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ÁFRICA, BRASIL E ARTE – PERSISTENTES DESAFIOS

AFRICA, BRAZIL AND ART – PERSISTING CHALLENGES

ÁFRICA, BRASIL Y ARTE – PERSISTENTES DESAFÍOS

RESUMO

Analisando obras de Abdias do Nascimento, Clarival do Prado Valladares, Marianno Carneiro da Cunha e Emanoel Araujo, entre outros autores, o artigo discute limites e impasses da concepção inclusiva de “arte negra”, delineada a partir da década de 1950, e de “arte afro-brasileira”, consolidada a partir dos anos 1980, bem como problemas postos à historiografia pela persistência desse modelo generalizante e pelo caráter excludente do circuito de arte no Brasil, que as trajetórias e obras de Mestre Didi (Deoscóredes Maximiliano dos Santos) e de Hélio Oiticica continuam desafiando.

Arte negra; Arte afro-brasileira; Mestre Didi (Deoscóredes Maximiliano dos Santos; Hélio Oiticica; Abdias do Nascimento

ABSTRACT

Analyzing works by Abdias do Nascimento, Clarival do Prado Valladares, Marianno Carneiro da Cunha, and Emanoel Araujo, among other authors, the article discusses limits and stalemates of the inclusive conception of “black art”, delineated from the 1950s, and of “Afro-Brazilian art”, consolidated from the 1980s, as well as problems posed to art historiography by the persistence of this generalizing model and the excluding character of the art circuit in Brazil, which the trajectories and works of Mestre Didi (Deoscóredes Maximiliano dos Santos) and Hélio Oiticica keep challenging.

Black Art; Afro-Brazilian Art; Mestre Didi (Deoscóredes Maximiliano dos Santos; Hélio Oiticica; Abdias do Nascimento

RESUMEN

Analizando obras de Abdias do Nascimento, Clarival do Prado Valladares, Marianno Carneiro da Cunha y Emanoel Araujo, entre otros autores, el artículo discute los limites y impases de la concepción inclusiva de “arte negro”, delineada desde la década de 1950, y de “arte afrobrasileño”, consolidada desde los años 1980, así como problemas planteados a la historiografía por la persistencia de ese modelo generalista y por el carácter excluyente del circuito de arte en Brasil, que las trayectorias y las obras de Mestre Didi (Deoscóredes Maximiliano dos Santos) y de Hélio Oiticica siguen a desafiar. .

Arte negro; Arte afrobrasileño; Mestre Didi (Deoscóredes Maximiliano dos Santos; Hélio Oiticica; Abdias do Nascimento

OUTRA ARTE

Quando criaram a G4, no Rio de Janeiro, o fotógrafo David Drew Zingg e o arquiteto Sérgio Bernardes queriam “conduzir a galeria de maneira a torná-la o núcleo mais atuante de nossas manifestações vanguardistas” ( DANTAS, 1966DANTAS, Carlos. Artistas desarrumam hoje as malas da nova arte na frente do público. Correio da Manhã , Rio de Janeiro, 2˚ Caderno, 22 abr. 1966, p. 1. , p. 1). Zingg já disse que a G4 “apresentava ‘novos artistas’” ( GUARIGLIA; ZINGG, 1999GUARIGLIA, Ana Maria; ZINGG, David Drew. David Zingg vê o Brasil e seus brasileiros. Folha de S. Paulo , São Paulo, 18 mai. 1999. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq18059910.htm. Acesso em: 29 mar. 2021.
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), e as aspas por ele usadas indicam que ali se entendia a arte e o novo de modo amplo. Com efeito, a galeria foi inaugurada em 22 de abril de 1966 com um happening promovido por Antonio Dias, Carlos Vergara, Pedro Escosteguy, Roberto Magalhães e Rubens Gerchman (DANTAS, op. cit), um grupo que inclui artistas de diferentes gerações mas cujas trajetórias profissionais haviam iniciado recentemente. Ainda naquele ano, o espaço projetado por Bernardes abrigou a produção de dois “novos artistas” com trajetórias completamente distintas até então. Em junho, Hélio Oiticica, que atuava no meio de arte havia mais de uma década, realizou na G4 a sua primeira mostra individual, apresentando a Manifestação Ambiental No. 1: “a fusão ambiental de Núcleos e Bólides, acrescidos de elementos como os Relevos que antecedem aos Núcleos e que poderiam ser Bólides pelo seu sentido de cor” (OITICICA, 1966). Em dezembro, Deoscóredes Maximiliano dos Santos, o Mestre Didi, que começara a publicar livros de contos no início da década, apresentou “Arte Sacra Afro-Baiana”, sua terceira mostra solo, a segunda no Rio de Janeiro, voltando a exibir os emblemas de orixás que fabricava havia ao menos 30 anos, mas que começara a expor como obras de arte apenas em 1964 ( ELBEIN DOS SANTOS, 1997ELBEIN DOS SANTOS, Juana (org.). Ancestralidade africana no Brasil. Mestre Didi: 80 Anos. Salvador: Secneb, 1997. ).

Essas mostras de Hélio Oiticica e de Mestre Didi na G4 são indícios de como outras relações entre arte e africanismo se amplificaram no meio cultural brasileiro na década de 1960.

Segundo Jayme Maurício, em “Arte Sacra Afro-Baiana”, “Didi [expôs] seus objetos montados [...]: palha de dendê, búzios, contas, couro, costuras, que aprendeu com o babalorixá Martiniano Bonfim, que, por sua vez, foi buscar na África, com os africanos, os ensinamentos dessa arte” (MAURICIO, 1966b, p. 2). Mestre Didi exibiu então obras nas quais reelaborou criativamente conhecimentos artísticos provenientes da Baía do Benim, que vinham sendo levados e preservados em terreiros de candomblé na Bahia, ao menos desde o século 19 ( CONDURU, 2021CONDURU, Roberto. Formações transatlânticas – Mestre Didi, Martiniano do Bonfim e a arte da África no Brasil desde os oitocentos. 19&20 , Rio de Janeiro, v. XVI, n. 1, jan.-jun. 2021. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/rc_transatlantico.htm>. Acesso em: 29 mar. 2021.
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). Saber que ele aprimorava ao fabricar emblemas dos orixás Nanã, Obaluaê, Ossãe e Oxumarê, uma de suas missões desde quando se tornara Assògbá , sacerdote máximo do culto de Obaluaê, no Ilê Axé Opó Afonjá, em Salvador, em 1936 ( SODRÉ, 2006SODRÉ, Jaime. A influência da religião afro-brasileira na obra escultórica do Mestre Didi . Salvador: EDUFBA, 2006. , pp. 250-251). Trinta anos depois, Maurício qualificou as obras apresentadas na G4 como

Objetos de rara beleza de forma e cor, de uma fantasia e uma plasticidade que deixam o simplesmente popular para alcançar planos bem mais elevados, eruditos mesmo. E um parentesco ou uma coincidência expressiva com um certo ângulo das assemblages do Pop, que também se socorre do folclore urbano dos EUA, enquanto em Didi o folclore é afro-brasileiro[,] quem sabe um caminho para os nossos pop-artistas potenciais? (MAURICIO, 1966a, p. 2)

