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ARTISTAS DO (FIM DO) MUNDO: AUTODEFINIÇÃO, IMPLICAÇÃO Y 1 1 . O garfo duplo (Y), como encruzilhada, é destinado à Pombagira. Símbolo transnacional de encontros, transições, passagens y sexualidades dos orixás ( SILVA, 2015 ). Segundo a intelectual Lélia Gonzalez, o Brasil é africanizado y o pretuguês é que a crioulização do português, ou seja, a mistura da língua do colonizador com várias línguas de grupos dominados, com destaque para os diferentes povos africanos que compõem a população brasileira. De forma semelhante ao termo pretuguês, Lélia cunha o termo Améfrica Ladina, que nada mais que é a américa africana que troca a latinidade do “l” pela ladinidade mestiça do “d”, tirando a centralidade ibérica, não só do Brasil, mas de todo continente conhecido como “América Latina”. Assim, pensando caminhos que se cruzam, encruzilhadas da comunicação, lacunas y aproximações, sugerimos que o pretuguês ladinoamefricano inclua o “y” em sua escrita, na qual o pretuguês não é apenas sobre a forma de se escrever, mas sobre o que y como se escreve em relação a determinado tema. A palavreira Tatiana Nascimento y seu trabalho parecem dar continuidade aos conceitos de Lélia no que se refere à língua y formas de dizer. A poeta afirma: “eu sei escrever também, tb, tbm; vc, você, c; quiséramos nós, nós queríamos, a gente queria, nóiz quis; e lá se vai mais um dia, y lá se vai más un día; horizonte, Orizonte; Fazendo Uso Mais Ou Menos Convencional De Iniciais Em Maiúsculas Ou em minúsculas… [...] as escolhas do como dizer são tão importantes quanto aquilo que se diz (pra algumas escolas literárias, o como dizer é até mais importante do que o dito). não preciso nem comentar o quão colonial, racista, paternalista, inferiorizante é essa mirada que lê texto de poeta negra já procurando ‘erro de português’ pra corrigir”. (NASCIMENTO, 2021) CRIAÇÃO

ARTISTS FROM (THE END OF) THE WORLD: SELF-NAMING, IMPLICATION, AND CREATION

ARTISTAS DEL (FIN DEL) MUNDO: AUTODEFINICIÓN, IMPLICACIÓN Y CREACIÓN

RESUMO

A partir das exposições “Preto ao Cubo” y “Fragrante Mostra de Arte”, acontecidas na cidade de Juiz de Fora, y entre xs artistas participantes de ambas as exposições, o artigo pretende ler y pensar y escrever com as obras das negras, mulheres y artistas: Zaira Tarin, Paula Duarte y Iúna. Através da poesia, elas nos proporcionam reflexões sobre autodefinição, implicação, y criações de mundo. Começando pelas exposições para mergulhar na poética dessas três mulheres, o objetivo do presente artigo é pensar com esses conceitos estruturados nos trabalhos artísticos.

Arte contemporânea; Encruzilhada; Negras artistas; Mulherismo Africana; Decolonial

ABSTRACT

From the exhibitions “Preto ao Cubo” and “Fragrante Mostra de Arte”, held in the city of Juiz de Fora (MG), Brazil, and among the artists participating in both exhibitions, the article intends to read, think and write with works by the black women artists: Zaira Tarin, Paula Duarte and Iúna. Through poetry, they provide us reflections on self-naming, implication, and creations of the world. Starting with the exhibitions to immerse ourselves in the poetics of these three women, the goal of this article is to think with these concepts structured in their artistic works.

Contemporary Art; Crossroads; Black Artists; Africana Womanism; Decolonial

RESUMEN

A partir de las exposiciones “Preto ao Cubo” y “Fragrante Mostra de Arte”, ocurridas en la ciudad brasileña de Juiz de Fora (MG), y entre las artistas participantes de las dos exhibiciones, el articulo objetiva leer y pensar y escribir con ls obras de las negras, mujeres y artistas: Zaira Tarin, Paula Duarte y Iúna. A través de la poesía, ellas nos ofrecen reflexiones sobre autodefinición, implicación y creaciones del mundo. Empezando con las exposiciones para después sumergirse en la poética de esas tres mujeres, el objetivo de este articulo es pensar con eses conceptos estructurados en los trabajos artísticos.

Arte contemporáneo; Encrucijada; Negras artistas; Mujerismo Africana; Decolonial

O artigo tem como ponto de partida para sua escrita as exposições “Preto ao Cubo”2 2 . Sobre a exposição, consultar CARVALHO; SILVA (2019) . Acesso em: 24 nov. 2020. y “Fragrante Mostra de Arte”, ambas realizadas na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, entre 2018 y 2019, na galeria Guaçui, do Instituto de Artes e Design (IAD), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) y no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (CCBM), respectivamente.

Permeadas por raça, gênero, sexualidade, heranças do colonialismo, escravidão, genocídio y identidade, as duas exposições marcaram esses espaços culturais da cidade não apenas por abordarem questões relacionadas às hierarquias de poder y de dominação presentes no Brasil, mas por reunirem, exclusivamente, produtorxs negrxs, da curadoria3 3 . A “Preto ao Cubo” teve a curadoria de Eliane Bettochi y Karina Pereira da Silva. A “Fragrante Mostra de Arte” teve a curadoria de Guilherme Borges y Noah Mancini. axs artistas4 4 . A “Preto ao Cubo” reuniu 24 artistas: Andressa Silva, Antxnio, Augusto Gomes, Barbara Maria, Carolina Cerqueira, Crraudio, Eliane Bettocchi, Bixa Brasilis, Guilherme Borges, ocrioulo, JV Medeiros, Lucas Soares, Luís Camargo, lume, Iúna, Maiara Pera, Maury Paulino, Noah Mancini, Paula Duarte, Raizza Prudêncio, Rafael Costa, D O R E A, Rômulo Pereira y Roko. Y na “Fragrante” foram 21 artistas: Augusto Henrique, Aparecida Petronilha, Bárbara Morais, Carolina Cerqueira, Dayane Máximo, Guilherme Borges, Gezsilene Oliveira, Lucas Soares, Luíso Camargo, Maury Paulino, Iúna, Noah Mancini, Paula Duarte, Zaíra Tarin, Rafael Coutinho, Stain, Tainá Neves, Talitha Reis, Task, Ugo Soares y Ygor Ventura. .

Entre xs artistas que participaram de ambas exposições, Zaira Tarin, Paula Duarte y Iúna apresentam características poéticas que tocam, em suas complexidades, ideias que nos interessam enquanto pesquisadorxs y artistas. Elas nos proporcionam reflexões sobre autodefinição, implicação y criações de mundo.

