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As mulheres da Castanha do Alto Cajari: O empoderamento pela economia solidária

Resumo

Este estudo volta-se a compreender a dinâmica de funcionamento da economia solidária e o processo de empoderamento gerado por ela, por meio da análise da Associação de Mulheres Agroextrativistas do Alto Cajari, localizada no extremo Sul do Amapá, extremo norte do Brasil, que trabalha com o beneficiamento de Castanha do Brasil. Como método, utilizou-se a análise de custo-efetividade e pesquisa qualitativa, no intuito de mensurar os principais avanços e desafios que se impõem ao segmento. Este estudo identificou a necessidade de reestruturação nos formatos de gestão da política de fomento por parte dos órgãos governamentais, os quais deveriam funcionar de forma harmônica e articulada, mas ao contrário disso, atuam de forma isolada e sem comunicação efetiva entre si, prejudicando a qualidade e a quantidade dos serviços ofertados.

Palavras-chave:
Economia solidária; empoderamento; Associação de Mulheres Agroextrativistas do Alto Cajari

Abstract

This study aims to understand the operation dynamic of solidarity economy and the empowerment process generated by it, by analyzing the Association of Agricultural-Extractivist Women of Alto Cajari, located in the southernmost of the State of Amapa, northernmost of Brazil, which works on processing Brazilian nut. As a method, we used the cost-effectiveness analysis and qualitative research, aiming to measure the main advances and challenges imposed on the segment. This study identified the need for restructuring the management formats of promotion policies by government agencies, which should operate in a harmonious and articulated way; however, they conversely act separately, without effective communication among them, impairing the quality and the quantity of the services offered.

Keywords:
Solidarity economy; Empowerment; Alto Cajari Agricultural-Extractive Women Association

Resumen

Este estudio vuelve a comprender la dinámica de funcionamiento de la economía solidaria y el proceso de empoderamiento que genera, a través del análisis de la Asociación de Mujeres Agroextractivas del Alto Cajari, ubicada en el extremo sur de Amapá, extremo norte de Brasil, que trabaja con el procesamiento de nueces de Brasil. Como método utilizamos el análisis de costo-efectividad y la investigación cualitativa, con el fin de medir los principales avances y desafíos que se imponen al segmento. Este estudio identificó la necesidad de una reestructuración en los formatos de desarrollo de políticas de gestión por parte de las agencias gubernamentales, las cuales deben trabajar de manera armónica y articulada, pero que actúan de manera aislada y sin una comunicación efectiva entre sí, perjudicando la calidad. y la cantidad de servicios ofrecidos.

Palabras-clave:
Economía solidaria; empoderamiento; Asociación de Mujeres Agroextractivas Alto Cajari

Introdução

A economia solidária insere-se num contexto complexo e dinâmico, uma vez que surge como uma possibilidade dentro de um modelo solidificado, com fragilidades expostas e que tenta inviabilizar qualquer tentativa de alteração de sua lógica. As constantes crises e desestruturações demostradas pela economia capitalista impulsionam cada vez mais a busca por alternativas, seja por parte da sociedade civil organizada, seja por parte do Estado, como sistematizador de regras e ações políticas.

A persistência da fome no planeta, os indicadores de desigualdade, a elevada concentração de renda a uma minoria, os espantosos números do desemprego e emprego precário são fatores que revelam o colapso do sistema capitalista, principalmente em países periféricos, revelando também a necessidade de se buscar por alternativas à sua lógica excludente e perversa.

Uma possibilidade que tem ganhado espaço nas últimas décadas é a economia solidária, que de acordo com o Paul Singer (2007SINGER, Paul. Economia Solidária. Entrevista concedida a Paulo de Salles Oliveira. Projetos coletivos de mudança de vida. São Paulo, Edusp/Fapesp, no dia 23 de setembro de 2007. Estudos Avançados, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v22n62/a20v2262.pdf. Acesso em: 27/05/2018.
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) é um modo de produção que se caracteriza pela igualdade. Pela igualdade de direitos, os meios de produção são de posse coletiva dos que trabalham com eles, essa é a característica central. Os empreendimentos de economia solidária são geridos pelos próprios trabalhadores, coletivamente, de forma democrática.

A economia solidária tem crescido no Brasil em diferentes perspectivas. Do ponto de vista social, percebe-se uma elevação referente à quantidade de empreendimentos que compõem o setor e ainda a elevação do esclarecimento referente ao contexto teórico e ideológico em que estes estão inseridos, uma vez que muitos compunham a proposta sem saber exatamente o significado e as diferenças de nuances em comparação à economia capitalista tradicional. Verificou-se na última década uma intensificação significativa das políticas públicas de fomento à economia solidária, viabilizadas pela criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), em 2003.

Com a criação da SENAES, foi possível implantar um conjunto de ações que visavam o fomento e fortalecimento das iniciativas de economia solidária, enquanto formas de organização do trabalho associado. Com o passar dos anos, a Secretaria consolidou-se, contribuindo para ampliar a missão institucional do Ministério no fomento ao trabalho associado ao lado de outras formas de trabalho assalariado.

No Governo de Michel Temer, iniciado em 2016, a SENAES é rebaixada a Subsecretaria. No Governo Bolsonaro a SENAES deixa de existir, sendo transformada em departamento do Ministério da Cidadania pela Medida Provisória nº 870, de 2019, publicada em janeiro de 2020.

