Acessibilidade / Reportar erro

Qualidade de vida e adesão medicamentosa para pessoas hipertensas

Resumo

Objetivo:

Analisar a correlação entre adesão medicamentosa e qualidade de vida para pessoas hipertensas assistidas em Unidades Básicas de Saúde.

Métodos:

Estudo transversal, analítico, com amostra aleatória e representativa. Avaliou-se a correlação entre qualidade de vida e adesão medicamentosa, utilizando-se o Minichal Brasil e a escala Morisky de adesão medicamentosa.

Resultados:

Participaram do estudo 720 pessoas, acompanhadas em 13 Unidades Básicas de Saúde. A média de idade foi de 62,5 anos. O coeficiente de Spearman revelou uma correlação inversa (Rho = -0,130) e estatisticamente significante (p=0,001), de fraca magnitude.

Conclusão:

A correlação inversa significa que maior adesão (maiores escores na escala Morisky) equivale a melhor qualidade de vida (menores escores da escala Minichal Brasil). A fraca correlação entre qualidade de vida e adesão medicamentosa reforça a ideia de que qualidade de vida para hipertensos está relacionada a outros fatores, sugerindo novas investigações.

Descritores
Adesão à medicação; Hipertensão; Pressão sanguínea; Qualidade de vida; Enfermagem de atenção primária

Abstract

Objective:

To analyze the correlation between medication adherence and quality of life for hypertensive people attended at Basic Health Units (UBS - Unidade Básica de Saúde).

Methods:

Cross-sectional analytical study with a random and representative sample. The correlation between quality of life and medication adherence was evaluated by using the Minichal Brazil and the Morisky scale of medication adherence.

Results:

The study included 720 people monitored in 13 Basic Health Units. The mean age was 62.5 years old. The Spearman's coefficient revealed an inverse (Rho = -0.130) and statistically significant (p = 0.001) correlation of low magnitude.

Conclusion:

The inverse correlation means that greater adherence (higher scores of Morisky scale) equals better quality of life (lower scores of Brazil Minichal scale). The weak correlation between quality of life and medication adherence reinforces the idea that quality of life for hypertensive people is related to other factors, suggesting further research.

Keywords
Medication adherence; Hypertension; Blood pressure; Quality of life; Primary care nursing

Introdução

A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é uma condição clínica, multifatorial, caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial. Está associada a alterações metabólicas e da função e/ou estrutura de órgãos vitais, o que se reflete em aumento do risco de eventos cardiovasculares e elevada mortalidade.(11. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz Brasileira de Prevenção Cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2013; 6(Supl.2):1–63.,2)2. Chobanian AV. The hypertension paradox - more uncontrolled disease despite improved therapy. N Engl J Med. 2009; 361: 878–87. A prevalência deste problema de saúde tem aumentado, e a perspectiva é de que existirão, aproximadamente, 1,5 bilhões de hipertensos no mundo por volta do ano de 2025.(3)3. Cesarino CB, Cipullo JP, Martin JF, Ciorlia LA, Godoy MR, Cordeiro JA, et al. Prevalência e fatores sociodemográficos em hipertensos de São José do Rio Preto. Arq Bras Cardiol. 2008; 91(1):31–5. No Brasil, estudos apontam prevalência de 20% a 30% em indivíduos adultos, chagando a 75% em pessoas acima de 70 anos de idade.(44. Rosário TM, Scala LC, França GV, Pereira MR, Jardim PC. Prevalência, controle e tratamento da hipertensão arterial sistêmica em Nobres, MT. Arq Bras Cardiol. 2009; 93(6):672–8.,5)5. Moreira JP, Moraes JR, Luiz RR. Prevalence of self-reported systemic arterial hypertension in urban and rural environments in Brazil: a population-based study. Cad Saúde Pública. 2013; 29(1):62–72.