O presente artigo busca espreitar além do horizonte do pensamento ( SILVA, 2019SILVA, Denise Ferreira da. A dívida impagável . São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019. ), lendo, escrevendo y criando com os conceitos y com as obras y com as três negras. A reflexão parte de um pensar junto, que é diferente de analisar ( SILVA, 2021SILVA, Denise Ferreira da. Depois que tudo for dito e feito . 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8FNwYmJyFiA. Acesso em: 25 mar. 2021.
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). Por meio de objetos do cotidiano, fotografia y interpretações, discutiremos não só com a feminilidade negra, mas com os possíveis significados da identidade “‘afro’brasileira” y “africanabrasileira”. Sabendo que esses mesmos adjetivos, quando combinados, podem ser lidos como oximorônicos, o que significa que relacionam em uma mesma expressão palavras que exprimem conceitos contrários, enquanto as junções “euro-brasileiro” y “europeubrasileiro” podem soar como um descabido pleonasmo, ou seja, uma informação repetida desnecessariamente ( MILLS, 2014MILLS, Charles Wade. The Racial Contract . New York: Cornell University Press, 2014. )5 5 . Exceto quando indicado o contrário, todas as traduções são dxs autorxs deste texto. . m.

FIGURAÇÕES DA FLORESTA TROPICALZAIRA TARIN – AUTODEFINIÇÃO

Zaira Tarin nasceu em 1991, na cidade de Juiz de Fora. É artista visual, designer y desenvolve seu trabalho poético entre meios diversos, como a performance, a fotografia, o vídeo y a colagem. Durante as exposições citadas anteriormente, apresentou as obras Xangô, ou o sol a de brilhar mais uma vez Oxossi, ou se está puto quebre, tá feliz requebre, de 2018, y Cleópatra , de 2019. Mas o que gostaríamos de trazer para o foco da reflexão é justamente seu nome, Zaira Tarin. A artista, que em registro é outra, diz:

Gostaria de marcar que minha primeira incorporação espiritual aconteceu no dia da minha performance A presença do negro na arte brasileira . Esse dia foi a virada da chave, rumo à ancestralidade. Saindo dessa performance, pela descarga energética que houve no dia, vou a um centro espírita junto com uma amiga para eu conseguir me recuperar. Nessa busca por trilhar um caminho mais espiritual, Zaira vem com a minha ligação com o povo cigano, e além disso da minha construção de identidade móvel enquanto Artista. E agora aprofundando mais o conhecimento sobre minha ancestralidade, percebo minha forte ligação com os guias, que são chamados linha da esquerda na umbanda, exus, pombo giras ciganos. Percebo que a minha ancestralidade de quimbanda permeia toda a minha produção artística, mesmo antes de eu saber sobre ela6 6 . Retirado de mensagem recebida da artista por WhatsApp em 29 de outubro de 2020. .

Em África, o ato de nomear é levado a sério, porque está vivo no imaginário comum que o nome que uma pessoa carrega pode fazê-la ou estragá-la ( ASANTE; MAZAMA, 2009ASANTE, Molefi Kete; MAZAMA, Ama (ed.). Encyclopedia of African Religion . Los Angeles: A SAGE Reference Publication, 2009. ). Quando Zaira se renomeia, ela também afirma com primor, “eu sou o que digo que sou”. Y esse feito não carrega significados apenas como uma mudança no nome individual, mas também na habilidade de nomear a própria realidade, ou seja, ter o futuro, o presente y o passado, em suas mãos7 7 . Nossas. . Entendendo que “não é possível reestruturar um Ser a partir da centralidade de experiência de outrem” ( NJERI; RIBEIRO, 2019NJERI, Aza; RIBEIRO Katiúscia. Mulherismo Africana: práticas na diáspora brasileira. Currículo sem Fronteiras, vol. 19, n. 2, 2019, pp. 595-608. , p. 601). Dessa forma, buscar significados que não estão pautados exclusivamente pelo ocidente se faz necessário.

Para entender melhor o que queremos expressar, neste artigo, quando utilizamos a palavra “significados”, é preciso explorar o conceito “Mulherismo Africana”, cunhado, na década de 1980, pela pesquisadora y professora Clenora Hudson-Weems, y que vem sendo trabalhado no Brasil pelas pesquisadoras y filósofas Aza Njeri y Katiúscia Ribeiro. Sobre a identidade perdida y a consciência negra, Clenora Hudson-Weems acredita que o processo de nomear é de extraordinária importância. A forma como as pessoas foram, y ainda são, classificadas y nomeadas, está fortemente conectada com as imagens distorcidas que elas carregam socialmente. Logo, terminologia própria y autodefinição (Ibidem) são os pilares do Mulherismo Africana.

Autodefinição é uma atividade poderosa para mulheres africanasdescendentes porque considera xs ancestrais africanxs como fonte primordial, elxs são a força criativa que transforma palavras faladas, y escritas, em existência ( HUDSON-WEEMS, 1998HUDSON-WEEMS, Clenora. Africana Womanism: Reclaiming Ourselves. 2ed. Michigan: Bedford Publishers Inc., 1998. ). Portanto, é um movimento de confiar a nós mesmas o poder para sermos nomeadoras, não mais adaptar nossas necessidades a algo já existente y, consequentemente, parar de carregar um nome que não nos pertence (Ibidem, p. 55). Nomear é dar significado. Nomes configuram campos de poder ( TROUILLOT, 2015TROUILLOT, Michel-Rolph. Silencing the Past Power and the Production of History . Boston: Beacon Press, 2015. ). O nome adequado é o que irá trazer nossa imanência.

O renomear aqui possui um aspecto corretivo que permite aquelx que renomeia olhar para o passado africano como uma fonte para recuperar a história matriarcal negra y, assim, contribuir para uma nova narrativa da história diaspórica, que não precisa mais vir guiada pela noção de progresso, como discutiremos na sequência do artigo com o trabalho de Iúna.

Reenquadrar, recuperar y redefinir ( GILLIAM, 2013GILLIAM, Doris Waddell. “I have to know who I am”: An Africana Womanist Analysis of Afro-Brazilian Identity in the Literature of Miriam Alves, Esmeralda Ribeiro e Conceição Evaristo. 2013. 160f. Tese (Doutorado em Filosofia) – College of Arts and Sciences, The Florida State University, Tallahassee, 2013. ), quer dizer, identificar a nós mesmas como queremos ser identificadas. Somos mulheres “africanasbrasileiras”, não por desejo, mas por sequestro (NJERI; RIBEIRO, op. cit.). Devemos nos definir, sem medo, com base na percepção das experiências de vida y das necessidades pessoais. Conforme xs sujeitxs começam a modificar suas vidas segundo suas subjetividades imaginadas, as imagens brancas, negativas y forçadas vão dando lugar a outras, positivas y autodefinidas, estimulando um novo delinear para o futuro.