Este artigo possui como objetivo central analisar a forma de gestão da política de economia solidária no Estado do Amapá e de suas contribuições no processo de empoderamento das mulheres, por meio de estudo de caso da Associação das Mulheres Agroextrativistas do Alto Cajari (AMAC).

Este estudo possui caráter qualitativo, uma vez que se preocupa com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais. Como estratégia de desenvolvimento da investigação, optou-se pela realização de estudo de caso da AMAC. O capítulo de resultados apresenta as informações alcançadas pelo estudo, por meio da análise de custo-efetividade, com utilização da técnica de observação in loco, análise documental e realização de entrevistas com a presidente e sócias do empreendimento.

O artigo encontra-se estruturado em três partes. Na primeira tratou-se da economia solidária no Brasil, apresentando um breve histórico e seus diferenciais. Na segunda discorreu-se sobre o empoderamento, com ênfase no empoderamento de mulheres, na percepção de diferentes autores. Na última parte apresentou-se os resultados do estudo de caso, falando-se dos principais avanços e desafios da AMAC, das políticas de fomento e de suas contribuições no processo de empoderamento das mulheres associadas na percepção da presidente da associação e de suas associadas.

Economia solidária no Brasil: propósitos e diferenciais

A Economia Solidaria surge como uma alternativa econômica e social a economia capitalista e seus conflitos, com proposta significativamente inovadora e com características que afrontam duramente sua metodologia, uma vez que se pauta em valores como a solidariedade, a sustentabilidade e a autogestão. Diante dos seus diferenciais, a economia solidária tem avançado como objeto de pesquisa em vários países do mundo, possuindo atualmente um significativo acervo bibliográfico.

No Brasil, a trajetória de ascensão da economia solidária como política de Estado vincula-se à trajetória do Governo do Partido dos Trabalhadores (PT), iniciado em 2003 e finalizado em 2016.

Em A Economia Solidária na América Latina, Singer (2012SINGER, Paul. Os oito primeiros anos da Secretaria Nacional de Economia Solidária. In: LIANZA, Sidney; HENRIQUES, Flávio Chedid (orgs.) A economia solidária na América Latina: realidades nacionais e políticas públicas. Rio de Janeiro: Pró Reitoria de Extensão UFRJ, 2012.) contextualiza o cenário de surgimento da SENAES, enfatizando que a discussão sobre a Economia Solidária no Partido dos Trabalhadores (PT) começou aproximadamente em 1999 / 2000. Naquela ocasião, houve um congresso nacional do PT em Belo Horizonte, e foi nesse congresso que surgiu claramente o problema do significado do socialismo nos tempos pós-muro de Berlim, ou seja, nos tempos pós-1989, quando os regimes do chamado socialismo real praticamente foram derrubados. Esses regimes foram todos derrubados e substituídos por regimes democráticos e o sistema econômico voltou a ser ou passou a ser o capitalista.

Diante deste quadro, em junho de 2003, o Congresso Nacional Brasileiro aprovou projeto de lei do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criando no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES). Reconheceu dessa forma o Estado brasileiro um processo de transformação social em curso, provocado pela ampla crise do trabalho que vem assolando o país desde os anos 1980. A desindustrialização, suscitando a perda de milhões de postos de trabalho, a abertura do mercado acirrando a competição global e o desassalariamento em massa, o desemprego maciço e de longa duração causando a precarização das relações de trabalho - tudo isso vem afetando grande número de países. (SINGER, 2004SINGER, Paul. Economia solidária no Brasil: Possibilidades e limites. São Paulo: IPEA - Revista Mercado de Trabalho, 2004.)

Singer (2006SINGER, Paul. SENAES: Uma experiência brasileira de política de economia solidária. In: FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho et al (Orgs.). Ação pública e economia solidária: uma perspectiva internacional. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2006. p. 201-206.) revela ainda que a SENAES foi criada por lei e instalada a pedido do então Grupo de Trabalho de Economia Solidária do Fórum Social Mundial. A decisão do Governo Federal de criar a Secretaria Nacional de Economia Solidária, respondendo positivamente às mobilizações feitas no campo da economia solidária (seminários, plenárias, fóruns), significa uma mudança profunda nas políticas públicas de trabalho e emprego que visam à geração de renda e a garantia de direitos de cidadania da população menos favorecida na sociedade. As outras formas de trabalho associado e cooperado ganharam espaço e reconhecimento ao lado das demais políticas de geração de emprego.

O Ministério do Trabalho e Emprego passou a assumir, para além das iniciativas de emprego e de proteção dos trabalhadores assalariados, o desafio de implementar políticas que incluam as demais formas de organização do mundo do trabalho e proporcionem a extensão dos direitos ao conjunto dos trabalhadores. A SENAES colabora com a missão do Ministério do Trabalho e Emprego fomentando e apoiando os Empreendimentos Econômicos Solidários por meio de ações diretas ou por meio de cooperação e convênios com outros órgãos governamentais (federais, estaduais e municipais) e com organizações da sociedade civil que atuam com a economia solidária.

O Relatório de Avaliação da Política Pública de Economia Solidária, elaborado pela SENAES (2012), enfatiza que em junho de 2003, com a publicação da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, e com base no Decreto n° 4.764, de 24 de junho de 2003, foi instituída a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) e criado o Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES). No mesmo dia de criação da SENAES, se realizava em Brasília, a “3ª Plenária de Economia Solidária”, na qual se fundou então o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES).

