de decisão. Suas áreas são subdivididas em setores, que agrupam comunidades geograficamente próximas. Cada comunidade escolhe seus representantes, que participam de reuniões do setor, grupos temáticos e assembleias gerais. Os setores também elegem seus representantes e possuem espaço nos conselhos deliberativos das reservas. Este estudo foca os setores Mamirauá e Lago Amanã (Figura 1). No primeiro já existe uma iniciativa [institucional / comunitária] de turismo desde 1998 e outra [comunitária] desde 2014; enquanto, no segundo, acontecem trabalhos de extensão e pesquisa sobre o tema desde 2007, mas ainda não foi instituída uma iniciativa local de turismo.

Figura 1
Reservas Mamirauá e Amanã, com destaque para as áreas onde acontecem os trabalhos com turismo

O objetivo deste trabalho é analisar como questões referentes às estratégias e agendas globais de preservação da floresta Amazônica são incorporadas e ressignificadas pelas populações que habitam as zonas rurais transformadas em áreas protegidas, bem como as formas com que se dão os processos de negociação de interesses e aplicação prática dos mecanismos atribuídos à gestão e ao manejo do ambiente. Para tanto, analisamos uma vasta bibliografia sobre o tema, em especial na região estudada, e nos valemos de profundos conhecimentos de campo, adquiridos ao longo de mais de uma década de pesquisas na região.

O primeiro autor que assina este estudo atuou como pesquisador bolsista CNPq pelo IDSM entre 2009 e 2012, investigando sobre o turismo de base comunitária (TBC) nos setores Lago Amanã e Mamirauá. No período de três anos em que habitava a cidade de Tefé, viajava periodicamente para as reservas por uma ou duas semanas por mês, quando pôde conhecer as realidades locais, construir relações de confiança com os principais atores e vislumbrar algumas possibilidades para o turismo na RDS Amanã.

Posteriormente, o pesquisador retornou de forma independente, entre 2014 e 2016, para morar no Lago Amanã e apoiar a formação do Grupo de Turismo do Amanã, composto por moradores de três comunidades que buscavam consolidar o turismo de forma autônoma. Por meses seguidos pôde acompanhar os processos de planejamento das comunidades, que se articulavam de maneira conjunta e buscavam formar parcerias com outras instituições e com os moradores da Reserva Mamirauá, que já possuem experiência na prestação de serviços.

Desde 2017, ambos3 3 - O primeiro autor é aluno de doutorado em geografia pela UFMG, enquanto o segundo autor é professor e orientador da pesquisa. os autores investigam sobre as ‘Bases Comunitárias para um Turismo Libertador’, em que buscam compreender sobre as formas locais de organização para o turismo nas duas UCs. Durante pesquisa de campo, a permanência por um ano no Lago Amanã, com períodos mais curtos na Pousada Uacari, permitiu a compreensão de processos socioeconômicos e dinâmicas sazonais, que variam imensamente nas estações seca e cheia, e como a atividade turística se relaciona com as atividades cotidianas.

Assim, entre idas e vindas, no decorrer de onze anos de pesquisa na Amazônia - dos quais mais de três anos habitando de forma intermitente nas comunidades4 4 - Foi frequente a estadia por longos períodos nas comunidades da RDS Amanã - em especial Ubim, Baré e Sitio São Miguel do Cacau - e na Pousada Uacari, bem como períodos mais curtos de estadia em outras comunidades do Lago Amanã e nas comunidades do setor Mamirauá. , sobretudo da Reserva Amanã - a principal estratégia de investigação foi a observação participante, através de um convívio próximo, o envolvimento nas atividades dos moradores e o acompanhamento de viagens turísticas (COELHO, 2013COELHO, E. Refletindo sobre turismo de base comunitária em Unidades de Conservação através de uma perspectiva amazônica. Revista Brasileira de Ecoturismo, São Paulo, v.6, n.1, p.313-326, 2013.; COELHO; GONTIJO, 2021a, 2021b).

As investigações se embasaram na participação frequente no dia a dia das comunidades, acompanhando os afazeres associados a agricultura, pesca, extrativismos e organização política e estiveram aliadas à realização de entrevistas livres com os principais atores locais. Dessa forma, através de uma abordagem etnográfica, puderam ser analisadas nestes dois estudos de caso diversas questões correlacionadas à atividade turística, que dizem respeito às formas de organização comunitária, aos mecanismos de acesso aos direitos e às negociações entre os múltiplos atores locais. Foi possível então compreender as várias camadas que permeiam as relações internas e externas entre comunidades e instituições.

Contextos globais, disputas locais

Ribeirinhos, caboclos, indígenas e colonizadores; Bates, Ayres e o macaco uacari; ciclos extrativos, desmatamento e conflitos pesqueiros; igreja católica, comunidades e ONG’s ambientalistas; reservas, pesquisa científica, manejo e turismo comunitário. É nesse emaranhado de atores, interações e eventos, que se desenrolam os fatos narrados a seguir. Delineamos anteriormente algumas das principais questões globais que permearam a história e a geografia das paisagens e territórios amazônicos. Neste contexto situamos as análises sobre como a Amazônia e seus povos se inserem na política mundial, incorporando, interpretando e produzindo suas formas de engajamento e resistência.

Apresentamos a seguir dois exemplos que abarcam questões globais e locais, que se manifestam por temas associados ao manejo sustentável de recursos, envolvendo organização comunitária, fóruns coletivos de tomada de decisão, conflitos de interesses e negociações entre lideranças. Os programas de manejo comunitário na Amazônia pressupõem que as comunidades envolvidas apresentam interesse na sustentabilidade de seus recursos e possuem maior conhecimento dos processos ecológicos e das práticas tradicionais de uso (BENATTI et al, 2003BENATTI, J.; MCGRATH, D.; OLIVEIRA, A. Políticas Públicas e Manejo Comunitário de Recursos Naturais na Amazônia. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 137-154, 2003.). O primeiro caso trata de uma disputa simbólica entre peixe, macaco e turismo, enquanto o segundo se desenrola nos processos de territorialidades e uso da paisagem, com a inserção de um pássaro como elemento de interesse turístico.