As repercussões da HAS a longo prazo se associam, pelo menos, em parte, às suas caracteristicas de doença crônica, frequentemente assintomática e, por isso, muitas vezes desconhecida ou negligenciada pelos próprios pacientes. (11. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz Brasileira de Prevenção Cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2013; 6(Supl.2):1–63.,3)3. Cesarino CB, Cipullo JP, Martin JF, Ciorlia LA, Godoy MR, Cordeiro JA, et al. Prevalência e fatores sociodemográficos em hipertensos de São José do Rio Preto. Arq Bras Cardiol. 2008; 91(1):31–5. Outro fato é que existe uma tendência de baixa adesão à terapia medicamentosa entre os pacientes hipertensos, apesar de existir um amplo arsenal terapêutico, reconhecidamente eficaz para o seu controle.(6)6. Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010; 95(Supl 1):1–51. Diversos fatores têm sido associados com a não adesão à medicação pelo paciente hipertenso. A dificuldade em aderir ao tratamento está ligada a diversos motivos, desde aqueles relacionados à disponibilidade e gratuidade de medicamentos, à forma de como o paciente consegue lidar com esta situação, à maneira de como foi orientado, à dificuldade em mudar seu estilo de vida e suas rotinas diárias, até à forma como a família pode influenciar e adaptar a novas mudanças.(77. Martins LC, Martins LM, Ubaid-Girioli S, Moreno Júnior H. Tratamento medicamentoso do paciente com hipertensão de difícil controle. Rev Bras Hipertensão. 2008; 15(1):28–33.,8)8. Martins AG, Chavaglia SR, Ohl RI, Martins IM, Gamba MA. Adesão ao tratamento clínico ambulatorial da hipertensão arterial sistêmica. Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):266–72.

Por se tratar de uma condição crônica, com potenciais desfechos graves, a HAS tem um impacto sobre a qualidade de vida dos pacientes. Por outro lado, efeitos indesejáveis das drogas anti-hipertensivas também podem interferir na qualidade de vida dos pacientes e levar a uma limitada adesão terapêutica.(9)9. Duarte-Silva D, Figueiras A, Herdeiro MT, Teixeira Rodrigues A, Silva Branco F, Polónia J, et al. PERSYVE - Design and validation of a questionnaire about adverse effects of antihypertensive drugs. Pharm Pract (Granada). 2014; 12(2):396. Além disso, repercussões da própria doença sobre a qualidade de vida, podem gerar impactos emocionais sobre a vida da pessoa, fazendo com que ela desista da medicação, não veja motivos para tomar, não consiga perceber avanços no tratamento, pense muito nas limitações ou não perceba melhora em seu comportamento. É fácil perceber, portanto, que existe uma complexa interação entre qualidade de vida em pacientes hipertensos e adesão medicamentosa que deve ser mais bem compreendida pelos profissionais de saúde.(10)10. Chin YR, Lee IS, Lee HY. Effects of hypertension, diabetes, and/or cardiovascular disease on health related quality of life in elderly Korean individuals: a population-based cross-sectional survey. Asian Nurs Res (Korean Soc Nurs Sci). 2014; 8(4):267–73. Uma adequada abordagem do paciente hipertenso deve considerar não apenas as características de cada indivíduo e os níveis pressóricos, mas também as implicações da doença e seu tratamento sobre a qualidade de vida, entendida como a percepção de cada indivíduo sobre as condições em que vive, em um contexto de múltiplas dimensões em relação aos seus objetivos e expectativas.(1111. Zhu X, Wong FK, Wu LH. Development and evaluation of a nurse-led hypertension management model in a community: a pilot randomized controlled trial. Int J Clin Exp Med. 2014; 7(11):4369–77.,12)12. Carvalho MA, Silva IB, Ramos SB, Coelho LF, Gonçalves ID, Figueiredo Neto JA. Qualidade de vida de pacientes hipertensos e comparação entre dois instrumentos de medida de QVRS. Arq Bras Cardiol. 2012, 98(5):442–51.

