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IRENE BUARQUE NOS ANOS 80: CONTATOS E CRUZAMENTOS ENTRE LISBOA E SÃO PAULO EM TORNO DA ARTE EXPERIMENTAL

IRENE BUARQUE IN THE 1980S: CONTACTS AND CROSSOVERS BETWEEN LISBON AND SÃO PAULO ON EXPERIMENTAL ART

IRENE BUARQUE EN LOS AÑOS 80: CONTACTOS E INTERSECCIONES ENTRE LISBOA Y SÃO PAULO EN TORNO DEL ARTE EXPERIMENTAL

RESUMO

A artista brasileira Irene Buarque chegou a Lisboa em 1973. Nesses anos 70, sua evolução da pintura à experimentação foi registrada em uma sequência de motivos metafóricos – a parede, a janela, o passo –, a partir dos quais pode ser observada sua experiência como mulher artista e migrante entre duas ditaduras. Ela tornou-se importante na rede de artistas experimentais de Portugal, participando de exposições e como fundadora da galeria-cooperativa Diferença. Ao longo dos anos 80, além de sua prática individual, Buarque coordenou, no MAC da Universidade de São Paulo, várias exposições de artistas de Portugal que trabalhavam no campo da experimentação. Ao incentivar o intercâmbio, a sua agência catalítica serviu para construir uma ponte transatlântica que venceu a falta de relações artísticas oficiais entre os dois países.

PALAVRAS-CHAVE
Irene Buarque; Brasil; Portugal; Arte experimental; Intercâmbios artísticos transatlânticos

ABSTRACT

The Brazilian artist Irene Buarque arrived in Lisbon in 1973. In those 1970s, her evolution from painting to experimentation was recorded in a sequence of metaphorical motifs – the wall, the window, the step – from which her experience as a woman artist and migrant between two dictatorships can be observed. She became important in the network of experimental artists in Portugal, participating in exhibitions and as founder of the gallery-cooperative Diferença. Throughout the 1980s, in addition to her individual practice, Buarque coordinated several exhibitions of artists from Portugal working in the field of experimentation at the MAC of the Universidade de São Paulo. By encouraging exchanges, her catalytic agency served to build a transatlantic bridge that overcame the lack of official artistic relations between the two countries.

KEYWORDS
Irene Buarque; Brazil; Portugal; Experimental Art; Transatlantic Art Exchanges

RESUMEN

La artista brasileña Irene Buarque llegó a Lisboa el 1973. En aquellos años 70, su evolución de la pintura a la experimentación fue registrada en una secuencia de motivos metafóricos – la pared, la ventana, el escalón –, desde los que se observa su experiencia como mujer artista y emigrante entre dos dictaduras. Se convirtió importante en la red de artistas experimentales de Portugal, participando en exposiciones y fundando la galería-cooperativa Diferença. A lo largo de los años 80, además de su práctica individual, Buarque coordinó varias exposiciones en el MAC, de la Universidad de São Paulo, de artistas de Portugal que trabajaban en el campo de la experimentación. Al fomentar el intercambio, su agencia catalizadora sirvió para construir un puente transatlántico que superó la falta de relaciones artísticas oficiales entre ambos países.

PALABRAS CLAVE
Irene Albuquerque; Brasil; Portugal; Arte experimental; Intercambios artísticos transatlánticos

MOVER-SE, EXPERIMENTAR, MISTURAR-SE DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO

“O intercâmbio plástico Brasil-Portugal tem sido muito escasso e quase nunca por iniciativa oficial”, indicou Frederico Morais (1977aMORAIS, Frederico. Panorama da arte portuguesa. O Globo, Rio de Janeiro, 16 jan 1977., n.p.) em sua coluna no jornal brasileiro O Globo, por ocasião da exposição “Arte portuguesa contemporânea” (1976-1977) no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. E continuou: “Vez por outra, um brasileiro expõe em Lisboa e, nas Bienais paulistas, o pavilhão português nunca chegou a despertar um interesse maior que o de alguns países latino-americanos”. Quatro dias depois, num artigo mais longo, o mesmo crítico insistiu que o público nas Bienais paulistas se orientava para a arte dos países mais ricos: “com os olhos voltados para os pavilhões dos Estados Unidos, França, Itália, Inglaterra, Alemanha, entre outras nações, o público brasileiro passava ao largo da representação portuguesa” (Morais, 1977bMORAIS, Frederico. Arte Portuguesa. Um lirismo atlântico. O Globo, Rio de Janeiro, 20 jan 1977., n.p.). Embora Morais assinalasse a escassez de trocas através de iniciativas oficiais, “Arte portuguesa contemporânea” foi realizada sob o patrocínio dos governos da República Portuguesa e da República Federativa do Brasil, por ocasião da visita a Brasília do primeiro-ministro português, Mário Soares. A exposição havia sido inaugurada naquela cidade em dezembro de 1976. Passava agora pelo Rio – em janeiro de 1977 – e terminaria sua turnê em São Paulo nos meses seguintes. Cumpria, portanto, o papel atribuído à arte pela política externa no âmbito da Guerra Fria. Ou seja, aquele das estratégias de diplomacia cultural.

O curador da exposição, José Sommer Ribeiro, da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), concordou com o crítico brasileiro: “A relação, nas artes, entre Brasil e Portugal é praticamente nula. Lá [em Portugal], nada se sabe da arte brasileira, e aqui [no Brasil] acontece o mesmo com a portuguesa” (Maria, 1977MARIA, Cleusa. Portugal. Antes e depois de Salazar, também nas artes. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 de janeiro de 1977. Entrevista com o comissário José Sommer Ribeiro., n.p.). Com suas 117 obras de 76 artistas,1 1 65 homens, um grupo misto e 10 mulheres, 13,16% do total. “Arte portuguesa contemporânea” apresentou a situação artística desse país através de um panorama histórico, desde o Futurismo do início do século XX até as práticas mais recentes. Entre essas últimas, o crítico português José-Augusto França (1976FRANÇA, José Augusto. Introdução. In SOMMER RIBEIRO, José (Org.). Arte portuguesa contemporânea. Lisboa: Ministerio dos Negócios Estrangeiros do Portugal, 1976. Catálogo de exposição.), em sua introdução ao catálogo, apontou as “novas figurações” como: “anti-pintura, expressão e cálculo, arte de conceito, e ‘artacção’, em situações variadas em que tudo vale, terra, fogo ou o próprio corpo” (p. 12-14). Esse tipo de prática foi registrado para oferecer uma imagem atualizada, mas, em geral, predominou a pintura, num fio temporal que ligava a vanguarda histórica de figuras como Almada Negreiros e Amadeo de Souza-Cardoso com o trabalho de pintores atuais como António Costa Pinheiro, Eduardo Nery, Emilia Nadal, Fernando de Azevedo, João Vieira, Nikias Spinakis e Noronha da Costa. Mesmo assim, timidamente, surgiram também propostas mais experimentais. Foi exposta uma silhueta de plexiglass de Lourdes Castro, Ombre portée bleu transparent et satine (1968). Houve também ensaios próximos à fotografia de Helena de Almeida, como o de Linha aprisionada (1975), uma de suas obras icônicas, nas quais os elementos lineares representados se estendem para além da superfície da fotografia, no espaço real. Também à vista estava Sem título (Lena e Peles) (1975), uma investigação fotográfica-conceptual de Julião Sarmento, que analisava, visualmente, roupas e peles humanas e de animais.

Mas antes de continuarmos, o que queremos dizer neste artigo quando falamos de práticas experimentais? Talvez o melhor exemplo para ilustrar o conceito seja encontrado no Portugal daqueles anos. Em fevereiro e março de 1977 – ou seja, ao mesmo tempo da exposição oficial que temos comentado acima – foi realizada a exposição “Alternativa Zero” na Galeria Nacional de Arte Moderna em Lisboa.2 2 A exposição contou com 47 artistas, 37 homens e 10 mulheres, 21,28% do total. Foi uma proposta organizada pelo artista e crítico Ernesto de Sousa, que tem sido inscrita na historiografia da arte portuguesa como – talvez – a ocasião mais relevante em que as novas atitudes em relação à arte foram ativadas naquele país.3 3 Há muita literatura sobre essa proposta de exposição e, até mesmo, trabalhos curatoriais dedicados (Fernandes, Ramos, 1997; Fernandes, Macri, 1998; Silva, 2009; Nogueira, 2021, p. 189–211). De Sousa reuniu um grupo articulado de artistas, dando origem a um evento expositivo que incluiu conceitualismos e arte analítica, performances, experiências corporais, derivas da poesia visual e sonora, ambientes, instalações, arte com novas mídias e, em geral, formas processuais, projetuais e efêmeras. Tudo isso, com um marcado componente coletivo e colaborativo, ativado pela agência nuclear e catalítica do artista-curador. No texto introdutório à “Alternativa Zero”, esse “operador estético” – segundo sua própria denominação – exigia uma arte que se identificasse com a vida e que misturasse estética e ética; uma arte na qual prevalecia certa desmaterialização provocada pela preponderância da ideia e do evento sobre o objeto comercializável; e na qual era necessária a participação de todas as partes envolvidas no ato de comunicação artística. Paralelamente, De Sousa (1977DE SOUSA, Ernesto (org.). Alternativa Zero. Tendencias polémicas na arte portuguesa contemporânea. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura, 1977. Catálogo de exposição.) rejeitava os interesses e o conservadorismo de uma falsa “elite salonard”, que “tende a transformar-se num biombo opaco entre o poder e a verdade cultural e artística que é sempre experimental e contestatária” (n.p.). Esse é o tipo de prática que queremos focar aqui quando falamos de arte experimental.

Esboçamos um contexto mínimo da situação dos contatos artísticos entre Brasil e Portugal no final dos anos 1970 e sugerimos o tipo de arte sobre a qual nos referimos. A partir daqui, vamos propor a recuperação crítica de algumas das obras da artista Irene Buarque nos anos 80. Não trataremos apenas de propostas artísticas, mas também de outras de curadoria e gestão cultural, a partir das quais Buarque provocou cruzamentos artísticos através do Atlântico. Como veremos, essas atividades da artista luso-brasileira4 4 Buarque só obteve a nacionalidade portuguesa em 1982. De acordo com uma entrevista inédita com a artista, em Lisboa, 11 de outubro de 2022. permitem-nos estabelecer uma matriz de relações, sinergias e afinidades entre agentes de uma margem e de outra do oceano; agentes que conceberam e praticaram a arte como uma atividade experimental, questionando seus próprios limites contextuais e disciplinares.