Valmor Schiochet (2012SCHIOCHET, Valmor. A experiência da Secretaria Nacional de Economia Solidária: um breve relato. In: LIANZA, Sidney; HENRIQUES, Flávio Chedid (orgs.). A economia solidária na América Latina: realidades nacionais e políticas públicas. Rio de Janeiro: Pró Reitoria de Extensão UFRJ, 2012.) ressalta que no período de 2003 a 2010 foram apoiados 435 projetos em parceria com a Fundação Banco do Brasil (ligada ao Banco do Brasil, que funciona como uma instituição sem fins lucrativos e que tem apoiado muito a execução de projetos na área social). Outra grande parceira da Economia Solidária é a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Ela tem sido parceira no programa de incubadoras, da tecnologia social e no mapeamento da Economia Solidária. A ação direta da SENAES ocorre por meio de convênios. No quadro a seguir apresenta-se a distribuição da participação em termos de recursos dessas parcerias. Grande parte dos projetos aprovados é da Fundação Banco do Brasil, embora a SENAES apresente um percentual de investimento aproximado de 63% dos recursos.

No total, foram apoiados 435 projetos de apoio e fortalecimento da ES, sendo 146 diretamente pela SENAES, 175 pela Fundação Banco do Brasil, 64 pela FINEP e 50 pelo Banco do Nordeste. O investimento total chega a R$ 206.278.341,41 (duzentos e seis milhões, duzentos e setenta e oito mil, trezentos e quarenta e um reais e quarenta e um centavos).

Singer (2009SINGER, Paul. Polícias Públicas da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério de Trabalho e Emprego. Revista IPEA: Mercado de Trabalho, maio de 2009.) enfatiza que desde o início de sua implementação a SENAES ofereceu cursos de economia solidária a servidores do governo federal, não apenas em Brasília, mas também nos órgãos situados nos estados da federação. Abertas as inscrições, o número de interessados quase sempre sobrepassa o número de vagas previsto, o que leva normalmente à formação de novas turmas. Foram dados cursos a funcionários de praticamente todos os ministérios fim, com destaque para os do próprio MTE, inclusive os lotados nas Delegacias Regionais do Trabalho nos estados (hoje Superintendências Regionais), dos Centros de Assistência Psicossocial do Ministério da Saúde (MS), dos Educadores Populares em atividade no Fome Zero e no Luz para Todos.

Após o impeachment da Presidente Dilma, em 2016, verificou-se um progressivo declínio na política de fomento à economia solidária no País. No Governo de Michel Temer, iniciado em 2016 em decorrência do impeachment, a SENAES fora transformada em subsecretaria vinculada ao MTE, deixando de possuir status de Ministério.

No Governo Jair Bolsonaro deixa de ser uma subsecretaria e passa a ser um departamento, vinculado ao Ministério de Cidadania, uma vez que o próprio Ministério do Trabalho e Emprego também foi extinto.

A partir de 2016, o governo brasileiro deixa de apresentar ideologia voltada à valorização dos trabalhadores e das minorias sociais, condizente com os discursos e políticas sociais desenvolvidos pelos Governos Lula e Dilma, e passa a atuar de forma declaradamente liberal, com claros movimentos de retrocesso aos direitos dos trabalhadores, dos movimentos sociais, e, por tabela, da política de fomento à economia solidária. Esta contempla em sua proposta uma real mudança de paradigmas, que se contrapõe de maneira significativa e suntuosa ao modelo liberal. No capítulo a seguir, serão analisados os conceitos e percepções sobre empoderamento, com ênfase no empoderamento da mulher, com vistas a relacioná-los com a ideia de economia solidária.

Economia solidária e empoderamento

Há de se destacar o potencial da economia solidária de organizar segmentos desestruturados (seja por falta de instrução ou por falta de recursos) e ainda por empoderar os associados, tornando-os mais conscientes da lógica em que estão inseridos, dos seus direitos e deveres enquanto cidadãos e da necessidade de romper com o individualismo, que é característico no sistema capitalista.

Para a ONU Mulheres Brasil (2017), empoderamento é dar ou adquirir poder ou mais poder. Significa uma ampliação da liberdade de escolher e agir, ou seja, o aumento da autoridade e do poder dos indivíduos sobre os recursos e decisões que afetam suas próprias vidas. A pessoa empoderada pode definir os seus objetivos, adquirir competências (ou ter as suas próprias competências e conhecimentos reconhecidos), resolver problemas e desenvolver seu próprio sustento. É, simultaneamente, um processo e um resultado. Fala-se, então, do empoderamento das pessoas em situação de pobreza, das mulheres, dos negros, dos indígenas e de todos aqueles que vivem em relações de subordinação ou são desprivilegiados socialmente.

Ao analisar a origem do termo empoderamento, Sandenberg (2006) ressalta que apesar das origens radicais do conceito de empoderamento, ele surgiu da “praxis” para a “teoria”, sendo utilizado primeiro por ativistas feministas e por movimentos de base para depois se tornar objeto de teorização. A autora destaca que o conceito foi levado para a academia, ganhando espaço nas perspectivas feministas sobre “poder”, e por outro lado, foi também apropriado nos discursos sobre “desenvolvimento”, perdendo, nesse processo, muito das suas conotações mais radicais e, assim, sendo visto com desconfiança por feministas não familiarizadas com suas origens radicais.