A literatura ainda registra lacunas em relação à adesão medicamentosa e qualidade de vida para hipertensos no Brasil. Ainda não existem estudos que avaliam essa relação em contextos de maior vulnerabilidade social. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo analisar a correlação entre adesão medicamentosa e qualidade de vida em pacientes hipertensos em pacientes assistidos pelo Sistema Único de Saúde em uma cidade do norte de Minas Gerais.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal e analítico, conduzido em um município de porte médio no norte de Minas Gerais. A região se caracteriza por indicadores sociais e econômicos que denotam significativa vulnerabilidade populacional.

A seleção de pacientes ocorreu por amostragem probabilística, a partir da geração de números aleatórios, por conglomerados, com alocação a partir das Unidades Básicas de Saúde (UBS) da Estratégia Saúde da Família (ESF), proporcional ao número de indivíduos hipertensos cadastrados. O registro dos hipertensos foi obtido a partir do prontuário físico do paciente e ficha de cadastro no Programa Hiperdia. O número total de hipertensos para o estudo foi definido considerando uma prevalência de 25%,(33. Cesarino CB, Cipullo JP, Martin JF, Ciorlia LA, Godoy MR, Cordeiro JA, et al. Prevalência e fatores sociodemográficos em hipertensos de São José do Rio Preto. Arq Bras Cardiol. 2008; 91(1):31–5.5)5. Moreira JP, Moraes JR, Luiz RR. Prevalence of self-reported systemic arterial hypertension in urban and rural environments in Brazil: a population-based study. Cad Saúde Pública. 2013; 29(1):62–72. uma população estimada de 30 mil pessoas adultas assistidas pela ESF, uma margem de erro de 5% e um nível de confiança de 95%. Considerando tratar-se de uma amostragem por conglomerados, o número identificado foi multiplicado por um fator de correção (deff) de 2 e acrescido de 20% para eventuais perdas. Assim, número mínimo de pessoas para o estudo definido pelo cálculo amostral foi de 687 pessoas.

Foram considerados elegíveis para o estudo pessoas com idade igual ou superior a 18 anos e com diagnóstico médico de hipertensão arterial, efetivamente cadastradas e acompanhadas pelas equipes de saúde. Foram excluídos indivíduos acamados, hospitalizados ou cuja família considerava incapaz de responder ao questionário, por inabilidade cognitiva.

A coleta de dados foi realizada por equipe de profissionais de saúde (enfermeiros e técnicos), especialmente treinada, com uso de instrumentos previamente validados. Foram identificadas variáveis sócio-demográficas e avaliação das condições de saúde, além dos instrumentos específicos para avaliação da qualidade de vida e adesão medicamentosa.

Para avaliação da qualidade de vida foi utilizado instrumento validado específico para pessoas que vivem com a HAS, o Minichal Brasil. Trata-se de questionário composto por 17 itens e dois domínios (Manifestações Somáticas e Estado Mental). As respostas são distribuídas em uma escala de frequência do tipo Likert, com quatro opções de respostas, de 0 (Não, absolutamente) a 3 (Sim, muito). Nessa escala, quanto mais próximo de 0 estiver o resultado, melhor a Qualidade de Vida.(1212. Carvalho MA, Silva IB, Ramos SB, Coelho LF, Gonçalves ID, Figueiredo Neto JA. Qualidade de vida de pacientes hipertensos e comparação entre dois instrumentos de medida de QVRS. Arq Bras Cardiol. 2012, 98(5):442–51.14)14. Soutello AL, Rodrigues RC, Jannuzzi FF, São-João TM, Martinix GG, Nadruz Júnior Wi, et al. Qualidade de vida na hipertensão arterial: validade de grupos conhecidos do MINICHAL. Arq Bras Cardiol. 2015; 104(4):299–307.