Entretanto, não podemos deixar de notar que Buarque não esteve presente em nenhuma das duas exposições mencionadas até o momento. Essa ausência é lógica, já que a brasileira só tinha chegado a Portugal pouco tempo antes, em março de 1973, com uma bolsa de estudos da FCG. Chegando em um campo artístico estrangeiro, e em apenas quatro anos, era difícil abrir espaço para ela que fosse suficientemente grande para facilitar sua inclusão em iniciativas com um ar retrospectivo – como “Arte portuguesa contemporânea” – ou que dependiam, em grande parte, de relações pessoais já estabelecidas durante um longo período de tempo – como “Alternativa Zero”. Mas, ao mesmo tempo, essa ausência também pode ser lida como um sintoma de algo que aconteceria de forma intermitente na carreira da artista. Em Portugal, o adjetivo “estrangeirado”, ou “estrangeirada”, é relativamente comum; até Ernesto de Sousa (1977DE SOUSA, Ernesto (org.). Alternativa Zero. Tendencias polémicas na arte portuguesa contemporânea. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura, 1977. Catálogo de exposição.) o utilizava no texto introdutório de “Alternativa Zero”, referindo-se a artistas de Portugal que tiveram de deixar o país para encontrar afinidades. Buarque era uma brasileira “estrangeirada” em Portugal, coisa que, embora lhe permitisse absorver processos e informações dos campos artísticos de ambos os lados do Atlântico, também a colocava, por vezes, numa situação liminar em relação a esses dois contextos.

A posição “intermediária” [in-betweenness] dessa artista, assim como os processos de “polinização cultural cruzada” [cultural crosspollination] que ela desenvolveu, foram abordados pelas historiadoras de arte Margarida Brito Alves e Giulia Lamoni (2023ALVES, Margarida Brito; LAMONI, Giulia. Through Walls and Windows: Irene Buarque’s Work in the 1970s. In DORMOR, Catherine; SLIWINSKA, Basia (Eds.). Transnational Belonging and Female Agency in the Arts. London: Bloomsbury Visual Arts, 2023, pp. 141-160.), as quais também observaram como a situação de Buarque nos anos 70 traduziu-se artisticamente na sequência entre os motivos metafóricos da muralha e da janela. O primeiro motivo apareceu em pinturas geométricas-abstratas feitas no início da década, ainda ligadas ao concretismo brasileiro. Por sua vez, o segundo motivo ganharia espaço na prática da artista na segunda metade dos anos 1970, uma vez estabelecida em Portugal, através de obras experimentais como inserções em periódicos ou publicações de artista – Os defenestrados (1977BUARQUE, Irene; O’NEILL, Alexander. Os Defenestrados. Colóquio/Artes, Lisboa, n.º 33, jun. 1977, pp. 24-31.) ou Janelas etiquetas (1978), por exemplo –,5 5 Os Defenestrados é uma coleção de fotografias de janelas que apareceu na revista Colóquio/Artes acompanhada de um poema de Alexandre O’Neill escrito para a ocasião (Buarque e O’neill, 1977). Janelas Etiquetas é uma publicação de artista na qual Buarque analisa a forma geométrica de diferentes janelas através de recortes de etiquetas adesivas para papel timbrado. ou em exposições instalativas como “Leitura e contraleitura de um espaço limite: janela” (1978BUARQUE, Irene. Leitura e contra-leitura de um espaço limite: JANELA. Lisboa: Galeria Quadrum, 1978. Catálogo de exposição.), na Galeria Quadrum de Lisboa. Vale a pena mencionar brevemente que Quadrum foi um dos centros mais ativos da arte experimental na capital portuguesa, onde se cruzaram as esferas, geralmente separadas, das novas atitudes artísticas e do mercado de arte.

Figura 1.
Irene Buarque, Muralhas de Lisboa, 1975. Vista da instalação nos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian.

Em 1975, Buarque mostrou suas Muralhas de Lisboa nos jardins da FCG, como colofão da pesquisa artística realizada com sua bolsa de estudos (figura 1). A exposição consistiu numa série de pinturas circulares em acrílico, com o mesmo motivo geométrico-abstrato repetido, colorido de diferentes maneiras. A forma representada sugeria uma muralha, mas a disposição dos painéis no espaço exterior fez do conjunto uma instalação que o público podia percorrer (Buarque, 1975BUARQUE, Irene. Irene Buarque nos jardins da Fundação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1975. Catálogo de exposição., n.p.).6 6 Este efeito de instalação foi auxiliado pelos suportes metálicos quase invisíveis projetados pelo arquiteto Nuno Teotónio Pereira, companheiro de Irene Buarque desde os anos 70. De acordo com uma entrevista inédita com a artista, em Lisboa, 11 de outubro de 2022. Após alguns anos de trabalho individual, por volta de 1978, a presença de Buarque no ecossistema artístico de Lisboa tornou-se notável, de maneira simultânea a uma certa radicalização dos aspectos experimentais de sua prática. Em “Leitura e contra leitura de um espaço limite: janela” (figura 2), ela organizou grandes painéis de Ozalid – um tipo de offset monocromático azul-escuro – sobre suportes metálicos, dos quais pendiam para o chão. Neles, reproduziam-se fotografias em tamanho natural de janelas, que a artista tinha coletado nos últimos anos. O aspecto geral era arquitetônico. Além disso, havia outros elementos gráficos, publicações de artista e objetos construídos por Buarque, simulando janelas e dispostos ao redor da sala. A brochura-catálogo incluiu um texto da artista no qual ela descrevia a janela como um elemento liminar, como “uma extensão das pessoas”; mas também um registro das cinco fases que ela havia seguido nos últimos dois anos para completar o trabalho, sublinhando a componente projetual de sua metodologia artística (Buarque, 1978BUARQUE, Irene. Leitura e contra-leitura de um espaço limite: JANELA. Lisboa: Galeria Quadrum, 1978. Catálogo de exposição., n.p.). Como podemos ver, em três anos, a prática de Buarque havia sofrido uma transformação substancial, desde a pintura geométrica abstrata das muralhas até esta proposta de instalação interdisciplinar, exploratória e conceitual na Galeria Quadrum.

Figura 2.
Irene Buarque, Leitura e contra leitura de um espaço limite: janela, 1978. Vista da exposição na Galeria Quadrum em Lisboa.

Nesse mesmo ano, 1978, a artista luso-brasileira também foi incluída em algumas iniciativas coletivas, tais como as exposições “18 x 18 – Nova fotografia”, na Galeria Grafil, ou “Lisboa Bologna Lisboa”, que a Galeria Quadrum enviou para a feira internacional italiana ArteFiera. Nessas ocasiões, compartilhou o espaço com os e as agentes mais decididamente experimentais de Portugal, tais como Alberto Carneiro, Ana Vieira, Ângelo de Sousa, António Palolo, Ernesto de Sousa, Fernando Calhau, Helena Almeida, José Conduto, Julião Sarmento, Leonel Moura, Lourdes Castro e Monteiro Gil.7 7 Em “18 x 18 – Nova fotografia”, participaram 16 artistas, 2 deles mulheres, 12,5% do total; em “Lisboa Bologna Lisboa”, houve 11 artistas, 3 deles mulheres, 27,27% do total. Em 1973, recém-chegada a Lisboa, Buarque tinha conhecido este último artista no Conservatório Nacional, onde ambos estudavam cenografia.8 8 De acordo com uma entrevista inédita com a artista, em Lisboa, 11 de outubro de 2022. Gil era o diretor de Grafil, um espaço alternativo a meio caminho entre uma galeria e um centro de produção, com oficinas de gravura e outras técnicas gráficas. Lá, além de produzir alguns de seus trabalhos da época, a artista ampliou seus contatos e amizades na cidade, como demonstra sua participação ativa nas atividades do milieu lisboeta em 1978. Um ano depois, em 1979, Grafil tornou-se a Cooperativa Diferença, da qual Buarque foi fundadora junto com António Palolo, Ernesto de Sousa, Fernanda Pissarro, Helena Almeida, José Carvalho, José Conduto, Maria Rolão, Marília Viegas e o próprio Monteiro Gil (Alves; Lamoni, 2023, p. 150ALVES, Margarida Brito; LAMONI, Giulia. Through Walls and Windows: Irene Buarque’s Work in the 1970s. In DORMOR, Catherine; SLIWINSKA, Basia (Eds.). Transnational Belonging and Female Agency in the Arts. London: Bloomsbury Visual Arts, 2023, pp. 141-160.). A inserção da artista nessas redes de afinidade portuguesas estava em andamento. Enquanto isso, a artista retrabalhava o motivo da janela. Ela não mais se limitava a analisar seus elementos de forma externa. Agora, em Entrevistas (1978), o próprio olhar da artista formava o núcleo do significado do projeto. Essa proposta, apresentada em “18 x 18 – Nova fotografia”, consistia em nove fotogramas sépia, tirados da janela de seu ateliê. Em um deles, até pode ser vista a própria Buarque, em um jogo de reflexões em frente à paisagem de Lisboa (figura 3).

Figura 3.
Irene Buarque, Entrevistas, 1978. Três dos nove elementos da série.

Na transição para os anos 80, um novo elemento foi adicionado aos motivos metafóricos empregados pela artista luso-brasileira: o passo. Se podemos supor, seguindo Brito Alves e Lamoni (2023, p. 151ALVES, Margarida Brito; LAMONI, Giulia. Through Walls and Windows: Irene Buarque’s Work in the 1970s. In DORMOR, Catherine; SLIWINSKA, Basia (Eds.). Transnational Belonging and Female Agency in the Arts. London: Bloomsbury Visual Arts, 2023, pp. 141-160.), que as muralhas encapsularam, de certa forma, a experiência do trânsito de uma mulher brasileira entre as ditaduras do seu país de origem e Portugal, e que as janelas, uma vontade – ou talvez uma necessidade – de abertura vital, agora Buarque, segura dos seus esforços artísticos e relacionais, voltava seu olhar para o chão e para os pés, para o pavimento, o caminho e a pegada. Em suma, em direção a uma forma sensorial e em movimento de estar no mundo. Um dos lugares onde essa mudança foi representada foi no carimbo pessoal que a artista incluía, como assinatura, em vários lugares, tais como publicações da artista, dossiês, documentações ou propostas de mail art. Na segunda metade dos anos 70, ela acompanhava seu nome com um pequeno diagrama de uma janela (ver figura 5). Nos anos 80, o artist stamp de Buarque incluía seu nome dentro de uma pequena representação de uma pegada (ver figura 7). Assim como com as Janelas, a artista iniciou uma investigação multifacetada, na qual refletia sobre a agência dos pés na terra. Para isso, recolheu novamente fotografias e imagens de diferentes tipos de pisos e pavimentos, como na série de fotografias Passo a Passo… (série pisos) (1982) – que, como veremos, foi apresentada no Brasil por ocasião da exposição “Artistas fotógrafos em Portugal” (1984), organizada por ela mesma no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP). Também explorou o passo nas diferentes formas de deslocamento através da linha e da cor e, com todos esses recursos, produziu várias publicações de artista como Vias (1983), “A caminho do campo…” (1983), Pisolivro I e II (1983), Pedra a pedra (1983) ou Estudos de “Pari Passu...” (1983).

