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Espoliação e resistência em territórios tradicionalmente ocupados nas bacias do Tapajós e Trombetas, Pará

Resumo

Na América Latina é particularmente relevante uma abordagem crítica pós-desenvolvimentista que vincula estreitamente a modernidade à colonialidade e cujos debates são permeados pelo conceito de natureza colonizada e por críticas severas ao neoextrativismo do século XXI. O artigo apresenta a diversidade social e o patrimônio biocultural dos povos da floresta que vivem nas bacias dos rios Tapajós e Trombetas e, a partir de uma análise de áreas e situações específicas, reflete sobre formas de espoliação perpetradas pelo capital, em conluio com diferentes esferas do Estado. Essa análise, por sua vez, permite tecer reflexões sobre as diferentes formas de resistência dos povos da floresta em defesa de seus territórios tradicionalmente ocupados e modos de vida.

Palavras-chave:
Tapajós; Trombetas; Ecologia Política; Espoliação; Resistência

Abstract

In understanding contemporary Latin America, a critical post-developmental approach is particularly relevant. This approach closely links modernity to coloniality and its debates are permeated by the concept of colonized nature and by trenchant critiques of 21st century neo-extractivism . This article presents the social diversity and biocultural legacies of forest peoples who live in the basins of the Tapajós and Trombetas rivers. We present an analysis of particular areas and locales, to reveal ways that plunder is perpetrated by capital, in collusion with different spheres of the State. This analysis, in turn, allows us to reflect on different forms of forest peoples’ resistance in defence of their traditionally occupied territories and ways of life.

Keywords:
Tapajós; Trombetas; Political Ecology; Plunder; Resistance

Resumen

En América Latina, es particularmente relevante el enfoque crítico pós-desarrollista, que relaciona estrechamente la modernidad a la colonialidad y cuyos debates son marcados por el concepto de naturaleza colonizada y por críticas rigurosas al neoextractivismo del siglo XXI. Este artículo revela la diversidad social y el patrimonio biocultural de los pueblos de la selva que viven en las cuencas de los ríos Tapajós y Trombetas, y, a partir de un análisis de áreas y situaciones específicas, reflexionamos sobre formas de expoliación perpetradas por el capital en connivencia con diferentes esferas del Estado. Este análisis, además, permite tejer reflexiones sobre diferentes formas de resistencia de estos pueblos en defensa de sus territorios tradicionalmente ocupados y modos de vida.

Palabras-clave:
Tapajós; Trombetas; Ecología política; Expoliación; Resistencia

Introdução

América Latina, é particularmente relevante uma abordagem crítica pós-desenvolvimentista, que vincula estreitamente a modernidade à colonialidade e cujos debates são permeados pelo conceito de natureza colonizada e por críticas severas ao neoextrativismo do século XXI (SVAMPA, 2019SVAMPA, M. Las fronteras del neoextractivismo en América Latina: conflictos socioambientales, giro ecoterritorial y nuevasdependencias. Guadalajara: CALAS, 2019.). O objetivo deste artigo é apresentar a diversidade social e o patrimônio biocultural dos povos da floresta que vivem nas bacias do Tapajós e Trombetas e, a partir de uma análise de áreas e situações específicas, refletir sobre as formas de espoliação perpetradas pelo capital em conluio com diferentes esferas do Estado. Essa análise, por sua vez, permitirá tecer reflexões sobre as diferentes formas de resistência dos povos da floresta em defesa de seus territórios tradicionalmente ocupados.

A ecologia histórica aponta para a importância de se compreender longos processos históricos de construção de paisagens, concebendo as relações entre “cultura” e “natureza” como dialógicas e dialéticas, ao invés de dicotômicas (BALÉE, 1998BALÉE, W. Historical Ecology: premises and postulates. In: BALEÉ, W. (org.). Advances in Historical Ecology. New York: Columbia University Press, p. 13-27, 1998.). A ecologia política, por sua vez, leva a refletir sobre como as relações de poder condicionam o manejo do meio ambiente (ALIMONDA, 2011ALIMONDA, H. 2011. La colonialidad de la naturaleza. Una aproximación a la Ecología Política Latinoamericana. In: ALIMONDA, H (Ed.). La naturaleza colonizada:ecología política y minería en América Latina. Buenos Aires: CLACSO, p. 21-58, 2011.). Na América Latina, a ecologia política constitui um terreno de pensamento autônomo (ALIMONDA, 2017), de relevância internacional, em estado fundacional e permanente de construção de conhecimento multidisciplinar teórico-prático (LEFF, 2003LEFF, E. La Ecología Política En América Latina: un campo en Construcción. Sociedade e Estado, v. 18, n. 1/2, p. 17-40, 2003.). Para Joan Martínez-Alier (2015), o objeto de estudo da ecologia política são os conflitos ecológico distributivos; já autores latino-americanos como Enrique Leff e Arturo Escobar dão mais foco a aspectos relacionados a lugar, cultura e epistemologia política (LEFF, 2003; ESCOBAR, 2005ESCOBAR, A. O lugar da natureza e a natureza do lugar: globalização ou pós-desenvolvimento? In: Edgardo Lander, (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: ColecciónSur, CLACSO, p. 133-168, 2005.). Para Eduardo Gudynas (2014GUDYNAS, E. Ecologías políticas. Ideas preliminares sobre concepciones, tendencias, renovaciones y opcioneslatinoamericanas. Documentos de trabajo CLACSO n.º72, p 1-17, 2014. (Documento de trabajo CLACSO, 72).), por sua vez, o grande desafio dessa ciência interdisciplinar é simultaneamente ecologizar a política e politizar a ecologia.

As pessoas responsáveis por este artigo integram o Grupo de Estudos de Ecologia Histórica e Política nas Bacias do Trombetas, Tapajós e Xingu, grupo de pesquisa sediado na Universidade Federal do Oeste do Pará, em Santarém. Acreditamos que o entendimento das condições bióticas atuais requer que se observe como essas paisagens foram alteradas por sociedades humanas no passado e são conservadas ativamente por povos da floresta no presente (e.g. SCOLES; GRIBEL 2011SCOLES, R.; GRIBEL, R. Human influence on the Regeneration of Brazil nut tree (Bertholletiaexcelsa, Lecythidaceae) at the Capanã Grande Lake, Manicoré, Amazonas, Brazil. Human Ecology, v. 43, n. 6, p. 843-854, 2011.; BALÉE et al., 2020BALÉE, W.; HONORATO DE OLIVEIRA, V.; SANTOS, R; AMARAL, M.; ROCHA, B.; GUERRERO, N.; SCHWARTZMAN, S.; TORRES, M.; PEZZUTI, J. Ancient Transformation, Current Conservation: Traditional Forest Management on the Iriri River, Brazilian Amazonia. Human Ecology, v. 48, p. 1-15, 2020.). Nossos trabalhos frequentemente nascem de conflitos envolvendo povos indígenas e comunidades tradicionais da região, contribuindo para subsidiar suas demandas em disputas assimétricas com o grande capital e o Estado.