Muitos fatores, que permeiam nossas vivências, são deixados de lado pela branquitude, que tem perspectivas diferentes das nossas. Por isso, precisamos olhar para as nossas singularidades. Tendo sempre em mente que raça, descrita como o sequestro de África para as Américas, é característica essencial de nosso dia a dia. Optar por nossas emergências significa dar corpo à imagem que criamos para nós mesmas em nosso cotidiano, revelando, assim, a experiência genuína de uma negra mulher, para além daquelas externas a nós, que no parágrafo anterior chamamos de “imagens brancas”, como, por exemplo, a imagem da “escrava passiva”, a da “negra agressiva” ou a da “mulata exportação”.

A racialização que permeia a vivência de negras mulheres evidentemente permeia a de negros homens, logo, dando continuidade à reflexão, outro artista que carrega seu nome de forma semelhante a Zaira é o artista, natural de Governador Valadares, Paulo Nazareth, y em suas palavras:

Sou o Paulo. Me chamo Paulo Nazareth. Esse Nazareth é pela mãe da minha mãe. Nazareth Cassiano de Jesus. Então, Nazareth é um nome e não um sobrenome. Nazareth Cassiano de Jesus. Nascida lá no Vale do Rio Doce, de origem Borum. Eu carrego esse nome porque ela foi enviada para o Manicômio de Barbacena no final de 1944. Logo que a minha mãe tinha nascido. Entre os 4 e 8 meses de idade da minha mãe. E, minha mãe nunca viu ela depois disso. E, aí, depois, eu vou aprendendo cada vez…Buscando sobre essa história… Ser Nazareth é ser meu trabalho. Esse me tornar. Então quando eu passo a me nomear Paulo Nazareth isso também é meu trabalho. Eu passo a carregar esse ancestral. Minha avó passa a ser essa espécie de carranca, né? Essa proteção. Esse Egum que anda comigo e que me protege. Isso eu começo a carregar comigo… (NAZARETH, 2019, n.p.)

Retornando para Juiz de Fora, reencontramos práticas de renomear, de autodefinição y de escape de nossa identidade, enquanto enegrecidos, em Vermelho y em Carolina Primeira. Vermelho, Preto Rosa se apresenta como múltiplo, como três carnes, na primeira pessoa do singular y do plural. Vermelho, Preto y Rosa. Em suas palavras:

Em meu nome, portanto em nosso lábio inferior nosso batom, à meia boca, nem masculino enrijecido, nem feminino caricato, nossa gazua8 8 . Instrumento para abrir fechaduras. , nosso contradispositivo.

Nosso retificador.

[...]

Em nome de todos os corpos que se assinam, que se retificam, aceitam seu devir e assim se desviam dos nomes, normas e assinaturas impostas. Em nome de todos os corpos que fazem de Si, obra. Corpos que, longe de galerias e museus, fazemos de nossas vidas invenção e subversão.

Existência.

[...], assumimos este nome obsoleto de homem, nome pelo qual não vivemos mais, para juntos, mais que retificarmos, desviarmos a realidade. (UNIVERSIDADE, 2019).

Carolina Primeira é um empenho por uma herança simbólica, cercada por presente, passado y futuro. “A frase Yoruba oruko lonro ni pode ser traduzida literalmente como ‘nomes afetam o comportamento’” ( ASANTE; MAZAMA, 2009ASANTE, Molefi Kete; MAZAMA, Ama (ed.). Encyclopedia of African Religion . Los Angeles: A SAGE Reference Publication, 2009. , p. 439). Primeira é aquela sugestão de narrativa que coloca em destaque o que queriam apagar. Primeira posiciona em evidência o passado que é essencial. Primeira se desfaz do esquecimento em respeito aos mais velhos y aos mais novos. Primeira retoma a ancestralidade y revive a ascendência amefricana ( GONZALEZ, 1983GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In SILVA, Luiz Antônio Machado da Silva et al. Movimentos sociais urbanos, minorias e outros estudos . Coleção Ciências Sociais Hoje. Brasília: ANPOCS, 1983, pp. 223-244. ), transformando o ato de esquecer em um ato de lembrar.

Em suas palavras: “Fomos ensinadxs a carregar nomes que não são nossos. Eu me proponho a ser a Primeira a carregar ‘Carolina Cerqueira’ (dos) com nossos significados” (PRIMEIRA, 2021).

Carol.

Carolina Cerqueira.

Que é Carolina Primeira.

Sim, porque em seu desejo, sua filha

Carolina Segunda, será.

Carolina Primeira, quer que sua cria, como

ela agora, saiba pra onde voltar.

Porque alguns nomes chegam antes, mesmo quando vêm depois9 9 . Texto não publicado escrito por Malandro Vermelho em 2020 . .

Um nome, em África, pode ser percebido como sem sentido se ele não carrega uma narrativa, ou se ele não se conecta com alguma fonte espiritual, ou algum marco histórico, ou seja, quando ele não transmite nenhum significado concreto entre o indivíduo nomeado y a comunidade ao qual ele pertence.

Mesmo com as diferentes formas que cada artista escolheu para se renomear, todas elas se cruzam na ancestralidade. Entendendo esta não como um limite espaço-temporal ou hereditariedade, mas numa relação de continuidade. Y como mencionado nas páginas anteriores, esse movimento não é individual.

Cabe a nós, agora, nomear os aspectos de nossas vidas. Por exemplo, retomando os adjetivos da introdução, somos afrobrasileirxs? Somos africanxsbrasileirxs? Somos brasileirxsafricanxs? A ordem importa? Ou somos amefricanxs, para citar Lélia Gonzalez? Ou outra imagem completamente diferente?

Se (a) partir de nós, é isso que interessa.

PAULA DUARTE – POSICIONAMENTO Y IMPLICAÇÃO NO LUGAR DE EVASÃO Y AUTOENGANO

Paula Duarte nasceu em 1990, em Juiz de Fora. É artista visual y desenvolve seu trabalho poético com fotografia, ilustração y instalação. Durante as exposições que impulsionam este artigo, apresentou as obras Eu me Levanto , de 2018 y Brilho , criada entre 2016 y 2017.