Igualmente interessante é o conceito apresentado por Lopez-Claros e Zahidi (2005), no Fórum Econômico Mundial, onde afirmam que empoderamento político diz respeito não só à representação equitativa de mulheres em estruturas de tomada de decisão, tanto formais quanto informais, mas também ao seu direito à voz na formulação de políticas que afetam a sociedade na qual estão inseridas.

Ao definir empoderamento sob uma óptica feminista, Sandenberg (2006) afirma que é, simultaneamente, o processo e o resultado desse processo, sendo que, no caso das mulheres, esse processo tem como objetivos: questionar a ideologia patriarcal; transformar as estruturas e instituições que reforçam e perpetuam a discriminação de gênero as desigualdades sociais; e criar as condições para que as mulheres pobres possam ter acesso e controle sobre recursos materiais e informacionais.

Para nós, feministas, o empoderamento de mulheres, é o processo da conquista da autonomia, da auto-determinanação. E trata-se, para nós, ao mesmo tempo, de um instrumento/meio e um fim em si próprio. O empoderamento das mulheres implica, para nós, na libertação das mulheres das amarras da opressão de gênero, da opressão patriarcal. Para as feministas latinoamericanas, em especial, o objetivo maior do empoderamento das mulheres é questionar, desestabilizar e, por fim, acabar com o a ordem patriarcal que sustenta a opressão de gênero. Isso não quer dizer que não queiramos também acabar com a pobreza, com as guerras, etc. Mas para nós o objetivo maior do “empoderamento” é destruir a ordem patriarcal vigente nas sociedades contemporâneas, além de assumirmos maior controle sobre “nossos corpos, nossas vidas”. (SANDENBERG, 2006, p. 2)

Este pensamento é reforçado por Cruz, Nascimento e Santana (2018CRUZ, Maria Helena; NASCIMENTO, Ana Paula L.; SANTANA, Anabela Maurício de. Reflexões sobre o poder mediadas pelo empoderamento das mulheres na condição de sujeito político. INTERthesis. Florianópolis, v.15, n.2, p.38-55 Set.-Dez. 2018. Disponível em: file:///C:/Users/USER/Downloads/55636-Texto%20do%20Artigo-201386-3-10-20180913.pdf. Acesso em: 30/10/2020.), que afiram que as relações de gênero na sociedade patriarcal fazem parte da dinâmica social das desigualdades, as quais podem ser pautadas nas chamadas diferenças ‘naturais’ construídas socialmente entre os sexos masculino e feminino. Uma hierarquia é colocada como forma organizadora dos modelos classificatórios, como um modo de organizar o mundo, baseado no princípio do valor que confere significado às diferenças de valores de gêneros distintos. É preciso ficar atento para o peso da cultura patriarcal que poderá colocar mais ou menos empecilhos (assimetrias e segmentação do mercado, de setores e ocupações, divisão sexual do trabalho) ao acesso das mulheres à esfera pública e ao mercado de trabalho.

Se a mola que move a economia capitalista é o lucro e a concorrência, na economia solidária a lógica é bem diferente. Os grandes impulsionadores dessa alternativa econômica são a solidariedade e o espírito de cooperação. A economia solidária tem se expandindo gradativamente, e esta expansão representa uma “luz no fim do túnel” em meio a tanto caos, pobreza, desigualdade e exclusão impostos pelo capitalismo e seus mecanismos de perpetuação da opressão.

As mulheres do Alto do Cajari: o empoderamento pela economia solidária

A Associação de Mulheres Agroextrativista do Cajari (AMAC) é um empreendimento organizado por iniciativa das mulheres da Reserva Extrativista do Cajari e de mulheres de localidades próximas, que por meio de reuniões se integraram e discutiram sobre a importância da união, principalmente pelo fato de habitarem numa área isolada.

A Reserva Extrativista do Cajari (RESEX-CA) é unidade de conservação de uso sustentável criada pelo Decreto 99.145, de 12 de março de 1990, administrada pelo Instituto Chico Mendes de Proteção a Biodiversidade (ICMBIO), possui características naturais relevantes e representa em primeiro plano uma conquista histórica das populações extrativistas tradicionais do sul do Amapá. De acordo com o IBGE (2013), a RESEX do Cajarí possui 4.164 habitantes.

Ela tem por objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura de populações, assegurando o uso sustentável de parcela de seus recursos naturais em uma área total de 501.771 hectares (FREITAS, 2013FREITAS, Tito Lívio Pinto de. (2013). A exploração da castanha-do-brasil na Reserva Extrativista do Rio Cajari. Dissertação de Mestrado. Macapá: Universidade Federal do Amapá.). Esta área compreende os municípios de Mazagão, Laranjal e Vitória do Jarí.

A Associação de Mulheres do Alto da Reserva Extrativista do Cajari foi criada com o objetivo de gerar renda e emprego às suas sócias, que atualmente trabalham com o beneficiamento da Castanha do Brasil, produzem coletivamente, biscoitos, bombons, doces e paçoca da Castanha-do-Brasil.

Origem e evolução

A experiência levou ao início da conscientização das mulheres sobre a importância da organização. Após cinco anos da existência da associação, as castanheiras retomam a discussão apoiadas pela Associação Extrativista da Reserva do Rio Cajari (ASTEX-CA), conhecida localmente como a associação de homens e mulheres, assim criam uma nova associação, que passa a ser gerida pelas mulheres da reserva.