Mas a apresentação mais elaborada desse projeto com a pegada e o caminhar aconteceu na exposição “Passo a Passo” (1983), na Cooperativa Diferença. Lá, Buarque organizou três espaços. No A), puderam ser vistos os Estudos de “A Par e Passo”, que exploravam o contraponto entre os pés e o chão, junto a uma vitrine que incluía as publicações da artista mencionadas acima. No B), havia um caderno no chão, onde o público podia deixar as marcas de seus pés, juntamente com a colagem Pezinhos à moda e as Micro-vias, sugestões de rotas microfilmadas que podiam ser vistas com um dispositivo de leitura especial. E no espaço C), ela montou Pé-forming (figura 4), uma instalação icônica na qual organizava diferentes materiais, texturas e imagens de superfícies naturais – rurais – e pavimentos artificiais – urbanos – no piso, tanto na forma de pegadas como dentro de sacos plásticos retangulares. O público podia tirar seus sapatos e caminhar sensorialmente através da instalação, experimentando em seu corpo a experiência de caminhar. Nesses momentos, a artista declarou: “carregamos nossos pés nos caminhos que percorremos”.9 9 Veja a página dedicada às publicações de artista de Buarque no site da FCG, <https://gulbenkian.pt/biblioteca-arte/livros-de-artista/irene-buarque-1943/\> [Acesso: 26 de fevereiro de 2023].

Figura 4.
Irene Buarque, Pé-forming, 1981. Vista da instalação na Cooperativa Diferença.

CRIAR REDES PARA-OFICIAIS E TRANSFORMÁ-LAS EM CORPO(S) E AVENTURA(S)

Deve-se dizer que, embora em 1977 Morais apontasse à escassez das relações artísticas Brasil-Portugal e, sobretudo, a certa indiferença em relação às iniciativas portuguesas na Bienal de São Paulo, na transição entre os anos 70 e 80, esse evento oficial foi um ponto constante de contato entre as artes de um país e de outro. Uma revisão das representações nacionais portuguesas naquele período pode servir para explicar sua relativa permeabilidade com relação às últimas tendências artísticas que abordaram a experimentação – embora com a preponderância habitual da pintura sobre outras formas de fazer arte.

Na 13a Bienal (1975FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO (FBSP). XIII Bienal de São Paulo. São Paulo: Autoedição, 1975. Catálogo da Bienal.), a primeira após a Revolução dos Cravos, os quadros de Júlio Pomar, Paula Rego e Eduardo Batarda acompanharam as pinturas de Ângelo de Sousa, quem, juntamente com alguns acrílicos sobre tela, apresentou uma proposta a meio caminho entre a escultura e a instalação feita em chapas de aço finas, cuja forma final foi determinada pelas propriedades do material – e essa experiência formal lhe rendeu um dos prêmios internacionais do evento (Fundação Bienal de São Paulo, 1975FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO (FBSP). XIII Bienal de São Paulo. São Paulo: Autoedição, 1975. Catálogo da Bienal., pp. 207-211). Para a 14a Bienal (1977FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO (FBSP). XIV Bienal de São Paulo. São Paulo: Autoedição, 1977. Catálogo da Bienal.) – a primeira sem Ciccillo Matarazzo como presidente do evento e organizada sob três capítulos temáticos propostos pelo Conselho de Arte e Cultura (CAC) –, Sommer Ribeiro selecionou Alberto Carneiro e Clara Meneres para o núcleo “Recuperação da Paisagem”, dentro do capítulo “Grandes Confrontos e Proposições Contemporâneas”. Mostraram instalações com elementos naturais próximas à arte da terra e, portanto, ao experimentalismo em voga na arte internacional.10 10 Carneiro exibiu Um campo depois da colheita para deleite estético do nosso corpo (1973-1976), instalação feita com palha de trigo; e Meneres uma instalação paisagística com grama, formando o peito e a barriga de uma mulher. Esta última obra, agora apresentada sem título e em escala monumental – 150 metros quadrados – havia sido feita em escala menor para “Alternativa Zero” (1977), sob o título Mulher-Terra-Vida (Fundação Bienal de São Paulo, 1977, pp. 38-39). Dois anos depois, na 15a Bienal (1979FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO (FBSP). XV Bienal de São Paulo. São Paulo: Autoedição, 1979. Catálogo da Bienal.), predominou novamente a pintura, com as de Costa Pinheiro e Graça Coutinho ao lado das esculturas de João Cutileiro. Mas houve também obras que escaparam de simples descrições disciplinares: umas propostas instalativas de plexiglass das conhecidas silhuetas de Lourdes Castro, e algumas séries de fotografias intervencionadas de Helena Almeida (Fundação Bienal de São Paulo, 1979FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO (FBSP). XV Bienal de São Paulo. São Paulo: Autoedição, 1979. Catálogo da Bienal., pp. 283-285). Por fim, deve-se notar que, embora na 16a Bienal (1981aFUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO (FBSP). XVI Bienal de São Paulo. São Paulo: Autoedição, 1981a. Catálogo da Bienal.) a representação oficial tenha sido inteiramente pictórica – com obras de António Sena, José Pinheiro e José de Guimarães (Fundação Bienal de São Paulo 1981aFUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO (FBSP). XVI Bienal de São Paulo. São Paulo: Autoedição, 1981a. Catálogo da Bienal., pp. 69; 141; 148; 152) –, no núcleo de Arte Postal, organizado pelo artista hispano-brasileiro Julio Plaza, propostas de até 12 artistas de Portugal – Abílio José Santos, Emerenciano, João Dixo, Pedro Cabrita Reis, Rui Orfão, etc. – foram incorporadas por iniciativas individuais dos e das artistas (Fundação Bienal de São Paulo, 1981bFUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO (FBSP). XVI Bienal de São Paulo. Arte Postal. São Paulo: Autoedição, 1981b. Catálogo da Bienal.). Buarque também esteve presente nesse núcleo, que foi experimental desde a sua origem através das redes alternativas da mail art.11 11 Num sentido de intercâmbio, e na rede transnacional de iniciativas de mail art, vale mencionar que um ano antes, em Lisboa, a exposição “Arte postal” havia sido realizada na Galeria Quadrum, organizada por Maria Irene Ribeiro. Entre um grande número de artistas de até 22 países, participaram dela os agentes brasileiros Bené Fonteles, Hudinilson Jr., Paulo Bruscky, Regina Silveira e o coletivo 3 NÓS 3 (Ribeiro, 1980). Ali a artista enviou uma seleção dos seus trabalhos em torno da figura metafórica da janela; obras que, além disso, tiveram uma ampla turnê internacional durante aqueles anos, em exposições de arte-correio e publicações artísticas realizadas na Itália, na Austrália, na França e em Portugal.12 12 Como se afirma no dossiê da exposição “‘Escolha do crítico’. Do discurso: Da Janela. Irene Buarque”, que Ernesto de Sousa (1981a, n.p.) preparou a convite do Centro Nacional de Cultura (CNC). Nesse dossiê, Buarque incluiu uma “Cronologia do trabalho das janelas”, na qual são registrados os diferentes itinerários.

Portugal, portanto, enviava à Bienal de São Paulo uma seleção autorizada de sua mais recente arte, desde experiências pictóricas e escultóricas atualizadas até, mais raramente, novas atitudes experimentais. No entanto, essas inclusões experimentais portuguesas foram inseridas no contexto artístico mundial de uma forma particular. Internacionalmente, a efervescência das práticas da neovanguarda, o conceitualismo, o experimentalismo e a arte com novas mídias já havia sido observada desde o final dos anos 60. Mas essas tendências declinaram a partir da segunda metade dos anos 70 e, especialmente, nos anos 80, em um conhecido processo de retorno à pintura. Essa revalorização das práticas disciplinares, aliás, não podia deixar de estar ligada a um crescimento generalizado e transfronteiriço do mercado de arte e dos eventos artísticos globais – o conhecido fenômeno bienal. Ambos os processos estiveram governados pela moda e foram sustentados por poderes com pouca transparência, fosse de natureza oficial – na procura de propaganda nacional – ou em relação aos negócios – em favor dos benefícios econômicos.13 13 Muitas menções bibliográficas ao processo de retorno à pintura acima mencionado, ligado à mercantilização do mundo da arte nos anos 80, podem ser encontradas, especialmente nas historiografias locais ou regionais. Talvez um recurso exemplar, devido a seu caráter canônico e internacional, aparece no volume preparado por Yve-Alain Bois, Benjamin Buchloh, Hal Foster e Rosalind Krauss (2007, pp. 600-604). Por sua vez, o fenômeno bienal também foi tratado em abundância; uma aproximação monográfica apareceu no Manifesta Journal, que é interessante por sua generalidade e multiplicidade de abordagens (Misiano e Zabel, 2004). O caso português foi, em certo sentido, contrário. O número e a diversidade das entidades artísticas comerciais havia aumentado algum tempo antes, no final dos anos 60, ainda sob a ditadura (Wandschneider, 1999WANDSCHNEIDER, Miguel. A lenta e difícil afirmação da vanguarda num contexto em mudança. In TODOLÍ, Vicente (ed.). Circa 1968. Porto: Fundação Serralves, 1999. Catálogo de exposição., pp. 35-36; Ávila, 1960, p. 30ÁVILA, María Jesús. Anos de normalização artística. In ÁVILA, María Jesús (Org.). 1960 1980 Anos de normalização artística nas coleções do Museu do Chiado. Castelo Branco: Museu de Francisco Tavares Proença Júnior, 2003, pp. 11-61. Catálogo de exposição.; Nogueira, 2021NOGUEIRA, Isabel. História da arte em Portugal. Do Marcelismo ao Final do Século XX. Silveira: Letras Errantes, 2021., pp. 28-31). E os experimentalismos desse país, embora exemplos anteriores possam ser encontrados,14 14 Os primeiros happenings ocorreram já em 1965 e 1967, ligados a agentes com relação à poesia experimental Melo e Castro (1977). Vale lembrar também como Ernesto de Sousa (1977, n.p.), em seu texto de apresentação do catálogo de “Alternativa Zero”, enraizou essa exposição em duas propostas anteriores suas, “Do Vazio à Pro-Vocação” (1972) e “Projectos-Ideias” (1974). De Sousa também incluiu no catálogo um dossiê foto-textual com uma genealogia artística particular, que incluía eventos do exterior, como a Documenta V (1972) ou o “1.000.010º Anniversaire de l’Art” (1973) de Robert Filliou, mas também outros de Portugal, como o “1.000.011º Aniversário da Arte” realizado em Coimbra em 1974 por iniciativa de Filliou, ou as caixas proto-conceptuais de António Areal, no final dos anos sessenta. só decolaram, realmente, no final dos anos 70 e nos 80.