O trabalho de Paula Duarte, que muitas vezes habita o espaço urbano, mais do que a galeria, implica seu espectador. Com perspicácia y delicadeza, a poesia de Paula nos tira do lugar, nos tira da passividade y do alheamento que nos fazem parar de ver as violências sociais que caracterizam nosso cotidiano .

A criação Eu me Levanto , alçada ao céu, é teima em meio à dor y ao desalento. De forma sensível, após o assassinato da então vereadora da cidade do Rio de Janeiro Marielle Franco (1979-2018), Paula faz pipas, em papel de seda, estampadas com o retrato da ativista em aquarela. Nas palavras da artista, o trabalho “aborda um grito que foi calado”10 10 . Retirado do portfólio da artista, de 2019, material não publicado, consultado pelxs autorxs deste texto. . As pipas se tornam ainda mais potentes quando descobrimos que o título tem como inspiração o poema da escritora Maya Angelou, Still I Rise .

O rosto de Marielle, voando pela cidade, da periferia11 11 . A partir da noção de devir negro de Achille Mbembe (2019 , p. 14), pensamos a periferia como bairros enegracidos, sendo lugares não apenas de precariedade, mas de construção cultural, histórica y práticas contemporâneas de existência. ao centro, é um lembrete, entregue com o peito apertado, mas, ainda assim, confiante, que diz, como disse Maya Angelou:

Você quer me ver destruída

Cabeça baixa e olhar submisso

Ombros caídos como lágrimas

Enfraquecidos pelos gritos cheios de minha alma

[...]

Você pode me balear com suas palavras

Você pode me cortar com seus olhos

Você pode me matar com seu ódio

Mas, ainda assim, como o ar,

Eu me levanto... (ANGELOU [1978], 1992)

É um trabalho que nasce na vida. Um trabalho que escapa à ideia de obra, que não nasce para ser vendável y contemplado no circuito galeria/museu/espectadorx. É a resposta de um corpo enegrecido ao acontecimento Marielle. Y é, também, uma potente tradução intersemiótica do poema de Angelou. Dessa maneira, a artista cruza vida, morte, tragédia y poesia, levantando a ancestral Marielle, a si mesma y todas as pessoas racializadas tocadas pela sensibilidade de suas pipas.

Já a série fotográfica Brilho registrou travestis que vivem em Juiz de Fora, exibindo um outro imaginário possível para essas mulheres. A série, que na “Fragrante Mostra de Arte” foi apresentada como lambe-lambes colados na parede da galeria, foi originalmente projetada, em escala imponente, na fachada do CCBM em 2017.

O Centro Cultural está localizado em uma das avenidas mais movimentadas da cidade durante o dia, tem comércio diverso, circulação de ônibus que conectam diversos bairros da cidade, carros y pedestres. Porém, as trans y travestis que Paula convida para sua fotografia são aquelas que procuram evitar a passagem por essa mesma avenida antes da madrugada. O motivo dessa restrição é a marginalização que nega a essa população certos deslocamentos físicos y sociais.

O Brasil é um dos países que mais mata pessoas trans y travestis y, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA) y o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), o assassinato dessas pessoas, com frequência, é acompanhado pela desumanização, “a associação que mais se repete é entre a agressão física, tortura, linchamento, afogamento, espancamento e facadas. 83% dos casos, os assassinatos foram apresentados com requintes de crueldade como uso excessivo de violência, esquartejamentos, afogamentos e outras formas brutais de violência” (ASSOCIAÇÃO; INSTITUTO, 2019, p. 23). A série apresenta para a cidade, y não apenas para quem frequenta as galerias do CCBM, mulheres trans y travestis.

Você acha que alguém deve morrer só por ser quem é?

Os retratos projetados foram selecionados pelas próprias fotografadas, y a obra contou com a produção da cantora, negra y travesti Karol Vieira, conhecida nacionalmente como MC Xuxu.

Enfim, para falar diretamente de posicionamento y implicação, trazemos para a discussão a performance Nem sabão é neutro , de 2019, acontecida durante a Feira Noturna da Praça Antônio Carlos, também localizada no centro da cidade de Juiz de Fora, onde a artista distribuiu pequenos sabonetes carimbados com a frase “nem sabão é neutro”.

Entre outras coisas, esse trabalho traz para conversa o “contrato racial”, conceituado pelo filósofo Charles Wade Mills.

Um contrato é um acordo firmado por duas ou mais pessoas no qual elas assumem um compromisso, ou uma obrigação. Wade Mills teoriza sobre o “contrato racial”, que é político, moral, epistemológico12 12 . Moral porque regula o comportamento, estabelecendo um código moral na sociedade. Y também epistemológico por criar normas cognitivas às quais todos os assinantes devem aderir. , y uma das partes do nosso convívio social que nunca é mencionada. Em linhas gerais, o filósofo aponta como vivemos em uma sociedade que privilegia brancos em detrimento dos “não-brancxs”. Como o comportamento aceitável para brancxs não é aplicável para indivíduos fora desse grupo. “Não-brancxs”, dessa forma, estão sujeitxs à exploração de seus corpos, suas terras y seus recursos, y lhes é, silenciosamente, negada a igualdade de oportunidades socioeconômicas.

Ao mesmo tempo que categoriza humanxs y subumanxs, o “contrato racial” cria uma cortina de negação que isenta a consciência branca de qualquer sentimento ativo de participação na marginalização de outros grupos. “Todos os brancos são beneficiários do contrato racial, mesmo que nem todos os brancos sejam assinantes” ( MILLS, 2014MILLS, Charles Wade. The Racial Contract . New York: Cornell University Press, 2014. , p. 11)13 13 . Sabendo que a relação de raça não é a única que permeia a vida dos indivíduos na nossa sociedade, gênero y classe também são importantes na determinação de hierarquias entre quem é mais ou menos humano. . Assim, a branquitude assina para viver agradavelmente em uma ilusão coletiva de “igualdade humana” y neutralidade de seu próprio grupo, ou seja, entre aquelxs que não são racializáveis.

Porém, é bem evidente que não é neutra a distribuição das riquezas. Não são neutras as diferentes oportunidades entre negrxs y brancxs. Não são neutros benefícios y privilégios sociais. Não é neutro o peso do dever para algumxs y o, aparente, natural acesso a direitos para outrxs. Não é neutro a criação de imagens y de modelos de beleza. Não é neutro o sentimento que os brancxs têm ao identificarem quem são seus pares. Não é neutra a produção de conhecimento, de história y de crítica. Não é neutra a leitura deste artigo.