Sobre macaco, peixe e turistas

O cenário é a então criada Reserva Mamirauá, em seu setor político homônimo, onde Bates estudara o macaco uacari e Ayres dera sequência aos estudos mais de um século depois, que culminariam com a proteção da área de ocorrência do primata, a criação de uma Estação Ecológica, sua transformação em Reserva de Desenvolvimento Sustentável, a categorização do lago Mamirauá como lago de preservação, o estabelecimento de um instituto de pesquisa e a construção da Pousada Uacari5 5 - Pousada institucional / comunitária construída entre 1998 e 2001 com recursos de um financiador britânico - o DFID (Department for International Development). Para histórico de implementação ver Peralta et al (2015). , que herdaria, além do nome do macaco, toda a carga histórica relacionada à proteção do peixe que habita as águas do Mamirauá. O pirarucu, (Arapaima gigas, Schinz, 1822), gigante das águas amazônicas e o macaco uacari-branco, (Cacajao calvus calvus, I. Geoffroy, 1847), desencadeariam disputas que, junto com a figura do turista, congregariam toda uma lógica transnacional construída sobre um discurso divergente de preservação versus uso, que se fez materializado neste ambiente rural amazônico.

A escalada das contradições tem sua origem a partir do momento em que a área passou a ser legalmente protegida, logo, sendo preciso trabalhar em conjunto com as populações locais, que conquistaram o direito de residir e manter seus modos de vida na RDS. O intuito era, de fato, incluí-las no processo e ajudá-las a se tornarem protagonistas, pois seriam as maiores beneficiárias na luta pela proteção dos recursos dos quais ainda dependem - em especial o pescado - e que vinham sendo depredados por agentes externos6 6 - Antes da proteção da área, a presença de grandes barcos pesqueiros representava um enorme desafio para as populações locais (LIMA; PERALTA, 2017). . Como apontam Queiroz e Peralta (2006QUEIROZ, H.; PERALTA, N. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável: Manejo Integrado dos Recursos Naturais e Gestão Participativa. In: GARAY, I.; BECKER, B. (orgs). Dimensões humanas da biodiversidade. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 447-476.), a forma de inclusão dos moradores se deu através da implementação de fóruns de debates e negociações, esforços para capacitação e formação de lideranças e a introdução de práticas de manejo sustentável, todos ancorados em processos de pesquisa, diagnósticos participativos, financiamentos transnacionais, e motivados por interesses globais acerca dos resultados positivos referentes à preservação da Amazônia. No entanto, como demonstram Peralta e Lima (2017LIMA, D.; PERALTA, N. Developing Sustainability in the Brazilian Amazon: Twenty Years of History in the Mamirauá and Amanã Reserves. Journal of Latin American Studies, Cambridge, p. 1-29, 2017.), entre representantes comunitários e institucionais havia diferentes opiniões e interesses a respeito dos usos do Lago Mamirauá.

O ápice da discórdia se deu quando uma liderança local, imbuída de suas atribuições e responsabilidades, e que havia sido ‘capacitada’ pelos atores institucionais que representavam esses interesses globais, atuou - em um fórum de decisões legítimo, enquanto representante de sua comunidade e setor político - para decidir em favor de interesses que eram divergentes aos daqueles que o haviam treinado. A cena específica foi uma reunião do conselho deliberativo da RDS Mamirauá, em 2011, e o tema votado era a mudança de categoria de proteção do Lago Mamirauá, que passaria de lago de procriação (ou preservação) para lago de manejo (ou comercialização). Isto permitiria a aplicação pelos moradores do setor dos protocolos desenvolvidos pelo próprio instituto de pesquisa, a fim de realizarem a despesca manejada do pirarucu.

A decisão do conselho foi favorável ao líder comunitário que havia levado a questão para votação, alterando então a categoria de proteção do lago, fato que desencadearia uma série de reações de outros atores sociais7 7 - Para uma abordagem sobre esses acontecimentos, ver Peralta e Lima (2015) e Peralta (2016). . Técnicos e pesquisadores do Instituto Mamirauá - que foi contra a mudança do status de proteção do lago - tentaram mostrar a necessidade de manter a proteção total do lago por sua importância ecológica para a Reserva (PERALTA, 2016PERALTA, N. Ecoturismo como incentivo à conservação da biodiversidade: o caso da Pousada Uacari. In. OZORIO, R.; PERALTA, N.; VIEIRA, F. (orgs.) Lições e reflexões sobre o turismo de base comunitária na Reserva Mamirauá. Tefé: IDSM, 2016, p. 168-186.). É neste momento que o ecoturismo (de base comunitária) - representado pela Pousada Uacari - e o manejo do pirarucu, passam a competir de forma localizada por uma legitimidade político-institucional-territorial, como mecanismos de defesa dos interesses ribeirinhos para o uso e a conservação do ambiente.