Um caminho que já vinha sendo trilhado. Uma foto da exposição de Oiticica na G4 mostra Mosquito da Mangueira experimentando um Relevo Espacial de 1959. Essa imagem não é uma exceção. Naquele período, Oiticica registrava sua produção em fotografias nas quais as obras eram percebidas, manipuladas, vestidas e animadas por seus amigos da Mangueira, quando não fotografadas na própria favela, indicando outro tipo de estímulo, colaboração, público, ambiente e fruição para seu trabalho, em particular, mas talvez também para a arte, de maneira geral ( CONDURU, 2020CONDURU, Roberto. Índices afro na arte no Brasil nas décadas de 1960 e 1970. In AVOLESE, Claudia Mattos; MENESES, Patrícia (orgs.). Arte não-Europeia: conexões historiográficas a partir do Brasil. São Paulo: Estação Liberdade, 2020, pp. 143-152. ). Essa atração pelos afrodescendentes, seus espaços, coisas e práticas culturais se manifestara em sua obra de modo estrutural, não apenas icônico, ao menos desde 1963, quando se explicitou no título B3 Bólide caixa 3 “Africana” . Em “Bases Fundamentais para uma definição de ‘Parangolé’”, texto do ano seguinte, Oiticica aproxima, para diferenciar, “o fato cubista [...] da descoberta da arte negra como fonte riquíssima formal-expressiva” e o Parangolé, “um buscar, antes de mais nada estrutural básico na constituição do mundo dos objetos, a procura da gênese objetiva das formas”, e seu “interesse pela primitividade construtiva popular que soe acontecer nas paisagens urbanas, suburbanas, rurais, etc., obras que revelam um núcleo construtivo primário mas de um sentido espacial definido, uma totalidade” (OITICICA, 1964). Além dos elementos plásticos-materiais, que podem ser relacionados a fantasias de carnaval, trajes de Egunguns e vestimentas de pessoas transitando ou vivendo nas ruas, entre outras referências, obras dessa série como o Parangolé Capa 31 e o P15 Parangolé Capa 11 incluem elementos plástico-verbais — “estou possuído” e “incorporo a revolta”, respectivamente — que remetem ao universo cultural afro-brasileiro, articulando manifestações festivas, religiosas e políticas.

Nessa definição de Oiticica, persiste a dicotomia entre cultura erudita e cultura popular, com a vinculação da última ao primitivismo, como é característico do modernismo novecentista. O que também é observável em texto da mesma época no qual Mário Pedrosa compara universos supostamente apartados, os polarizando com categorias como contemporâneo e atemporal, branco e negro, ao defender que “o artista exige hoje [...] uma equivalência entre sua atitude, seu trabalho e a atitude e o trabalho do artista negro”, e ao indicar consonâncias entre artistas nos diferentes campos – “O artista primitivo cria um objeto ‘que participa’. O artista de hoje, com algo de desespero dentro dele ou dela, chama os outros para dar participação ao seu objeto” (PEDROSA, 1975, pp. 221-225).

Não é difícil qualificar como erudito e contemporâneo o conhecimento dominado por Mestre Didi a partir de um processo formativo que envolveu a transmissão intergeracional e intercontinental de saberes restritos a indivíduos ou pequenos grupos de religiosos. E um artista como Agnaldo Manoel dos Santos estava longe de ser um ingênuo, um primitivo em quem uma adormecida África ancestral e imutável – ao mesmo tempo, irreal e mítica, em suma – teria sido descoberta e reavivada por agentes do mundo ilustrado. Ao contrário, em sua breve trajetória como artista, entre 1953 e 1962, ele soube ser mediado e mediador a partir do meio de arte baiano, pois procurou, experimentou e escolheu meios, matérias, técnicas, temas, referências, mestres e discípulos ( BEVILACQUA, 2021BEVILACQUA, Juliana Ribeiro da Silva. Agnaldo Manoel dos Santos ou la subversion de la modernité consentie. Brésil(s) , 19, 2021. Disponível em: http://journals.openedition.org/bresils/9234 . Acesso em: 1 jun. 2021.
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; CONDURU, no prelo).

O universo cultural afro-brasileiro, sobretudo suas religiões – ideário, terminologia, imaginário, cultura material, espacialidade e ritualística –, ultrapassou os limites historicamente impostos pelo colonialismo e o racismo. Entre as reações que gerou está a apropriação de modo literal ou mediado, a incorporação figurativa ou estrutural, nas artes plásticas, bem como em outras artes e domínios sociais. Além de Agnaldo Manoel dos Santos, Rubem Valentim, Mestre Didi e Hélio Oiticica, cabe mencionar Lygia Pape, Lygia Clark, Antônio Manoel, Carlos Vergara, José Roberto Aguilar, Regina Vater, Cildo Meireles, Artur Barrio e Luiz Alphonsus, entre outros, cujas obras resultaram ou foram percebidas a partir de experiências em favelas e terreiros, ruas e outros espaços de cidades no Brasil nos quais o africanismo é um elemento intrínseco ( CONDURU, 2020CONDURU, Roberto. Índices afro na arte no Brasil nas décadas de 1960 e 1970. In AVOLESE, Claudia Mattos; MENESES, Patrícia (orgs.). Arte não-Europeia: conexões historiográficas a partir do Brasil. São Paulo: Estação Liberdade, 2020, pp. 143-152. ). Nesse sentido, cabe retomar o nome dado pelo crítico Francisco Bittencourt, em 1970, a artistas dedicados “ao desmantelamento de todos os cânones que regem as artes plásticas tradicionais”: “geração tranca-ruas” ( BITTENCOURT, 1970BITTENCOURT, Francisco. A geração tranca-ruas. Jornal do Brasil , Rio de Janeiro, 9 mai. 1970. ). Vale e me parece possível estender a outros artistas essa aproximação ao universo sociocultural afro-brasileiro por meio de Exu Tranca Ruas, a entidade da umbanda cuja sabedoria esperta e bem humorada serviria de referência para a subversão da conjuntura crescentemente opressora da ditadura civil-militar imposta a partir de 1964. Nesse sentido, a macumba1 1 . Aqui se usa o termo não em seus sentidos específicos, mas em sua acepção generalizante das religiões afro-brasileiras, seus rituais e parte de sua cultura material, para reverter a visão pejorativa. A esse respeito, ver: PRANDI (1990) . pode ser entendida como um dos sistemas de trocas socioculturais com os quais artistas lidavam durante aquele período2 2 . Sobre o uso dos sistemas cartográfico, monetário e de comunicação jornalística e televisiva por artistas brasileiros então, ver: SHTROMBERG (2016) . .