Mesmo assim, houve um aspecto global, transversal às décadas que estamos tratando e compartilhado dentro e fora das fronteiras portuguesas: o desejo de conectividade internacional. Em Portugal, diante das deficiências estruturais de um Estado a princípio ditatorial e repressivo e, após 25 de abril de 1974, engajado em processos sócio-políticos revolucionários e de consolidação nacional, muitos e muitas artistas buscaram afinidades no exterior. Nesse sentido, as exposições, publicações e bolsas de estudo da FCG forneceram essa tão procurada conectividade – que, na direção oposta, do exterior para Portugal, também podemos atribuir no estudo de caso de Irene Buarque. As viagens de agentes de Portugal, especialmente a Londres e Paris, ajudaram a atualizar o contexto artístico nacional, embora esse “estrangeiramento”, claramente voltado para o Norte, fosse também acompanhado de certo sentimento de “atraso” em relação às artes e à cultura dos países mais ricos.15 15 Mariana Pinto dos Santos (2011) tem revisado a noção de “atraso” nas artes e histórias de arte de Portugal, a partir de uma abordagem ampla e panorâmica. Sob o risco de uma excessiva simplificação, que deve ser ajustada na concreção dos estudos de caso, podemos entender que no cenário internacional, o experimentalismo veio primeiro e mais tarde foi soterrado por práticas mais comerciais. Em Portugal, por outro lado, aconteceu de maneira diferente: o mercado doméstico das artes cresceu primeiro e, só mais tarde, espalharam-se as novas atitudes artísticas. Se a demora no experimentalismo foi devida a esse suposto “atraso” local, ou a uma falta de vontade institucional e comercial diante de práticas que se distanciavam da disciplina e do mercado, é uma questão que exigiria uma análise mais detalhada. Em qualquer caso, podemos ter certeza de uma consequência: desde suas primeiras formulações, as propostas experimentais portuguesas coexistiram muito diretamente com práticas contemporâneas de natureza mais tradicional, em maior medida e de forma menos conflituosa do que em outros locais.

Esses dois eixos, o desejo de internacionalização e uma compreensão aberta da arte experimental que incluiu tanto opções mais conceituais e radicais como atualizações dos modos tradicionais de fazer, podem servir para demarcar o relevante trabalho relacional que Buarque realizou nos anos 80. A artista brasileira, já estabelecida em Lisboa, fez uso de sua condição particular de “estrangeirada” para tecer redes e estabelecer pontes transatlânticas entre Brasil e Portugal. Isso pode ser visto na exposição “25 artistas portugueses de hoje” (1981BUARQUE, Irene (Org.). 25 artistas portugueses de hoje. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1981. Catálogo de exposição.), da qual ela fez a curadoria no MAC USP. Embora essa exposição tenha sido uma iniciativa própria de Buarque, canalizada através da Cooperativa Diferença, deve-se notar que recebeu apoio do FCG, bem como um subsídio para o catálogo da Direção-Geral da Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura de Portugal. Em outras palavras, não foi um evento oficial do tipo das representações nacionais na Bienal de São Paulo, mas teve a aprovação dos poucos órgãos público-privados que poderiam prover fundos para este tipo de proposta. Poderíamos então dizer que a exposição foi para-oficial: o impulso veio da atividade conectiva de Buarque, mas pôde se desenvolver graças ao marco institucional para a promoção da arte portuguesa, pois preenchia a falta de propostas similares organizadas pelos órgãos oficiais. Foi assim que a própria artista-organizadora descreveu a situação em seu texto de apresentação:

No princípio do ano passado, estando alguns meses em S. Paulo, fiz no Museu de Arte Contemporânea da USP os primeiros contactos para a realização de uma exposição colectiva das novas tendências da arte em Portugal. […] Sentindo que o intercâmbio com o Brasil a nível das artes plásticas é quase nulo, (reduzindo-se quase que só às Bienais de S. Paulo), pareceu-me urgente intensificá-lo e demarcá-lo do “pseudo-cultural-folclórico”, que de vez em quando é exportado oficialmente (e que da última vez trouxe na volta uma escola de samba que nem sequer era representativa do Carnaval carioca!?).

(Buarque, 1981BUARQUE, Irene (Org.). 25 artistas portugueses de hoje. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1981. Catálogo de exposição., n.p.)

A citação acima expressa a vontade de Buarque de separar-se de um oficialismo que entendia como conservador e até mesmo “folclórico”. Como Morais e Sommer Ribeiro na ocasião da exposição “Arte portuguesa contemporânea” (1977DE SOUSA, Ernesto (org.). Alternativa Zero. Tendencias polémicas na arte portuguesa contemporânea. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura, 1977. Catálogo de exposição.), a artista e organizadora enfatizou novamente a relação artística “quase nula” entre os dois lados do Atlântico. E descreveu o objetivo da exposição, que, desde o início, tinha sido “tornarmos mais real, dinâmico e atual um intercâmbio entre nós e Portugal”.16 16 De acordo com uma carta de Irene Buarque para Wolfgang Pfeiffer (diretor do MAC USP), enviada de São Paulo e datada 5 de fevereiro de 1980. Note como ela inclui-se como brasileira, falando de “nós” face a Portugal; em outras palavras, como ela usa sua situação ambivalente para o benefício de seu projeto. Na mesma carta, Buarque sublinha a importância do grupo de artistas em torno da Cooperativa Diferença, assim como de “outros jovens valores que se encontravam fora de Portugal até Abril de 1974; vindos de Londres, Amsterdam, Milão e Paris, trouxeram consigo uma bagagem nova, criando em Lisboa e Porto uma dinâmica atual e diferente no meio cultural e artístico”. As cartas mencionadas nesta nota e as seguintes, referentes às comunicações sobre a exposição “25 artistas portugueses hoje”, estão guardadas nos arquivos do MAC USP.

Figura 5.
Páginas de Irene Buarque no catálogo da exposição “25 artistas portugueses de hoje”, 1981. Pode-se ver o selo da artista, sob a forma de uma janela.

Após várias vicissitudes, tais como os habituais atrasos e confusões inerentes às comunicações postais transatlânticas, ou as sucessivas demoras da inauguração devidas aos processos burocráticos das instituições colaboradoras,17 17 Entre outros, veja a carta de Wolfgang Pfeiffer a Irene Buarque, enviada do MAC USP e datada de 20 de novembro de 1980, na qual, após um longo lapso na comunicação, o diretor do museu pede para retomar a conversa. Também a carta de Monteiro Gil (“Comissão de Gestão”) e Irene Buarque (“Comissário da exposição”) a Wolfgang Pfeiffer, enviada da Cooperativa Diferença e datada 2 de dezembro de 1980, na qual pedem para adiar as datas de maio a junho de 1981, devido a atrasos com a FCG. Também, a carta de Elvira Vernaschi (falando em nome de Pfeiffer, quem estava de licença médica) para Irene Buarque, enviada do MAC USP e datada de 27 de julho de 1981, na qual indica-se que estão “apreensivos com a falta de notícias”. a exposição foi fixada para setembro e outubro de 1981. As obras a serem expostas viajaram para São Paulo, mas também três artistas, além de Buarque: Monteiro Gil, Ernesto de Sousa e Carlos Nogueira. Na abertura, este fez uma apresentação no espaço público em torno do MAC USP, consistindo em uma interpretação livre de um verso de Camões: “Todo mundo é composto de mudança”.18 18 Vem do soneto XCII, “Mudam-se os tempos, Mudam-se como Vontades”, escrito em 1595. Nogueira articulou a ação através do grafite, do lançamento de confeitos e folhetos com o verso fotocopiado, e da deposição de flores brancas.19 19 Carta de Elvira Vernaschi (em nome de Pfeiffer) a Mario Chamie (Secretário Municipal de Cultura de São Paulo), enviada do MAC USP e datada de 8 de setembro de 1981, solicitando permissão para a ação de Nogueira no espaço público. Vernaschi envia a mesma carta ao Diretor do Departamento de Parques e Áreas Verdes, datada de 11 de setembro de 1981. Também, durante o tempo da exposição, Gil, De Sousa e Nogueira deram palestras nas quais explicaram o contexto da exposição e a situação da arte experimental portuguesa, que, segundo o título da palestra de De Sousa, configurava uma “cena alternativa”.20 20 Carta de Elvira Vernaschi (em nome de Pfeiffer) ao Cônsul de Portugal, enviada pelo MAC USP e datada de 29 de setembro de 1981, na qual ela agradece a ajuda na liberação alfandegária das obras e o convida para as conferências programadas.