Nós vivemos em uma sociedade que tomou forma nos últimos 500 anos através da dominação europeia y, consequentemente, gradual consolidação da supremacia branca (Ibidem). O que há de neutro nisso? Segundo a professora Patricia Williams (1951), neutralidade é na verdade “racismo maquiado”, submetendo-se à forma invisível das coisas (WILLIAMS [1991] apud MILLS, 2014MILLS, Charles Wade. The Racial Contract . New York: Cornell University Press, 2014. , p. 76).

Pensando a neutralidade como indiferença, desinteresse y evasão, Paula Duarte dialoga, igualmente, com Grada Kilomba, que diz: “uma vez confrontado com verdades desconfortáveis dessa história muito suja, o sujeito branco comumente argumenta ‘não saber...’, ‘não entender...’, ‘não se lembrar...’, ‘não acreditar...’ ou ‘não estar convencido...’” (KILOMBA, 2019, p. 42). Sintetizado no autoengano, o sujeito branco acredita em uma ficção para continuar se sentindo um humano político, moral y epistemologicamente concreto, correto y digno. Quanto mais ele vive essa ficção, mais ele se distancia daqueles que são “inferiores” y mais y mais ele habita um mundo que só pode continuar existindo com a perpetuação de uma evasão interpretativa que se recusa a ver uma sociedade desigual (MILLS, op. cit., p. 98).

Admitir o papel dx brancx na sociedade em que vivemos, y que a sua constante negação perpetua realidades raciais, incluindo todas as violências coloniais, escravocratas y capitalistas do passado y do presente, significa, por mais dramático que possa parecer, o fim do mundo europeu, ou seja, o fim de uma sociedade que opera em favor de pessoas brancas, enquanto finge que opera para todxs. Essas respostas, apontadas por Kilomba, funcionam dentro da ideia de que a Europa é sua própria origem y é também seu destino final, ou seja, compete apenas à racionalidade europeia a habilidade de capturar, nomear y classificar “novos” mundos para incorporá-los ao “mundo”, y, em uma lógica epistemológica evolutiva que justifica essas ações, “Novas Europas” se espalharam pelo planeta ( MILLS, 2014MILLS, Charles Wade. The Racial Contract . New York: Cornell University Press, 2014. ). Consequentemente, Europa y sua descendência no Brasil, nas Américas, ou em qualquer outro lugar, não devem nada a continente nenhum14 14 . Essa concepção acredita que a sociedade necessita da intervenção civilizatória branca para passar de um estado “natural” primitivo para um estado civil y político, organizado y civilizado. .

Então, globalmente, mas separadxs por nações, xs brancxs continuam a se beneficiar do “contrato racial”, já que ele cria um mundo à sua imagem cultural y estados políticos favorecendo diretamente seus interesses. Além de uma economia estruturada em torno da exploração racial de outrxs y onde as supostas desigualdades são resolvidas com “caridade” y não devem ser investigadas profundamente (Ibidem).

Y quanto às relações em uma sociedade “diversa”, o pensamento branco autocentrado pensa, “já que não podemos evitar a convivência com eles, melhor que seja com aqueles que se parecem, nem que seja só um pouco, conosco”. Junto com Paula, perguntamos mais uma vez, y o que há de neutro nisso?m.

IÚNA – SÍMBOLOS QUE NOS REPRESENTAM?

OIúna nasceu em 1996, estuda y cria em Juiz de Fora. É artista visual, educadora y pesquisadora, trabalhando com ilustração digital y performance. Nas exposições “Preto ao Cubo” y “Fragrante”, apresentou os trabalhos Sem Título, de 2018, y Brasil de Verdade , de 2019.

A obra Brasil de Verdade parece ser uma sugestão para a bandeira brasileira.

No início do livro A História dos Símbolos Nacionais , publicado pela editora do Senado Federal, em 2005, encontramos uma frase que diz: “Os Símbolos Nacionais são o retrato vivo do Brasil, de nossa terra e de nossa gente. [...] Cabe, pois, a todos nós, cidadãos brasileiros, o dever de cultuar e preservar nossas insígnias, conhecer-lhes as origens e seus significados” ( LUZ, 2005LUZ, Milton. A História dos Símbolos Nacionais: a Bandeira, o brasão, o selo, o hino. Brasília: Senado Federal, 2005. , p. 14, grifo nosso).

De fato, devemos conhecer as origens y os significados dos símbolos nacionais que, em teoria, representam a totalidade do povo brasileiro. O livro segue dizendo: “Ao saber o como e o porquê dos nossos emblemas máximos, [...] mais fácil se tornará a todos nós brasileiros brasoná-los, honrá-los, defendê-los e preservá-los como seus devotados guardiães” ( LUZ, 2005LUZ, Milton. A História dos Símbolos Nacionais: a Bandeira, o brasão, o selo, o hino. Brasília: Senado Federal, 2005. , p. 14, grifo nosso).

Será?

Uma bandeira nacional é o distintivo da nação, o símbolo da pátria y a marca de um povo. Segundo Milton Luz, o verde, presente na bandeira do Brasil, mais do que simbolizar matas ou florestas, representava, para os antigos povos lusitanos, grandes conquistas, esperança y liberdade. D. Pedro I, ao elaborar a bandeira do Brasil independente, escolheu o verde por ser a cor da Casa de Bragança15 15 . Casa real portuguesa. . Por sua vez, o amarelo é da Casa de Lorena y faz menção à Família Imperial da Áustria, origem de sua primeira esposa, D. Maria Leopoldina. Por fim, já em 1889, o azul y o branco remetem à bandeira da fundação do Condado Portucalense, criada no século XI.

Com a proclamação da república, a bandeira do Brasil passa a carregar algumas palavras: “ordem e progresso”, duas das máximas do filósofo francês Augusto Comte (1798-1857), deixando de fora apenas uma: “O amor por princípio”16 16 . A frase completa: “O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”. Informação obtida no site da Biblioteca Nacional Digital, na seção A França no Brasil, texto intitulado “Ordem e Progresso”. Disponível em: < http://bndigital.bn.br/francebr/positivismo.htm> . Acesso em: 26 nov. 2020. .

Se a bandeira é um dos símbolos nacionais y eles são o retrato vivo da nossa gente, do império à república, cadê o resto do povo brasileiro nessa bandeira?

O livro A Hora da Eugenia , primeira edição de 1991, de Nancy Stepan (1939), discute a história da ciência do aprimoramento da raça humana, no início do século XX, na América Latina, y como essa ciência se desenvolveu no continente, não apenas consumindo ideias importadas da Europa, mas dando respostas eugênicas às particularidades de cada nação latinoamericana. A partir de premissas eugenistas, Stepan também nos apresenta uma pesquisa que investiga como os símbolos utilizados na construção de uma identidade nacional naquele período se conectavam com políticas de “purificação”, ou seja, a “higienização” de certos indivíduos como condição para o desenvolvimento.