As resistências forjadas contra a espoliação e consequente expropriação territorial nas bacias do Tapajós e Trombetas são exercidas de múltiplas formas e envolvem diversos atores. Trata-se, por um lado, de um processo contínuo, latente e persistente, por isso cotidiano (SCOTT, 2002SCOTT, J. Formas cotidianas da resistência camponesa. Raízes, v. 21, p. 10-31, 2002.); por outro, a resistência também é constituída por ações diretas que paralisam empreendimentos ou fluxos de commodities, alcançando grande visibilidade. Outras formas envolvem a mobilização de instâncias governamentais sensíveis às causas e envolvidas na formulação e alteração de políticas públicas. A mera existência e persistência implicada na presença de povos indígenas e comunidades tradicionais no panorama atual constitui um signo da capacidade de sua reinvenção. Conforme argumentam Das e Poole (2008DAS, V; POOLE, D. El estado y sus márgenes. Etnografias comparadas. Cuadernos de Antropología Social, n. 27, p, 19-52, 2008.), os grupos sociais que habitam as margens do Estado são atores que desafiam estruturas que aparentam ser monolíticas. Aqui tomamos a margem, seus habitantes e suas formas de resistência como centro da trama analítica, atentando para os posicionamentos do Estado nesses contextos.

Procedimentos metodológicos

O presente trabalho é marcado pela colaboração de distintos campos do conhecimento, como arqueologia, antropologia, geografia e ecologia. Ele foi feito a partir de encontros, discussões e pesquisas conjuntas realizadas nas bacias do Trombetas, Tapajós e Xingu, nas quais se analisam desigualdades ambientais e as lutas que povos indígenas e comunidades tradicionais travam por direitos territoriais e sociais, a partir das perspectivas teóricas e ferramentas metodológicas aludidas na introdução. Este artigo oferece, ainda, uma síntese de alguns dos processos de espoliação e resistência que temos acompanhado ao longo de mais de uma década de atuação.

As bacias do Trombetas e Tapajós, sua diversidade social e patrimônio biocultural

As bacias dos rios Tapajós e Trombetas fazem parte do cráton amazônico, escudo montanhoso do continente americano situado ao sul e ao norte da bacia sedimentar amazônica (HOORN; WESSELINGH, 2010HOORN, C.; WESSELINGHT, F. Amazonia: Landscape and Species Evolution: A Look into the Past. Oxford: Wilew-Blackwell, 2010.; Figura 1). Ambos os rios, ao percorrerem formações geológicas de bilhões de anos de antiguidade e com baixa erosão fluvial, são pobres em sedimentos - no entanto, a alta densidade de fitoplâncton presente no Tapajós empresta um tom esverdeado à sua coloração (MORAIS, 2008MORAIS, R. Águas Brancas, Pretas e Verdes. In: AB’SABER, A. (ed.). Leituras Indispensáveis. São Paulo: Ateliê Editorial, p.57-63, 2008.), ao passo que, por percorrer inúmeros igarapés e igapós que contêm abundante matéria orgânica, as águas do rio Trombetas são ácidas e tingidas com tons escuros (HORBE; OLIVEIRA, 2008HORBE, A. M. C.; OLIVEIRA, L. G. S. Química de igarapés de água preta do nordeste do Amazonas - Brasil. Acta Amazonica, v. 38, n. 4, p. 753-760, 2008.). Ambas as bacias atuam como pontes, conectando ao vale amazônico o Planalto Central Brasileiro, ao sul, e o Escudo das Guianas, ao norte.

Figura 1
Mapa com a localização das sub bacias do Tapajós e Trombetas. Mapa elaborado por Vinicius Honorato

As bacias do Tapajós e Trombetas são de grande riqueza em termos de biodiversidade. Por ligar o cerrado à floresta amazônica, a bacia do Tapajós conta com condições climáticas menos úmidas ao sul, onde a fitofisionomia dominante é muito heterogênea, composta principalmente por campos de savana e floresta ombrófila aberta. Mais a jusante, a vegetação hegemônica é a floresta ombrófila densa (SCOLES, 2016SCOLES, R. Caracterização ambiental da bacia do Tapajós. In: ALARCON, D. F., MILLIKAN, B., TORRES, M. (Org). Ocekadi: Hidrelétricas, Conflitos Socioambientais e Resistência na bacia do Tapajós. 1. ed. Brasília: International Rivers; Santarém: PAA/UFOPA, p. 29-42, 2016.). Por sua vez, a bacia do Trombetas pertence à região endêmica das Guianas (SILVA et al., 2005SILVA, J. M. C.; RYLANDS, A. B.; FONSECA, G. A. B. The Fate of the Amazonian Areas of Endemism. Conservation Biology, v. 19, n. 3, p. 689-694, 2005.), apresentando vegetação dominada por florestas ombrófilas densas de terra firme, florestas alagáveis de igapó e manchas de campinas de areia branca (IBAMA, 2004), possuindo, portanto, ecossistemas e geomorfologias heterogêneos. Ambos os rios têm, em seus altos cursos, trechos encachoeirados, de difícil navegabilidade, e trechos livres, que representam respectivamente o encontro dos escudos guianense e brasileiro com o vale amazônico.

Na Amazônia, há evidências de ocupação humana - e da transformação humana dos vários ecossistemas que compõem a bacia - há pelo menos doze mil anos (SHOCK; MORAES, 2019SHOCK, M. P.; MORAES, C. P. A floresta é o domus: a importância das evidências arqueobotânicas e arqueológicas das ocupações humanas amazônicas na transição Pleistoceno/Holoceno. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi - Ciências Humanas, v. 14, p. 263-89, 2019.). A despeito do colapso demográfico que sucedeu a invasão europeia da região, levando a uma depopulação estimada em torno de 90% (KOCH et al., 2019KOCH, A.; BRIERLEY, C.; MASLIN, M.M.; LEWIS, S.L. Earth system impacts of the European arrival and Great Dying in the Americas after 1492. QuatSciRev 207, p. 13-36, 2019.), pode-se afirmar que, desde seu povoamento pelos ancestrais dos povos indígenas atuais, a Amazônia não chegou a ser desocupada. Isso porque a chegada de africanos e seus descendentes escravizados (ACEVEDO; CASTRO, 1998; FUNES, 2015FUNES, E. Comunidades mocambeiras do Trombetas. In: GRUPIONI, D. F.; DE ANDRADE, L. M. M. (org). Entre Águas Bravas e Mansas, índios & quilombolas em Oriximiná. São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo; Iepé, 2015.), bem como de nordestinos, a partir do século XIX (ALMEIDA, 1993ALMEIDA, M. W. B. Rubber tappers of the upper Juruá river, Brazil: the making of a forest peasant economy. Tese de Doutorado. Universidade de Cambridge, Cambridge, 1993.), levou à ocupação e constituição de novos territórios, ligados a grupos sociais que emergiram de importantes trocas de conhecimentos e práticas com os povos indígenas, com quem esses migrantes interagiram sob diversas formas, incluindo conflito, matrimônio, comércio e solidariedade.