Enquanto alguns moradores das comunidades almejavam o manejo de pesca, outros se interessavam em manter o ecoturismo como atividade econômica. Na visão de alguns atores institucionais, era um ou outro - o lago Mamirauá não poderia então, segundo os argumentos técnico-científicos, comportar as duas atividades econômicas. Por anos um grupo negociou a alteração da categoria do lago Mamirauá, quando a questão passou a ser resumida a uma mera escolha entre usar o lago para a pesca ou para o turismo, o que se refletiu claramente na pauta de uma reunião para discutir o tema: “pesca ou ecoturismo” (PERALTA, 2016PERALTA, N. Ecoturismo como incentivo à conservação da biodiversidade: o caso da Pousada Uacari. In. OZORIO, R.; PERALTA, N.; VIEIRA, F. (orgs.) Lições e reflexões sobre o turismo de base comunitária na Reserva Mamirauá. Tefé: IDSM, 2016, p. 168-186., p. 181).

Questões determinantes, como a colonialidade do saber (MALDONADO-TORRES, 2007MALDONADO-TORRES, N. On the coloniality of being. Cultural Studies, London, v. 21, n. 2-3, p. 240-270, 2007.), a marginalização do ‘conhecimento local’ e a reivindicação de uma racionalidade científica (RANDERIA, 2007RANDERIA, S. Global Designs and Local Lifeworlds Colonial Legacies of Conservation, Disenfranchisement and Environmental Governance in Postcolonial India. Interventions, London, v. 9, n. 1, p. 12-30, 2007.), puderam ser percebidas no desenrolar dos fatos, quando pesquisadores tentaram comprovar - em ambientes decisórios - que o manejo do pirarucu no lago Mamirauá conflagraria a redução dos estoques pesqueiros até a extinção local da espécie, que, como argumentavam, precisava do ambiente protegido daquele lago para procriar e colonizar outras áreas. No entanto, apesar de importantes pesquisas8 8 - A relação source-sink, é utilizada para comprovar a importância dos lagos de proteção, bem como a efetividade da aplicação do manejo de pirarucu na recuperação dos estoques (CAMPOS-SILVA et al, 2019), inclusive na região das Reservas Mamirauá e Amanã (AMARAL, 2013). apontarem para a necessidade de proteção da espécie e de seus hábitats, uma série de relatos9 9 - Viajantes e naturalistas do século XIX, como Paul Marcoy (2006) e Alfred Wallace (2004), entre outros, apontavam para o alto consumo do pirarucu, tanto pelas populações indígenas quanto comercialmente. demonstra que, desde antes dos estudos de Bates, até os de Ayres, e mesmo com todos os mecanismos de proteção10 10 - Uma das condições para o manejo do pirarucu é a garantia de proteção dos lagos. No caso do Mamirauá, a vigilância é feita há décadas, mas sempre com incontáveis relatos de encontros com pescadores ou com vestígios da presença constante destes. criados a partir do ‘tempo da Reserva’, o lago Mamirauá continua sendo espaço de disputas, e ocupado por pescadores ‘invasores’ - sendo o pirarucu11 11 - Cabe aqui uma nota de pesar sobre os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips: mesmo sendo notório que diversas outras questões político-ideológicas influenciaram atitudes que legitimam a violência e o descaso que levaram à morte dos dois homens que se empenhavam na proteção da Amazônia, é preciso destacar que foi a disputa por territórios pesqueiros - onde se destaca a pesca (ilegal) do pirarucu - que colocou os dois na perigosa situação que culminou com suas lamentáveis mortes. o alvo maior das investidas pesqueiras. As figuras 2 e 3 mostram, de um lado, os frutos da pesca do pirarucu e, de outro, a Pousada Uacari.

Figuras 2 e 3
Mantas de pirarucu secando. Pousada Uacari

Quais questões pairavam sob as águas agitadas das negociações locais e internacionais, no palco das disputas para dominar o saber, o agir, o pescar, amazônico? Os sistemas de manejo de pesca alteraram a forma como os pescadores lidam com os ambientes de lagos (FERREIRA et al, 2015FERREIRA, J.; PERALTA, N.; SANTOS, R. “Nossa Reserva”: redes e interações entre peixes e pescadores no médio rio Solimões. Amazônica,. v. 7, n. 1, p. 158-185, 2015.), mas esse próprio sistema desenvolvido na parceria entre pescadores e pesquisadores aponta para a recuperação dos estoques (CAMPOS-SILVA et al, 2019CAMPOS-SILVA, J.; HAWES, J.; PERES, C. Population recovery, seasonal site fidelity, and daily activity of pirarucu (Arapaima spp.) in an Amazonian floodplain mosaic. Freshwater Biology, p. 1-10. 2019.), logrando também garantir o acesso das comunidades ao pescado (como fonte de proteína e de renda), além de melhorar o sistema de proteção dos lagos (QUEIROZ; PERALTA, 2006QUEIROZ, H.; PERALTA, N. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável: Manejo Integrado dos Recursos Naturais e Gestão Participativa. In: GARAY, I.; BECKER, B. (orgs). Dimensões humanas da biodiversidade. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 447-476., AMARAL, 2013AMARAL, E. (org.) Biologia, conservação e manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia. Tefé: IDSM, 2013.). Porque não conciliar ecoturismo e manejo de pesca, que inclusive pode representar um atrativo diferencial, como forma tradicional da atividade pesqueira? Ademais, a despesca conforme os protocolos de manejo, acontece apenas em um breve período do ano (duas ou três semanas), não representando um ‘inconveniente’ para o uso regular do lago como ‘atrativo (eco)turístico’.