Como seu título indica, a exposição apresentou 25 artistas portugueses no museu paulista.21 21 Havia 17 artistas homens e 8 artistas mulheres – 32% do total, uma proporção significativa, mas, como de costume, pequena. A lista completa é a seguinte: Alberto Carneiro, Ana Hatherly, Ana Isabel, Ana Vieira, António Barros, António Palolo, António Sena, Carlos Nogueira, Ção Pestana, Eduardo Nery, Ernesto de Sousa, Helena Almeida, Irene Buarque, Joana Rosa, Joaquim Tavares, José Barrias, José de Carvalho, José Conduto, Julião Sarmento, Manuel Pires, Mário Varela, E. M. de Melo e Castro, Monteiro Gil, Rui Orfão e Túlia Saldanha. As obras expostas formavam um grupo heterogêneo, que buscava oferecer uma visão geral da arte portuguesa do momento. Mas esse panorama não era histórico, diacrônico, como havia sido o caso quatro anos antes, na exposição oficial “Arte portuguesa contemporânea” (1977DE SOUSA, Ernesto (org.). Alternativa Zero. Tendencias polémicas na arte portuguesa contemporânea. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura, 1977. Catálogo de exposição.). Pelo contrário, a ideia era oferecer uma cena sincronizada, tão transversal quanto o eram os modos de fazer dos e das artistas experimentais de Portugal. Assim, algumas obras únicas e originais foram incluídas, bem como documentação daquelas propostas que, por sua natureza, não poderiam ter sido transportadas. Por exemplo, houve materiais sobre performances de José Conduto ou Rui Orfão, e sobre os ambientes de Túlia Saldanha. A documentação também estava presente como parte integrante de projetos proposicionais e conceituais, como nas caixas de Monteiro Gil, ou nas pesquisas de José Barrias sobre ruínas. Houve também experiências com a serialização e a reprodução técnica e fotográfica das imagens, como nos trabalhos aportados por Eduardo Nery, Helena Almeida, Joana Rosa e Irene Buarque (figura 5), quem enviou propostas das suas Janelas. Também foram exibidas poesias experimentais, visuais e expandidas, como nas obras de E. M. de Melo e Castro e António Barros. Finalmente, houve pintura, em diferentes estilos: desde as novas figurações de António Palolo ou José de Carvalho, à geometria abstrata de Joaquim Tavares, em companhia de propostas que aproximavam as técnicas tradicionais para um terreno conceitual, como os gráficos pictóricos de António Sena ou as explorações com colagens de Ana Hatherly.

Deve-se notar que a intenção de “25 artistas portugueses de hoje” de criar um panorama sincrônico, heterogêneo, mas oferecendo um quadro do estado da experimentação portuguesa, pode ser rastreada até a exposição “Alternativa Zero” (1977DE SOUSA, Ernesto (org.). Alternativa Zero. Tendencias polémicas na arte portuguesa contemporânea. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura, 1977. Catálogo de exposição.). O fio condutor da continuidade dessa “cena alternativa” demarcada por Ernesto de Sousa foi fornecido por uma lista semelhante de artistas, com vários nomes compartilhados entre uma mostra e a outra. Também, de forma material, pela estrutura e construção do catálogo: ambos tinham um layout semelhante, com folhas soltas que funcionavam como ficheiros de artista, contidos em uma caixa de papelão cinza.22 22 Como foi feito com frequência para os catálogos de exposições conceituais. Esse foi o caso, por exemplo, da crítica e curadora americana Lucy Lippard (2012) em suas “Number Exhibitions” do início dos anos 70. A presença de De Sousa foi outro elemento compartilhado, e como era frequentemente o caso desta figura, um elemento muito relevante. Esse “operador estético” montou Tradição como aventura, como uma proposta artística nas salas do MAC USP. Esse mixed-media incluía uma variedade de obras: dois murais compostos de múltiplas fotografias – de processos de trabalho em Este é o meu corpo nº3 (1977), e de menções textuais de seu interesse em Este é o meu corpo nº4 (1978) –; uma fotomontagem em forma de mandala com detalhes anatômicos, colocada dentro de uma estrutura com cortinas pretas que o público tinha que abrir para observá-la; e uma sequência fotográfica de um rosto escultural com características helenísticas, motivo que De Sousa utilizou em diferentes ocasiões.23 23 O conjunto Tradição como aventura foi exibido em, pelo menos, três ocasiões: em uma exposição com o mesmo nome na Galeria Quadrum em 1978; em “25 artistas portugueses de hoje” (1981); e na exposição “Itinerários” (1987), na Galeria Almada Negreiros em Lisboa. Veja a página dedicada a esse mixed-media no site dedicado a Ernesto de Sousa, https://www.ernestodesousa.com/projectos/a-tradicao-como-aventura. Acesso em: 26 fev. 2023. Como em “Alternativa Zero”, o catálogo de “25 artistas portugueses de hoje” também apresentava um texto introdutório de De Sousa (1981bDE SOUSA, Ernesto. Uma cena (moderna) portuguesa: ou uma tentativa para um canibalismo de amor. In: BUARQUE, Irene (Org.). 25 artistas portugueses de hoje. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1981, n.p. Catálogo de exposição., n.p.), intitulado “Uma cena (moderna) portuguesa: ou uma tentativa para um canibalismo de amor”. Nele, esse autor expressava que sua obra não poderia existir sem a dos e das colegas afins. Esse mutualismo – histórico e presente – entre artistas que praticaram a experimentação tomou forma textual através de dois trocadilhos complementares: “a tradição é uma aventura, ou não pode haver aventura sem tradição”, e “o meu corpo é o teu corpo, o teu corpo é o meu corpo”. De Sousa terminava seu texto, dando passo aos ficheiros dos e das artistas no restante do catálogo, com a esperança “que esta ex-posição seja o começo de um novo canibalismo, fraternal e inextinguível…”. Salvando distâncias e contextos, que ressonâncias podemos encontrar entre esse “canibalismo” e a “antropofagia” do manifesto escrito por Oswald de Andrade em 1928DE ANDRADE, Oswald. Manifesto antropófago. Revista de Antropofagia, São Paulo, n.º 1, 1928.?

REGULARIZANDO OS INTERCÂMBIOS: IRENE BUARQUE E REGINA SILVEIRA

No final de 1981, a presença de Irene Buarque no cenário artístico paulistano foi significativa. Ela organizou e participou de “25 artistas portugueses de hoje”, entre setembro e outubro, no MAC USP. No mesmo museu, também participou da exposição “Foto/Ideia”, durante o mês de novembro, onde se apresentou ao lado do melhor da experimentação brasileira.24 24 “Foto/Ideia” (1981) reuniu 55 artistas, incluindo Amélia Toledo, Ana Maria Tavares, Anna Bella Geiger, Gabriel Borba, Gastão de Magalhães, Genilson Soares, Hudinilson Jr., Iole de Freitas, Julio Plaza, Mary Dritschel, Rafael França, Regina Silveira e Regina Vater (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1981). Havia 40 homens e 15 mulheres, ou 27% do total. Entre outubro e dezembro, como já mencionamos, ela participou do núcleo de Arte Postal da Bienal. Em todas essas ocasiões, a artista apresentou sua pesquisa sobre o motivo metafórico da janela. Mas essa presença pessoal e profissional no Brasil não foi tanto um retorno ao país, quanto uma procura de intercâmbios transatlânticos. O vai e vem das colaborações pela artista, fossem presenciais ou à distância, foi estabelecido através das vantagens comunicativas oferecidas pelos meios de transporte como o avião jet, ou por meios de comunicação como o correio, o telefone ou os telegramas.

Já em uma das primeiras cartas com o diretor do MAC USP para a organização de “25 artistas portugueses de hoje”, Buarque deu um relato do seu desejo de conectividade bidirecional:

Gostaria ainda de informar que com a colaboração do professor Walter Zanini, Regina Silveira e Júlio Plaza, estou organizando uma coletiva de artistas de vanguarda brasileiros para exporem no fim de este ano em nossas instalações [aquelas da Cooperativa Diferença] em Lisboa.25 25 Carta de Irene Buarque a Wolfgang Pfeiffer (diretor do MAC USP), enviada de São Paulo e datada 5 de fevereiro de 1980. Preservada nos arquivos do MAC USP.

O objetivo da artista era, portanto, iniciar um diálogo entre os núcleos artísticos de ambos os territórios, Brasil e Portugal, o que envolveria um verdadeiro intercâmbio de ideias, agentes, projetos e propostas. Entretanto, a referida exposição de arte brasileira “de vanguarda” em Portugal não se realizou em 1980 ou 1981. Foi preciso esperar até 1982 para ver a intenção cumprida, pelo menos em parte, graças à exposição itinerante “Artemicro”, organizada por Regina Silveira e Rafael França (figura 6). Essa proposta foi composta de uma seleção de obras de artistas experimentais do Brasil,26 26 A mostra apresentou até 12 obras de cada artista – 24 homens e 8 mulheres, ou seja, 25% do total. Entre outros e outras, a lista de figuras presentes incluía Ana Maria Tavares, Carmela Gross, Gabriel Borba, Genilson Soares, Hudinilson Jr., Julio Plaza, Marcello Nitsche, Mary Dritschel, Nelson Leirner e Vera Chaves Barcellos. Havia também alguns artistas não brasileiros, como o argentino León Ferrari – que vivia em São Paulo na época, porém, exilado da ditadura argentina – e o artista mexicano Ulises Carrión, que vivia na Holanda. criadas, especificamente, para a ocasião ou já existentes. Todas as obras foram transferidas para microfichas, um tipo de microfilmagem utilizada em arquivos e bibliotecas que permitia que uma grande quantidade de informação fosse preservada em pequenos slides, que podiam ser vistos em detalhe, ampliados por máquinas especiais de retroiluminação. Materialmente, esse formato técnico permitia que a exposição fosse móvel, um aspecto que foi utilizado por França e Silveira para estabelecer itinerâncias. Foi assim que a Silveira descreveu essa exposição:

ARTEMICRO é ainda a paródia do museu. Remetendo ao “museu imaginário” de Malraux, a microcoleção, quase imaterial, mas com grande potencialidade de aumento pela possível inclusão, ad infinitum, de obras e artistas, cabe em qualquer bolso. Compacta e portátil, está sempre pronta a viajar, quando solicitada.

(Silveira, 1982SILVEIRA, Regina. Artemicro: a microficha como suporte de arte. Arte em São Paulo, São Paulo, maio de 1982. Disponível em: https://icaa.mfah.org/s/es/item/1111242#?c=&m=&s=&cv=&xywh=-11%2C735%2C1518%2C849. Acesso: 26 fev 2023.
https://icaa.mfah.org/s/es/item/1111242#...
, n.p.)

A exposição itinerante foi montada pela primeira vez no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, em maio de 1982. De lá atravessou o Atlântico, sendo apresentada em junho na Cooperativa Diferença em Lisboa, através da intermediação de Buarque. Entre julho e agosto do mesmo ano, a “Artemicro” aconteceu no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro. Em outubro, as microfichas cruzaram novamente o oceano para Portugal, no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC). Finalmente, houve uma última apresentação, em 1983, no Centro Cultural Bath House, em Dallas, nos Estados Unidos.

Figura 6.
Convite para a exposição “Artemicro” na Cooperativa Diferença, 1982. Feita com plástico transparente, como o utilizado para as microfichas.