A representação de afrodescendentes e suas práticas culturais não era algo propriamente novo àquela altura. Ao contrário, era a continuidade de uma regra da arte produzida a partir do Brasil desde Albert Eckhout e Zacharias Wagenaer, no início do século XVII, passando por Carlos Julião, Jean Baptiste-Debret, Modesto Brocos y Gómez e Carybé (Hector Julio Páride Bernabó), entre outros, nos séculos seguintes, a qual continua vigente. Sobre a diferença observável na produção artística a partir da década de 1950, vale retomar um lamento de Odorico Tavares em 1951TAVARES, Odorico. A escultura afro-brasileira na Bahia. O Cruzeiro , Rio de Janeiro, n. 64, 14 abr. 1951, pp. 59-62, 64.:

Pena que os artistas brasileiros somente tivessem tomado conhecimento da arte negra com atraso, por intermédio de Paris, tantos anos depois de lá ter feito furor e ter influenciado todo um período de suas artes plásticas e a literatura. Pois tal material não nos faltou como não nos faltou quem para ele chamasse atenção. ( TAVARES, 1951TAVARES, Odorico. A escultura afro-brasileira na Bahia. O Cruzeiro , Rio de Janeiro, n. 64, 14 abr. 1951, pp. 59-62, 64. , p. 64)

Diferentemente da predominante figuração mais ou menos exótica do outro, alguns artistas da “geração tranca-ruas” pareciam interessados em incorporar elementos do universo cultural afro-brasileiro às suas obras, à estrutura plástico-significante e/ou ao processo de produção.

Uma experiência que já vinha sendo empreendida por artistas afro-brasileiros que não se limitaram às referências africanas em suas criações. Desde 1953, Agnaldo Manoel dos Santos foi conhecendo e se apropriando de variadas referências ao configurar suas obras: esculturas modernistas, máscaras e estátuas de diferentes proveniências africanas, esculturas usadas no candomblé, imagens de santos católicos e ex-votos, carrancas de embarcações do rio São Francisco. Também a partir dos anos 1950, Rubem Valentim foi articulando estruturas plásticas de produção de sentido no candomblé e na umbanda – artefatos simbólicos de orixás, pontos riscados, pejis e gongás – com a linguagem plástica do construtivismo para constituir seus emblemas pictóricos e objetais. Em 1964, quando decidiu expor em galerias de arte os cetros que fabricava para serem portados por pessoas manifestando em transe religioso os orixás do panteão da Terra, Mestre Didi passou a lidar com as regras e a incorporar elementos da arte de matriz europeia, para tornar suas peças perenes, autônomas, autossustentáveis e capazes de serem exibidas estática e independentemente sobre suportes físicos com vistas à percepção corporal distanciada, sobretudo visual, por pessoas no ritual artístico.

OUTRA CRÍTICA

As produções de Agnaldo Manoel dos Santos, de Rubem Valentim e, especialmente, de Mestre Didi desafiaram o modo como a cultura material das religiões afro-brasileiras vinha sendo entendida e enquadrada institucionalmente no Brasil. Com abordagens e ênfases diversas, eles incorporaram estruturalmente a suas obras um imaginário plástico que vivia à margem.

Quando não eram socialmente ignorados, os objetos fabricados e usados em seus rituais eram destruídos ou apreendidos por agentes estatais durante batidas policiais, para serem utilizados como provas criminais em julgamentos instruídos pela legislação discriminatória vigente entre 1890 e 1940, em um processo de desvalorização, cerceamento, marginalização, perseguição e extermínio dessas religiões e de seus praticantes que persistiu à mudança na legislação e recentemente recrudesceu. Em meio à violência, sua cultura material foi colecionada e preservada de modo assistemático e negligente, embora também parcial e problematicamente celebrada como um dos símbolos da nação brasileira3 3 . Sobre esse processo, ver: MAGGIE (1992) , CORRÊA (2006) , CONDURU (2008) , RAFAEL (2012) , VALLE (2018 ; 2020), ALMEIDA (2020) . . Apesar dos textos de Raimundo Nina Rodrigues (1904)NINA RODRIGUES, Raimundo. As Bellas-Artes dos Colonos Pretos do Brasil – a esculptura. Kosmos, Revista Artistica, Scientifica e Literaria , n. 8, 1904, pp. 11-16. , Manuel Querino (1916)QUERINO, Manuel. A raça africana e os seus costumes na Bahia. Anais do V Congresso Brasileiro de Geografia . Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1916. , Mário Barata (1941BARATA, Mário. Arte negra. Revista da Semana , n. 34, 1941, pp. 16-17. ; 1957) e Arthur Ramos (1949)RAMOS, Arthur. Arte negra no Brasil. Cultura , n. 2, jan.-abr. 1949, pp. 189-212. que propuseram entender parte desses artefatos como obras de arte, e embora alguns desses objetos tenham sido por vezes representados por artistas tão diversos como Cecília Meireles, Dimitri Ismailovitch, Fernando Correia Dias e Oswaldo Goeldi, a cultura material das religiões afro-brasileiras ainda não era reconhecida como arte ( CONDURU, 2019CONDURU, Roberto. Esse ‘troço’ é arte? Religiões afro-brasileiras, cultura material e crítica. Modos , v. 3, n. 3, 2019, pp. 98-114. ) quando Didi passou a exibir seus emblemas de orixás em galerias de arte, em 1964.

A dificuldade para enquadrar os trabalhos de Didi foi logo detectada por Antônio Olinto, que bem observou como eles “fogem a uma classificação rígida” (OLINTO, 1964, p. 8). Embora estivessem sendo exibidos na Bonino, uma prestigiada galeria de arte contemporânea, Jayme Maurício os entendeu como “objetos folclóricos” ( MAURICIO, 1964MAURICIO, Jayme. Itinerário das Artes Plásticas. Correio da Manhã , Rio de Janeiro, 2˚ Caderno, 5 dez. 1964, p. 2. , p. 2), em 1964, e manteve esse juízo ao afirmar que eram “Objetos de rara beleza de forma e cor, [...] eruditos mesmo”, mas ainda associados ao folclore (Idem, 1966a), dois anos depois, quando os experimentou na G4, idealizada como um bastião da vanguarda. De modo similar, Romero Brest qualificou Didi como um “primitivo”, afirmando que seus “objetos tanto podem ser esculturas como matéria de decoração” ( apud OLINTO, 1965OLINTO, Antônio. Importante em Arte é o exercício da Liberdade. O Globo , Rio de Janeiro, 24 nov. 1965, p. 2. , p. 2). E um texto não assinado publicado no Jornal do Brasil resumiu o autor e a mostra “Arte Sacra Afro-Baiana” de maneira semelhante: “Didi, o folclore na G-4” (DIDI, 1966, p. 3).

O próprio Didi parecia ter dificuldades para enquadrar suas obras naquele momento, pois embora já as apresentasse em galerias de arte, as inscreveu na seção de Artes Decorativas da I Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia, em 1966 ( LAUS, 1966LAUS, Harry. Concluída seleção da Bienal da Bahia. Jornal do Brasil , Rio de Janeiro, caderno B, 17 nov. 1966, p. 2. , p. 2). A transferência de suas obras para a seção de Escultura pelo júri de seleção (PANORAMA das artes plásticas, 1966, p. 4) e a premiação delas como “Arte Decorativa Estadual”4 4 . Bienal da Bahia foi mais importante fato artístico do ano, segundo Gerchman ( apud JORNAL do Brasil, 1966, p. 10), LAUS (1967) . O júri de premiação foi composto por Clarival do Prado Valladares, Mário Pedrosa, Mário Schemberg, Riolan Coutinho e Wilson Martins. são outros indícios da disrupção que causavam.

