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Efeitos da suplementação do cálcio sobre marcadores da pré-eclâmpsia: ensaio clínico randomizado

Efectos de los suplementos de calcio en marcadores de preeclampsia: ensayo clínico aleatorizado

Resumo

Objetivo

Analisar os efeitos da suplementação de cálcio nos marcadores da pré-eclâmpsia ao longo do tempo, comparando o uso de cálcio em alta e baixa dosagem em mulheres grávidas com hipertensão.

Métodos

Trata-se de ensaio clínico randomizado com três grupos paralelos, placebo controlado, realizado no ambulatório de referência para o pré-natal de alto risco na Região Sul do Brasil, com análise de intenção de tratar e seguimento após quatro e oito semanas. A intervenção consistiu na ingestão de cálcio 500mg/dia, cálcio 1500mg/dia e placebo. Os dados foram analisados segundo um modelo generalizado de estimação de equações mistas adotando α 0,05.

Resultados

O efeito do cálcio em baixa e alta dosagem na evolução ao longo do tempo foi mantido entre os grupos, mesmo após o ajuste para os fatores de confusão. Houve diferença significativa nos parâmetros analisados na interação tempo e grupo (p <0,000) e diminuição nas médias de 12,3mmHg na PAS, 9,2 mmHg na PAD, 3,2 mg/dl creatinina e 7,2 mg/dl proteinúria para o grupo cálcio 500mg/dia. Os resultados foram semelhantes para o grupo com suplementação máxima.

Conclusão

O cálcio melhorou o prognóstico vascular em mulheres grávidas com hipertensão ao reduzir os níveis pressóricos e os marcadores da pré-eclâmpsia.

Gestantes; Hipertensão induzida pela gravidez; Cálcio da dieta; Gravidez de alto risco; Pré-eclâmpsia

Resumen

Objetivo

Analizar los efectos de los suplementos de calcio en los marcadores de preeclampsia a lo largo del tiempo, comparando el uso de calcio en dosis altas y bajas en mujeres embarazadas con hipertensión.

Métodos

Se trata de un ensayo clínico aleatorizado con tres grupos paralelos, placebo controlado realizado en consultorios externos de referencia en el control prenatal de alto riesgo en la Región Sur de Brasil, con análisis de intención de tratar y seguimiento luego de cuatro y ocho semanas. La intervención consistió en la ingesta de calcio 500 mg/día, calcio 1500 mg/día y placebo. Los datos se analizaron de acuerdo con un modelo generalizado de estimación de ecuaciones mixtas adoptando α 0,05.

Resultados

El efecto del calcio en dosis bajas y altas en la evolución a lo largo del tiempo se mantuvo entre los grupos, inclusive después de los ajustes por los factores de confusión. Hubo diferencia significativa en los parámetros analizados en la interacción tiempo y grupo (p <0,000) y reducción de los promedios de 12,3 mmHg en la PAS, 9,2 mmHg en la PAD, 3,2 mg/dl creatinina y 7,2 mg/dl proteinuria en el grupo calcio 500 mg/día. Los resultados fueron parecidos en el grupo con suplemento en dosis máxima.

Conclusión

El calcio mejoró el pronóstico vascular en mujeres embarazadas con hipertensión al reducir los niveles de presión y los marcadores de preeclampsia. Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos: RBR-9ngb95

Mujeres embarazadas; Hipertensión inducida en el embarazo; Calcio de la dieta; Embarazo de alto riesgo; Preeclampsia

Abstract

Objective

To analyze the effects of calcium supplementation on markers of preeclampsia over time by comparing the use of high- and low-dose calcium in hypertensive pregnant women.

Methods

This is a randomized clinical trial, placebo controlled, with three parallel groups carried out at the reference outpatient clinic for high-risk prenatal care in the South Region of Brazil, with intention-to-treat analysis and follow-up after four and eight weeks. The intervention consisted of ingesting calcium 500mg/day, calcium 1500mg/day and placebo. Data were analyzed according to a generalized mixed equation estimation model adopting α 0.05.

Results

The effect of low- and high-dose calcium on evolution over time was maintained between groups, even after adjustment for confounding factors. There was a significant difference in the parameters analyzed in the time and group interaction (p <0.000) and a decrease in the means of 12.3 mmHg in SBP, 9.2 mmHg in DBP, 3.2 mg/dl creatinine and 7.2 mg/dl proteinuria for the 500mg calcium/day group. The results were similar for the maximal supplementation group.