No início dos anos 80, Silveira foi membro do Conselho Deliberativo do MAC USP, e foi, provavelmente, nessa posição no museu que ela entrou em contato com Buarque, enquanto esta fazia os preparativos para “25 artistas portugueses de hoje”.27 27 Recordar a citação de Buarque (1981) incluída mais acima no texto: “No princípio do ano passado [1979], estando alguns meses em S. Paulo, fiz no Museu de Arte Contemporânea da USP os primeiros contactos para a realização de uma exposição colectiva das novas tendências da arte em Portugal […]” (n.p.). A relação transatlântica logo foi frutífera, como se pode ver no fato de que a primeira turnê da “Artemicro” não ocorreu no Brasil, como teria sido lógico, mas em Lisboa, na cooperativa com a qual Buarque colaborava. Foi também em Diferença que Buarque realizou algumas de suas atividades artísticas mais importantes no início dos anos 80. Ali expôs “Passo a Passo” (1983), a mostra que já mencionamos, que encarnava a transição entre o motivo metafórico da janela, como elemento liminar, e do passo, com suas conotações de movimento e conhecimento sensorial de diferentes territórios. Igualmente, em dezembro de 1983, a artista e Monteiro Gil (1983BUARQUE, Irene; GIL, Monteiro (org.). O livro de artista. Lisboa: Cooperativa Diferença, 1983. Catálogo de exposição.) coordenaram outra exposição coletiva na Diferença: “O livro de artista”. Os livros e publicações de artista foram um produto da atividade experimental, com condições físicas propícias à sua difusão através das fronteiras. A exposição em Lisboa apresentou uma seleção de participantes de Portugal, mas também de outros países, com um foco especial nos e nas agentes com maior atividade no Brasil, com os quais Buarque tinha certa relação. Entre outros artist books, estavam Reduchamp (1976) e I Ching Change (1978), de Júlio Plaza; Brazil Today (1977) e Executivas (1977), de Regina Silveira; e Visual-Táctil (1975) e Epidermic Scapes (1977), de Vera Chaves Barcellos.28 28 Sessenta artistas participaram – 38 homens e 22 mulheres, 36,6% do total. Entre um grande número de artistas de Portugal – Alberto Carneiro, Albuquerque Mendes, Carlos Nogueira, Eduardo Batarda, Ernesto de Sousa, Helena Almeida, Irene Buarque, Leonel Moura, Lourdes Castro, Maria Rolão, Monteiro Gil, Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez, Rui Orfão e Salette Tavares, entre outros e outras –, houve também publicações de artistas como o argentino Alfredo Portillos, os alemães Dietrich Helms, Klaus Staeck e Timm Ulrichs, a polonesa Marysia Lewandowska, a italiana Michele Perfetti e a francesa Orlan. A própria Irene Buarque mostrou ali algumas publicações (figura 7), orientadas para este novo motivo metafórico que estruturava seu trabalho: o passo. À vista estavam Pisolivro (1983) – um catálogo de imagens de pisos –, Pésdepiso (1983) – que a própria artista descreveu como um “livro impermeável, táctil próprio para ‘ler’ à chuva, no banho, na piscina, em actividades subaquáticas e em casos de enchentes” – e Pisalivro (1983) – descrito como “próprio para ‘ler’ com os pés descalços” (Buarque; Gil, 1983BUARQUE, Irene; GIL, Monteiro (org.). O livro de artista. Lisboa: Cooperativa Diferença, 1983. Catálogo de exposição., n.p.).

Figura 7.
Detalhes das publicações da artista Irene Buarque, Pésdepiso (“label” da capa) e Estudos de “Pari Passu...” (capa), ambas de 1983. Apresentam o artist stamp da artista, na forma de um pé.

Durante os anos 70 e 80, em muitos casos, a experimentação foi transmitida através de metodologias de reprodução técnica de imagens, apropriadas pelos e pelas artistas para seus próprios fins, tanto estéticos como de pesquisa e crítica. Assim, as publicações de mail art, as microfichas ou as publicações de artista serviram como substrato para o crescimento, ao mesmo tempo, de projetos artísticos e redes de relações transnacionais. À lista de meios de reprodução técnica poderíamos acrescentar alguns outros, como a gravura, a serigrafia, a litografia, o offset ou a fotografia; técnicas que foram de interesse para artistas como Regina Silveira e Júlio Plaza, e também para o núcleo de agentes em torno da Cooperativa Diferença, que, gradualmente, adquiriu equipamentos para desenvolver esses procedimentos. Seguindo uma estrutura cronológica, 1984 foi novamente um ano de travessias e intercâmbios entre Brasil e Portugal, especialmente canalizados por Buarque e Silveira. Esta trouxe para Lisboa – em fevereiro – e para Coimbra – em junho – sua exposição “Dilatáveis”, que consistia em uma série homônima de heliografias nas quais pequenos motivos retirados de imaginários políticos e midiáticos – um tanque, um militar, um grupo de tecnocratas, um jogador de futebol – projetavam enormes sombras negras deformadas pela perspectiva. Como podemos ver, a mesma sequência de movimentos é repetida novamente como foi feito com “Artemicro”: Lisboa-Coimbra. Graças aos contatos com Buarque, a exposição foi montada pela primeira vez na Diferença e depois transferida para o CAPC, seguindo as redes de afinidade da cooperativa de Lisboa em outras partes do Portugal.

Sem sair de 1984, houve mais um retorno da arte portuguesa para o MAC USP em São Paulo. Em novembro, foi montada a exposição “Artistas-fotógrafos em Portugal”, organizada por Buarque desde a Diferença. A importância desses frutíferos contatos Silveira-Buarque foi destacada já na primeira comunicação oficial para a organização do evento, enviada pela nova diretora técnica do museu, Aracy Amaral:

Regina Silveira trouxe-me um oferecimento que gostaria de tornar realidade. Trata-se de uma exposição de fotografia portuguesa contemporânea, e que poderíamos programar ainda este ano mesmo. Como sempre, moléstia até agora incurável, temos dificuldades financeiras imensas. Mas essa exposição, aliás apropriada para o 3º Mundo, pois nos permite realizá-la via Correio, é bem possível.29 29 Carta de Aracy Amaral a Irene Buarque, enviada do MAC USP à Cooperativa Diferença e datada de 3 de abril de 1984. Conservada nos arquivos do MAC USP. Em sua carta de resposta e aceitação do projeto, Buarque insistiu em sua determinação para criar pontes bidirecionais entre Brasil e Portugal; na sua despedida, disse: “Esperando que essa mostra seja o princípio de um real intercâmbio nos dois sentidos, aguardamos, desde já, uma sugestão da vossa parte, para realizá-la no nosso espaço”. Carta de Buarque a Amaral, enviada da Diferença ao MAC USP e datada de 16 de maio de 1984. Ambas as cartas são preservadas no arquivo do MAC USP.

Figura 8.
Página 11 do catálogo da exposição "Artistas-fotógrafos em Portugal", 1984. Mostra os registros de Helena Almeida e Irene Buarque. Arquivo pessoal de Irene Buarque.

A citação acima, além de confirmar as afinidades transatlânticas, enfatiza a possibilidade de organizar a exposição à distância. Isso era possível, por um lado, devido às qualidades materiais dos elementos a serem expostos – negativos fotográficos e reproduções que podiam se transportar facilmente e a baixo custo – e, por outro lado, graças às vantagens comunicativas de um mundo já, decididamente, aberto à globalização. De fato, a mobilidade potencial da proposta expositiva também seria explorada pelas autoridades oficiais portuguesas, que até consideraram a possibilidade de fazê-la circular por todo o Brasil em 1985.30 30 Carta do diretor do Gabinete das Relações Culturais Internacionais à Irene Buarque, enviada pelo Ministério da Cultura de Portugal à Cooperativa Diferença e datada de 26 de fevereiro de 1985, na qual ele fala da presença desta mostra na “Expo Brasil Portugal 85” em São Paulo, passando depois por Curitiba, Porto Alegre e Brasília; “pretenderia a Embaixada apresentá-la em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e se possível outras cidades”. Carta preservada nos arquivos do MAC USP.

Até 20 artistas participaram de “Artistas-fotógrafos em Portugal”.31 31 Entre elas, apenas 3 mulheres, 15% do total. Mais uma vez foi uma seleção daquelas figuras representativas da experimentação portuguesa – e, especificamente, do núcleo em torno da Cooperativa Diferença e suas redes de contatos –, com nomes já conhecidos de exposições anteriores, como Alberto Carneiro – que apresentou fotografias de suas ações corporais em ambientes naturais, em Meu rio corpo pedra (1978-1979) –, Ernesto de Sousa – com uma de suas sequências fotográficas de detalhes, quase totalmente abstratas, com o título INTERVALO / Da série CASA (s.d.) – ou Helena Almeida – com sua série de fotografias intervencionadas A casa (1983), em que massas negras emergiam de sua figura para gerar um ambiente ou ligá-la a ele. Buarque apresentou Passo a Passo… (série pisos) (1982), que consistia em uma série de seis fotografias de pavimentos, pareadas duas a duas, de modo que as linhas dos pavimentos de uma imagem se conectaram com as da imagem ao lado, formando segmentos lineares (Figura 8). A partir de uma leitura metafórica dessa obra, pode-se dizer que, nessas imagens, como na obra artística de Buarque, alguns percursos eram feitos por coincidência com outros, em um constante avanço coletivo.