Para a avaliação da adesão medicamentosa foi utilizada a escala de adesão medicamentosa de Morisky, Green e Levine, versão adaptada para a cultura brasileira. A escala contém quatro questões relativas aos fatores da não adesão. Foi desenvolvida para pacientes com HAS e posteriormente indicada para utilização na identificação de fatores da não adesão de qualquer classe de medicamentos. As quatro questões estão relacionadas à: esquecimento, descuido, interrupção do uso do medicamento por perceber melhora e interrupção da terapia pela percepção de piora do quadro clínico.(15)15. Morisky DE, Green LW, Levine MA. Concurrent and predictive validity of a selfreported measure of medication adherence. Med Care 1986; 24: 67–74.

A classificação é definida como alto grau de adesão, quando as respostas a todas as perguntas são negativas. O paciente é classificado no grupo de média adesão quando uma a duas respostas são afirmativas e, se três ou quatro respostas são afirmativas, a classificação é de baixa adesão.(15)15. Morisky DE, Green LW, Levine MA. Concurrent and predictive validity of a selfreported measure of medication adherence. Med Care 1986; 24: 67–74.

A coleta de dados ocorreu nas UBS às quais as pessoas estavam vinculadas ou no próprio domicílio, com uso de equipamentos (balanças, estadiômetros e aparelhos de pressão) já validados em pesquisas similares.

Os dados coletados foram analisados por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®), versão 18.0 (SPSS for Windows, Chicago, EUA), de forma descritiva e analítica. A normalidade dos dados foi testada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. O coeficiente de correlação de Spearman (Rho) foi empregado para verificar a relação entre a adesão medicamentosa e a qualidade de vida. Coeficientes de correlação menores de 0,30 foram considerados de fraca magnitude, entre 0,30 e 0,50 de moderada magnitude e maiores de 0,50, de forte magnitude. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05).

Todos os participantes concordaram com sua participação no estudo, registrando assinatura ou digital no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi registrado na Plataforma Brasil sob o número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 28611114.9.0000.5146.

Resultados

Foram coletadas informações de 720 pessoas sabidamente hipertensas, acompanhadas em todas as 13 UBS. O tempo médio de diagnóstico da hipertensão foi de 13,0 (±9,9) anos, segundo registros nos prontuários e a grande maioria fazia uso atual de medicação anti-hipertensiva (94,4%).

A média de idade do grupo foi de 62,5 (±13 anos). A maioria era do sexo feminino (71,8%), referia cor da pele parda (51,5%) e de estado civil correspondente a casado ou união estável (55,0%). Quanto à escolaridade, 53,4% dos respondentes referiram possuir até quatro anos de estudo. Sobre as condições de saúde, registrou-se que 42,1% dos entrevistados referiram ter colesterol elevado; 31,7% relataram diabetes como morbidade associada e 27,3% informaram algum problema cardíaco. A caracterização demográfica, socioeconômica e de condições de saúde do grupo estudado está apresentada na tabela 1.

Tabela 1
Perfil demográfico, socioeconômico e de condições de saúde de pessoas hipertensas

Os resultados da avaliação da QV relacionada à saúde e adesão medicamentosa estão dispostos na tabela 2. O grupo apresentou uma média geral de QV de 12,35, com melhor desempenho para o domínio de “Manifestações somáticas”. Sobre a adesão medicamentosa, aproximadamente metade do grupo caracterizou por média ou baixa adesão.

Tabela 2
Domínios da qualidade de vida e Classificação da adesão ao tratamento em pessoas hipertensas

Na análise de correlação, registrou-se uma correlação inversa entre as variáveis adesão medicamentosa e qualidade de vida, mas os testes apontam que essa correlação foi de fraca magnitude, conforme tabela 3.

Tabela 3
Correlação de Spearman (Rho) entre qualidade de vida (Minichal-Brasil) e adesão medicamentosa para pessoas hipertensas

Discussão

Os resultados deste estudo mostraram correlação inversa, estatisticamente significante, entre qualidade de vida e adesão medicamentosa em pessoas que vivem com a hipertensão arterial sistêmica, mas esta correlação mostrou-se de fraca magnitude. As correlações mais altas foram observadas no domínio Manifestações Somáticas e na avaliação total da qualidade de vida segundo o instrumento Minichal Brasil. Uma correlação inversa significa que maior adesão (maiores escores na escala Morisky) equivale a melhor qualidade de vida (menores escores da escala Minichal Brasil). A magnitude da correlação retrata seu caráter matemático, que é mais próxima de zero, e, portanto, considerada fraca.