O rio Trombetas é conhecido pela diversidade de povos falantes de línguas Karib e de povos isolados. Há, ainda, falantes de línguas Arawak e Tupi (Zo’e). A antiga presença Arawak é relacionada à presença de cerâmicas pertencentes à Tradição Pocó (NEVES et al., 2014NEVES, E. G., GUAPINDAIA, V. L. C., LIMA, H. P., COSTA, B. L. S.; GOMES, J. A tradição Pocó-Açutuba e os primeiros sinais visíveis de modificações de paisagens na calha do Amazonas. In: ROSTAIN, S. (ed.). Amazonía: memorias de las Conferencias Magistrales del 3er Encuentro Internacional de Arqueología Amazônica.Quito: Ministerio Coordinador de Conocimiento y Talento Humano e IKIAM, Secretaría Nacional de Educación Superior, Ciencia, Tecnología e Innovación, Tercer Encuentro Internacional de Arqueología Amazónica, p. 137-158, 2014.), datada entre 200 a.C. e 400 d.C. nessa região (GUAPINDAIA, 2008GUAPINDAIA, V. Além da margem do rio: a ocupação Konduri e Poço na região de Porto Trombetas. 2008. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.), e à formação inicial de solos antropogênicos conhecidos como Terra Preta de Índio (NEVES, 2006). Na bacia do Tapajós, povos indígenas falantes dos troncos Tupi, Karib, Arawak e Jê são mencionados em registros escritos entre os séculos XVI e XX. No rio Tapajós, historicamente preponderavam os povos Tupi, como os Munduruku, especialmente acima das cachoeiras e nas áreas de interflúvio (ROCHA, 2017ROCHA, B. C. Ipi Ocemumuge: A Regional Archaeology of the Upper Tapajós River. 2017. Tese de Doutorado. Institute of Archaeology, University College, London, 2017.). Há evidências indiretas que apontam para a ocupação humana nesse rio desde o final do Pleistoceno ou início do Holoceno (SIMÕES, 1976SIMÕES, M. F. Nota Sobre Duas Pontas de Projétil da Bacia Tapajós (Pará). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Nova Série, v. 62, 1976.; ROCHA, 2017).

A colonização europeia da Amazônia levou a transformações profundas, que podem ser entendidas como uma série de choques que acarretaria ampla reconfiguração social da região. Reações ameríndias a processos de conquista e colonização variaram de forma dramática, o que levou a cenários muito divergentes para os vários povos envolvidos, desde a dizimação até a formação de “novas sociedades e novos tipos de sociedade” (MONTEIRO, 2001MONTEIRO, J. Tupis, Tapuias e Historiadores: estudos de História Indígena e do Indigenismo. 2001. Tese (Doutorado em Antropologia). Universidade de Campinas, Campinas, 2001., p.55, ênfase no original). Tomando o povo Munduruku como exemplo, Whitehead (1993WHITEHEAD, N. L. Ethnic Transformation and Historical Discontinuity in Native Amazonia and Guayana, 1500-1900. L’Homme, 33/126-128. La remontée de l’Amazone, p. 285-305, 1993.) constatou de que forma respostas ameríndias flexíveis e inovadoras conseguiram assegurar que a conquista europeia seria retardada ou não aconteceria. De fato, podemos observar como, ao longo do processo de colonização portuguesa e para garantir sua sobrevivência, esse povo empregou um amplo espectro de respostas, que variaram da resistência armada até a colaboração com os portugueses após uma trégua acordada ao final do século XVIII (ROCHA, 2017ROCHA, B. C. Ipi Ocemumuge: A Regional Archaeology of the Upper Tapajós River. 2017. Tese de Doutorado. Institute of Archaeology, University College, London, 2017.).

Há 200 anos, com a chegada de africanos e seus descendentes escravizados ao baixo Amazonas - o que inclui Santarém, Monte Alegre, Óbidos e Alenquer -, para trabalhar em fazendas de gado e plantações de cacau, café, arroz e cana, sucedeu-se uma série de fugas para o Trombetas. Seu intrincado sistema de lagos, furos e cachoeiras emprestou proteção contra expedições de captura e possibilitou o estabelecimento de comunidades mocambeiras, ou quilombos (ACEVEDO; CASTRO, 1998; FUNES, 2015FUNES, E. Comunidades mocambeiras do Trombetas. In: GRUPIONI, D. F.; DE ANDRADE, L. M. M. (org). Entre Águas Bravas e Mansas, índios & quilombolas em Oriximiná. São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo; Iepé, 2015.). Relatos de descendentes incluem descrições de como, antes de fugir, mulheres coletavam diversos tipos de sementes e as levavam escondidas no cabelo, para garantir o sustento das comunidades que se formavam (FUNES, 2015).

A partir da segunda metade do século XIX, fugindo da seca e atraídos por promessas de trabalho na economia da borracha, migrantes nordestinos chegaram aos rios Tapajós e Trombetas para trabalhar como seringueiros. Majoritariamente homens, formariam no alto Tapajós novos grupos sociais a partir de casamentos - geralmente forçados - com mulheres indígenas (TORRES, 2008TORRES, M. A beiradeira e o grilador: ocupação e conflito no Oeste do Pará. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.), cuja presença “é peça vital para o entendimento do modo de ocupação e de reprodução naquele espaço” (TORRES, 2016), legando a esses seringueiros um arcabouço milenar de conhecimentos sobre a floresta.

Processos coevos ocorreram no rio Trombetas, onde migrantes nordestinos chegaram para trabalhar em atividades de extração vegetal, cujos produtos também seriam comercializados com os regatões da região. A queda dos preços da borracha, em 1913, levaria ao abandono dos seringais do alto Tapajós pelos seringalistas, o que propiciou a emergência de um campesinato florestal (ALMEIDA, 1993ALMEIDA, M. W. B. Rubber tappers of the upper Juruá river, Brazil: the making of a forest peasant economy. Tese de Doutorado. Universidade de Cambridge, Cambridge, 1993.; TORRES, 2008TORRES, M. A beiradeira e o grilador: ocupação e conflito no Oeste do Pará. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.). Embora a indústria gomífera nunca tivesse alcançado a mesma magnitude no rio Trombetas, se comparada ao Tapajós, a queda dos preços da borracha teve repercussões parecidas, sendo fundamental no processo de formação da sociedade ribeirinha daquela área. Na década de 1940, novos migrantes, os “soldados da borracha”, viriam do nordeste para novamente extrair látex de seringueiras após o sequestro japonês dos seringais britânicos na península Malaia durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao longo dos milênios, e até os dias atuais, esses diferentes povos indígenas e comunidades tradicionais têm cumulativamente promovido transformações da paisagem (BALÉE, 1989BALÉE, W. The culture of Amazonian forests. In: POSEY, D.; BALÉE, W. (org). Resource Management in Amazonia: Indigenous and Folk Strategies. New York: New York Botanical Gardens, v. 7, p. 1-21, 1989.; CARNEY; VOEKS, 2003CARNEY, J. A.; VOEKS, R. A. Landscape legacies of the African diaspora in Brazil. Progress in Human Geography, v. 27, n. 2, p. 139-152, 2003.), a partir de uma série de práticas de manejo (LEVIS et al., 2017LEVIS, C.; COSTA, F. R. C. ; BONGERS, F.; PEÑA-CLAROS, M.; CLEMENT, C. R.; JUNQUEIRA, A. B., et al. Persistent effects of pre-Columbian plant domestication on Amazonian forest composition. Science, v. 355, p. 925-931, 2017.). Esses grupos imbuíram essas paisagens de significados, atribuindo-lhe nomes - e marcos toponímicos frequentemente atuam como ativadores mnemônicos de eventos históricos ou míticos. Tal é o caso das cachoeiras dos rios Tapajós (POVO MUNDURUKU, 2013) e Trombetas (FUNES, 2015FUNES, E. Comunidades mocambeiras do Trombetas. In: GRUPIONI, D. F.; DE ANDRADE, L. M. M. (org). Entre Águas Bravas e Mansas, índios & quilombolas em Oriximiná. São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo; Iepé, 2015.), que, após a invasão europeia, passaram a configurar barreiras à colonização, freando ou retardando seu avanço e agindo como áreas de refúgio, tanto para povos indígenas (HARRIS, 2018HARRIS, M. The Making of Regional Systems: The Tapajós/Madeira and Trombetas/Nhamundá Regions in the Lower Brazilian Amazon, Seventeenth and Eighteenth Centuries. Ethnohistory, v. 65, n. 4, p. 621-645, 2018.; ROCHA, 2017ROCHA, B. C. Ipi Ocemumuge: A Regional Archaeology of the Upper Tapajós River. 2017. Tese de Doutorado. Institute of Archaeology, University College, London, 2017.) quanto para as recém-constituídas comunidades quilombolas - no caso do rio Trombetas, inclusive durante o período da Cabanagem (ACEVEDO; CASTRO, 1998). A territorialidade desses diversos grupos envolve locais de caça, coleta, pesca, extrativismo e roças, como os chamados “pontos de trabalho” dos ribeirinhos do baixo Trombetas (AFFONSO, 2018AFFONSO, H. G. A disputa das unidades de conservação como territórios tradicionalmente ocupados e espaço destinado a concessões minerais e madeireiras: estudo de caso a partir dos conflitos na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, Oriximiná - Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, 2018.).