Concluindo, o manejo de pesca aconteceu no lago Mamirauá apenas em 2012, mas não se sustentou, pois questões técnicas e políticas evoluíram para outras resoluções. As mesmas lideranças que desejavam organizar o manejo pesqueiro, passaram então a pleitear a pesca esportiva do pirarucu e de outras espécies, no mesmo lago Mamirauá, o que foi recebido com mais apreço por lideranças institucionais. Parece que o símbolo12 12 - A logo do IDSM, é formado por uma imagem do pirarucu abaixo das ‘águas’ representadas pelos caracteres de Mamirauá. do instituto de pesquisa, que leva o nome do lago e da Reserva, devia mesmo permanecer com o peixe (que dá vida a esse símbolo) sob as águas. Pois assim manteve-se o pirarucu - pelo menos no contexto político institucional - sem ser pescado, naquele lago em especial. Se tanto e quando muito, retirado das águas por pouco tempo, pois só foi permitida a pesca pelo prazer de pegá-lo e soltá-lo (por esporte), mas não pela necessidade de comê-lo ou vendê-lo - a menos que ‘clandestinamente’, por um pescador (ilegal) que passa então a assumir a identidade de um ‘infrator’.

Para completar o cenário de disputas e negociações, concretizaram-se, em 2014, os interesses de uma das comunidades que trabalha desde o começo com o projeto de turismo da Pousada Uacari. No entanto, não se tratava apenas de ‘uma’, mas talvez ‘a’ comunidade que representa ‘o’ contexto histórico da relação entre macaco, pirarucu e turista: a Boca do Mamirauá. Comunidade localizada na entrada do curso d’água que leva ao lago Mamirauá; região onde as pesquisas de Bates e Ayres se ancoraram, e onde a principal liderança13 13 - O saudoso ‘Seu Joaquim’ (Martins), foi o assistente de campo de Marcio Ayres e importante liderança local que ajudou a concretizar os esforços de criação da Reserva Mamirauá. comunitária e parceiro local na pesquisa vivia, à época. Ali ainda vive sua família, cujos membros decidiram construir, com apoio da comunidade e de agentes externos, uma pousada comunitária.

A ‘Casa do Caboclo’ foi inaugurada no período da Copa do mundo, trazendo mais banzeiro14 14 - Segundo os povos do Xingu, banzeiro é o “território de brabeza do rio” (BRUM, 2021). para as águas já turbulentas, e tentando conciliar interesses locais aos anseios externos, no que se revelou um cenário complexo de disputadas e negociações para definir condutas, atribuições e direitos de moradores e atores institucionais. Entre algumas regras colocadas para seus proprietários e hóspedes, a impossibilidade de usufruir da zona de manejo especial do ecoturismo, que inclui o Lago Mamirauá. Situação que corrobora o argumento de Kent (2003KENT, M. Ecotourism, environmental preservation and conflicts over natural resources. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 9, n. 20, p. 185-203, 2003.), de que as políticas ambientais associadas ao ecoturismo em áreas protegidas privilegiam os habitats de interesse para mercado turístico, enquanto restringem outras formas de uso daqueles recursos naturais, limitando cada vez mais o acesso das populações locais.

A conformação turística atual [2022] no setor Mamirauá contempla uma pousada comunitária - Casa do Caboclo - na Boca do Mamirauá, e a pousada institucional / comunitária (Uacari) que será, em breve, apenas comunitária, pois está em curso um plano de transferência de gestão (PERALTA et al, 2015PERALTA, N.; VIEIRA, F.; OZORIO, R. Gestão participativa da Pousada Uacari: um processo em construção. Revista Brasileira de Ecoturismo, São Paulo, v.8, n.1, p. 115-133, 2015.). Além disso, outras duas comunidades - Vila Alencar e Caburini - se organizam para desenvolver suas próprias iniciativas. Para complementar, passou a acontecer, desde 2015, na estação seca (setembro a novembro), a pesca esportiva no lago Mamirauá, quando é promovida uma operação distinta na Pousada Uacari. Ali operam, com organização própria e apoio logístico da pousada, os empresários parceiros que captam e conduzem os pescadores, utilizando o sistema de lagos do Mamirauá para a pesca esportiva.

Longos processos instituídos de negociação, visando conciliar conservação e uso, se materializam na figura do turista, que se desloca para a Amazônia à procura de experiências na natureza - como o encontro com um macaco ou um peixe. A diversidade de possibilidades que acirram disputas e acionam um jogo de poder e interesses demonstra como o discurso e a prática do TBC estão sujeitos a questões decorrentes de movimentos globais pelas diferentes formas de acesso à Amazônia, tendo em conta que o controle do turismo comunitário por organizações externas, pode ser considerado uma forma de neocolonialismo (MANYARA et al, 2006MANYARA, G.; JONES, E.; BOTTERILL, D. Tourism and poverty alleviation: the case for indigenous enterprise development in Kenya. Tourism, Culture & Communication, v. 7, p. 19-37, 2006.).

Pássaro e turistas

Passamos então para o segundo exemplo que se encena na RDS Amanã, onde temas associados aos interesses globais e a governança local, o manejo sustentável e o turismo são entremeados por questões relacionadas ao território e às formas localmente apropriadas de territorialidades. A região é próxima, mas contempla uma realidade bem distinta à de Mamirauá. No local específico, o ambiente é composto por um enorme lago de água preta, cercado de terra firme e igapós, abastecido por igarapés, por onde comunidades se espalham de maneira esparsa. Nas cabeceiras do lago Amanã, dois igarapés vizinhos - o Baré e o Ubim - carregam a história das comunidades homônimas, as quais serão aqui referidas.

Os históricos de ocupação recente dos igarapés são similares e relativamente contemporâneos, associados ao ciclo da borracha. Os antigos patriarcas das comunidades chegaram a trabalhar juntos na coleta de látex, castanha e outros produtos da floresta, em vários igarapés do lago, inclusive naqueles onde se fixaram. Mas isso foi antes do ‘tempo da Reserva’. A institucionalização das territorialidades trouxe outras configurações, baseadas em diferentes normatizações e outros comportamentos sobre como ‘preservar’ e ‘manejar’ os ‘recursos naturais’. Na relação com novos atores institucionais, um desacerto técnico foi determinante para o agravamento das disputas e tensões entre as famílias habitantes das comunidades. Sobre isso discorreremos a seguir, estendendo ao tema do turismo comunitário a análise sobre as contestações, negociações e acordos que seguem sendo estabelecidos localmente, no que se refere aos usos comunitários e turísticos do espaço.