A Associação de Mulheres Agroextrativistas do Alto Cajari (AMAC), de acordo com seu Estatuto Social, foi criada em 8 de Maio de 2004, com 35 sócias fundadoras, e, em 2006 abrangia nove comunidades, das trezes existentes no alto RESEX Cajari, seu estatuto social se baseia na preservação e equilíbrio dos recursos naturais e de seus ecossistemas, no intuito de garantir às populações tradicionais a exploração sustentável de forma a alcançar o equilíbrio ecológico de qualquer outra atividade doméstica que venha a surgir na região, objetivando também a promoção cultural e socioeconômica de seus associados.

A partir de 2009 as mulheres da AMAC destinam suas atividades à produção dos biscoitos e doces de Castanha-do-Brasil, que passam a ser produzidos em escala cada vez maior. A AMAC encontra no beneficiamento da castanha uma alternativa que se enquadra a realidade e a necessidade local. A partir de então, a AMAC passa a participar de editais do Governo do Estado do Amapá, viabilizando a transformação do lugar de reuniões, que antes funcionava de forma precária, em uma cozinha industrial comunitária, com espaço adequado para escritório.

A AMAC possui 240 sócias, distribuídas pelas 13 comunidades do Alto RESEX Cajari, dentre as quais 12 encontra-se na área do Vale do Jari e uma única no município de Mazagão. O trabalho das sócias da AMAC começa dentro da floresta, na roça ou em suas colocações, fazem a coleta da castanha na floresta, quebram o ouriço (casca protetora que envolve um conjunto de castanhas) e guardam castanhas dentro de embalagens regionais, produzidas pelas próprias mulheres. Cada mulher traz para a cozinha da AMAC uma quantidade já estabelecida da castanha e de banana. Os outros ingredientes como açúcar, manteiga e farinha de trigo são comprados em conjunto pelo grupo, sendo somado o valor total da compra e dividido para pagamento entre as associadas.

O Empreendimento Econômico Solidário

A ideia principal era unir talentos e construir um negócio que transformasse as matérias-primas disponíveis, com destaque à castanha-do-brasil, em produtos que rendessem benefícios a todas ao mesmo tempo. Para isso era necessário ter um local só para a Associação, assim, após a sua criação e legalização, a Associação foi contemplada com a construção de sua Sede, a partir de convênio firmado com o Governo do Estado do Amapá, por meio das Secretarias de Estado da Indústria e Comercio (SEICOM) e Secretaria de Estado de Infraestrutura (SEINF).

A Sede da Associação possui cerca de 150m², que conta com estrutura básica de duas salas (idealizadas para alojar um setor de produção), duas cozinhas, um salão e dois banheiros. Não possui nenhuma infraestrutura de mesas, cadeiras ou outros utensílios que favoreça o desenvolvimento de qualquer tipo de atividade no local, muito menos a realização de reuniões ou assembleias da instituição, que acontecem de três em três meses. A visualização externa da sede é apresentada na figura 1.

Figura 1:
Sede da AMAC

A atividade principal das associadas é a produção de biscoitos, bombons artesanais, paçocas, doces, bolos e pão de castanha-do-brasil. Os produtos alimentícios são vendidos juntamente com alguns produtos de atividades agrícolas realizados pelas mulheres como: batata-doce, cará-roxo, laranjas, bananas e a castanha-do-brasil, descascadas e com cascas.

A cozinha comunitária foi uma grande conquista para as castanheiras, representou a confirmação de que a organização estava galgando um espaço importante na melhoria de vida dessas mulheres e de suas famílias. Em seguida, através da AMAC, um grupo de mulheres teve acesso ao crédito rural do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA, o Apoio Mulher, que possibilitou a construção da Feira Popular na comunidade de Água Branca do Cajari, à beira da BR 156, onde as mulheres comercializam diariamente suas produções. (RIBEIRO; FILOCREÃO, 2013RIBEIRO, Karina Nymara Brito; FILOCREÃO, Antonio Sérgio Monteiro. Desafios na Amazônia Brasileira: a organização de mulheres na Reserva Extrativista no Rio Cajari no Amapá. XIX CONGRESSO LATINOAMERICANO DE SOCIOLOGIA - ALAS 29 de setembro a 4 de outubro de 2013, FACSO, Chile-Santiago, 2013.)

A comercialização é feita individualmente por cada associada, mas espera-se poder fazer a comercialização coletivamente, de forma a favorecer todas as associadas, inclusive com o propósito de melhorar as suas condições de vida. As vendas poderão ser promovidas diretamente nos comércios, feiras ou escolas, como fonte de merenda escolar.

Resultados e desafios do empreendimento

Para o alcance das informações referentes aos resultados, impasses e desafios enfrentados pela AMAC, entrevistou-se a presidente da Associação, que se encontra na função desde 2009, e ainda quatro associadas, que trabalham na comercialização de produtos derivados da castanha na Feira de Mulheres Agroextrativistas do Alto Cajari.

O acesso à Reserva, por si só, já representa um desafio, uma vez que embora a distância de Macapá não seja tão longínqua, cerca de 220Km, a estrada não é pavimentada, o que prejudica muito o acesso, que é mais difícil ainda em dias chuvosos, como o enfrentado para a realização da pesquisa, o qual resultou em sete horas de viagem de ônibus, partindo da Rodoviária de Macapá.

A Associação é composta por 240 mulheres de 13 comunidades diferentes, sendo 12 da região do Vale do Jari, e uma pertencente ao município de Mazagão, a Comunidade de Sororoca.