A despeito da antiga e notória presença de povos indígenas e comunidades tradicionais no Brasil, cabe destacar como também é antiga e notória a falta de reconhecimento de seus direitos territoriais e sociais. A partir do século XX, a presença humana na Amazônia foi reiteradamente negada e a região foi retratada como um vazio demográfico, com destaque às suas características “naturais”. Na década de 1930, com a ambição de Getúlio Vargas de “integrar” a Amazônia ao restante do país (ARBEX JR., 2005ARBEX JR., J. 2005. “Terra sem povo”, crime sem castigo: pouco ou nada sabemos de concreto sobre a Amazônia In: TORRES, M. (org.). Amazônia revelada: os descaminhos ao longo da BR-163. 1. ed. Brasília: CNPq, p. 21-67, 2005.), a “vocação” da região seria definida como para “navegação e transportes, colônias agrícolas e ‘batalha da borracha’” (BUENO, 2002BUENO, M. F. O imaginário brasileiro sobre a Amazônia. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002., p.73). O discurso do vazio demográfico segue sendo reciclado e, quando a presença humana é reconhecida, é apresentada como obstáculo ao progresso (ALARCON; GUERRERO; FURUIE, 2016ALARCON, D. F.; GUERRERO, N. R.; FURUIE, V. A. Imprensa e barragens na bacia do Tapajós: apego ao discurso oficial e ocultamento das críticas. In: ALARCON, D.F.; MILLIKAN, B; TORRES, M. (org.). Ocekadi: Hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência na bacia do Tapajós. 1. ed. Brasília; Santarém: International Rivers; PAA/Universidade Federal do Oeste do Pará, p. 211-245, 2016.).

Tapajós e a luta pela terra

Segundo Martins (1996MARTINS, J. S. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira. Tempo Social, v. 8, n 1, p. 25-70, 1996., p.26), “a história do recente deslocamento da fronteira é uma história de destruição. Mas é também uma história de resistência, de revolta, de protesto, de sonho e de esperança”. Desde a década de 1960, a bacia do Tapajós tem sido palco de uma série de investidas do grande capital, com forte amparo do Estado, justificadas pelo paradigma do “desenvolvimento” (ALARCON; GUERRERO; TORRES, 2016TORRES, M. Um rio de muita gente: a luta comum de vidas plurais no vale do Alto Tapajós. In: ALARCON, D. F.; MILLIKAN, B; TORRES, M. (Org.). Ocekadi: hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência na Bacia do Tapajós. 1. ed. Brasília; Santarém: International Rivers; PAA/Universidade Federal do Oeste do Pará, p. 1-28, 2016.) (Figura 2). Tais ofensivas relacionam-se a diferentes “frentes” que, entretanto, estão conectadas. Uma delas é o avanço da “fronteira agrícola”, vinda do Mato Grosso, expansão que decorre de processos de grilagem e especulação em terras públicas (TORRES, 2005; TORRES et al., 2017). O acesso a terras públicas para grandes corporações foi muito facilitado, em especial ao longo de rodovias federais (OLIVEIRA, 2005OLIVEIRA, A. U. BR-163 Cuiabá-Santarém: Geopolítica, grilagem, violência e mundialização. In: TORRES, M. (org.) Amazônia revelada: os descaminhos ao longo da BR-163. 1. ed. Brasília: CNPq, p. 67-184, 2005.).

Figura 2
Mapa da bacia do Tapajós com a localização de áreas protegidas, empreendimentos e ameaças mencionados no texto

A não destinação de terras públicas abre margem para a apropriação privada e alienação de terras pela grilagem, que, por sua vez, se relaciona intimamente com processos de desmatamento e violência (TORRES, 2012TORRES, M. Terra privada, vida devoluta: ordenamento fundiário e destinação de terras públicas no oeste do Pará. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.; 2018; TORRES; DOBLAS; ALARCON, 2017). Na bacia do Tapajós, assim como em toda a Amazônia, o Estado tem agido para facilitar a privatização de terras públicas não destinadas ao longo dos últimos 15 anos e, sob o governo Bolsonaro, age para facilitar o roubo inclusive de terras públicas destinadas (TORRES; CUNHA; GUERRERO, 2020GUERRERO, N. R.; TORRES, M.; NEPOMUCENO, I. Impactos da Lei de Gestão de Florestas Públicas a comunidades tradicionais na Flona do Crepori. Ambiente e Sociedade, São Paulo, v. 23, p. 1-20, 2020.).

Outra “frente” que avança sobre o Tapajós se relaciona ao avanço da fronteira minerária. Consultas ao Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) evidenciam que “a bacia do Tapajós está recoberta de processos de autorização de prospecção mineral e de concessão para lavra de diferentes minérios” (ALARCON; GUERRERO; TORRES, 2016TORRES, M. Um rio de muita gente: a luta comum de vidas plurais no vale do Alto Tapajós. In: ALARCON, D. F.; MILLIKAN, B; TORRES, M. (Org.). Ocekadi: hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência na Bacia do Tapajós. 1. ed. Brasília; Santarém: International Rivers; PAA/Universidade Federal do Oeste do Pará, p. 1-28, 2016.). Tais pedidos incidem inclusive sobre unidades de conservação (UCs) e terras indígenas (TIs), na expectativa de mudanças legislativas que autorizem esse tipo de exploração, tais como o Projeto de Lei 1.610/1996. A construção planejada de usinas hidrelétricas, por sua vez, se relaciona ao fornecimento de energia para essas empreitadas.