Alencar (2009ALENCAR, E. O tempo dos patrões “brabos”: fragmentos da história da ocupação humana da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, AM. Amazônica, Belém, v. 1, n. 1, p. 178-199, 2009.) fala sobre o ‘tempo dos patrões brabos’, quando as colocações de seringa e castanha ainda eram comandadas pelos ‘patrões’, que aviavam itens industrializados trazidos da cidade em troca de produtos da floresta, ao custo de uma sempre crescente dívida que o ‘freguês’ deveria se comprometer a pagar com mais produtos da floresta (MCGRATH, 1999MCGRATH, D. Parceiros no crime o regatão e a resistência cabocla na Amazônia tradicional. Novos Cadernos NAEA, Belém, v. 2, n. 2, p. 57-72, 1999.). Esse era o sistema de aviamento, o qual imperou na Amazônia por muito tempo e que, no Amanã, foi responsável pelos fluxos de ocupação recente do território, tanto durante, quanto após o declínio da economia da borracha (ALENCAR, 2009ALENCAR, E. O tempo dos patrões “brabos”: fragmentos da história da ocupação humana da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, AM. Amazônica, Belém, v. 1, n. 1, p. 178-199, 2009.).

Assim se configurou o cenário de disputas: duas comunidades, localizadas em dois igarapés vizinhos, e habitadas por duas famílias cujos patriarcas haviam trabalhado juntos na coleta de produtos da floresta no sistema de aviamento, passam a disputar o controle sobre os territórios utilizados. A razão para o conflito foi a chegada de novos atores regionais, representantes de racionalidades baseadas em leis aplicáveis à conservação e em acordos referentes às normas de manejo. Nesse sentido, uma característica peculiar da comunidade Ubim precisa ser detalhada: a multi-localidade (PINEDO-VASQUEZ, 2008PINEDO-VASQUEZ, M. Urbano e rural: famílias multi-instaladas, mobilidade e manejo dos recursos de várzea na Amazônia. Novos Cadernos NAEA, Belém, v. 11, n. 2, p. 43-56, 2008.).

À época da criação da reserva, os atuais moradores do Ubim habitavam a comunidade Bom Socorro, nas várzeas do rio Tambaqui (próximo à entrada do lago Amanã) e, ao mesmo tempo, zelavam pelas terras firmes do igarapé do Ubim, onde mantinham sítios, roças, estradas de seringa, picadas de castanha e residências temporárias. O então patriarca da comunidade15 15 - ‘Seu Mimi’, o saudoso Otílio Feitosa, importante liderança da Reserva Amanã, faleceu no final de 2020. herdara de seus pais as terras da várzea (Bom Socorro) e, de seu sogro, as terras firmes no interior do lago (Ubim), mantendo por décadas a dinâmica de uso dos dois ambientes. Enquanto Alencar (2009ALENCAR, E. O tempo dos patrões “brabos”: fragmentos da história da ocupação humana da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, AM. Amazônica, Belém, v. 1, n. 1, p. 178-199, 2009.) admite que os extrativistas da região eram verdadeiros nômades, pois realizavam uma mobilidade sazonal de acordo com o período da safra, Peralta (2008PERALTA, N. Impactos do ecoturismo sobre a agricultura familiar na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, AM. UAKARI, v. 4, n.1, p. 29-40, 2008.) explica que a posse e o direito de uso da terra são determinados pelo trabalho investido nela.

Assim sendo, a dinâmica de ocupação de múltiplos territórios se mostra legítima e o trabalho na terra confirma a sua posse. No caso em questão, com o passar do tempo, os descendentes se fixaram nas duas comunidades e, em diferentes épocas do ano, ainda lançam mão de estratégias de uso de ambos os espaços. Na enchente, durante a coleta de castanha, os que moram na várzea se deslocam para a terra firme, onde também mantém seus roçados; na seca, o inverso, são os moradores da terra firme que se dirigem para a várzea, onde a disponibilidade do pescado é maior. Desta forma, a família mantém o controle sobre territórios em diferentes ambientes, garantindo acesso aos recursos necessários para a sobrevivência.

Novamente aqui acontece uma escalada de disputas, quando novos atores político-institucionais passam a atuar na região, alterando consideravelmente as dinâmicas territoriais. O lugar-território comunitário passa a ser também espaço-paisagem-território estatal, quando toda a área é transformada em reserva estadual. Dois órgãos co-gestores16 16 - O DEMUC (Departamento de Mudanças Climáticas e Gestão De Unidades de Conservação) - à época CEUC (Centro Estadual de Unidades de Conservação) - é o órgão gestor das UCs do Amazonas, enquanto o IDSM era então o co-gestor de ambas UCs. , com diferentes atribuições, passam a ser responsáveis por administrar a área, realizando, entre outras ações, o levantamento sobre a ocupação humana (ALENCAR, 2009ALENCAR, E. O tempo dos patrões “brabos”: fragmentos da história da ocupação humana da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, AM. Amazônica, Belém, v. 1, n. 1, p. 178-199, 2009.).