A presidente da Associação possui o ensino médio incompleto, é extrativista e agricultora, e enfatiza que quando assumiu a Associação em 2009 era bastante insegura e desorientada com relação à condução das atividades. Afirma que o que lhe ajudou a melhorar sua gestão foram os contatos realizados, e orientações que fora recebendo ao longo da trajetória. É importe ressaltar que a grande liderança da presidente entre as associadas, sendo bastante reconhecida sua gestão entre as sócias. No quadro 1 a seguir, será sintetizado o perfil social das três sócias entrevistadas é também da presidente na ocasião da pesquisa de campo.

Quadro 1:
Perfil social das entrevistadas - AMAC

O Programa Bolsa Verde é um programa de transferência de renda do Governo Federal, sua execução é de responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, a quem cabe definir as condições e as normas complementares do programa: situação do benefício, alteração de valor, concessão e cancelamento. ​O Banco Caixa Econômica é o agente operador do Programa. (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2019)

O programa é destinado à famílias em situação de extrema pobreza, inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e que desenvolvam atividades de conservação ambiental nas áreas de: florestas nacionais, reservas extrativistas federais e reservas de desenvolvimento sustentável federais; projetos de assentamento florestal, projetos de desenvolvimento sustentável ou projetos de assentamento agroextrativista instituídos pelo INCRA; territórios ocupados por ribeirinhos, extrativistas, populações indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais; e outras áreas rurais definidas como prioritárias por ato do Poder Executivo.

O Bolsa Família é o programa de renda mínima do Governo Federal Brasileiro, que visa transferência direta de renda, direcionado às famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País, como forma de se tentar superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. As famílias extremamente pobres são as que têm renda mensal de até R$ 89,00 por pessoa e as pobres são as que têm renda mensal entre R$ 89,01 e R$ 178,00 por pessoa. As famílias participam do programa desde que tenham em sua composição gestantes e crianças ou adolescentes entre 0 e 17 anos, o valor de cada benefício é de R$ 41,00 e cada família pode acumular até 5 benefícios por mês, chegando a R$ 205,00. O programa busca garantir o direito à alimentação e o acesso à educação e à saúde. (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2018)

O Renda Para Viver Melhor é um programa de renda mínima do Governo do Estado do Amapá voltado às famílias que se encontrem em situação de vulnerabilidade social e que detenham renda per capita mensal de até um quarto de salário-mínimo vigente e compostas por crianças e adolescentes de 0 a 15 anos. Implantado pela Lei Estadual 1.598/2011, os beneficiários recebem o valor entre R$ 272,50 e R$ 311. Sua duração é de dois anos, podendo prorrogar por mais um. Em 2020 o Estado beneficiou cerca de 4 mil famílias, nos 16 municípios amapaenses. (SIMS, 2020)

Na cozinha industrial da AMAC trabalham 104 mulheres, que desenvolvem atividades se dividem em grupos menores e revezam a utilização da cozinha durante o período de produção. Elas chegam à cozinha às sete horas da manhã e saem às dezessete horas. A entrevistada 3 enfatizou que:

No início havia dificuldade para a adesão de outras mulheres, e também dos maridos das associadas, por não acreditarem que este trabalho pudesse gerar renda ou contribuir de forma significativa na renda familiar, muitos enfatizavam que era ‘perda de tempo’. Só passaram a ser reconhecidas a partir do momento quem que o empreendimento começou a dar retorno financeiro, e a mulher associada passou contribuir em casa com seu próprio dinheiro, a família e as comunidades passaram a acreditar que o trabalho na associação poderia realmente trazer melhorias às suas vidas.

De acordo com pesquisa realizada por Ribeiro e Filocreão (2013RIBEIRO, Karina Nymara Brito; FILOCREÃO, Antonio Sérgio Monteiro. Desafios na Amazônia Brasileira: a organização de mulheres na Reserva Extrativista no Rio Cajari no Amapá. XIX CONGRESSO LATINOAMERICANO DE SOCIOLOGIA - ALAS 29 de setembro a 4 de outubro de 2013, FACSO, Chile-Santiago, 2013.), atuavam na cozinha industrial da AMAC 58 mulheres associadas, havendo um crescimento de 79,3% na quantidade de mulheres. Com relação à comparação relativa à quantidade de sócias, a AMAC possuía em 2013 um quantitativo de 180 mulheres associadas, o que representa um aumento de 33%, considerando que atualmente a associação possui 240 sócias.

A AMAC orienta as mulheres associadas com relação aos benefícios sociais como licença maternidade e previdência social, benefícios garantidos pela Previdência Social Brasileira, em regime diferenciado para as trabalhadoras rurais. A Associação concede às associadas as declarações necessárias à entrada do pedido de auxílio maternidade, aposentadoria entre outros benefícios que uma trabalhadora pode acessar.

Quando perguntado se é realizado planejamento da atividade, a presidente respondeu positivamente, dizendo que é realizado planejamento mensal das atividades junto às associadas e que o planejamento é conduzido de acordo com as encomendas da Associação. Da mesma forma, enfatizou que é realizada mensalmente a avaliação das atividades, por meio de reunião com as sócias.

A avaliação da política nacional de economia solidária era conduzida pelo Sistema de Informações em Economia Solidária (SIES), implantado em 2004. O SIES realizou três mapeamentos nacionais de identificação e caracterização dos empreendimentos econômico-solidários (EES) no país. O primeiro levantamento ocorreu em 2005, quando foram mapeados 14.954 EES. Esse levantamento foi complementado em 2007 com o mapeamento de mais 6.905 EES. Nessa primeira fase, foram totalizadas informações de 21.859 EES. A terceira rodada ocorreu nos anos de 2010-12, quando foram mapeados mais 11.663 EES. (SENAES, 2013).