A literatura regista uma situação conflituosa sobre a relação entre qualidade de vida e adesão medicamentosa entre pessoas que vivem com a hipertensão. Um estudo transversal aponta a existência de relação,(17)17. Holt EW, Muntner P, Joyce CJ, Webber L, Krousel-Wood MA. Health-related quality of life and antihypertensive medication adherence among older adults. Age Ageing. 2010; 39(4):481–7. mas outros relatam não existir esta relação.(1818. Cotê I, Farris K, Feeny D. Is adherence to drug treatment correlated with health-related quality of life? Qual Life Res. 2003; 12(6):621–33.20)20. Saleem F, Hassali MA, Shafie AA, Awad GA, Atif M, ul Haq N, et al. Does treatment adherence correlates with health related quality of life? Findings from a cross sectional study. BMC Public Health. 2012; 12: 318.

Para a correlação entre qualidade de vida e adesão medicamentosa, todos os estudos identificados utilizaram para avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde o questionário de WHOQOL, instrumento desenvolvido pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde.(1717. Holt EW, Muntner P, Joyce CJ, Webber L, Krousel-Wood MA. Health-related quality of life and antihypertensive medication adherence among older adults. Age Ageing. 2010; 39(4):481–7.20)20. Saleem F, Hassali MA, Shafie AA, Awad GA, Atif M, ul Haq N, et al. Does treatment adherence correlates with health related quality of life? Findings from a cross sectional study. BMC Public Health. 2012; 12: 318. Para avaliação da adesão medicamentosa, no estudo de Holt et al (2010) (17)17. Holt EW, Muntner P, Joyce CJ, Webber L, Krousel-Wood MA. Health-related quality of life and antihypertensive medication adherence among older adults. Age Ageing. 2010; 39(4):481–7. e de Cotê, Farris, Feeny (2003)(18)18. Cotê I, Farris K, Feeny D. Is adherence to drug treatment correlated with health-related quality of life? Qual Life Res. 2003; 12(6):621–33. foi utilizada a escala de Morisky, muito embora para avaliar a associação da qualidade de vida tenham utilizado o WHOQOL.

Os outros estudos identificados que avaliaram a correlação entre qualidade de vida e adesão medicamentosa em hipertensos(1919. Hanus JS, Simões PW, Amboni G, Ceretta LB, Tuon LG. Associação entre a qualidade de vida e adesão à medicação de indivíduos hipertensos. Acta Paul Enferm. 2015; 28(4):381–87.,20)20. Saleem F, Hassali MA, Shafie AA, Awad GA, Atif M, ul Haq N, et al. Does treatment adherence correlates with health related quality of life? Findings from a cross sectional study. BMC Public Health. 2012; 12: 318. utilizaram o Instrumento para Avaliação da Adesão ao Tratamento (DAI-10). Trata-se de um questionário composto por dez questões que avaliam aspectos comportamentais em relação aos cuidados com a HAS, além do próprio controle pressórico.(19)19. Hanus JS, Simões PW, Amboni G, Ceretta LB, Tuon LG. Associação entre a qualidade de vida e adesão à medicação de indivíduos hipertensos. Acta Paul Enferm. 2015; 28(4):381–87.

Neste sentido, ressalta-se o fato de que não foram identificados estudos que utilizaram instrumentos de avaliação da qualidade de vida e adesão medicamentosa específicos para pessoas que vivem com a HAS com análise de relação entre estas variáveis, como os usados no presente estudo, o que impede a confrontação de resultados com estudos de delineamento semelhante. Embora não haja nenhum padrão-ouro para a avaliação da adesão medicamentosa e qualidade de vida é aconselhável a utilização de instrumentos específicos.(20)20. Saleem F, Hassali MA, Shafie AA, Awad GA, Atif M, ul Haq N, et al. Does treatment adherence correlates with health related quality of life? Findings from a cross sectional study. BMC Public Health. 2012; 12: 318.