Nos anos seguintes até o final dos anos 80, os contatos entre Buarque e Silveira serviram às duas artistas para estabelecer intercâmbios de opções e recursos. Em uma lista rápida, podemos citar várias atividades em Lisboa e São Paulo nas quais elas participaram. Em 1987, Buarque esteve, novamente, presente no MAC USP, em uma segunda formalização da exposição “Foto/Ideia” (1981MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (MAC USP). Boletín MAC USP n.º 428, “Abre-se dia 4 a exposição”Foto/Ideia” no Museu de Arte Contemporânea da USP”. São Paulo: Autoedição, 27 oct 1981.), de novo com aquelas investigações sobre as janelas que já havia apresentado na primeira ocasião. Um ano depois, Silveira apresentou “Inflexões” (1988COOPERATIVA DIFERENÇA. Regina Silveira. Inflexões. Lisboa: Autoedição. Catálogo de exposição.) na Cooperativa Diferença, em Lisboa, onde também realizou um “workshop sobre a tecnologia da Lito-offset, dirigido a profissionais e pós-graduados” (Cooperativa Diferença, 1988COOPERATIVA DIFERENÇA. Regina Silveira. Inflexões. Lisboa: Autoedição. Catálogo de exposição., n.p.). “Inflexões” esteve em conjunto com “Projectio”, outra exposição de conteúdo semelhante – com instalações e esboços de anamorfoses – que aconteceu simultaneamente na Galeria de Exposições Temporárias da FCG. O historiador português Daniel Peres tem historiado o processo de preparação das duas exposições:

“Projectio” foi uma exposição com um processo de produção longo. Remonta a um “contacto feito em fevereiro” de 1984, provavelmente por altura de uma exposição da artista na Galeria Diferença, em Lisboa [“Dilatáveis” (1984)]. Mas é apenas a partir do início de 1987 que a correspondência entre Silveira e Sommer Ribeiro começa a deixar transparecer uma estratégia de viabilização do evento. Passaria por fazer chegar as obras da artista brasileira a Lisboa na volta de peças de Helena Almeida (1934-2018) que se previa virem a ser expostas em janeiro de 1988 no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP). […] Contrariamente ao que esta epistolografia faz supor, não se encontraram registos de exposições da artista portuguesa [Helena Almeida] no MAC-USP entre 1987 e 1988. Contudo, Silveira concretizaria o plano de fazer coincidir as datas dos projetos que planeava trazer a Lisboa no início de 1988: esta mostra na FCG [“Projectio”] e uma nova exposição na Galeria Diferença (“Regina Silveira: Inflexões”, 1988COOPERATIVA DIFERENÇA. Regina Silveira. Inflexões. Lisboa: Autoedição. Catálogo de exposição.), também para fevereiro desse ano. Essa conjugação agradaria não apenas à artista, como também às demais entidades envolvidas, permitindo otimizar questões logísticas e promocionais. De resto, o apoio do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), órgão governamental brasileiro que providenciaria as passagens aéreas da artista, dependeria do objetivo pedagógico de orientar uma oficina de gravura na Cooperativa Diferença, concomitante à exposição que lá realizaria. Isso já tinha sido discutido com Irene Buarque (1943), antiga bolseira da FCG […]

(Peres, 2018PERES, Daniel. Regina Silveira. Projectio. (2018). Disponível em: https://gulbenkian.pt/historia-das-exposicoes/exhibitions/750/. Acesso em: 26 fev. 2023.
https://gulbenkian.pt/historia-das-expos...
, n. p.)

A citação acima é extensa, mas importante, pois esclarece como os contatos de Silveira em Portugal foram, inicialmente, articulados através da Diferença e, em particular, graças à Buarque. Peres descreve em detalhes a rede de instituições que essas artistas tiveram que ativar, tanto no Brasil, quanto em Portugal, para seus projetos transatlânticos; projetos que não cessariam até os anos 90. Em 1989, algumas exposições dessas artistas se cruzariam novamente: “Um Jardim bem fechado II”, de Buarque – que voltou à pintura geométrico-abstrata em formatos triangulares – no MAC USP; e “Auditório II”, outra exposição das anamorfoses da Silveira em Portugal, mas, dessa vez, na Cooperativa Árvore no Porto, sem a intermediação direta da sua colega luso-brasileira.

Ao longo das três seções deste texto, descrevemos como a agência de uma mulher artista e emigrante, Irene Buarque, transformou sua situação liminar em uma potência para estabelecer redes transatlânticas. Buarque chegou a Lisboa nos anos 70, onde conseguiu estabelecer contatos e afinidades que a levaram a experiências conceituais e plásticas além de sua prática pictórica inicial. Em suas idas e vindas entre Lisboa e São Paulo, ela construiu pontes entre os núcleos de arte experimental de ambos os locais. Construídas à margem do oficialismo, mas apropriando-se ao máximo dos seus recursos, essas pontes tomaram forma – para além da própria prática pessoal da artista, com o trânsito entre os motivos metafóricos da parede, da janela e do passo – em uma série de eventos expositivos. Mostras como “25 artistas portugueses de hoje” (1981BUARQUE, Irene (Org.). 25 artistas portugueses de hoje. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1981. Catálogo de exposição.), “Artemicro” (1982SILVEIRA, Regina. Artemicro: a microficha como suporte de arte. Arte em São Paulo, São Paulo, maio de 1982. Disponível em: https://icaa.mfah.org/s/es/item/1111242#?c=&m=&s=&cv=&xywh=-11%2C735%2C1518%2C849. Acesso: 26 fev 2023.
https://icaa.mfah.org/s/es/item/1111242#...
) ou “Artistas-fotógrafos em Portugal” (1984) aproximaram o MAC USP e a Cooperativa Diferença, mas, acima de tudo, aos e às agentes experimentais de um país e do outro. Especialmente à Buarque e à Silveira, cujas trajetórias foram enriquecidas pela colaboração e pela amizade. Este texto é uma tentativa de apreender a articulação desses dois elementos, normalmente, tão esquivos à historiografia da arte. Tudo isso, a partir de uma abordagem transnacional, mas, sobretudo, no sentido Sul-Sul, ligando Portugal e Brasil. A arte experimental esteve muito atenta aos seus contextos de surgimento e inserção, ambos atravessados pelo fenômeno que conhecemos como globalização; um fenômeno que não pode ser compreendido sem abordagens transnacionais como aquelas que a trajetória de Irene Buarque nos permite observar.