Neste processo complexo e carregado de nuances, detalhes históricos, disputas e interesses, duas situações geraram conflito entre as comunidades. Em um primeiro diagnóstico, a área do igarapé do Ubim (onde já havia roças, sítios e moradias) não foi apontada como uma comunidade17 17 - Estudos realizados por pesquisadores do IDSM não consideraram a existência da comunidade, o que passou a ser aceito institucionalmente. , ou seja, não foi atribuído o direito de uso aos moradores que a ocupavam há anos. Para completar as disputas territoriais, em um levantamento posterior18 18 - Realizado pelo CEUC - órgão gestor da UC. , o igarapé do Ubim foi designado como área de uso da comunidade do Baré (que detinha, legitimamente, o direito de uso sobre o igarapé do Baré).

Uma série de relações que se embasavam em parentesco distante, compadrio, amizade, coleguismo e vizinhança, passaram a se reconfigurar por uma disputa territorial pelo controle do acesso aos recursos. O patriarca do Baré - outrora colega de trabalho do patriarca do Ubim - que poderia ajudar na resolução dos conflitos, já havia falecido. Portanto, uma série de eventos envolvendo os membros das gerações seguintes passou a ocorrer e a levar instabilidade no convívio entre as comunidades. A indignação dos moradores do Ubim se dava pelo uso excessivo dos recursos pesqueiros pelos moradores do Baré. Outras questões como a coleta de castanha e a caça também exacerbavam as tensões. A disputa pelo território (que inclui a água e a terra) passa a ser a nova racionalidade que emerge no palco das negociações comunitárias, agravada pela participação de organizações externas que legitimam ou invalidam as ações locais.

Neste cenário, questões como a colonialidade do poder (QUIJANO, 2005QUIJANO, A. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: LANDER, E. (Org). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005, p. 201-246.) ajudam a tecer interpretações sobre as conformações locais. Como afirma Quijano, a perspectiva de conhecimento e o modo de produzir conhecimento - neste caso, aplicado às formas de proteção e manejo do ambiente natural - se confrontaram com as interpretações e negociações locais, baseadas em acordos previamente instituídos, alterando assim as relações de poder. Acordos de uso pré-existentes se reconfiguraram, quando o acesso ao território e as relações de poder passaram a ser mediadas e redefinidas por atores externos. A maior presença do órgão gestor (CEUC) e o surgimento de um novo ator institucional (Fundação Amazonas Sustentável - FAS), contribuíram para remodelar as relações nos diversos níveis.

Para completar o ambiente conturbado de disputas e negociações, interesses locais e interferências externas, o tema do turismo comunitário passou a ser trabalhado pelo IDSM na região do lago Amanã, a partir de 2007. Entre as nove comunidades envolvidas, participavam ativamente as duas que travavam o embate pelo território. Contudo, o turismo é uma atividade que se apropria da paisagem, construindo novas territorialidades sobre os lugares habitados por diversas populações (RODRIGUES, 2006RODRIGUES, A. Turismo e territorialidades plurais - lógicas excludentes ou solidariedade organizacional. In: LEMOS, A.; ARROYO, M.; SILVEIRA, M. (orgs). América Latina: cidade, campo e turismo. São Paulo: CLACSO, 2006, p.297-315.). Como então inserir mais uma proposta que envolve novas tensões e negociações, em um terreno já marcado por desacordos? O resultado pode ser a transferência das disputas para o ambiente do planejamento do turismo comunitário, que poderá incorporar e exacerbar os conflitos, já que o território passa a ter mais um valor de uso - o turístico.

Entre 2007 e 2012 foram realizados diversos trabalhos e pesquisas com as comunidades, visando envolvê-las no processo de planejamento (COELHO; GONTIJO, 2021a_________. O processo de organização para o turismo nas comunidades ribeirinhas da Reserva Amanã, AM. Turismo e Sociedade, Curitiba, v. 14, n. 3, p. 20-41, 2021a.), realizar intercâmbios e viagens experimentais (COELHO; GONTIJO, 2021b), definir áreas de maior interesse e identificar a viabilidade do TBC. Em 2014 foi criado o Grupo de Turismo do Amanã, quando as próprias comunidades passaram a conduzir o planejamento da atividade, com eventual apoio técnico de instituições parceiras. Ubim e Baré foram as comunidades mais participativas durante todo o processo, mas as disputas territoriais também comprometiam o andamento das atividades referentes ao planejamento do turismo.

Para inserir mais um elemento na polêmica que se formou sobre os direitos de uso do território - que alternou momentos de maior resolução e entendimento, com momentos de reavivamento das tensões - destacamos o repentino interesse externo por um pássaro. Entre os elementos paisagísticos, em especial os faunísticos, que constituem a atratividade turística do lago Amanã, estão as aves, que despertam o fascínio de um grupo especializado, conhecido internacionalmente como birdwatchers, ou ‘passarinheiros’. Este segmento sempre apresentou grande potencial para o desenvolvimento do turismo na região do Amanã, visto que o local congrega alta diversidade e endemismo de espécies (BERNARDON; BERNARDON, 2011).

Em 2019, enquanto seguia em curso o processo de organização comunitária para o planejamento do turismo, surgiram demandas espontâneas de dois grupos de passarinheiros interessados em visitar o lago Amanã (COELHO; GONTIJO, 2021bCOELHO, E.; GONTIJO, B. Viagens ao Amanã: experiências, relatos e propostas para o turismo de base comunitária na Amazônia. Revista Brasileira de Ecoturismo, São Paulo, v 14, n.4, p. 472-496, 2021b.). Para completar a cena, um contato foi feito por uma liderança do Baré, enquanto o outro grupo foi captado por uma liderança do Ubim, sendo que ambos estavam especialmente interessados em uma espécie: um pequeno pássaro, que vive nas matas alagadas, conhecido como freirinha-de-cabeça-castanha (Nonnula amaurocephala, Chapman, 1921), com apenas dois registros na RDS Amanã. Endêmica da região, a ave (Figura 4) tem distribuição restrita à área entre a margem direita do baixo Rio Negro e a margem esquerda do Rio Solimões, sendo o lago Amanã (Figura 5) o registro mais a oeste já feito (BORGES; SILVA, 2012BORGES, S.; SILVA, J. A New Area of Endemism for Amazonian Birds in the Rio Negro Basin. The Wilson Journal of Ornithology, v. 124, n. 1, p. 15-23, 2012.).