De acordo com relatório da SENAES (2012), o mapeamento da ES no Brasil deu visibilidade às milhares de iniciativas existentes e chamou à atenção de governos locais para apoiá-las e incentivá-las. Por outro lado, o aumento das políticas locais de ES também é reflexo dos avanços organizativos da ES nos últimos anos, com a criação das redes e fóruns que interpelam os próprios poderes públicos estaduais e municipais a criar estruturas de governo e, posteriormente, as próprias políticas de ES.

A presidente revelou também que os equipamentos utilizados pela Associação são próprios, os quais foram viabilizados pelo Governo do Estado do Amapá, por meio de projetos específicos nos anos de 2010 e 2013, conforme enfatizado na parte inicial desta seção. Afirmou que atualmente a cozinha industrial da fábrica de beneficiamento é equipada com estrutura adequada às atividades das associadas.

A comercialização, de acordo com a presidente e com outras associadas, é realizada diretamente aos consumidores, por meio da Feira da AMAC, que se localiza em frente à parada de ônibus com bastante movimentação, e ainda à Prefeitura Municipal de Laranjal do Jari, que adquire os produtos derivados da castanha beneficiada, para a oferta da merenda escolar nas escolas municipais.

Quando questionada sobre as dificuldades encontradas para a comercialização dos produtos, a presidente ressaltou que a maior dificuldade consiste na falta de certificação da embalagem, que ainda é totalmente artesanal, e sem especificação de data de validade e informações nutricionais, o que impede a Associação de escoar sua produção para grandes empresas. Uma única associada apontou a baixa demanda de consumidores, a qual certamente é determinada pela movimentação dos ônibus que param no local, sendo observada grande saída dos produtos da Associação.

A Associação possui cadastro institucional na SETE e no SEBRAE, sendo enfatizado a disponibilização de cursos de qualificação em gestão de negócios, atendimento ao público e manipulação de alimentos pelo SEBRAE. No entanto, a Associação não recebe nenhuma avaliação externa de suas atividades. A presidente informou ainda que AMAC não passou pelo mapeamento realizado pela SENAES em 2012.

Quando perguntada sobre o que necessita melhorar com relação ao fomento viabilizado pelo Estado, a presidente externou a necessidade de maior apoio para a Associação, principalmente no que se refere à adequação da embalagem, que necessita ser certificada pela Anvisa para a ampliação da rede de escoamento e também para agregar valor aos produtos.

A entrevistada 3 reforçou a necessidade de maior investimento em qualificação profissional, para que sejam ampliadas as possibilidades de atuação das sócias, ressaltou que “além da possibilidade de cursos de culinária são necessários cursos de informática, de técnicas de gerenciamento de negócios, entre outros”.

Cada associada contribui mensalmente com R$ 2,00 (dois reais), contribuição que de acordo com a presidente é insuficiente para custeio das despesas da Associação, que inclui pagamento de motorista, de contador e advogado que são contratados para serviços temporários. O custeio das despesas é realizado com parte do lucro da Fábrica, sendo que o restante é dividido igualmente entre as sócias que trabalham na fábrica, 106 mulheres.

As quatro sócias entrevistadas enfatizaram que o dinheiro obtido com as atividades é suficiente para o custeio das despesas pessoais, sobrando recursos para outros fins. Quando perguntada sobre as principais conquistas viabilizadas pela Associação, a presidente enfatizou a integração do grupo, bem como a sistemática de condução das atividades, sendo que as ações são planejadas pelas próprias associadas, não surgindo de forma aleatória. As associadas entrevistadas ressaltaram como aspecto positivo, as amizades construídas ao longo do processo e o aprendizado adquirido.

Com relação aos desafios que circundam a Associação, a presidente enfatizou a necessidade de modernização e aquisição de algumas máquinas, no intuito de elevar a produção, como um equipamento voltado à secagem da castanha, que ainda é feito de forma artesanal, bem como de extração do óleo da castanha, que ainda não é aproveitado pela AMAC. A presidente enfatizou que a Associação possui algumas atividades que possuem metodologia muito ultrapassada, como a descascagem da castanha manualmente pelas associadas, que ainda é realizado individualmente, demandando muito tempo de trabalho.

A entrevistada 1 ao ser questionada sobre os desafios da AMAC, enfatizou que “a principal missão da AMAC é manter a integração entre as associadas, considerando o elevado número de sócias e dinâmica das atividades”. Quando perguntada sobre o que a economia solidária mudou na vida das entrevistadas, a presidente enfatizou a satisfação trazida pela união do grupo e pelo avanço significativo da Associação, o que fora compartilhado pelas outras três sócias entrevistadas.

Destacou ainda que a associação colabora de forma significativa para o empoderamento das mulheres associadas e que a mudança de comportamento é notória nas mulheres após a afiliação, uma vez que além da garantia de renda, elas têm sua alto-estima melhorada pela convivência com as associadas, pela ampliação da rede de contato e pelas informações que passam a ter a partir da dedicação no trabalho.

Verificou-se que a Associação tem sido benéfica para as mulheres associadas, uma vez que restou clara a satisfação das entrevistadas com os resultados do empreendimento, que viabiliza não apenas o custeio das despesas (que são significativas, em função do padrão organizacional), mas ainda a sobra de recursos para fins pessoais diversos.