A eugenia, supostamente, ofereceria ferramentas para o progresso de nações atrasadas, porém o combate ao “atraso” estava fortemente aliado, sem grandes surpresas, ao racismo. A degeneração desses países estava diretamente vinculada com a composição racial que cada um deles apresentava.

Em grande medida, as classes educadas da América Latina compartilhavam as suspeitas dos europeus. Desejavam ser brancas, e temiam não sê-lo. Por esta razão, por volta do final do século XIX, o incentivo à imigração europeia passou a ser política nacional em muitos dos países da região. A mão-de-obra imigrante branca, acreditava-se, contribuiria para a formação de uma sociedade mais progressista e para a melhoria da imagem do país como nação potencialmente branca. ( STEPAN, 2005STEPAN, Nacy Leys. A Hora da Eugenia: raça gênero e nação na América Latina . Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. , p. 53, grifo nosso)

A intelectualidade brasileira acreditou na capacidade da eugenia de transformar, cientificamente, o lema republicano da nação, “ordem e progresso”, em realidade.

Na América Latina, diferente dos países europeus, a eugenia estava fortemente conectada com conceitos como “evolução”, “progresso” y “civilização”, já que a população mestiça latino-americana era considerada, por eugenistas europeus, como “degenerada”, ou seja, não eugênica. Portanto, o futuro “civilizatório”, y a inserção dessas nações, incluindo o Brasil, na atuação econômica y social mundial, estavam fortemente conectados com o “aprimoramento racial” ou “melhoria genética do nosso povo ”.

A ciência é o conhecimento que explica a partir de experimentações empíricas fenômenos diversos, logo, ela é, supostamente, confiável y neutra por seus métodos y seus resultados serem alcançados através de teorias y experimentos objetivos y racionais, porém a eugenia possuía uma frente ideológica racista, melhor dizendo, o “atraso” ou “avanço” de uma nação era atrelado com quão “de cor” ou “branca” ela era.

Y o que há de neutro nisso?

O entendimento da eugenia no Brasil incluía, como procedimentos de melhoria populacional, a higiene y o saneamento geral, em outras palavras, ela era social y biológica, ela era natureza y cultura. Logo, “eugenia e higiene” era o caminho para “ordem e progresso”. Assim, por causa da eugenia , a raça ficou ligada à política de identidade nacional ( STEPAN, 2005STEPAN, Nacy Leys. A Hora da Eugenia: raça gênero e nação na América Latina . Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. ).

Em vista disso, podemos cogitar que, se há a presença dx negrx y/ou dx indígena na bandeira oficial brasileira, ela se faz como referência a algo que deve ser superado em nome do desenvolvimento.

Y xs mestiçxs? Bom, xs mestiçxs, segundo o médico y antropólogo Nina Rodrigues, poderiam ser a representação da degenerescência da nação. Ou, na visão do sociólogo Sílvio Romero, um momento intermediário até x brasileirx do futuro, brancx y plenamente adaptadx aos trópicos ( PAIXÃO, 2014PAIXÃO, Marcelo. A Lenda da Modernidade Encantada por uma crítica ao pensamento social brasileiro sobre relações raciais e projeto de Estado-nação. Curitiba: Editora CRV, 2014. ).

Em sua versão desse símbolo, Iúna substitui o verde y o amarelo pelas cores preto y vermelho, representando com elas negrxs y indígenas (y também Pombagira y Exu). Ao centro o azul é trocado pelas cores da bandeira do movimento transgênero, que são o azul, o rosa y o branco. Y com a frase “devolve o brasil pra nóis”, a artista critica a noção de linearidade da história y de continuidade desse tal “progresso”17 17 . “[...] progresso e modernização têm servido por 500 anos como a justificativa dominante para o deslocamento ocidental e o assassinato de povos indígenas.” ( MILLS, 2014, p , p. 49) , assim como a série de 2018-2019 de Linoca Souza Estudos para novos símbolos nacionais (RAMOS-SILVA; NABOR JR, 2020) y a bandeira brasileira em verde, rosa y “índio, negros e pobres” da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, no carnaval de 2019.

Questionar esses símbolos que deveriam representar todxs nós é questionar a centralidade europeia que, aparentemente, “[...] cabe, pois, a todos nós, cidadãos brasileiros, o dever de cultuar e preservar” ( LUZ, 2005LUZ, Milton. A História dos Símbolos Nacionais: a Bandeira, o brasão, o selo, o hino. Brasília: Senado Federal, 2005. , p. 14, grifo nosso). Y aqui podemos fazer uma conexão com o conceito Mulherismo Africana, discutido no início deste artigo, y seus dois pilares: terminologia própria y autodefinição. Cabe a nós nomear o que queremos honrar, defender y preservar.

Reenquadrando, recentralizando, y redefinindo, Iúna afirma, “‘devolve o brasil pra nóis’, consiste em evidenciar um descontentamento18 18 . Descontentamento é pouco! com o símbolo colonial imposto sobre as nossas terras, sem um consentimento das demais pluralidades que compõem o nosso cenário cultural”19 19 . Retirado do portfólio da artista (IÚNA, n.d., n.p.). Disponível em: < https://iunamare.wixsite . .

Dessa forma, o que Iúna faz é denunciar o caráter excludente da nação. Ela usa a bandeira oficial brasileira como uma forma de mostrar o quão inadequada y violenta são as exigências de manutenção desse território chamado Brasil .

OCLUSÕES – DECLOSÕES

Atingir o poder, a identidade, a subjetividade radical não pode acontecer no isolamento

( hooks, 2019HOOKS, bell. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019. , p. 85)

O historiador camaronês Achille Mbembe nos presenteia com o declodir , noção que, trazendo o eclodir dentro de si, significa retirar cercas para fazer emergir y desabrochar aquilo que esteve enclausurado ( MBEMBE, 2019MBEMBE, Achile. Sair da Grande Noite . Petrópolis: Vozes, 2019. , p. 70). Assim, escapar do regime colonial do mundo é, ao mesmo tempo, rompimento y criação, fazer surgir y vicejar uma outra humanidade imanente, tendo a decolonização como um projeto de autonomia, y isso só nos interessa (y é possivel) se partilhado.

Y nossa escrita se põe em processo de criação desse em-comum, colocando a declosão, do mundo porvir, em movimento, instalando y performando nossos corpos enegrecidos, corpos que sabem demais ( MILLS, 2014MILLS, Charles Wade. The Racial Contract . New York: Cornell University Press, 2014. ), dentro y fora dos espaços institucionais.