Figuras 4 e 5
Freirinha no igapó. Vista aérea do Lago Amanã

Durante a viagem dos passarinheiros, a tensão acerca da visitação era perceptível, mas não houve uma escalada de conflitos, que já vinham sendo minimizados. O grupo que visitou o Ubim não conseguiu ver a ave, mas nem por isso saiu dali descontente. Já o grupo que ficou no Baré no mês seguinte conseguiu encontrar o pequeno pássaro, nos dois igarapés. O guia do Baré, ao visitar o igarapé do Ubim, cumpriu com os procedimentos necessários para assegurar que não houvesse mais desentendimentos entre membros das comunidades, visitando as lideranças e solicitando autorização para conduzir os turistas. Um deles percebeu a necessária movimentação, visto que os processos de planejamento e organização seguem em evolução. E constatou que, para o turismo transcorrer suavemente, todos os acordos devem ser preestabelecidos, pois os animais não respeitam fronteiras políticas, e os turistas não estão interessados em ter seus encontros com a fauna comprometidos por disputas territoriais.

Toda essa situação demonstra a complexidade do desenvolvimento de regras e arranjos para atividades turísticas em áreas protegidas (RUIZ-BALLESTEROS; BRONDIZIO, 2013RUIZ-BALLESTEROS, E.; BRONDIZIO E. Building Negotiated Agreement: The Emergence of Community-Based Tourism in Floreana (Galápagos Islands). Human Organization, Oklahoma City, v. 72, n. 4, p. 323-335, 2013.), principalmente quando envolvem comunidades e suas regras locais. Iniciativas de turismo comunitário associados a espaços rurais e áreas protegidas onde vivem populações tradicionais vem crescendo em todo o Brasil e, para que a atividade gere benefícios sociais, econômicos e ambientais, o planejamento deve garantir que as comunidades definam e regulem o uso de seus territórios (BURGOS; MERTENS, 2015BURGOS, A.; MERTENS, F. Os desafios do turismo no contexto da sustentabilidade: as contribuições do turismo de base comunitária. Pasos, v. 13, n. 1, p. 57-70, 2015.).

Conclusões

Buscamos apresentar, através de dois exemplos específicos e emblemáticos, algumas das inúmeras questões que permeiam a relação entre agendas globais e negociações locais, envolvendo áreas protegidas, populações tradicionais, manejo de recursos naturais e instituições conservacionistas. Consideramos que outros casos alusivos devem continuar sendo estudados, visto que a Amazônia tem se tornado, cada vez mais, um cenário de disputas entre os mais variados interesses que abrangem o desenvolvimento econômico, a preservação ambiental e a proteção dos direitos das populações humanas que dela dependem.

Em escala global, o jogo político é encenado entre governos regionais e internacionais, organizações ligadas à conservação ambiental e direitos humanos e empresas interessadas nos diferentes usos possíveis, que vão desde madeira, solo, biodiversidade, até os conhecimentos tradicionais e a paisagem preservada. Por trás desses atores, há ainda bancos e órgãos financiadores de projetos (ZHOURI, 2006ZHOURI, A. O ativismo transnacional pela Amazônia: entre a ecologia política e o ambientalismo de resultados. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 12, n. 25, p. 139-169, 2006.; RANDERIA, 2007RANDERIA, S. Global Designs and Local Lifeworlds Colonial Legacies of Conservation, Disenfranchisement and Environmental Governance in Postcolonial India. Interventions, London, v. 9, n. 1, p. 12-30, 2007.) e seus variados interesses. Em escala local, diferentes povos, com distintos históricos de uso e ocupação do espaço, constroem suas estratégias de sobrevivência baseadas nas dinâmicas territoriais que são afetadas por discursos e práticas globais.

Estas foram as questões apreciadas a partir dos casos de Mamirauá e Amanã, onde o turismo comunitário foi confrontado com o manejo comunitário de pesca e com disputas territoriais, formando exemplos de como reunir e aplicar noções e ensejos múltiplos em modelos práticos cotidianos. O intuito desta análise foi reconhecer que o processo de parceria entre os mais diferentes atores sociais que atuam em campo é necessário e respeitável, sendo que no percurso existem erros e acertos. O proposito maior desta reflexão é considerar que o campo de atuação de pesquisadores e técnicos na (Pan-)Amazônia é vasto e ainda carente de mais apoio, dadas as enormes pressões impostas sobre a área que abriga a maior diversidade de vida e de culturas humanas que se tem conhecimento no planeta.

Em ambos os casos apresentados, procuramos posicionar uma reflexão construtiva quanto aos procedimentos institucionais, sem desmerecer qualquer organização idônea que se proponha a trabalhar em contato direto com as populações tradicionais da Amazônia, e que busque genuinamente o objetivo de preservação da floresta e melhoria da qualidade de vida das comunidades. No entanto, é preciso estarmos sempre atentos a nossos procedimentos, enquanto técnicos e pesquisadores, pois, como pessoas oriundas de realidades externas àquelas que pretendemos analisar ou intervir, devemos ter, além do respeito incondicional, a autocrítica para refletirmos se nossa atuação é de fato positiva para as comunidades, ou se não estaríamos sendo nós mesmos os maiores beneficiados. Pois, como afirma Garland (2008GARLAND, E. The Elephant in the Room: Confronting the Colonial Character of Wildlife Conservation in Africa. African Studies Review, v. 51, n. 3, p. 51-74, 2008.), o valor criado pela conservação é apropriado por agentes externos, à medida que cientistas conseguem seus diplomas, empregos e financiamentos, enquanto os habitantes locais não são parte central da narrativa que torna a natureza valiosa no esquema global.