Quando passou a mostrar suas obras plásticas em galerias comerciais de arte e centros culturais, Mestre Didi desafiou o enquadramento social da cultura material das religiões afro-brasileiras, que não era entendida como arte por agentes e instituições artísticos e, quando analisada criticamente, era segregada.

Em seus textos, embora reconheçam e proponham parte da cultura material das religiões afro-brasileiras como arte, Nina Rodrigues, Barata e Ramos a mantêm restrita ao universo afro-brasileiro. Sem a articularem à totalidade do cânone artístico brasileiro, eles reforçam, por meio da crítica de arte, a persistente marginalização e desvalorização de africanos e afrodescendentes no Brasil.

Também na crítica de Manuel Querino, a cultura material das religiões afro-brasileiras é apenas parcialmente reconhecida como arte e mantida apartada da produção artística socialmente consagrada. Nos livros que publicou em 1909, Artistas baianos e as artes na Bahia , ele enfeixa trajetórias e realizações de artistas nascidos ou não na Bahia, respectivamente, evitando caracterizações raciais e incluindo trabalhadores técnicos e manuais – uma visão que deriva das diferenças entre “artes maiores” e “artes menores” próprias ao sistema de arte europeu, mas também de seu ativismo social5 5 . Sobre Manuel Querino, ver: LEAL (2009) . . Ausente nesses livros, a cultura material do candomblé é por ele tratada no ensaio “A raça africana e seus costumes na Bahia” ( QUERINO, 1916QUERINO, Manuel. A raça africana e os seus costumes na Bahia. Anais do V Congresso Brasileiro de Geografia . Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1916. ), que apresentou em 1912 e publicou quatro anos depois, no qual aborda, entre outros tópicos, como pessoas africanas e afrodescendentes criavam e transformavam lugares, coisas e corpos nos rituais religiosos. A aparente contradição, ou ambiguidade, de apresentar a culinária na Bahia como arte em outro texto de 1916 (publicado postumamente) ( QUERINO, 1928QUERINO, Manuel. A arte da culinária na Bahia . Bahia: Papelaria Brasileira, 1928. ) e observar a tendência para as artes liberais exclusivamente na escultura de “símbolos fetichistas”, não em outros artefatos, ou em espaços, sujeitos e rituais religiosos, talvez também derive dos critérios assimilados por Querino em sua formação artística e acadêmica.

A identificação do artístico quase exclusivamente com o escultórico é um traço comum às visadas críticas desses autores. Podem ser antiacadêmicas ou não, mas todas estão em acordo com as categorias dominantes do sistema artístico europeu e com a valorização da escultura, particularmente das figurações em madeira, em detrimento de outros tipos de produção artística africana, no sistema de arte ocidental no século 20. O que limita a compreensão da cultura material das religiões afro-brasileiras, ao desconsiderar as dimensões estética e artística que perpassam esse universo cultural. Se esse entendimento favorece, embora também distorça, a percepção da obra de Agnaldo Manoel dos Santos, cria problemas para o enquadramento das obras de Rubem Valentim e, sobretudo, de Mestre Didi.

Ainda assim, a luta contra as desigualdades da sociedade brasileira, a produção artística de afrodescendentes como Agnaldo, Valentim e Didi, e até a crítica de Nina Rodrigues, Querino, Barata e Ramos fomentaram outros modos de articular africanismo e arte no Brasil.

Mário Barata apresentou “A escultura de origem negra no Brasil” (BARATA, 1957) no I Congresso do Negro Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro, em 1950, pelo Teatro Experimental do Negro (TEN), que fora criado e dirigido por Abdias dos Nascimento em 1944. Publicado em 1957, o texto de Barata foi um dos estímulos para Nascimento criar o Museu de Arte Negra (MAN). Embora nesse texto Barata limite a “escultura de origem negra” à produção sacra afro-brasileira, Nascimento não restringe a “arte negra” ao domínio do sagrado, nem apenas a autores afrodescendentes.

O acervo do MAN foi constituído a partir de aquisições, trocas e colaborações, de ações do TEN como o concurso do “Cristo Negro”, realizado por ocasião do 36° Congresso Eucarístico Internacional, que ocorreu no Rio de Janeiro em 1955, e do acervo pessoal de Nascimento. Incluindo obras de variados tipos e tendências produzidas por artistas de diversas nacionalidades, gerações, gêneros, marcações étnicas e raciais, o MAN delineou um entendimento ampliado de “arte negra” que se tornou público a partir de sua primeira apresentação, em 1968, no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro. Visão que é corroborada em textos e entrevistas de Nascimento sobre o Museu. Em “Cultura e estética no Museu de Arte negra”, ele afirma: “Nosso museu abriga obras de pretos, de brancos, de amarelos, dos homens de todas as raças e nacionalidades. Importam aqueles valores estéticos que só a raça ou a vivência dos valores da raça negra conferem à obra” (NASCIMENTO, 1968, p. 21). Ao Correio da Manhã , ele disse que o museu recolheria “também a obra de artistas não negros – de qualquer origem racial, procedências culturais e nacionais – onde o negro ou sua cultura estejam representados, exerçam influência ou desempenhem papel inspirador” (NASCIMENTO a pud ACERVO de Arte Negra para Museu, 1968, p. 2).

De modo similar, ao pensar “o negro nas artes plásticas brasileiras” também em 1968, Clarival do Prado Valladares inclui variados tipos de obra de arte, produzidas por artistas com diversas origens étnicas e enquadramentos raciais, elencando a produção de negros, mulatos, pardos e brancos, para diferenciar arte branca, entre aspas, e negra, com ou sem realce em itálicas (VALLADARES, 1968). Assim, cita desde Antônio Francisco Lisboa e outros artistas com ascendência africana que atuaram no período da colonização portuguesa até Agnaldo Manoel dos Santos, Rubem Valentim, Mestre Didi e outros “raros [...] mestiços ou negros, de formação cultural expressiva, vinculados à temática e a valorização de origem, que se mantêm e se realizam por fé sólida , encontrada nas motivações” ( VALLADARES, 1968VALLADARES, Clarival do Prado. O negro brasileiro nas artes plásticas. Cadernos Brasileiros , v. X, n. 47, mai.-jun. 1968, pp. 97-109. , p. 107), mas também artistas afrodescendentes tão diversos como Estevão Silva e Almir Mavignier, entre outros, em cujas obras “ninguém poderá identificar genuinidade ou remanescência de cultura negra” (Ibidem, p. 106). Inclui ainda “artistas de raça branca, brasileiros ou não, [que] têm firmado obra de enaltecimento da figura negra e mulata, sem implicações ao fundamento religioso, africano, porém com profunda afeição ao tipo racial, aos costumes e valores culturais afro-brasileiros”, seja de modo eventual ou persistente (Ibidem, p. 109).