O estabelecimento de infraestrutura e logística para escoamento de commodities, impulsionado a partir dos anos 2000 por meio de uma articulação entre a pavimentação da BR-163, projetos de instalação da Hidrovia Teles Pires-Juruena-Tapajós e a construção de portos graneleiros em Miritituba e Santarém, tem aumentado a especulação de terras e a expansão de plantações de soja e milho nas suas proximidades, como é o caso do Planalto Santareno e do distrito de Miritituba. Entendendo a suposta vocação da bacia do Tapajós para atuar como ponte para proporcionar uma “saída pelo norte” para grãos produzidos no cerrado (ALARCON; GUERRERO; TORRES, 2016TORRES, M. Um rio de muita gente: a luta comum de vidas plurais no vale do Alto Tapajós. In: ALARCON, D. F.; MILLIKAN, B; TORRES, M. (Org.). Ocekadi: hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência na Bacia do Tapajós. 1. ed. Brasília; Santarém: International Rivers; PAA/Universidade Federal do Oeste do Pará, p. 1-28, 2016.), o projeto previa a construção de eclusas para permitir a navegação de barcaças industriais junto aos barramentos previstos do Complexo Tapajós - um projeto para a construção de 43 grandes barragens hidrelétricas na bacia (FEARNSIDE, 2015FEARNSIDE, P. M. Brazil’s São Luiz do Tapajós Dam: The Art of Cosmetic Environmental Impact Assessments. Water Alternatives, 8/3, p. 373-396, 2015.). A presumida “sustentabilidade” das hidrovias e barragens, usada como argumento a seu favor, ignorou o fato de que a hidrovia serviria à “expansão de atividades econômicas predatórias, que, sabidamente, têm avançado sobre os territórios e modos de vida de indígenas, ribeirinhos, camponeses e outros grupos” (FEARNSIDE, 2015, p.56-57), levando à acumulação por despossessão (HARVEY, 2004HARVEY D. O novo Imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.).

Conectados a essa proposta, estão os planos para a construção da ferrovia EF-170, com cerca de mil quilômetros de extensão, correndo em paralelo à BR-163 e conectando os municípios de Sinop (Mato Grosso) e Itaituba (Pará). Conhecido como “Ferrogrão”, o projeto vem sendo comemorado como uma “segunda revolução do agronegócio” (ANGELO, 2019ANGELO, M. Projeto da Ferrogrão, alvo de disputa internacional, segue sem consulta prévia aos povos indígenas. Inesc, 2019. Disponível em: <https://www.inesc.org.br/projeto-da-ferrograo-alvo-de-disputa-internacional-segue-sem-consulta-previa-aos-povos-indigenas/>. Acesso em: 13 set. 2019.
https://www.inesc.org.br/projeto-da-ferr...
), e prevê escoar até 20 milhões de toneladas de grãos pelos portos no rio Tapajós e Amazonas. Em uma estimativa conservadora, calcula-se que o projeto impulsionaria a demanda por terras e elevaria o desmatamento em ao menos 2.040 km2 (ARAÚJO et al., 2020ARAÚJO, R.; ASSUNÇÃO, J.; BRAGANÇA, A. Os impactos ambientais da Ferrogrão: uma avaliação ex-ante dos riscos de desmatamento. Rio de Janeiro: ClimatePolicyInitiative, 2020.). Isso porque a expectativa gerada pela implementação desses empreendimentos leva ao “desmatamento especulativo” (ALARCON; GUERRERO; TORRES, 2016TORRES, M. Um rio de muita gente: a luta comum de vidas plurais no vale do Alto Tapajós. In: ALARCON, D. F.; MILLIKAN, B; TORRES, M. (Org.). Ocekadi: hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência na Bacia do Tapajós. 1. ed. Brasília; Santarém: International Rivers; PAA/Universidade Federal do Oeste do Pará, p. 1-28, 2016., p.43) relacionado à grilagem de terras.

O povo Munduruku, diante da ameaça que o barramento do rio Tapajós e seus afluentes representava em termos de destruição de seu território - que extrapola em muito os limites das terras indígenas homologadas ou em processo de reconhecimento pelo Estado (POVO MUNDURUKU, 2013) -, protagonizou um processo de resistência singular com a fundação, em 2010, do Movimento Ipereğ Ayũ (LOURES, 2017LOURES, R. S. P. Governo Karodaybi: o movimento IpereğAyũ e a resistência Munduruku. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, 2017.). Estratégias foram delineadas a partir da interlocução com uma constelação de aliados, parceiros e apoiadores, como o Ministério Público Federal (MPF), ONGs, pesquisadores, sindicatos de trabalhadores rurais, representantes da igreja católica, outros movimentos sociais, além de outros povos indígenas e comunidades tradicionais. Dessa forma, os Munduruku passaram a reivindicar a garantia de seus direitos territoriais de modo mais amplo, pleiteando a demarcação de suas terras (em especial a TI Sawre Muybu e, mais recentemente, a TI Sawre Bapim), bem como seu direito à consulta livre, prévia e informada (CLPI), tal como previsto pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A coesão interna tem sido garantida por um processo decisório ligado à realização de assembleias em diferentes aldeias, ao longo de dias, com extensas discussões na língua munduruku.

O processo de resistência dos Munduruku envolveu ações diretas muito eficazes para escancarar o choque de mundos (KRENAK, 2019KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.) em curso. Um exemplo foi a detenção e expulsão de pesquisadores que trabalhavam no licenciamento ambiental da usina de Jatobá (integrante do Complexo Tapajós), em 2013, e o confisco dos espécimes de fauna oriundos de coleta, entendida pelos Munduruku como uma violação contra a natureza. Outro exemplo, mais recente, foi a ocupação do Museu de História Natural de Alta Floresta (MT), em 2019, quando urnas funerárias escavadas durante o processo de licenciamento da hidrelétrica de Teles Pires foram novamente enterradas (LOURES; BRANFORD, 2020LOURES, R. S. P.; BRANFORD, S. Indígenas Munduruku resgatam urnas sagradas desenterradas durante construção de hidrelétrica. Tradução Thaís Borges. Mongabay. 2020. Disponível em: <https://brasil.mongabay.com/2020/01/indigenas-munduruku-resgatam-urnas-sagradas-desenterradas-durante-construcao-de-hidreletrica/>. Acesso em: 7 jan. 2021.
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), uma ação inédita no Brasil. Além disso, uma prática recorrente desse povo indígena envolve a divulgação de suas ações por meio de cartas elaboradas coletivamente, e frequentemente traduzidas para o português, inglês e espanhol, em sites criados para esse fim1 1 - Como https://movimentoiperegayu.wordpress.com e https://ocupacaobelomonte.wordpress.com. . As cartas expõem sua ontologia política (ESCOBAR, 2005ESCOBAR, A. O lugar da natureza e a natureza do lugar: globalização ou pós-desenvolvimento? In: Edgardo Lander, (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: ColecciónSur, CLACSO, p. 133-168, 2005.) e claramente evidenciam o choque de mundos (KRENAK, 2019), o conflito entre as cosmologias de uns e de outros, que afirmam a resistência Munduruku como ação autônoma, que atende a um chamado que não é perceptível ou compreensível para quem observa rios, lagos, terras apenas como fontes de recursos.

Note-se que ações conduzidas pelos Munduruku, como a ocupação do canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte, em 2013, junto a representantes de outros povos indígenas e dos beiradeiros de Montanha e Mangabal, e a interrupção do tráfego da BR-230 (Rodovia Transamazônica), em 2017, contaram com o apoio, no primeiro caso, dos trabalhadores da usina (LOURES, 2017LOURES, R. S. P. Governo Karodaybi: o movimento IpereğAyũ e a resistência Munduruku. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, 2017.) e, no segundo, de caminhoneiros (TORRES; BRANFORD, 2017TORRES, M.; BRANFORD, S. Índios fecham Transamazônica e conquistam vitória com apoio de caminhoneiros. Mongabay, 2017. Disponível em: <https://brasil.mongabay.com/2017/05/indios-fecham-transamazonica-conquistam-vitoria-apoio-caminhoneiros/> Acesso em: 6 jan. 2021.
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). A formação de alianças entre os Munduruku e outros povos da floresta, como os vizinhos beiradeiros de Montanha e Mangabal (LOURES, 2017; TORRES, 2015) foi, aliás, essencial para a realização das autodemarcações dos territórios de Dace Kapap Eïpi (oficialmente conhecida como TI Sawre Muybu), e do Projeto Agroextrativista Montanha e Mangabal.