Outros estudos que avaliam a relação entre qualidade de vida e adesão medicamentosa em portadores de doença crônica identificaram fatores influenciadores como as crenças dos pacientes (auto-eficácia), suas atitudes e conhecimentos sobre o tratamento da doença (literácia ou alfabetização em saúde) e o apoio dos profissionais de saúde para maior empoderamento.(2121. Jannuzzi FF, Cintra FA, Rodrigues RC, São-João TM, Gallani MC. Adesão medicamentosa e qualidade de vida em idosos com retinopatia diabética. Rev Lat Am Enfermagem. 2014; 22(6):902–10.23)23. Williams GC, Patrick H, Niemiec CP, Williams LK, Divine G, Lafata JE, et al. Reducing the health risks of diabetes: how self-determination theory may help improve medication adherence and quality of life. Diabetes Educ 2009; 35: 484–92. No presente estudo, não foram investigados os fatores associados à maior adesão, mas é possível que, em consonância com a literatura, o apoio dos profissionais de saúde também seja um aspecto relevante.

Em um estudo transversal realizado no sudeste de Louisiana, Estados Unidos da América, com população de hipertensos acima de 65 anos foi identificada associação entre a baixa qualidade de vida e a baixa adesão a anti-hipertensivo, sendo relacionados a vários motivos, entre eles o bem-estar psicossocial. Contudo, segundo conclusões do estudo, o mecanismo exato através do qual a qualidade de vida está associada à adesão medicamentosa parte de uma complexa rede de características psicossociais que podem impactar negativamente a capacidade do paciente para gerir a sua doença crônica, como suas crenças pessoais, autocuidado em saúde, atitudes e conhecimentos sobre a doenças e expectativas pessoais e do seu grupo social em relação à vida.(17)17. Holt EW, Muntner P, Joyce CJ, Webber L, Krousel-Wood MA. Health-related quality of life and antihypertensive medication adherence among older adults. Age Ageing. 2010; 39(4):481–7.

É relevante destacar que o grupo estudado mostrou-se representativo de pessoas idosas (média de idade igual a 62,5 anos), o que vai ao encontro da valorização da qualidade de vida em portadores de doenças crônicas, especialmente pelo fato da crescente longevidade nestes indivíduos.(24)24. Arbex FS, Almeida EA. Qualidade de vida e hipertensão arterial no envelhecimento. Rev Bras Clin Med 2009; 7(5):339–42.

A adequada abordagem do paciente hipertenso deve avaliar as características de cada indivíduo, levando em conta não somente os níveis pressóricos, como também as implicações da doença e seu tratamento na vida (e na qualidade de vida) de cada indivíduo. Estas orientações são baseadas no fato de que somente uma pequena fração da população hipertensa tem apenas níveis pressóricos elevados, sendo que a grande maioria exibe fatores de risco adicionais, como a dislipidemia, o tabagismo, o diabetes, etc.(6)6. Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010; 95(Supl 1):1–51. O agrupamento de fatores de risco cardiovascular no hipertenso é muito frequente, sendo que 80% destes pacientes têm uma ou mais condições associadas. Na combinação de HAS com estes fatores, o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares é maior do que a soma destes fatores individuais.(66. Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010; 95(Supl 1):1–51.,20)20. Saleem F, Hassali MA, Shafie AA, Awad GA, Atif M, ul Haq N, et al. Does treatment adherence correlates with health related quality of life? Findings from a cross sectional study. BMC Public Health. 2012; 12: 318.

Importante ressaltar que além do tratamento medicamentoso, as pessoas que vivem com a hipertensão devem aderir também a um estilo de vida com hábitos que incluem controle do peso, alimentação com restrição de sal, interrupção do tabagismo e prática de atividade física.(25)25. Wal P, Wal A, Bhandari A, Pandey U, Rai AK. Pharmacist involvement in the patient care improves outcome in hypertension patients. J Res Pharm Pract. 2013; 2(3):123–9. Os dados deste estudo apontam que grande parcela do grupo é adepta a tais hábitos, contudo um número grande de indivíduos apresenta-se com IMC acima do recomendado.