Entre meados dos anos 1950 e 1968, o modo de equacionar africanismo e arte no Brasil mudou de modo radical. Em vez de circunscrever quase exclusivamente a arte sacra das religiões afro-brasileiras com autoria africana ou afrodescendente, a “arte negra” passou a ser configurada também por obras não religiosas e autores com ascendências outras além das africanas. Vale observar que Nascimento não destaca particularmente a produção relacionada ao mundo religioso, mas cita Lygia Clark e Rubens Gerchman entre os “artistas influenciados pela presença do negro” (NASCIMENTO, 1968, p. 21), enquanto Valladares menciona “raros exemplos de obras de continuidade temática da cultura africana implicada aos rituais do candomblé” (VALLADARES, 1968, p. 104), mas parece não ter percebido ou não reconhecer os primeiros diálogos da “geração tranca-ruas” com o universo sociocultural afro-brasileiro. Se no caso do primeiro a adesão à luta contra o racismo e as desigualdades sociais parece ser o principal critério para inclusão de artistas sem ascendência africana, o último destaca o elogio a africanos, afrodescendentes e suas práticas culturais nos desdobramentos recentes da tradição multissecular de representação artística dos mesmos por outrem no Brasil. Diferenças no modo de entender “arte negra” que aproximam Nascimento e distanciam Valladares das “manifestações vanguardistas” de Oiticica, de Mestre Didi e dos artistas reunidos na G4, entre outros então.

DE “NEGRA” A “AFRO-BRASILEIRA”

Independentemente das inovações processadas entre meados dos anos 1950 e o final da década seguinte, logo essa arte ganhou outro nome. Em 1969, no início de seu autoexílio nos Estados Unidos durante a ditadura civil-militar no Brasil, Nascimento (1969NASCIMENTO, Abdias do. The Orixás: Afro-Brazilian Paintings and Texts. Middleton: Malcom X House, 1969. ; 1976) passou a usar a designação “Afro-Brazilian art” (arte afro-brasileira) para se referir à sua produção artística e às de outrem. Em vez da marcação étnica a partir de um fenótipo, as cores de pele dos autores das obras, a ênfase recaiu na ascendência africana dos autores e/ou no africanismo dos temas das obras.

Entretanto, essa designação e esse entendimento inclusivo passaram a prevalecer efetivamente no Brasil apenas a partir da década de 1980, na crítica, em exposições, museus, universidades e outras instituições. Duas realizações o explicitaram publicamente, sinalizando a mudança. O marco crítico é “Arte afro-brasileira”, o capítulo publicado por Marianno Carneiro da Cunha no livro História geral da arte no Brasil , organizada por Walter Zanini em 1983 ( CARNEIRO DA CUNHA, 1983CARNEIRO DA CUNHA, Marianno. Arte Afro-Brasileira. In ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil . São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983, pp. 974-1032. ). Expositivamente, o marco é “A mão afro-brasileira: significado da contribuição artística e histórica”, a mostra e seus respectivos catálogos ( ARAUJO, 1988ARAUJO, Emanoel (org.). A mão afro-brasileira: significado da contribuição artística e histórica. São Paulo: Tenenge, 1988. ), organizados por Emanoel Araujo no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1988.

Embora a adote, Carneiro da Cunha entende que “a qualificação afro-brasileira permanece ambígua e provisória. Trata-se de um termo que, na realidade, já nasceu envelhecido pela própria dinâmica a que se têm submetido os elementos culturais africanos no Brasil” (CARNEIRO DA CUNHA, op. cit., p. 1026). Sua visão parece restrita, de início, quando afirma que “arte afro-brasileira é uma expressão convencionada artística que, ou desempenha função no culto dos orixás, ou trata de tema ligado ao culto” ( CARNEIRO DA CUNHA, 1983CARNEIRO DA CUNHA, Marianno. Arte Afro-Brasileira. In ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil . São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983, pp. 974-1032. , p. 994). Mas logo se pode perceber a amplitude de sua análise, seja ao tratar da “apropriação de símbolos novos por essas religiões”, seja ao ultrapassar o âmbito das religiões afro-brasileiras para abordar dois tópicos: a “continuidade provável de convenções formais africanas ligadas à representação naturalista na arte brasileira” e a “emergência de artistas e temas negros a partir das décadas de 1930 e 40”, mais o apêndice com verbetes sobre “artes corporais e decorativas”, nos quais analisa trajes, joias e outros objetos de uso pessoal, desafiando categorias dominantes na história da arte ocidental. No primeiro tópico, Carneiro da Cunha analisa o africanismo na produção de Antônio Francisco Lisboa, o dito Aleijadinho, usando princípios, convenções e formas artísticas da África e da “arte popular” no Brasil, enquanto no segundo tópico, ele indica que a “arte afro-brasileira” pode ter autoria não afrodescendente:

Dos artistas cobertos em geral por essa definição muitos são brancos, outros mestiços e relativamente poucos são negros. Poderíamos subdividi-los portanto em quatro grupos, ou seja: aqueles que só utilizam temas negros incidentalmente; os que o fazem de modo sistemático e consciente; os artistas que se servem não apenas de temas como também de soluções plásticas negras espontâneas, e, não raro, inconscientemente; finalmente os artistas rituais. Os três primeiros grupos definiriam o termo afro-brasileiro em seu sentido lato e o último grupo em sentido estrito. ( CARNEIRO DA CUNHA, 1983CARNEIRO DA CUNHA, Marianno. Arte Afro-Brasileira. In ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil . São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983, pp. 974-1032. , p. 1023)

Carneiro da Cunha silencia sobre os “pintores negros do oitocentos” ( TEIXEIRA LEITE, 1988TEIXEIRA LEITE, José Roberto. Pintores negros do oitocentos . São Paulo: Mwn Knorr, 1988. ), considerando que “dos meados do século XIX em diante a presença de artistas negros faz-se mais rara e só ressurge de modo mais significativo em torno dos anos 40 do século XX” (CARNEIRO DA CUNHA, op. cit., p. 1022), talvez por não perceber “temas negros” em obras de Estevão Silva, Arthur Timóteo da Costa e outros. Já Araujo não tem hesitado em contrapor obras de africanos e afrodescendentes, mais quase todo tipo de representação dos mesmos, desde o início da escravidão no Brasil até hoje. Embora ele tenha focado a produção artística de afrodescendentes em “A mão afro-brasileira”, não limitou a autoria artística e crítica à ascendência africana. Em suas muitas realizações curatoriais e editoriais posteriores, ele reforçou o foco, mas sem abandonar o entendimento inclusivo da “arte afro-brasileira”. Vide exposições e publicações como Os herdeiros da noite: fragmentos do imaginário negro ( ARAUJO, 1995ARAUJO, Emanoel (org.). Os herdeiros da noite: fragmentos do imaginário negro. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 1995. ), Negro de corpo e alma (AGUILAR, 2000) e Para nunca mais esquecer: negras memórias, memórias de negros ( ARAUJO, 2002ARAUJO, Emanoel (org.). Para nunca esquecer: negras memórias / memórias de negros . Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2002. ), entre outras. Vide o acervo, as mostras de longa e curta duração, bem como outras atividades do Museu Afro Brasil, por ele criado em São Paulo em 2004.