Junto ao MPF e outros apoiadores, a criação de protocolos de consulta também tem sido um instrumento de suma importância para exigir que o Estado cumpra com suas obrigações. Oliveira (2020OLIVEIRA, R. M. “Respeitem a forma de a gente ser”: Protocolo de Consulta Munduruku e pluralismo jurídico. Direito e Práxis, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/50663. Acesso em: 8 jan. 2021.
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, p.3) define a consulta prévia como “um espaço político, jurídico e institucional”, no qual povos indígenas e comunidades tradicionais têm a “oportunidade de participar do processo decisório relacionado a medidas que afetem seus direitos coletivos”. Incorporada às leis brasileiras com status normativo supralegal, a CLPI “busca inaugurar uma nova relação, mais simétrica e respeitosa, entre minorias e Estados nacionais” (OLIVEIRA, 2020OLIVEIRA, R. M. “Respeitem a forma de a gente ser”: Protocolo de Consulta Munduruku e pluralismo jurídico. Direito e Práxis, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/50663. Acesso em: 8 jan. 2021.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
).

As ações foram fundamentais para atrasar o licenciamento ambiental de São Luiz do Tapajós, a maior barragem prevista para o Complexo Tapajós. Com a publicação do relatório circunstanciado de identificação e delimitação (RCID) da Terra Indígena Sawre Muybu logo após o parlamento brasileiro votar o afastamento de Dilma Rousseff, em abril de 2016, o Ibama arquivou o processo de licenciamento (TORRES, 2017TORRES, M.; BRANFORD, S. Índios fecham Transamazônica e conquistam vitória com apoio de caminhoneiros. Mongabay, 2017. Disponível em: <https://brasil.mongabay.com/2017/05/indios-fecham-transamazonica-conquistam-vitoria-apoio-caminhoneiros/> Acesso em: 6 jan. 2021.
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). Torres (2017TORRES, M.; BRANFORD, S. Índios fecham Transamazônica e conquistam vitória com apoio de caminhoneiros. Mongabay, 2017. Disponível em: <https://brasil.mongabay.com/2017/05/indios-fecham-transamazonica-conquistam-vitoria-apoio-caminhoneiros/> Acesso em: 6 jan. 2021.
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, p.436) aponta ainda outros fatores que impediram a construção das barragens no Tapajós: a crise econômica que se aprofundava, aliada ao “perfil do empresariado brasileiro que jamais gasta dinheiro próprio, sabendo que é bem melhor fazê-lo com dinheiro público”; o passivo político da usina de Belo Monte; a obrigação imposta pela Justiça Federal ao governo de cumprir a lei e realizar a CLPI, e a enorme crise política deflagrada pela revelação de esquemas de corrupção que envolviam grandes empreiteiras e os megaempreendimentos públicos.

Repetindo as violações cometidas pelos projetos de barramento dos rios Tapajós e Teles Pires (LOURES, 2017LOURES, R. S. P. Governo Karodaybi: o movimento IpereğAyũ e a resistência Munduruku. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, 2017.; ROCHA, 2020ROCHA, B. C. 2020. ‘Rescuing’ the ground from under their feet? Contract archaeology and human rights violations in the Brazilian Amazon. In: APAYDIN, V. (org.). Critical Perspectives on Cultural Memory and Heritage: Construction, Transformation and Destruction. Londres: UCL Press, p. 169-188, 2020.), o projeto da Ferrogrão, embora previsto para ser licitado em breve, sequer finalizou o licenciamento ambiental ou mesmo iniciou a CLPI. Mais que isso: o governo é acusado de fraudar o processo de consulta através da tentativa de aliciamento de uma liderança do povo Munduruku (BRASIL, 2020). Estamos, portanto, diante de um novo ciclo de lutas, em um momento que conta com o governo mais declaradamente anti-indígena desde a redemocratização, que abertamente estimula invasões de terras públicas e áreas protegidas, que tem vulnerabilizado a proteção de terras indígenas em processo de demarcação e que promove um desmonte de aparatos estatais de monitoramento e fiscalização, além de utilizar autarquias como a Fundação Nacional do Índio (Funai) para erodir direitos indígenas.

Trombetas e a disputa pelos direitos de uso da natureza

A bacia do rio Trombetas abriga um grande mosaico de áreas protegidas (ISA, 2020;A bacia do rio Trombetas abriga um grande mosaico de áreas protegidas (ISA, 2020; CPI-SP, 2021). Contudo, mesmo retirando as terras do mercado, a partir da exploração do subsolo ou da cobertura vegetal, o capital encontrou formas de espoliar povos e comunidades tradicionais nessa região (NEPOMUCENO, 2017NEPOMUCENO, I. T. R. Conflitos territoriais entre comunidades tradicionais e concessões florestais: um estudo de caso a partir da Floresta Nacional de Saracá-Taquera em Oriximiná, Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, 2017.; AFFONSO, 2018AFFONSO, H. G. A disputa das unidades de conservação como territórios tradicionalmente ocupados e espaço destinado a concessões minerais e madeireiras: estudo de caso a partir dos conflitos na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, Oriximiná - Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, 2018.).

Na bacia do rio Trombetas, a criação de UCs se relacionou à garantia de controle social e fundiário da região (WANDERLEY, 2005WANDERLEY, L. J. D. M. Tem “cerca” para negro na Amazônia! A Luta dos Quilombolas do Trombetas - PA por Titulação e uso da terra. III Simpósio Nacional de Geografia Agrária - II Simpósio Internacional de Geografia Agrária, Presidente Prudente-SP: Universidade Federal do Rio Janeiro, 2005.; COELHO; CUNHA; WANDERLEY, 2017COELHO, M. C. N.; CUNHA, L. H.; WANDERLEY, L. J. de M. Conflitos em áreas de mineração na Amazônia:os casos dos quilombolas e dos moradores e beiras de lagos, dos canais fluviais e de estradas em Oriximiná. In: ZHOURI, A; LASCHEFSKI, K. Desenvolvimento e conflitos ambientais. 1. reimp. Belo Horizonte: Editora UFMG, p. 276-301, 2017.). A década de 1960 marca o início da exploração de bauxita no rio Trombetas, estabelecendo-se um macroempreendimento nos municípios de Oriximiná, Terra Santa e Faro. Assim como no Tapajós, a primeira UC da região - a Reserva Biológica (Rebio) do Rio Trombetas - foi criada durante o regime militar, em 1979, quando se inicia a atuação da empresa Mineração Rio do Norte (MRN). A Floresta Nacional de Saracá-Taquera (Flonast) seria decretada dez anos depois, em 1989. A Rebio é uma modalidade de UC de proteção integral que proíbe a presença humana, enquanto a Flonast se enquadra na categoria de uso sustentável. Ambas as UCs se sobrepuseram a territórios tradicionalmente ocupados por comunidades quilombolas e ribeirinhas.