Conclusion

Calcium improved vascular prognosis in hypertensive pregnant women by reducing blood pressure levels and markers of preeclampsia. Brazilian Registry of Clinical Trials: RBR-9ngb95

Pregnant women; Hypertension, pregnancy-induced; Calcium, dietary; Pregnancy, high-risk; Pre-eclâmpsia

Introdução

A Pré-eclâmpsia (PE) é considerada uma das mais importantes complicações do ciclo gravídico puerperal sendo a principal causa de morte materna nos países em desenvolvimento por complicações relacionadas à eclâmpsia.(11. Hofmeyr GJ, Betrán AP, Singata-Madliki M, Cormick G, Munjanja SP, Fawcus S, et al.; Calcium and Pre-eclampsia Study Group. Prepregnancy and early pregnancy calcium supplementation among women at high risk of pre-eclampsia: a multicentre, double-blind, randomised, placebo-controlled trial. Lancet. 2019;393(10169):330–9.) Os potenciais mecanismos dos distúrbios hipertensivos parecem estar diretamente relacionados às concentrações maternas de micronutrientes, entre eles o cálcio.

A suplementação de cálcio foi testada em vários estudos randomizados a partir do final dos anos 1980, sugerindo um efeito benéfico promissor nos distúrbios hipertensivos gestacionais. Com base nesses primeiros resultados, uma série de ensaios clínicos randomizados foram realizados, para avaliar a eficácia da suplementação do cálcio na redução dos níveis pressóricos e nos problemas relacionados à PE.(22. Karamali M, Asemi Z, Ahmadi-Dastjerdi M, Esmaillzadeh A. Calcium plus vitamin D supplementation affects pregnancy outcomes in gestational diabetes: randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Public Health Nutr. 2016;19(1):156–63.

3. Ephraim RK, Osakunor DN, Denkyira SW, Eshun H, Amoah S, Anto EO. Serum calcium and magnesium levels in women presenting with pre-eclampsia and pregnancy-induced hypertension: a case-control study in the Cape Coast metropolis, Ghana. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14(3):390.
-44. Kumar A, Devi SG, Batra S, Singh C, Shukla DK. Calcium supplementation for the prevention of pre-eclampsia. Int J Gynaecol Obstet. 2009;104(1):32–6.)

Por esse motivo, estratégias para reduzir o risco de distúrbios hipertensivos da gravidez têm recebido considerável atenção. A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou diretrizes que recomendam a suplementação de cálcio com 1,5g a 2g de cálcio elementar por dia para mulheres grávidas com baixo teor de cálcio na dieta nos países de média e baixa renda.(55. World Health Organization (WHO). Guideline: calcium supplementation in pregnant women. Geneva: WHO; 2013.)

Essa recomendação levantou questões sobre a dosagem ideal de cálcio e a segurança de uma dosagem eficaz. Alguns estudos de intervenção abordaram a suplementação com cálcio com 1.500mg/dia e obtiveram resultados satisfatórios para a redução do risco de pré-eclâmpsia.(11. Hofmeyr GJ, Betrán AP, Singata-Madliki M, Cormick G, Munjanja SP, Fawcus S, et al.; Calcium and Pre-eclampsia Study Group. Prepregnancy and early pregnancy calcium supplementation among women at high risk of pre-eclampsia: a multicentre, double-blind, randomised, placebo-controlled trial. Lancet. 2019;393(10169):330–9.