Com relação à análise de custo-efetividade voltada à política de fomento à economia solidária para a Associação, verificou-se que a AMAC foi contemplada com pelo Estado com reforma, construção do espaço da Feira e aquisição de equipamentos. No entanto, as associadas enfatizam a necessidade de um maior fomento, principalmente no que diz respeito ao melhoramento das embalagens, que necessitam de certificação da ANVISA (Agência Brasileira de Vigilância Sanitária) para ampliação das possibilidades de escoamento da produção.

Neste sentido, considerou-se à política pública eficaz, necessitando, contudo, ser ainda mais atuante no que se refere ao fomento à agregação de valor do produto, uma vez que o Estado possui todas as condições de contribuir no processo de certificação da embalagem dos biscoitos e doces, o que impactaria ainda mais na comercialização da produção e no fortalecimento da Associação.

Conclusões

O mundo globalizado e capitalista tende a adotar padrões de desenvolvimento semelhantes por onde passa, de forma desprezar as diferenças culturais, sociais e econômicas, impondo, sutil ou gritantemente, sua opressão àqueles que não conseguem atingir o patamar de sofisticação dos países modelos, cuja forma de desenvolvimento é exemplo a ser copiado, imitado a qualquer custo, num processo etnocêntrico, e, totalmente insano e desigual, que faz com que os que não atingiram tal patamar sejam rotulados de inferiores, menores ou marginais. Por certo, a busca pela melhoria da qualidade de vida das pessoas que compõem um País não pode ser concebida como uma receita pronta a ser aplicada em qualquer “formato de panela”, as diferenças culturais, históricas e socioeconômicas necessitam ser consideradas.

O crescimento da economia solidária levou à necessidade de atuação do Estado junto ao segmento, seja por meio de fomento direto, seja por ações de acompanhamento e/ou contagem do setor. Analisou-se com este estudo o fomento à economia solidária por meio dos incentivos voltados à Associação de Mulheres Agroextrativistas do Alto Cajari (AMAC), que atua na fabricação de doces e biscoitos de castanha.

Destacaram-se a organização do empreendimento e os resultados satisfatórios para as empreendedoras associadas. Todas as entrevistadas enfatizaram que a renda alcançada com as atividades além de proporcionar custeio das despesas, gera recursos utilizados em fins pessoais. As sócias, assim como a presidente da Associação enfatizam a satisfação com a relação de amizade construída e ainda o aprendizado adquirido.

Como desafios que circundam a Associação, ressalta-se a necessidade de modernização e aquisição de máquinas, a fim de se elevar a produção, mas a despeito disso, a AMAC revelou-se atenta às possibilidades de custeio e fomento, estando com projetos de acesso à recursos aprovados, em valores que proporcionarão maior dinamismo às atividades. A organização das castanheiras vem crescendo e se fortalecendo. Uma boa demonstração é a criação da cooperativa, com vistas a ampliar a produção e escoamento dos produtos, e consolidar o empreendimento no mercado.

Ponto importante a ser destacado é o empoderamento das mulheres viabilizado pela participação da associação, que além da garantia de renda, têm sua alto-estima melhorada pela convivência entre as associadas, pela ampliação da rede de contatos e pelas informações que elas passam a ter a partir da dedicação no trabalho.

Com relação à análise de custo-efetividade voltada à política de fomento à economia solidária para a Associação, verificou-se que a AMAC foi contemplada com o fomento do Estado para dinamização de seu empreendimento, com reforma, construção do espaço da feira e aquisição de equipamentos. No entanto, as entrevistadas enfatizam a necessidade de um maior fomento, principalmente no que diz respeito ao melhoramento das embalagens, que necessitam de certificação para ampliação das possibilidades de escoamento da produção.

Neste sentido, considerou-se à política pública eficaz, necessitando, contudo, maior abrangência no que se refere ao fomento destinado à agregação de valor do produto, uma vez que o Estado possui condições, por meio da Secretaria Estadual de Trabalho e Empreendedorismo (SETE), Agência de Fomentos do Amapá (AFAP) e Instituto de Pesquisas Científicas, Tecnológicas do Amapá (IEPA) e Secretaria Estadual de Vigilância Sanitária (SVS-AP) de contribuir no processo de certificação das embalagens dos biscoitos e doces, o que impactaria ainda mais positivamente na comercialização da produção.

Pôde-se constatar com este estudo que as políticas de fomento à economia solidária esbarram numa problemática comum às outras políticas públicas, a precariedade na articulação e integração entre si, muitas vezes impulsionadas por problemas de comunicação, por falta de percepção da atuação do Estado como um complexo de vários serviços, os quais necessitam funcionar de forma harmônica e equilibrada, e ainda a alta rotatividade de cargos e funções estratégicas.

Há de se destacar também a importância do fortalecimento do conjunto, ou conjuntos que compõem a economia solidária, o conjunto de agentes, composto por pessoas, mas ainda, o conjunto de valores, que se impõe tão necessário quanto o primeiro.

Agradecimentos

Agradeço à Universidade do Estado do Amapá (UEAP) pelo estímulo à pesquisa e publicação científica, viabilizado por meio dos editais e resoluções para tal finalidade, assim como a Associação de Mulheres Agroextrativistas do Alto Cajari (AMAC) pela valiosa e imprescindível colaboração neste estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 11  2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2020
  • Aceito
    24 Maio 2021
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