REFERÊNCIAS

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NOTAS

  • 1
    65 homens, um grupo misto e 10 mulheres, 13,16% do total.
  • 2
    A exposição contou com 47 artistas, 37 homens e 10 mulheres, 21,28% do total.
  • 3
    Há muita literatura sobre essa proposta de exposição e, até mesmo, trabalhos curatoriais dedicados (Fernandes, Ramos, 1997FERNANDES, João; RAMOS, Maria (org.). Perspectiva: Alternativa Zero. Porto: Fundação Serralves, 1997. Catálogo de exposição.; Fernandes, Macri, 1998FERNANDES, João; MACRI, Teresa (Org.). Alternativa Zero. Tendenze polemiche dell’arte portoghese nella democrazia. Milano: Charta, 1998. Catálogo de exposição.; Silva, 2009SILVA, Raquel Henriques da (Org.). Anos 70 Atravessar fronteiras. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. Catálogo de exposição.; Nogueira, 2021NOGUEIRA, Isabel. História da arte em Portugal. Do Marcelismo ao Final do Século XX. Silveira: Letras Errantes, 2021., p. 189–211).
  • 4
    Buarque só obteve a nacionalidade portuguesa em 1982. De acordo com uma entrevista inédita com a artista, em Lisboa, 11 de outubro de 2022.
  • 5
    Os Defenestrados é uma coleção de fotografias de janelas que apareceu na revista Colóquio/Artes acompanhada de um poema de Alexandre O’Neill escrito para a ocasião (Buarque e O’neill, 1977BUARQUE, Irene; O’NEILL, Alexander. Os Defenestrados. Colóquio/Artes, Lisboa, n.º 33, jun. 1977, pp. 24-31.). Janelas Etiquetas é uma publicação de artista na qual Buarque analisa a forma geométrica de diferentes janelas através de recortes de etiquetas adesivas para papel timbrado.
  • 6
    Este efeito de instalação foi auxiliado pelos suportes metálicos quase invisíveis projetados pelo arquiteto Nuno Teotónio Pereira, companheiro de Irene Buarque desde os anos 70. De acordo com uma entrevista inédita com a artista, em Lisboa, 11 de outubro de 2022.
  • 7
    Em “18 x 18 – Nova fotografia”, participaram 16 artistas, 2 deles mulheres, 12,5% do total; em “Lisboa Bologna Lisboa”, houve 11 artistas, 3 deles mulheres, 27,27% do total.
  • 8
    De acordo com uma entrevista inédita com a artista, em Lisboa, 11 de outubro de 2022.
  • 9
    Veja a página dedicada às publicações de artista de Buarque no site da FCG, <https://gulbenkian.pt/biblioteca-arte/livros-de-artista/irene-buarque-1943/\> [Acesso: 26 de fevereiro de 2023].
  • 10
    Carneiro exibiu Um campo depois da colheita para deleite estético do nosso corpo (1973-1976), instalação feita com palha de trigo; e Meneres uma instalação paisagística com grama, formando o peito e a barriga de uma mulher. Esta última obra, agora apresentada sem título e em escala monumental – 150 metros quadrados – havia sido feita em escala menor para “Alternativa Zero” (1977DE SOUSA, Ernesto (org.). Alternativa Zero. Tendencias polémicas na arte portuguesa contemporânea. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura, 1977. Catálogo de exposição.), sob o título Mulher-Terra-Vida (Fundação Bienal de São Paulo, 1977FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO (FBSP). XIV Bienal de São Paulo. São Paulo: Autoedição, 1977. Catálogo da Bienal., pp. 38-39).
  • 11
    Num sentido de intercâmbio, e na rede transnacional de iniciativas de mail art, vale mencionar que um ano antes, em Lisboa, a exposição “Arte postal” havia sido realizada na Galeria Quadrum, organizada por Maria Irene Ribeiro. Entre um grande número de artistas de até 22 países, participaram dela os agentes brasileiros Bené Fonteles, Hudinilson Jr., Paulo Bruscky, Regina Silveira e o coletivo 3 NÓS 3 (Ribeiro, 1980RIBEIRO, Maria Irene (org.). Arte Postal. Lisboa: Galeria Quadrum, 1980. Catálogo de exposição.).
  • 12
    Como se afirma no dossiê da exposição “‘Escolha do crítico’. Do discurso: Da Janela. Irene Buarque”, que Ernesto de Sousa (1981aDE SOUSA, Ernesto (Org.). Escolha do crítico. Do discurso: Da Janela. Irene Buarque. Lisboa: Centro Nacional de Cultura, 1981. Dossier de exposição., n.p.) preparou a convite do Centro Nacional de Cultura (CNC). Nesse dossiê, Buarque incluiu uma “Cronologia do trabalho das janelas”, na qual são registrados os diferentes itinerários.
  • 13
    Muitas menções bibliográficas ao processo de retorno à pintura acima mencionado, ligado à mercantilização do mundo da arte nos anos 80, podem ser encontradas, especialmente nas historiografias locais ou regionais. Talvez um recurso exemplar, devido a seu caráter canônico e internacional, aparece no volume preparado por Yve-Alain Bois, Benjamin Buchloh, Hal Foster e Rosalind Krauss (2007BOIS, Yves-Alain, et al. (eds.). Art since 1900. Modernism Antimodernism Postmodernism. London: Thames & Hudson, 2007., pp. 600-604). Por sua vez, o fenômeno bienal também foi tratado em abundância; uma aproximação monográfica apareceu no Manifesta Journal, que é interessante por sua generalidade e multiplicidade de abordagens (Misiano e Zabel, 2004MISIANO, Victor; ZABEL, Igor (eds.). Manifesta Journal – Biennials, Ljubljana, No. 2, Winter 2003 / Spring 2004.).
  • 14
    Os primeiros happenings ocorreram já em 1965 e 1967, ligados a agentes com relação à poesia experimental Melo e Castro (1977MELO E CASTRO, Ernesto Manuel. Dois acontecimentos Happenings. In MELO E CASTRO, Ernesto Manuel. IN-NOVAR. Porto: Plátano Editora, 1977, pp. 59-65.). Vale lembrar também como Ernesto de Sousa (1977DE SOUSA, Ernesto (org.). Alternativa Zero. Tendencias polémicas na arte portuguesa contemporânea. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura, 1977. Catálogo de exposição., n.p.), em seu texto de apresentação do catálogo de “Alternativa Zero”, enraizou essa exposição em duas propostas anteriores suas, “Do Vazio à Pro-Vocação” (1972) e “Projectos-Ideias” (1974). De Sousa também incluiu no catálogo um dossiê foto-textual com uma genealogia artística particular, que incluía eventos do exterior, como a Documenta V (1972) ou o “1.000.010º Anniversaire de l’Art” (1973) de Robert Filliou, mas também outros de Portugal, como o “1.000.011º Aniversário da Arte” realizado em Coimbra em 1974 por iniciativa de Filliou, ou as caixas proto-conceptuais de António Areal, no final dos anos sessenta.
  • 15
    Mariana Pinto dos Santos (2011PINTO DOS SANTOS, Mariana. “Estou atrasado! Estou atrasado!”. Sobre o atraso da arte portuguesa diagnosticado pela historiografia. In: BARATA, André, et al. (Org.). Representações da portugalidade. Alfragide: Caminho, 2011, pp. 231-242.) tem revisado a noção de “atraso” nas artes e histórias de arte de Portugal, a partir de uma abordagem ampla e panorâmica.
  • 16
    De acordo com uma carta de Irene Buarque para Wolfgang Pfeiffer (diretor do MAC USP), enviada de São Paulo e datada 5 de fevereiro de 1980. Note como ela inclui-se como brasileira, falando de “nós” face a Portugal; em outras palavras, como ela usa sua situação ambivalente para o benefício de seu projeto. Na mesma carta, Buarque sublinha a importância do grupo de artistas em torno da Cooperativa Diferença, assim como de “outros jovens valores que se encontravam fora de Portugal até Abril de 1974; vindos de Londres, Amsterdam, Milão e Paris, trouxeram consigo uma bagagem nova, criando em Lisboa e Porto uma dinâmica atual e diferente no meio cultural e artístico”. As cartas mencionadas nesta nota e as seguintes, referentes às comunicações sobre a exposição “25 artistas portugueses hoje”, estão guardadas nos arquivos do MAC USP.
  • 17
    Entre outros, veja a carta de Wolfgang Pfeiffer a Irene Buarque, enviada do MAC USP e datada de 20 de novembro de 1980, na qual, após um longo lapso na comunicação, o diretor do museu pede para retomar a conversa. Também a carta de Monteiro Gil (“Comissão de Gestão”) e Irene Buarque (“Comissário da exposição”) a Wolfgang Pfeiffer, enviada da Cooperativa Diferença e datada 2 de dezembro de 1980, na qual pedem para adiar as datas de maio a junho de 1981, devido a atrasos com a FCG. Também, a carta de Elvira Vernaschi (falando em nome de Pfeiffer, quem estava de licença médica) para Irene Buarque, enviada do MAC USP e datada de 27 de julho de 1981, na qual indica-se que estão “apreensivos com a falta de notícias”.
  • 18
    Vem do soneto XCII, “Mudam-se os tempos, Mudam-se como Vontades”, escrito em 1595.
  • 19
    Carta de Elvira Vernaschi (em nome de Pfeiffer) a Mario Chamie (Secretário Municipal de Cultura de São Paulo), enviada do MAC USP e datada de 8 de setembro de 1981, solicitando permissão para a ação de Nogueira no espaço público. Vernaschi envia a mesma carta ao Diretor do Departamento de Parques e Áreas Verdes, datada de 11 de setembro de 1981.
  • 20
    Carta de Elvira Vernaschi (em nome de Pfeiffer) ao Cônsul de Portugal, enviada pelo MAC USP e datada de 29 de setembro de 1981, na qual ela agradece a ajuda na liberação alfandegária das obras e o convida para as conferências programadas.
  • 21
    Havia 17 artistas homens e 8 artistas mulheres – 32% do total, uma proporção significativa, mas, como de costume, pequena. A lista completa é a seguinte: Alberto Carneiro, Ana Hatherly, Ana Isabel, Ana Vieira, António Barros, António Palolo, António Sena, Carlos Nogueira, Ção Pestana, Eduardo Nery, Ernesto de Sousa, Helena Almeida, Irene Buarque, Joana Rosa, Joaquim Tavares, José Barrias, José de Carvalho, José Conduto, Julião Sarmento, Manuel Pires, Mário Varela, E. M. de Melo e Castro, Monteiro Gil, Rui Orfão e Túlia Saldanha.
  • 22
    Como foi feito com frequência para os catálogos de exposições conceituais. Esse foi o caso, por exemplo, da crítica e curadora americana Lucy Lippard (2012LIPPARD, Lucy. In the Cards. In KHONSARY, Jeff; LIPPARD, Lucy (eds.). 4,492,040. Los Angeles: New Documents, 2012.) em suas “Number Exhibitions” do início dos anos 70.
  • 23
    O conjunto Tradição como aventura foi exibido em, pelo menos, três ocasiões: em uma exposição com o mesmo nome na Galeria Quadrum em 1978; em “25 artistas portugueses de hoje” (1981BUARQUE, Irene (Org.). 25 artistas portugueses de hoje. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1981. Catálogo de exposição.); e na exposição “Itinerários” (1987), na Galeria Almada Negreiros em Lisboa. Veja a página dedicada a esse mixed-media no site dedicado a Ernesto de Sousa, https://www.ernestodesousa.com/projectos/a-tradicao-como-aventura. Acesso em: 26 fev. 2023.
  • 24
    “Foto/Ideia” (1981MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (MAC USP). Boletín MAC USP n.º 428, “Abre-se dia 4 a exposição”Foto/Ideia” no Museu de Arte Contemporânea da USP”. São Paulo: Autoedição, 27 oct 1981.) reuniu 55 artistas, incluindo Amélia Toledo, Ana Maria Tavares, Anna Bella Geiger, Gabriel Borba, Gastão de Magalhães, Genilson Soares, Hudinilson Jr., Iole de Freitas, Julio Plaza, Mary Dritschel, Rafael França, Regina Silveira e Regina Vater (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1981MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (MAC USP). Boletín MAC USP n.º 428, “Abre-se dia 4 a exposição”Foto/Ideia” no Museu de Arte Contemporânea da USP”. São Paulo: Autoedição, 27 oct 1981.). Havia 40 homens e 15 mulheres, ou 27% do total.
  • 25
    Carta de Irene Buarque a Wolfgang Pfeiffer (diretor do MAC USP), enviada de São Paulo e datada 5 de fevereiro de 1980. Preservada nos arquivos do MAC USP.
  • 26
    A mostra apresentou até 12 obras de cada artista – 24 homens e 8 mulheres, ou seja, 25% do total. Entre outros e outras, a lista de figuras presentes incluía Ana Maria Tavares, Carmela Gross, Gabriel Borba, Genilson Soares, Hudinilson Jr., Julio Plaza, Marcello Nitsche, Mary Dritschel, Nelson Leirner e Vera Chaves Barcellos. Havia também alguns artistas não brasileiros, como o argentino León Ferrari – que vivia em São Paulo na época, porém, exilado da ditadura argentina – e o artista mexicano Ulises Carrión, que vivia na Holanda.
  • 27
    Recordar a citação de Buarque (1981BUARQUE, Irene (Org.). 25 artistas portugueses de hoje. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1981. Catálogo de exposição.) incluída mais acima no texto: “No princípio do ano passado [1979], estando alguns meses em S. Paulo, fiz no Museu de Arte Contemporânea da USP os primeiros contactos para a realização de uma exposição colectiva das novas tendências da arte em Portugal […]” (n.p.).
  • 28
    Sessenta artistas participaram – 38 homens e 22 mulheres, 36,6% do total. Entre um grande número de artistas de Portugal – Alberto Carneiro, Albuquerque Mendes, Carlos Nogueira, Eduardo Batarda, Ernesto de Sousa, Helena Almeida, Irene Buarque, Leonel Moura, Lourdes Castro, Maria Rolão, Monteiro Gil, Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez, Rui Orfão e Salette Tavares, entre outros e outras –, houve também publicações de artistas como o argentino Alfredo Portillos, os alemães Dietrich Helms, Klaus Staeck e Timm Ulrichs, a polonesa Marysia Lewandowska, a italiana Michele Perfetti e a francesa Orlan.
  • 29
    Carta de Aracy Amaral a Irene Buarque, enviada do MAC USP à Cooperativa Diferença e datada de 3 de abril de 1984. Conservada nos arquivos do MAC USP. Em sua carta de resposta e aceitação do projeto, Buarque insistiu em sua determinação para criar pontes bidirecionais entre Brasil e Portugal; na sua despedida, disse: “Esperando que essa mostra seja o princípio de um real intercâmbio nos dois sentidos, aguardamos, desde já, uma sugestão da vossa parte, para realizá-la no nosso espaço”. Carta de Buarque a Amaral, enviada da Diferença ao MAC USP e datada de 16 de maio de 1984. Ambas as cartas são preservadas no arquivo do MAC USP.
  • 30
    Carta do diretor do Gabinete das Relações Culturais Internacionais à Irene Buarque, enviada pelo Ministério da Cultura de Portugal à Cooperativa Diferença e datada de 26 de fevereiro de 1985, na qual ele fala da presença desta mostra na “Expo Brasil Portugal 85” em São Paulo, passando depois por Curitiba, Porto Alegre e Brasília; “pretenderia a Embaixada apresentá-la em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e se possível outras cidades”. Carta preservada nos arquivos do MAC USP.
  • 31
    Entre elas, apenas 3 mulheres, 15% do total.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sept-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2023
  • Aceito
    04 Set 2023
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