Reconhecemos, neste sentido, que as populações locais detêm os conhecimentos mais valiosos para qualquer prática de manejo, e que cabe aos agentes externos o importante papel de mediadores e facilitadores dos processos de fortalecimento, negociação e resolução dos conflitos. Nesse contexto, o turismo comunitário deve ser visto como um meio de empoderar as comunidades, conferindo-lhes um sentimento de orgulho para assumir o controle de suas terras e recursos, para que possam aproveitar seu potencial e adquirir as habilidades necessárias para construir seu próprio desenvolvimento (STRYDOM et al, 2018STRYDOM, A.; MANGOPE, D.; HENAMA, U. Lessons learned from Successful Community-Based Tourism Case Studies from the Global South. African Journal of Hospitality, Tourism and Leisure, v. 7, n. 5, p. 1-13, 2018.).

Agradecimentos

Agradecemos imensamente a todos os moradores das comunidades visitadas durante os vários anos desta pesquisa nas Reservas Amanã e Mamirauá. Sem a presença, o conhecimento e o apoio desses povos da floresta, nem esta, nem a maior parte de quaisquer pesquisas que pretendam de fato desvelar e compreender o que vem se sucedendo há séculos na região, seriam possíveis.

Referências

  • ALENCAR, E. O tempo dos patrões “brabos”: fragmentos da história da ocupação humana da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, AM. Amazônica, Belém, v. 1, n. 1, p. 178-199, 2009.
  • ALMEIDA, F. Viagens. 2017. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.
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  • 1
    - O Projeto Mamirauá, desenvolvido pela Sociedade Civil Mamirauá, deu origem ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM).
  • 2
    - Os trabalhos relacionados ao manejo do pirarucu e à iniciativa de ecoturismo da Pousada Uacari, já receberam diversos prêmios nacionais e internacionais.
  • 3
    - O primeiro autor é aluno de doutorado em geografia pela UFMG, enquanto o segundo autor é professor e orientador da pesquisa.
  • 4
    - Foi frequente a estadia por longos períodos nas comunidades da RDS Amanã - em especial Ubim, Baré e Sitio São Miguel do Cacau - e na Pousada Uacari, bem como períodos mais curtos de estadia em outras comunidades do Lago Amanã e nas comunidades do setor Mamirauá.
  • 5
    - Pousada institucional / comunitária construída entre 1998 e 2001 com recursos de um financiador britânico - o DFID (Department for International Development). Para histórico de implementação ver Peralta et al (2015).
  • 6
    - Antes da proteção da área, a presença de grandes barcos pesqueiros representava um enorme desafio para as populações locais (LIMA; PERALTA, 2017).
  • 7
    - Para uma abordagem sobre esses acontecimentos, ver Peralta e Lima (2015) e Peralta (2016).
  • 8
    - A relação source-sink, é utilizada para comprovar a importância dos lagos de proteção, bem como a efetividade da aplicação do manejo de pirarucu na recuperação dos estoques (CAMPOS-SILVA et al, 2019), inclusive na região das Reservas Mamirauá e Amanã (AMARAL, 2013).
  • 9
    - Viajantes e naturalistas do século XIX, como Paul Marcoy (2006) e Alfred Wallace (2004), entre outros, apontavam para o alto consumo do pirarucu, tanto pelas populações indígenas quanto comercialmente.
  • 10
    - Uma das condições para o manejo do pirarucu é a garantia de proteção dos lagos. No caso do Mamirauá, a vigilância é feita há décadas, mas sempre com incontáveis relatos de encontros com pescadores ou com vestígios da presença constante destes.
  • 11
    - Cabe aqui uma nota de pesar sobre os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips: mesmo sendo notório que diversas outras questões político-ideológicas influenciaram atitudes que legitimam a violência e o descaso que levaram à morte dos dois homens que se empenhavam na proteção da Amazônia, é preciso destacar que foi a disputa por territórios pesqueiros - onde se destaca a pesca (ilegal) do pirarucu - que colocou os dois na perigosa situação que culminou com suas lamentáveis mortes.
  • 12
    - A logo do IDSM, é formado por uma imagem do pirarucu abaixo das ‘águas’ representadas pelos caracteres de Mamirauá.
  • 13
    - O saudoso ‘Seu Joaquim’ (Martins), foi o assistente de campo de Marcio Ayres e importante liderança local que ajudou a concretizar os esforços de criação da Reserva Mamirauá.
  • 14
    - Segundo os povos do Xingu, banzeiro é o “território de brabeza do rio” (BRUM, 2021).
  • 15
    - ‘Seu Mimi’, o saudoso Otílio Feitosa, importante liderança da Reserva Amanã, faleceu no final de 2020.
  • 16
    - O DEMUC (Departamento de Mudanças Climáticas e Gestão De Unidades de Conservação) - à época CEUC (Centro Estadual de Unidades de Conservação) - é o órgão gestor das UCs do Amazonas, enquanto o IDSM era então o co-gestor de ambas UCs.
  • 17
    - Estudos realizados por pesquisadores do IDSM não consideraram a existência da comunidade, o que passou a ser aceito institucionalmente.
  • 18
    - Realizado pelo CEUC - órgão gestor da UC.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2021
  • Aceito
    15 Mar 2022
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaambienteesociedade@gmail.com