Desde a década de 1980, em muitas exposições, publicações e ações de outros agentes e instituições, esse entendimento ampliado de “arte afro-brasileira” tem sido adotado, embora não seja exclusivo. Como bem sintetizou Hélio Menezes:

a expressão tem sido historicamente utilizada tanto num sentido restrito, para circunscrever um conjunto exclusivo de artistas afro-brasileiros, quanto aberto, definido não pelo fenótipo dos produtores, mas pelo “conteúdo afro-brasileiro” dos produtos, de modo a incluir artistas de outras procedências raciais. ( MENEZES, 2017MENEZES, Hélio. Entre o visível e o oculto: a construção do conceito de Arte Afro-Brasileira. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2017. , p. 222)

Expressão e entendimento encontrados ainda em um marco recente das transformações em curso no modo de relacionar África, Brasil e arte: a exposição “Histórias afro-atlânticas”, realizada no Museu de Arte de São Paulo e no Instituto Tomie Ohtake, em 2018 ( PEDROSA; OLIVA, 2018PEDROSA, Adriano; OLIVA, Fernando (orgs.). Histórias afro-atlânticas . São Paulo: MASP, 2018. ).

RENITENTES DESAFIOS

A partir da década de 1950, não foi alterada apenas a terminologia, de “arte negra” para “arte afro-brasileira”, mas também os tipos de obra e de autoria que essas designações abarcam, passando a incluir mais do que arte sacra e não apenas autores afrodescendentes. Um escopo não isento de limites e desafios.

Seu principal problema é a dimensão excludente do que é proposto como inclusivo. Apesar dessa conceituação abrangente ter sido delineada a partir dos anos 1950, explicitada em crítica em 1968, cristalizada de modo historiográfico em 1983, difundida expositivamente em 1988 e institucionalizada em museu a partir de 2004, o meio de arte brasileiro continuou a hierarquizar, desvalorizar e excluir afrodescendentes. As poucas e esporádicas exceções confirmam a perversa regra do racismo à brasileira: embora presentes e fundamentais, os afrodescendentes seguem sendo marginalizados. Nesse sentido, configurar “arte negra” ou “arte afro-brasileira” como um campo é, por um lado, destacar o que tem sido socialmente ocultado, mas, por outro, não deixa de reincidir no gueto.

A esse respeito, vale retomar um dos marcos iniciais da historiografia da arte no Brasil, o artigo que Manuel de Araújo Porto-Alegre publicou em 1841, no qual cita um alemão, um filho de italianos e um ex-escravo entre os oito artistas que constituem a escola fluminense de pintura ( PORTO-ALEGRE, 1841PORTO-ALEGRE, Manuel de Araújo. Memória sobre a antiga escola fluminense de pintura. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro , Rio de Janeiro, n. 3, 1841, pp. 547-557. ). Assim, ele esboça uma história da arte nacional brasileira com uma produção cuja autoria é irrestrita a pessoas nascidas no território brasileiro e inclui um artista africano ou afrodescendente. Em que pese essa virtual amplitude, esse esboço não foi consolidado em história escrita, colecionada ou exibida, pois a maioria dos artistas africanos e afrodescendentes têm sido desde então relegados às margens, quando não literalmente esquecidos na história da arte no Brasil, salvo raras recentes exceções. À medida que as artes plásticas foram ganhando proeminência cultural e passaram a ser modos de distinção social e econômica no país, eles foram marginalizados, quando não excluídos, do campo artístico. A relativa proeminência arduamente conquistada por Agnaldo Manoel dos Santos, Heitor dos Prazeres, Rubem Valentim, Mestre Didi e outros poucos artistas afrodescendentes é parte da luta antirracista no Brasil.

Uma reação recente ao racismo foi a série de performances Presença negra ( MARTÍ, 2015MARTÍ, Silas. Em 'rolezinhos' da arte, ativistas negros vão em grupo a vernissages. Folha de S. Paulo , São Paulo, 3 fev. 2015. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/02/1584260-em-rolezinhos-da-arte-ativistas-negros-vao-em-grupo-a-vernissages.shtml . Acesso em: 08 jun. 2017.
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), realizadas a partir de 2014 e nas quais Moisés Patrício e Peter de Brito mobilizaram afrodescendentes para intervir corporalmente em eventos artísticos e assim expor, desnaturalizar e arruinar a transecular exclusão da negritude. Outra intervenção nessa peleja foi o gesto curatorial de Hélio Menezes ao desfraldar Bandeiras, do coletivo Frente 3 de Fevereiro, nas fachadas do Instituto Tomie Ohtake e do Museu de Arte de São Paulo, durante a exposição “Histórias afro-atlânticas”, em 2018, e do Centro Cultural São Paulo, na exposição “Abre-caminhos”, em 2020 – no primeiro caso, inquiria cidadãos de São Paulo, do Brasil, do mundo: “ONDE ESTÃO OS NEGROS?” ( ROCHA, 2018ROCHA, Gessyca. Faixa no Masp promove reflexão sobre a participação dos negros na arte. 24 jul. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/07/24/faixa-no-masp-promove-reflexao-sobre-a-participacao-dos-negros-na-arte.ghtml. Acesso em: 3 jun. 2021.
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); no segundo, os conclamava a celebrar, lutando, um novo tempo: “BRASIL NEGRO SALVE” (ABRE-CAMINHOS, n.d.). Se, no final da década de 1960, mediadores como Oiticica propunham com obras, ações e imagens outro tipo de inclusão dos afrodescendentes, nos anos 2010 foram os próprios afrodescendentes a demandar, configurar e conquistar outros modos de participação e, consequentemente, outro circuito de arte.

Araujo, combatente nessa guerra havia muito tempo, continuava fomentando e anunciou a nova onda ativista com a mostra “A nova mão afro-brasileira” (ARAUJO, 2013), realizada no Museu Afro Brasil em 2013, na qual apresentou artistas afrodescendentes de diferentes gerações, entre os quais alguns que vinham transformando o meio de arte brasileiro com suas obras há algumas décadas. Um movimento que tem se intensificado desde então. Refletindo sobre “fomento, criação e circulação das artes negras entre 2016 e 2019”, Alexandre Araújo Bispo afirma que “a sensibilidade em torno da importância das artes negras cresceu, como mostram alguns exemplos de exposições e ações culturais realizadas principalmente em São Paulo” (BISPO, 2020). Com efeito, na década de 2010, sobretudo nessa cidade, a partir do ativismo social, das trajetórias de artistas como Ayrson Heráclito, Eustáquio Neves, Jorge dos Anjos e Rosana Paulino, e em resposta à atuação institucional de Emanoel Araujo, se adensaram os modos de relacionar África, Brasil e arte.