A fraca correlação entre qualidade de vida e adesão medicamentosa reforça a ideia de que qualidade de vida está relacionada a uma série de fatores e não pode estar limitada apenas a adesão medicamentosa.(20)20. Saleem F, Hassali MA, Shafie AA, Awad GA, Atif M, ul Haq N, et al. Does treatment adherence correlates with health related quality of life? Findings from a cross sectional study. BMC Public Health. 2012; 12: 318. Embora outras variáveis não tenham sido analisadas neste estudo, a população avaliada, restrita ao contexto das UBS, em uma região de baixos indicadores socioeconômicos, destaca a relevância do estudo e reforça o papel dos profissionais de saúde da ESF para assegurar maior adesão terapêutica e melhor qualidade de vida para a população assistida.

O presente estudo deve ser considerado à luz de algumas limitações. Uma delas está relacionada ao fato dos dados serem autorrelatados, considerando-se que existe o desejo social de exemplo imposto a população idosa, mais prevalente na amostra. A elevada proporção de pessoas aderentes à terapia anti-hipertensiva pode ser resultado de respostas que não traduzem a realidade dos fatos. No presente estudo também não foram aferidos os níveis pressóricos e averiguada a adesão às medidas não medicamentosas de controle da hipertensão, o que poderia reforçar os dados da escala de adesão utilizada.

Conclusão

A correlação entre qualidade de vida e adesão medicamentosa mostrou-se inversa e estatisticamente significante, destacando que a maior adesão implica melhor qualidade de vida, mas tal associação apresentou-se de fraca magnitude. São necessários novos estudos, com abordagens que permitam a identificação dos fatores associados à maior adesão terapêutica, e, dessa forma, auxiliem os profissionais de saúde nas suas atividades de promoção da saúde e de melhor qualidade de vida.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - FAPEMIG (CDS - APQ-00729-13).