Provendo esse cruzar de mundos dentro do mundo, revelando o “contrato racial” invisível, através da consciência de si mesmx, apropriando-nos subjetivamente de nossos eus, desmontando cercas y nos autorizando a falar em primeira pessoa (MBEMBE, op. cit.).

Nossas considerações ou conclusões não são finais, são oclusões-declosões. Seja partilhando o pensamento com autorxs como Clenora Hudson-Weems, Aza Njeri, Katiúscia Ribeiro, Frantz Fanon, Charles Wade Mills, Leopold Sédar Senghor, bell hooks, Achille Mbembe; seja na prática poética, que abole a dicotomia praxis y poiesis de Zaira Tarin, Paula Duarte y Iúna, unindo a cena decolonial criadora de Juiz de Fora num processo triplo, criação, cocriação y autocriação20 20 . Para Mbembe, criação, cocriação y autocriação são partes de um mesmo processo de criação do mundo, sem o qual não é possível para nós, corpos enegrecidos, participar dele. Y estes termos se entrelaçam à autodefinição y à implicação trabalhados anteriormente no artigo. . Esta escrita se esforça, aliás, por fazer surgir uma comunidade que precisa ser forjada a partir de restos dispersos “(...) no meio de um estado que, apesar de celebrar a liberdade e a democracia, é, fundamentalmente, esclavagista” ( MBEMBE, 2014MBEMBE, Achile. Crítica da Razão Negra . Lisboa: Antígona, 2014. , p. 60).

O que temos em-comum? Iuna não fala “devolve o brasil pra mim”, ela fala, em pretuguês21 21 . “É engraçado como eles gozam a gente quando a gente diz que é Framengo. Chama a gente de ignorante dizendo que a gente fala errado. E de repente ignoram que a presença desse ‘r’ no lugar do ‘l’, nada mais é que a marca linguística de um idioma africano, no qual o ‘l’ inexiste. Afinal, quem é o ignorante? Ao mesmo tempo acham o maior barato a fala dita brasileira, que corta o erres dos infinitivos verbais, que condensa ‘você’ em ‘cê’, o ‘está’ em ‘tá’ e por aí afora. Não sacam que tão falando pretuguês.” ( GONZALEZ, 1983, p , p. 238) , “pra nóis”, um projeto comum, nascimento de mundo, pensando na fundação de uma comunidade estruturada pela partilha das diferenças. Que seja mais que branca ou não-branca, superando, como diria Édouard Glissant (2008)GLISSANT, Édouard. Pela opacidade. Revista Criação & Crítica , São Paulo, n. 1, 2008, pp. 53-55. , o paradigma de opressão pela igualdade.

Estamos todxs ocupadxs com a auto(co)criação de outro nosso mundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • ASANTE, Molefi Kete; MAZAMA, Ama (ed.). Encyclopedia of African Religion . Los Angeles: A SAGE Reference Publication, 2009.
  • ASSOCIAÇÃO Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA); INSTITUTO Brasileiro Trans de Educação (IBTE). Dossiê Assassinatos e violência conta Travestis e Transexuais no Brasil em 2018 . 2019. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2019/01/dossie-dos-assassinatos-e-violencia-contra-pessoas-trans-em-2018.pdf Acesso em: 24 nov. 2020.
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  • CARVALHO, Francione Oliveira; SILVA, Karina Pereira da. O preto ao cubo branco: “dos pesos que se carrega”. ESTÚDIO 27 , Lisboa, v.10, n. 27, jul.-set. 2019, pp 77-85. Disponível em: https://docplayer.com.br/154110004-Estudio-27-revista-estudio-artistas-sobre-outras-obras-volume-10-numero-27-julho-setembro-2019-trimestral-issn-e-issn.html Acesso em: 24 nov. 2020.
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  • GILLIAM, Doris Waddell. “I have to know who I am”: An Africana Womanist Analysis of Afro-Brazilian Identity in the Literature of Miriam Alves, Esmeralda Ribeiro e Conceição Evaristo. 2013. 160f. Tese (Doutorado em Filosofia) – College of Arts and Sciences, The Florida State University, Tallahassee, 2013.
  • GLISSANT, Édouard. Pela opacidade. Revista Criação & Crítica , São Paulo, n. 1, 2008, pp. 53-55.
  • GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In SILVA, Luiz Antônio Machado da Silva et al. Movimentos sociais urbanos, minorias e outros estudos . Coleção Ciências Sociais Hoje. Brasília: ANPOCS, 1983, pp. 223-244.
  • HOOKS, bell. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019.
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  • NJERI, Aza; RIBEIRO Katiúscia. Mulherismo Africana: práticas na diáspora brasileira. Currículo sem Fronteiras, vol. 19, n. 2, 2019, pp. 595-608.
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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

  • FANON, Frantz. Black skin, White masks . New York: Grove press, 1967.
  • HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
  • MBEMBE, Achille. Necropolítica biopoder soberania estado de exceção política da morte. Arte & Ensaios , Rio de Janeiro, n. 32, dez 2016. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169 Acesso em: 18 mar. 2020.
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  • SANTOS, Renata Aparecida Felinto dos. A Construção da Identidade Afrodescendente por meio das Artes Visuais Contemporâneas: estudos de produções e de poéticas . 2016. 331f. Tese (Doutorado em Artes Visuais) – Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2016.
  • TARIN, Zaira. Portfólio . Disponível em: https://cargocollective.com/ZairaTarin/Zaira-Tarin Acesso em: 11 Nov. 2020.
    » https://cargocollective.com/ZairaTarin/Zaira-Tarin
  • VERMELHO, Malandro. Excarnado: Como andar de viés pelos cosmos. Não publicado, 2020.