Acúmulo e intensidade que também são observáveis na crítica. Em 1968, Nascimento já propusera que “A raça negra no Brasil, assim como tem produzido tantos criadores, precisa contar também com seus próprios analistas e teóricos para elaborar o juízo crítico do acervo que os africanos nos deixaram” (NASCIMENTO, 1980, p. 139). As diferenças produzidas pelo ativismo em mais de 40 anos podem ser percebidas no mapeamento recentemente feito com o objetivo de “saber quem são os curadores negros, negras e indígenas brasileiros, e, posteriormente, como tais atuações colaboram com o campo curatorial nacional” ( RIBEIRO, 2020RIBEIRO, Luciara. Em Disputa: Quem são as curadoras e curadores negras, negros e indígenas brasileiros? Projeto Afro , 4 nov. 2020. Disponível em: https://projetoafro.com/editorial/artigo/curadorias-em-disputa-quem-sao-as-curadoras-negras-negros-e-indigenas-brasileiros/. Acesso em: 3 jun. 2021.
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). Sem dúvida, um dos desafios atuais do circuito de arte brasileiro é ampliar e consolidar a integração, com igualdade de condições e possibilidades, de afrodescendentes como artistas, críticos, curadores, historiadores, professores e espectadores-participantes, entre outros tipos de atuação.

Ao usar “abundância” entre aspas e “vulnerabilidade” sem aspas no título de seu texto antes citado, Bispo sinaliza os limites desse dinamismo recente. A seu ver,

Apesar dessa quantidade de produções culturais, bem como a entrada de pessoas negras em instituições como artistas e curadorxs, o aumento de pesquisas que tomaram por objeto esse segmento da arte brasileira, o surgimento de colecionadorxs interessadxs – quantos delxs são negrxs? – isso só não basta. É preciso ainda muito empenho para sair da zona de vulnerabilidade a que estão expostxs artistxs, curadorxs, críticxs, pesquisadorxs e a própria obra artística. ( BISPO, 2020BISPO, Alexandre Araújo. “Abundância” e vulnerabilidade: fomento, criação e circulação das artes negras entre 2016 e 2019. O Menelick 2˚ Ato , jun. 2020. Disponível em: http://www.omenelick2ato.com/artes-plasticas/abundancia-e-vulnerabilidade-fomento-criacao-e-circulacao-das-artes-negras-entre-2016-e-2019. Acesso em: 3 jun. 2021.
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, n. p.)

Nas últimas citações, pode-se perceber como as designações “afro-brasileira” e “afro” vêm sendo alternadas com “negra”, “preta” e suas derivações. A mão afro-brasileira , de 1988 ( ARAUJO, 1988ARAUJO, Emanoel (org.). A mão afro-brasileira: significado da contribuição artística e histórica. São Paulo: Tenenge, 1988. ), e Os herdeiros da noite: fragmentos do imaginário negro , de 1995 (Idem, 1995), são apenas dois entre muitos exemplos de como Araujo tem explorado esses termos de modo quase indiferenciado. Nesse sentido, a “Mostra do Redescobrimento”, realizada em São Paulo, em 2000, com as exposições “Arte afro-brasileira” (AGUILAR, 2000a) e “Negro de corpo e alma” (Idem, 2000b), entre outras, é mais um indício de relatividade no uso da terminologia referente à arte vinculada à África no Brasil.

Em Black Art in Brazil , livro de 2013, Kimberly Cleveland propõe o retorno à expressão “ black art ”, mas evitando “uma retomada de seus sentidos negativos originais”, pois sugere manter “o padrão brasileiro de privilegiar o tema em vez da raça”. Em defesa desse renovado uso, ela afirma que, “apesar de curadores e acadêmicos brancos brasileiros procurarem empregar o termo arte afro-brasileira em uma tentativa inócua de acomodar a frequente inclusão do termo no discurso nacional desde 1988, o termo ainda não se difundiu no pensamento e no discurso popular” ( CLEVELAND, 2013CLEVELAND, Kimberly L. Black Art in Brazil . Gainsville: University Press of Florida, 2013. , p. 17, tradução minha).

É possível argumentar que “afro-brasileira” e suas derivações são expressões que, desde os anos 1980, vêm sendo adotadas por agentes com diversas ascendências étnicas e marcações raciais, estando difundidas em vários contextos sociais no Brasil. Mas é necessário ressaltar que a cor da pele e outros traços fenotípicos continuam sendo usados, de modo decisivo, nos processos de identificação e de exclusão social de afrodescendentes, entre outras práticas que mantêm as disparidades que caracterizam a sociedade brasileira. O que ajuda a entender por que a questão da negritude, da cor da pele como marcador social e signo de distinção e de pertença cultural, voltou a ser priorizada recentemente.

Assim, a variação recente na nomeação me parece estar vinculada menos à temática e mais à autoria. Mesmo que se entenda quão problemática é a fixação taxonômica no campo artístico, assim como os riscos de reforçar a racialização e seus deletérios efeitos, o retorno às designações “arte preta”, “arte negra” e suas derivações pode ajudar a enfrentar a heterogeneidade fragilmente limitada das concepções de arte “negra” ou “afro-brasileira” delineadas desde os anos 1950, na qual a possibilidade de inclusão sem balizas precisas tem como par o risco da generalidade, além da já observada prática excludente.

É certo que a experiência do mundo está aberta a todos e é feita por cada pessoa a partir de sua condição individual e social. E que, não existindo Brasil sem África, mesmo quem se imagina desvinculado da cultura africana está a ela de alguma maneira associado ao falar português e viver em cidades brasileiras. Entretanto, além das representações baseadas no exotismo e visando à exploração do outro, a falta de critérios mínimos para configurar esse campo é problemática também por validar a priori a representação dos afrodescendentes pelos outros, sob pena de preservar a norma vigente durante a escravidão, quando os africanos e seus descendentes quase sempre eram objetos e muito raramente sujeitos da (auto)representação, o que infelizmente ainda persiste no país.

O que me faz retornar a Oiticica e a Mestre Didi, com os quais eu comecei esse breve ensaio. Em 1968, suas obras foram tomadas por Bernardes e Zingg como “manifestações vanguardistas”. Qual é o entendimento atual dessa vanguarda e suas relações com o universo cultural afro no Brasil?

Sem sombra de dúvida, a obra de Oiticica tem se expandido globalmente. Mas os diálogos que ele plasmou com o universo sociocultural afro-brasileiro não têm suscitado leituras em volume minimamente proporcional6 6 . Sobre esses diálogos, ver: BASBAUM; COIMBRA, (2002 , pp. 58-59), CONDURU (2007 , p. 83; 2020), CROCKETT (2020) . . A meu ver, a crítica de suas obras, assim como as de Emiliano Di Cavalcanti, Lasar Segall, José Medeiros, Carybé e Pierre Verger, entre outros, pode ajudar a estabelecer parâmetros com os quais pensar os modos como artistas e outros agentes artísticos não afrodescendentes ou não vistos racialmente como negros dialogaram e dialogam com o africanismo no Brasil. E, não custa lembrar, além dos cruciais adjetivos, é preciso atentar para o substantivo e pensar a dimensão propriamente artística do que é proposto como arte “preta”, “negra” ou “afro-brasileira”, entre outras qualificações.