Para proteger a área de exploração de bauxita e seu entorno, e garantir o distanciamento das comunidades quilombolas, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) - instituição federal responsável pelas florestas públicas entre 1967 e 1989 - atuou de forma repressiva contra os quilombolas durante duas décadas (WANDERLEY, 2005WANDERLEY, L. J. D. M. Tem “cerca” para negro na Amazônia! A Luta dos Quilombolas do Trombetas - PA por Titulação e uso da terra. III Simpósio Nacional de Geografia Agrária - II Simpósio Internacional de Geografia Agrária, Presidente Prudente-SP: Universidade Federal do Rio Janeiro, 2005.); ainda hoje, ações violentas e racistas desse órgão são lembradas pelos mais velhos (ACEVEDO; CASTRO, 1998; FUNES, 2015FUNES, E. Comunidades mocambeiras do Trombetas. In: GRUPIONI, D. F.; DE ANDRADE, L. M. M. (org). Entre Águas Bravas e Mansas, índios & quilombolas em Oriximiná. São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo; Iepé, 2015.). A MRN tenta exercer um estrito controle sobre a vida e conduta das comunidades que vivem no entorno da Rebio e na Flonast, que pode ser pensado enquanto exercício da governamentalidade (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, M. Segurança, território, população: curso dado no Collége de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008.). Nepomuceno et al. (2019NEPOMUCENO, I. T. R.; AFFONSO, H. G.; FRASER, J. A.; TORRES, M. Counter-conducts and the green grab: Forest peoples’ resistance to industrial resource extraction in the Saracá-Taquera National Forest, Brazilian Amazonia. Global Environmental Change, v. 56, p. 124-133, 2019.) se utilizam dessa lente analítica para caracterizar as contracondutas dos ribeirinhos da Flonast. Se desviarmos o foco analítico para os territórios quilombolas do alto Trombetas, podemos ver de forma clara como a MRN exerce a soberania em conluio com o Estado. Ao empregar quilombolas, subsidiar as associações comunitárias, construir e equipar escolas e o hospital na vila de Porto Trombetas, a MRN criou um sistema social que busca controlar e regular a vida das comunidades quilombolas de forma direta e indireta.

A promulgação da Constituição de 1988 e o fortalecimento do movimento negro no rio Trombetas geraram avanços importantes na conquista de direitos territoriais, em especial por meio da titulação de terras - atualmente são 860.989,09 hectares, correspondentes a 6,7% da bacia2 2 - http://cpisp.org.br/quilombolas-em-oriximina/luta-pela-terra/exploracao-madeireira/ - e o reconhecimento de direitos de uso em unidades de conservação, em especial a coleta da castanha na Rebio do Rio Trombetas, conforme termo de compromisso pactuado entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e três associações quilombolas. Em parceria firmada com o órgão ambiental, comunidades quilombolas têm contribuído com o monitoramento dos castanhais e plantio de castanheiras (SCOLES; GRIBEL, 2012SCOLES, R.; GRIBEL, R. The regeneration of Brazil nut trees in relation to nut harvest intensity in the Trombetas River valley of Northern Amazonia, Brazil. Forest Ecology Management, v. 265, n. 1, p. 71-81, 2012.; 2021). Além disso, atuando como agentes de campo, quilombolas (tanto voluntários quanto contratados pelo ICMBio) são, através de seu conhecimento tradicional do manejo e conservação das comunidades de quelônios, os principais responsáveis pela estabilização dessas populações, que paradoxalmente sofreram sensíveis reduções nos primeiros dez anos da criação da Rebio e concomitantes atividades de mineração.

A Lei de Gestão de Florestas Públicas de 2006 instituiu o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e criou a possibilidade da concessão para atividades madeireiras de áreas de florestas públicas para promover a exploração “racional” de recursos florestais (BRASIL, 2006; NOGUEIRA et al., 2011NOGUEIRA, M. M.; VIEIRA, V.; SOUZA, A.; LENTINI, M. W. Manejo de florestas naturais da Amazônia: corte, traçamento e segurança. Belém, PA: Instituto Floresta Tropical, 2011.) em UCs de uso sustentável (BRASIL, 2000), muitas vezes sem o consentimento dos povos da floresta cujos territórios se encontram impactados (GUERRERO et al. 2020GUERRERO, N. R.; TORRES, M.; NEPOMUCENO, I. Impactos da Lei de Gestão de Florestas Públicas a comunidades tradicionais na Flona do Crepori. Ambiente e Sociedade, São Paulo, v. 23, p. 1-20, 2020.; IORIS, 2008IORIS, E. M. Na trilha do manejo científico da floresta tropical: indústria madeireira e florestas nacionais. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi - Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 3, p. 289-309, 2008.; NEPOMUCENO, 2017NEPOMUCENO, I. T. R. Conflitos territoriais entre comunidades tradicionais e concessões florestais: um estudo de caso a partir da Floresta Nacional de Saracá-Taquera em Oriximiná, Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, 2017.). A proliferação de concessões minerais e florestais em áreas protegidas tem representado, ainda, um ataque aos princípios conservacionistas que justificaram a criação das UCs. Consideradas pelo poder público como atividades extrativas “sustentáveis”, no caso da madeira, e de “utilidade pública”, no caso da mineração, esses empreendimentos têm revestido com um verniz ecológico (o chamado greenwashing) atividades altamente destrutivas em territórios tradicionalmente ocupados sobrepostos por florestas nacionais, e têm constantemente ocorrido em prejuízo das comunidades e ecossistemas envolvidos (NEPOMUCENO, 2017; AFFONSO, 2018AFFONSO, H. G. A disputa das unidades de conservação como territórios tradicionalmente ocupados e espaço destinado a concessões minerais e madeireiras: estudo de caso a partir dos conflitos na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, Oriximiná - Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, 2018.).

O Plano de Manejo da Flonast, de 2001, ignorou a presença histórica e usos territoriais de comunidades ribeirinhas, tais como Acari (margem direita do rio), Boa Nova e Saracá (no interior do Lago Sapucuá) (Figura 3), bem como seu direito à CLPI, além de alocar aproximadamente dois terços da UC às concessões minerais e florestais. Nessas comunidades ribeirinhas, além da interdição de “pontos de trabalho” usados para atividades de plantio, caça, pesca e coleta de recursos florestais, isso levou ao bloqueio e redução de áreas de pesca, ao assoreamento do canal entre o lago Acari e o rio Trombetas, usado para navegação, e ao comprometimento da qualidade (e potabilidade) das águas dos igarapés Araticum e Saracá (NEPOMUCENO, 2017NEPOMUCENO, I. T. R. Conflitos territoriais entre comunidades tradicionais e concessões florestais: um estudo de caso a partir da Floresta Nacional de Saracá-Taquera em Oriximiná, Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, 2017.; AFFONSO, 2018AFFONSO, H. G. A disputa das unidades de conservação como territórios tradicionalmente ocupados e espaço destinado a concessões minerais e madeireiras: estudo de caso a partir dos conflitos na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, Oriximiná - Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, 2018.).