Referências

  • 1
    Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz Brasileira de Prevenção Cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2013; 6(Supl.2):1–63.
  • 2
    Chobanian AV. The hypertension paradox - more uncontrolled disease despite improved therapy. N Engl J Med. 2009; 361: 878–87.
  • 3
    Cesarino CB, Cipullo JP, Martin JF, Ciorlia LA, Godoy MR, Cordeiro JA, et al. Prevalência e fatores sociodemográficos em hipertensos de São José do Rio Preto. Arq Bras Cardiol. 2008; 91(1):31–5.
  • 4
    Rosário TM, Scala LC, França GV, Pereira MR, Jardim PC. Prevalência, controle e tratamento da hipertensão arterial sistêmica em Nobres, MT. Arq Bras Cardiol. 2009; 93(6):672–8.
  • 5
    Moreira JP, Moraes JR, Luiz RR. Prevalence of self-reported systemic arterial hypertension in urban and rural environments in Brazil: a population-based study. Cad Saúde Pública. 2013; 29(1):62–72.
  • 6
    Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010; 95(Supl 1):1–51.
  • 7
    Martins LC, Martins LM, Ubaid-Girioli S, Moreno Júnior H. Tratamento medicamentoso do paciente com hipertensão de difícil controle. Rev Bras Hipertensão. 2008; 15(1):28–33.
  • 8
    Martins AG, Chavaglia SR, Ohl RI, Martins IM, Gamba MA. Adesão ao tratamento clínico ambulatorial da hipertensão arterial sistêmica. Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):266–72.
  • 9
    Duarte-Silva D, Figueiras A, Herdeiro MT, Teixeira Rodrigues A, Silva Branco F, Polónia J, et al. PERSYVE - Design and validation of a questionnaire about adverse effects of antihypertensive drugs. Pharm Pract (Granada). 2014; 12(2):396.
  • 10
    Chin YR, Lee IS, Lee HY. Effects of hypertension, diabetes, and/or cardiovascular disease on health related quality of life in elderly Korean individuals: a population-based cross-sectional survey. Asian Nurs Res (Korean Soc Nurs Sci). 2014; 8(4):267–73.
  • 11
    Zhu X, Wong FK, Wu LH. Development and evaluation of a nurse-led hypertension management model in a community: a pilot randomized controlled trial. Int J Clin Exp Med. 2014; 7(11):4369–77.
  • 12
    Carvalho MA, Silva IB, Ramos SB, Coelho LF, Gonçalves ID, Figueiredo Neto JA. Qualidade de vida de pacientes hipertensos e comparação entre dois instrumentos de medida de QVRS. Arq Bras Cardiol. 2012, 98(5):442–51.
  • 13
    Melchiors AC, Correr CJ, Pontarolo R, Santos FO, Souza RA. Qualidade de vida em pacientes hipertensos e validade concorrente do Minichal-Brasil. Arq Bras Cardiol. 2010; 94(3):357–64.
  • 14
    Soutello AL, Rodrigues RC, Jannuzzi FF, São-João TM, Martinix GG, Nadruz Júnior Wi, et al. Qualidade de vida na hipertensão arterial: validade de grupos conhecidos do MINICHAL. Arq Bras Cardiol. 2015; 104(4):299–307.
  • 15
    Morisky DE, Green LW, Levine MA. Concurrent and predictive validity of a selfreported measure of medication adherence. Med Care 1986; 24: 67–74.
  • 16
    Ferreira MC, Gallani MC. Adaptação transcultural do instrumento de Morisky de adesão a medicação para pacientes com insuficiência cardíaca. Rev Soc Cardiol São Paulo. 2006; 16: 116.
  • 17
    Holt EW, Muntner P, Joyce CJ, Webber L, Krousel-Wood MA. Health-related quality of life and antihypertensive medication adherence among older adults. Age Ageing. 2010; 39(4):481–7.
  • 18
    Cotê I, Farris K, Feeny D. Is adherence to drug treatment correlated with health-related quality of life? Qual Life Res. 2003; 12(6):621–33.
  • 19
    Hanus JS, Simões PW, Amboni G, Ceretta LB, Tuon LG. Associação entre a qualidade de vida e adesão à medicação de indivíduos hipertensos. Acta Paul Enferm. 2015; 28(4):381–87.
  • 20
    Saleem F, Hassali MA, Shafie AA, Awad GA, Atif M, ul Haq N, et al. Does treatment adherence correlates with health related quality of life? Findings from a cross sectional study. BMC Public Health. 2012; 12: 318.
  • 21
    Jannuzzi FF, Cintra FA, Rodrigues RC, São-João TM, Gallani MC. Adesão medicamentosa e qualidade de vida em idosos com retinopatia diabética. Rev Lat Am Enfermagem. 2014; 22(6):902–10.
  • 22
    Lourenço LB, Rodrigues RC, Ciol MA, São-João TM, Cornélio ME, Dantas RA et al. A randomized controlled trial of the effectiveness of planning strategies in the adherence to medication for coronary artery disease. J Adv Nurs. 2014; 70(7):1616–28.
  • 23
    Williams GC, Patrick H, Niemiec CP, Williams LK, Divine G, Lafata JE, et al. Reducing the health risks of diabetes: how self-determination theory may help improve medication adherence and quality of life. Diabetes Educ 2009; 35: 484–92.
  • 24
    Arbex FS, Almeida EA. Qualidade de vida e hipertensão arterial no envelhecimento. Rev Bras Clin Med 2009; 7(5):339–42.
  • 25
    Wal P, Wal A, Bhandari A, Pandey U, Rai AK. Pharmacist involvement in the patient care improves outcome in hypertension patients. J Res Pharm Pract. 2013; 2(3):123–9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2016
  • Aceito
    19 Set 2016
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: actapaulista@unifesp.br