NOTAS

  • 1
    . O garfo duplo (Y), como encruzilhada, é destinado à Pombagira. Símbolo transnacional de encontros, transições, passagens y sexualidades dos orixás ( SILVA, 2015SILVA, Vagner Gonçalves da. Exu O Guardião da Casa do Futuro . Rio de Janeiro: Pallas, 2015. ). Segundo a intelectual Lélia Gonzalez, o Brasil é africanizado y o pretuguês é que a crioulização do português, ou seja, a mistura da língua do colonizador com várias línguas de grupos dominados, com destaque para os diferentes povos africanos que compõem a população brasileira. De forma semelhante ao termo pretuguês, Lélia cunha o termo Améfrica Ladina, que nada mais que é a américa africana que troca a latinidade do “l” pela ladinidade mestiça do “d”, tirando a centralidade ibérica, não só do Brasil, mas de todo continente conhecido como “América Latina”. Assim, pensando caminhos que se cruzam, encruzilhadas da comunicação, lacunas y aproximações, sugerimos que o pretuguês ladinoamefricano inclua o “y” em sua escrita, na qual o pretuguês não é apenas sobre a forma de se escrever, mas sobre o que y como se escreve em relação a determinado tema. A palavreira Tatiana Nascimento y seu trabalho parecem dar continuidade aos conceitos de Lélia no que se refere à língua y formas de dizer. A poeta afirma: “eu sei escrever também, tb, tbm; vc, você, c; quiséramos nós, nós queríamos, a gente queria, nóiz quis; e lá se vai mais um dia, y lá se vai más un día; horizonte, Orizonte; Fazendo Uso Mais Ou Menos Convencional De Iniciais Em Maiúsculas Ou em minúsculas… [...] as escolhas do como dizer são tão importantes quanto aquilo que se diz (pra algumas escolas literárias, o como dizer é até mais importante do que o dito). não preciso nem comentar o quão colonial, racista, paternalista, inferiorizante é essa mirada que lê texto de poeta negra já procurando ‘erro de português’ pra corrigir”. (NASCIMENTO, 2021)
  • 2
    . Sobre a exposição, consultar CARVALHO; SILVA (2019)CARVALHO, Francione Oliveira; SILVA, Karina Pereira da. O preto ao cubo branco: “dos pesos que se carrega”. ESTÚDIO 27 , Lisboa, v.10, n. 27, jul.-set. 2019, pp 77-85. Disponível em: https://docplayer.com.br/154110004-Estudio-27-revista-estudio-artistas-sobre-outras-obras-volume-10-numero-27-julho-setembro-2019-trimestral-issn-e-issn.html. Acesso em: 24 nov. 2020.
    https://docplayer.com.br/154110004-Estud...
    . Acesso em: 24 nov. 2020.
  • 3
    . A “Preto ao Cubo” teve a curadoria de Eliane Bettochi y Karina Pereira da Silva. A “Fragrante Mostra de Arte” teve a curadoria de Guilherme Borges y Noah Mancini.
  • 4
    . A “Preto ao Cubo” reuniu 24 artistas: Andressa Silva, Antxnio, Augusto Gomes, Barbara Maria, Carolina Cerqueira, Crraudio, Eliane Bettocchi, Bixa Brasilis, Guilherme Borges, ocrioulo, JV Medeiros, Lucas Soares, Luís Camargo, lume, Iúna, Maiara Pera, Maury Paulino, Noah Mancini, Paula Duarte, Raizza Prudêncio, Rafael Costa, D O R E A, Rômulo Pereira y Roko. Y na “Fragrante” foram 21 artistas: Augusto Henrique, Aparecida Petronilha, Bárbara Morais, Carolina Cerqueira, Dayane Máximo, Guilherme Borges, Gezsilene Oliveira, Lucas Soares, Luíso Camargo, Maury Paulino, Iúna, Noah Mancini, Paula Duarte, Zaíra Tarin, Rafael Coutinho, Stain, Tainá Neves, Talitha Reis, Task, Ugo Soares y Ygor Ventura.
  • 5
    . Exceto quando indicado o contrário, todas as traduções são dxs autorxs deste texto.
  • 6
    . Retirado de mensagem recebida da artista por WhatsApp em 29 de outubro de 2020.
  • 7
    . Nossas.
  • 8
    . Instrumento para abrir fechaduras.
  • 9
    . Texto não publicado escrito por Malandro Vermelho em 2020VERMELHO, Malandro. Excarnado: Como andar de viés pelos cosmos. Não publicado, 2020. .
  • 10
    . Retirado do portfólio da artista, de 2019, material não publicado, consultado pelxs autorxs deste texto.
  • 11
    . A partir da noção de devir negro de Achille Mbembe (2019MBEMBE, Achile. Sair da Grande Noite . Petrópolis: Vozes, 2019. , p. 14), pensamos a periferia como bairros enegracidos, sendo lugares não apenas de precariedade, mas de construção cultural, histórica y práticas contemporâneas de existência.
  • 12
    . Moral porque regula o comportamento, estabelecendo um código moral na sociedade. Y também epistemológico por criar normas cognitivas às quais todos os assinantes devem aderir.
  • 13
    . Sabendo que a relação de raça não é a única que permeia a vida dos indivíduos na nossa sociedade, gênero y classe também são importantes na determinação de hierarquias entre quem é mais ou menos humano.
  • 14
    . Essa concepção acredita que a sociedade necessita da intervenção civilizatória branca para passar de um estado “natural” primitivo para um estado civil y político, organizado y civilizado.
  • 15
    . Casa real portuguesa.
  • 16
    . A frase completa: “O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”. Informação obtida no site da Biblioteca Nacional Digital, na seção A França no Brasil, texto intitulado “Ordem e Progresso”. Disponível em: < http://bndigital.bn.br/francebr/positivismo.htm> . Acesso em: 26 nov. 2020.
  • 17
    . “[...] progresso e modernização têm servido por 500 anos como a justificativa dominante para o deslocamento ocidental e o assassinato de povos indígenas.” ( MILLS, 2014, pMILLS, Charles Wade. The Racial Contract . New York: Cornell University Press, 2014. , p. 49)
  • 18
    . Descontentamento é pouco!
  • 19
    . Retirado do portfólio da artista (IÚNA, n.d., n.p.). Disponível em: < https://iunamare.wixsite .
  • 20
    . Para Mbembe, criação, cocriação y autocriação são partes de um mesmo processo de criação do mundo, sem o qual não é possível para nós, corpos enegrecidos, participar dele. Y estes termos se entrelaçam à autodefinição y à implicação trabalhados anteriormente no artigo.
  • 21
    . “É engraçado como eles gozam a gente quando a gente diz que é Framengo. Chama a gente de ignorante dizendo que a gente fala errado. E de repente ignoram que a presença desse ‘r’ no lugar do ‘l’, nada mais é que a marca linguística de um idioma africano, no qual o ‘l’ inexiste. Afinal, quem é o ignorante? Ao mesmo tempo acham o maior barato a fala dita brasileira, que corta o erres dos infinitivos verbais, que condensa ‘você’ em ‘cê’, o ‘está’ em ‘tá’ e por aí afora. Não sacam que tão falando pretuguês.” ( GONZALEZ, 1983, pGONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In SILVA, Luiz Antônio Machado da Silva et al. Movimentos sociais urbanos, minorias e outros estudos . Coleção Ciências Sociais Hoje. Brasília: ANPOCS, 1983, pp. 223-244. , p. 238)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    1 Abr 2021
  • Aceito
    10 Jun 2021
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