Embora tenha se lançado como artista plástico há quase 60 anos e tenha seu nome relativamente consolidado no meio de arte, Mestre Didi continua sendo uma exceção que confirma a regra de exclusão dos artistas afrodescendentes e da arte proveniente do campo religioso afro-brasileiro. Sua obra é pouco apresentada e discutida além de mostras e publicações com foco no africanismo, sendo raramente considerada como obra de um sujeito que refletia sobre o mundo e se expressava artisticamente com o imaginário, a linguagem e a técnica que ele elegeu de modo consciente, entre outras possibilidades, assim como fizeram e fazem outros tantos artistas7 7 . Entre as exceções, destaco Mestre Didi , sala especial com curadoria de Emanoel Araujo, na 23ª Bienal Internacional de São Paulo, com curadoria de Nelson Aguilar, em 1996, e sua participação no 29º Panorama da Arte Brasileira, realizado no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com curadoria de Felipe Chaimovich, em 2005. . E a arte sacra afro-brasileira, que antes caracterizava quase exclusivamente a “arte negra”, agora segue sendo negligenciada8 8 . Além das exposições curadas por Emanoel Araujo, é possível destacar alguns estudos: MOURÃO (2012) , MENEZES (2015) , ALMEIDA (2016) , VIEIRA ANDRADE (2017) . . Reduzindo esse subcampo a Mestre Didi, ao mesmo tempo que limitam seu trabalho à dimensão sacra, agentes e instituições artísticas se eximem de pensar outros artistas e suas obras, bem como as dimensões estética e artística da macumba.

Aproximados na galeria G4 em 1966, Hélio Oiticica e Mestre Didi podem ser vistos como um instigante par cujas trajetórias e obras persistem desafiando o campo artístico e sua história, no Brasil e além.

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  • VIEIRA ANDRADE, Renan. Como Fazer Santas e Sereias: imaginária de Umbanda, Design e Sociedade. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade Anhembi Morumbi, 2017.

NOTAS

  • 1
    . Aqui se usa o termo não em seus sentidos específicos, mas em sua acepção generalizante das religiões afro-brasileiras, seus rituais e parte de sua cultura material, para reverter a visão pejorativa. A esse respeito, ver: PRANDI (1990)PRANDI, Reginaldo. Modernidade com feitiçaria: candomblé e umbanda no Brasil do século XX. Tempo Social , São Paulo, v. 2, n. 1, 1° sem. 1990, pp. 49-74. .
  • 2
    . Sobre o uso dos sistemas cartográfico, monetário e de comunicação jornalística e televisiva por artistas brasileiros então, ver: SHTROMBERG (2016)SHTROMBERG, Elena. Art Systems: Brazil and the 1970s. Austin: The University of Texas Press, 2016. .
  • 3
    . Sobre esse processo, ver: MAGGIE (1992)MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992. , CORRÊA (2006)CORRÊA, Alexandre Fernandes. Museu mefistotélico: significado cultural da Coleção de Magia Negra do Rio de Janeiro, primeiro Patrimônio Etnográfico do Brasil (1938). Rio de Janeiro: CNPq; UFRJ, 2006. , CONDURU (2008)CONDURU, Roberto (org.). Relicário multicor. A Coleção de Cultos Afro-Brasileiros do Museu da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro Cultural Municipal José Bonifácio, 2008. , RAFAEL (2012)RAFAEL, Ulisses Neves. Xangô rezado baixo. Religião e política na primeira república . São Cristóvão: Editora UFS; Maceió: Edufal, 2012. , VALLE (2018VALLE, Arthur. Transe ameaçado: Cultura visual religiosa afrobrasileira e repressão policial durante as primeiras décadas do século XX. Anais do XXXVII Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte: História da Arte em Transe . Salvador: Comitê Brasileiro de História da Arte, 2018, pp. 196-206. ; 2020), ALMEIDA (2020)ALMEIDA, Anderson Diego da Silva. Nas cinzas da Coleção Perverança, a memória arde. A mão afro-alagoana além da Quebra de Xangô. Tese de Doutorado em Artes Visuais. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2020. .
  • 4
    . Bienal da Bahia foi mais importante fato artístico do ano, segundo Gerchman ( apud JORNAL do Brasil, 1966, p. 10), LAUS (1967)LAUS, Harry. Premiação da Bienal da Bahia. Jornal do Brasil , Rio de Janeiro, caderno B, 5 jan. 1967, p. 2. . O júri de premiação foi composto por Clarival do Prado Valladares, Mário Pedrosa, Mário Schemberg, Riolan Coutinho e Wilson Martins.
  • 5
    . Sobre Manuel Querino, ver: LEAL (2009)LEAL, Maria das Graças de Andrade. Manuel Querino entre letras e lutas – Bahia: 1851-1923 . São Paulo: Annablume, 2009. .
  • 6
    . Sobre esses diálogos, ver: BASBAUM; COIMBRA, (2002BASBAUM, Ricardo; COIMBRA, Eduardo (orgs.). Afro-américas. Item: Revista de Arte , Rio de Janeiro, Espaço Agora/Capacete, n. 5, 2002, pp. 58-59. , pp. 58-59), CONDURU (2007CONDURU, Roberto. Arte Afro-Brasileira . Belo Horizonte: C/Arte, 2007. , p. 83; 2020), CROCKETT (2020)CROCKETT, Vivian A. War Heroes: Toward a Poethics of Blackness in Hélio Oiticica. In PEDROSA, Adriano; TOLEDO, Tomás (orgs.). Hélio Oiticica: Dance in My Experience. São Paulo: MASP, 2020, pp. 132-145. .
  • 7
    . Entre as exceções, destaco Mestre Didi , sala especial com curadoria de Emanoel Araujo, na 23ª Bienal Internacional de São Paulo, com curadoria de Nelson Aguilar, em 1996, e sua participação no 29º Panorama da Arte Brasileira, realizado no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com curadoria de Felipe Chaimovich, em 2005.
  • 8
    . Além das exposições curadas por Emanoel Araujo, é possível destacar alguns estudos: MOURÃO (2012)MOURÃO, Tadeu. Encruzilhada da cultura: imagens de Exu e Pombagira. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2012. , MENEZES (2015)MENEZES, Hélio. Atravessando fronteiras: uma releitura da antropologia da arte proposta por Alfred Gell a partir de um ibiri de Mestre Didi. Revista UFMG , Belo Horizonte, v. 22, n. 1-2, jan./dez. 2015, pp. 104-123. , ALMEIDA (2016)ALMEIDA, Anderson Diego da Silva. Artefatos do “Quebra”: indumentária étnica, história e estética da Coleção Perseverança. Odeere , Jequié, v. 1, n. 1, jan.-jun. 2016, pp. 188-212. , VIEIRA ANDRADE (2017)VIEIRA ANDRADE, Renan. Como Fazer Santas e Sereias: imaginária de Umbanda, Design e Sociedade. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade Anhembi Morumbi, 2017. .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2021
  • Aceito
    21 Jun 2021
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