Figura 3
Mapa da bacia do Trombetas com a localização de áreas protegidas, empreendimentos e ameaças mencionados no texto

Ainda vale notar que a falta de estudos multidisciplinares de longo prazo sobre processos exploratórios em ambientes de alta complexidade, conectividade e resiliência (TRUMBOLACK et al., 2004) dificultam avaliações sobre efeitos ecológicos sinérgicos da exploração de madeira. Espécies florestais altamente sensíveis podem não resistir a perturbações frequentes (BARLOW et al., 2016BARLOW, J.; LENNOX, G. D.; FERREIRA, J.; BERENGUER, E.; LEES, A. C.; NALLY, R. C. et al. Anthropogenic disturbance in tropical forests can double biodiversity loss from deforestation. Nature, v. 535, p. 144-147, 2016.); a exploração de florestas centenárias em ciclos de 30 anos levará inevitavelmente ao rejuvenescimento e simplificação desses ecossistemas, provocando o enfraquecimento dos seus serviços ecossistêmicos, como a capacidade de absorção de carbono e suporte à alta diversidade biológica. Isso foi confirmado por Piponiot et al. (2019PIPONIOT, C.; RÖDIG, E.; PUTZ, F. E.; RUTISHAUSER, E.; SIST, P.; ASCARRUNZ, N. et al. Can timber provision from Amazonian production forests be sustainable? Environmental ResearchLetters, v. 14, p. 064014, 2019.), que observaram que, em 15 sítios localizados em diferentes geografias na Amazônia, a extração de 20 m3/ha não permite a recuperação florestal ao final do ciclo de 30 anos de colheita, concluindo que a extração seletiva não consegue fornecer madeira suficiente para atender à demanda atual e de longo prazo do mercado, mesmo com ciclos de 30 anos de exploração e técnicas de manejo de baixa intensidade.

As comunidades que vivem na Flonast e em seu entorno conseguiram, porém, a partir de articulações com pesquisadores aliados e o MPF, anular a certificação florestal com selo FSC da empresa que impacta seus territórios, a Ebata (NEPOMUCENO, 2017NEPOMUCENO, I. T. R. Conflitos territoriais entre comunidades tradicionais e concessões florestais: um estudo de caso a partir da Floresta Nacional de Saracá-Taquera em Oriximiná, Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, 2017.). Também são relevantes as articulações que os quilombolas vêm realizando junto ao ICMBio, que eventualmente se mostra um parceiro. A Rebio é uma unidade de conservação integral, e os quilombolas, em sua incansável demanda por direitos territoriais, conseguiram que lhes fosse reconhecido o direito de extração de castanha em seus territórios sobrepostos pela UC. Essas antigas e contínuas práticas de mobilização, além da persistência nos territórios, podem ser lidas enquanto formas de resistência cotidiana (SCOTT, 2002SCOTT, J. Formas cotidianas da resistência camponesa. Raízes, v. 21, p. 10-31, 2002.).

Considerações finais

O exercício comparativo aqui realizado permite constatar que as bacias do Trombetas e Tapajós possuem longos processos históricos interligados em escala milenar, com registro de conexões desde tempos pré-colombianos. Porém, especialmente a partir do século XX, a destinação de terras públicas na bacia do Trombetas e a não destinação de amplas porções de terras públicas na bacia do Tapajós levam o Estado e o capital a se articular em diferentes estratégias de espoliação (HARVEY, 2004HARVEY D. O novo Imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.) nessas regiões. A instalação de empreendimentos minerários, hidrelétricos e madeireiros e a exploração de territórios tradicionalmente ocupados não são processos lineares, como aponta Harvey (2004HARVEY D. O novo Imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.); a expansão territorial do capital passa pela articulação de diferentes frentes que podem conjugar grilagem, desmatamento, agropecuária, mineração e infraestrutura relacionada (rodovias, barragens e hidrovia), com o auxílio do Estado, tanto no campo do discurso quanto pela alteração ou confecção de leis que beneficiam o grande capital em detrimento de povos indígenas, comunidades tradicionais e camponeses.

Visamos aqui trazer de forma sumária as atuações e redes de relações históricas dos grupos sociais que habitam esses territórios. Defendem Das e Poole (2008DAS, V; POOLE, D. El estado y sus márgenes. Etnografias comparadas. Cuadernos de Antropología Social, n. 27, p, 19-52, 2008.) que a reflexão teórica das ciências sociais acerca do Estado deveria caminhar para entender como as práticas políticas de regulação e disciplinamento que constituem o poder do Estado são também desafiadas por parte dos grupos que habitam as margens. Isso é bem exemplificado pelo fato de que hoje, mesmo diante de ameaças e violências, esses grupos sociais que vivem nas bacias do Tapajós e Trombetas - e que, muitas vezes, são liderados por mulheres - seguem resistindo à expropriação ou despossessão territorial, através de múltiplas e variadas estratégias. A interlocução com uma constelação de aliados e parceiros; a importância dada à autonomia decisória e comunicativa pelos Munduruku; sua aliança com os beiradeiros de Montanha e Mangabal; a elaboração dos protocolos de consulta e as ações diretas que paralisam operações capitalistas que podem incluir parcerias com trabalhadores - são todos exemplos de formas e estratégias de resistência construídas na bacia do Tapajós. Na bacia do Trombetas, a partir de interlocuções com aliados, as comunidades ribeirinhas atingiram o cancelamento da certificação FSC; quilombolas recuperaram o uso de seu território, de onde haviam sido expulsos, para retomar a coleta de castanha e o manejo de quelônios - assim contribuindo de forma decisiva para a conservação do meio ambiente. Essas variadas estratégias e ações remetem a formas de organização baseadas no comum, bem como para mobilização e atenção permanentes, alicerçadas na história vivida por essas coletividades, marcada na paisagem e transmitida oralmente através das gerações.

Diante do atual cenário de ataques a direitos e desmonte do aparato para a sua garantia, devemos renovar esforços para apoiar as múltiplas formas de resistência dos povos da floresta para levarem adiante as suas lutas pela vida, natureza e território.

Agradecimentos

Agradecemos aos beiradeiros de Montanha e Mangabal e ao povo Munduruku no rio Tapajós; aos ribeirinhos, quilombolas e indígenas do rio Trombetas; aos amigos Maurício Torres, Natália Guerrero, Cândido Cunha, Rosamaria Loures e Rodrigo Oliveira pelas informações e ajuda indispensável com a revisão. Somos gratos a James Fraser, membro do Grupo de Estudos de Ecologia Histórica e Política nas Bacias do Trombetas, Tapajós e Xingu pela versão do texto em inglês. Agradecemos aos pareceristas anônimos pelos comentários de grande valia e às editoras e editores pelas críticas fundamentais. Pesquisas que produziram uma parte dos dados apresentados aqui foram financiadas pelas seguintes agências de fomento: Fundação CAPES (Bolsa Doutorado Pleno no Exterior - Processo BEX 1034/12-0); Institute of Archaeology Awards; UCL Graduate School Research Projects Fund; Programa de Áreas Protegidas da Amazônia; Programa Nacional de Pós-Doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Processo núm. 426960/2016-5); Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade.

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  • 1
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    - http://cpisp.org.br/quilombolas-em-oriximina/luta-pela-terra/exploracao-madeireira/
  • Erratam

    No artigo: Plunder and resistance in traditionally occupied territories of the Tapajós and Trombetas basins, Pará state, Brazilian Amazonia, de DOI número: http://dx.doi.org/10.1590/1809-4422asoc20200095r1vu2021L3AO, publicado na Revista Ambiente & Sociedade, Vol 24, páginas 01, 22 and 23
    Onde se lia:
    http://dx.doi.org/10.1590/1809-4422asoc20190031r3vu2021L3AO
    Leia-se:
    http://dx.doi.org/10.1590/1809-4422asoc20200095r1vu2021L3AO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    03 Jul 2019
  • Aceito
    14 Mar 2021
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