2. Karamali M, Asemi Z, Ahmadi-Dastjerdi M, Esmaillzadeh A. Calcium plus vitamin D supplementation affects pregnancy outcomes in gestational diabetes: randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Public Health Nutr. 2016;19(1):156–63.
-33. Ephraim RK, Osakunor DN, Denkyira SW, Eshun H, Amoah S, Anto EO. Serum calcium and magnesium levels in women presenting with pre-eclampsia and pregnancy-induced hypertension: a case-control study in the Cape Coast metropolis, Ghana. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14(3):390.) Por outro lado, outros estudos evidenciaram os benefícios do suplemento com dosagens inferiores (800mg/dia), levantando dúvidas referente a dosagem e suspeitas quanto aos riscos de uma suplementação excessiva.(66. Tesfaye B, Sinclair K, Wuehler SE, Moges T, De-Regil LM, Dickin KL. Applying international guidelines for calcium supplementation to prevent pre-eclampsia: simulation of recommended dosages suggests risk of excess intake in Ethiopia. Public Health Nutr. 2018;22(3):1–11.,77. Asemi Z, Samimi M, Heidarzadeh Z, Khorrammian H, Tabassi Z. A randomized controlled clinical trial investigating the effect of calcium supplement plus low-dose aspirin on hs-CRP, oxidative stress and insulin resistance in pregnant women at risk for pre-eclampsia. Pak J Biol Sci. 2012;15(10):469–76.) A OMS reconhece que a implementação desta recomendação requer monitoramento próximo da ingestão diária total de cálcio das mulheres para evitar exceder a ingestão superior tolerável estabelecida local ou internacionalmente.(55. World Health Organization (WHO). Guideline: calcium supplementation in pregnant women. Geneva: WHO; 2013.)

O consumo excessivo de cálcio pode aumentar o risco de cálculos urinários e de infecção do trato urinário, além de reduzir a absorção de outros micronutrientes essenciais.(88. Li K, Wang XF, Li DY, Chen YC, Zhao LJ, Liu XG, et al. The good, the bad, and the ugly of calcium supplementation: a review of calcium intake on human health. Clin Interv Aging. 2018;13:2443–52.,99. Hofmeyr GJ, Lawrie TA, Atallah ÁN, Torloni MR. Calcium supplementation during pregnancy for preventing hypertensive disorders and related problems. Cochrane Database Syst Rev. 2018 Oct;10(10):CD001059.) Apesar de a resposta das mulheres à suplementação de cálcio ser heterogênea, em termos da magnitude do efeito, existe uma resposta protetora consistente da intervenção identificada em estudos anteriores.(33. Ephraim RK, Osakunor DN, Denkyira SW, Eshun H, Amoah S, Anto EO. Serum calcium and magnesium levels in women presenting with pre-eclampsia and pregnancy-induced hypertension: a case-control study in the Cape Coast metropolis, Ghana. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14(3):390.,1010. Bujold E, Hyett J. Calcium supplementation for prevention of pre-eclampsia. Lancet. 2019;393(10169):298–300.) Há indícios de que o mineral impede a ativação de células endoteliais induzida pela invasão de dentritos trofoblásticos da placenta, além de minimizar a pressão arterial ao reduzir o paratormônio e a liberação de renina pelos rins, conduzindo a vasodilatação.(44. Kumar A, Devi SG, Batra S, Singh C, Shukla DK. Calcium supplementation for the prevention of pre-eclampsia. Int J Gynaecol Obstet. 2009;104(1):32–6.)

Embora seja recomendada a suplementação com cálcio a partir da 20ª semana de gestação para gestantes de risco em países de baixa renda, a suplementação universal de cálcio para mulheres grávidas não faz parte dos serviços de cuidados pré-natais no Brasil. Considerando a prática inexistente da prescrição do suplemento e a escassez de ofertas de intervenções essenciais, justifica-se a realização deste estudo.

Salienta-se que a ingestão dietética de cálcio de mulheres grávidas em países em desenvolvimento, como México, Brasil, Equador, Argentina e países africanos, é baixa, menos de 600mg por dia.(1111. Cormick G, Betrán AP, Romero IB, Lombardo CF, Gülmezoglu AM, Ciapponi A, et al. Global inequities in dietary calcium intake during pregnancy: a systematic review and meta-analysis. BJOG. 2019;126(4):444–56.,1212. Sperandio N, Priore SE. Inquéritos antropométricos e alimentares na população brasileira: importante fonte de dados para o desenvolvimento de pesquisas. Cien Saude Colet. 2017;22(2):499–508.)Portanto, explorar estratégias para compensar as limitações nutricionais e alimentares em gestantes com potenciais riscos para complicações hipertensivas é altamente recomendável, pois pode ser uma alternativa aceitável para evitar efeitos colaterais e piores desfechos.

Dado a disponibilidade limitada de alimentos ricos em cálcio nos hábitos alimentares de gestantes brasileiras e considerando que os efeitos conflitantes sobre a atuação do cálcio ainda recaem sobre a dosagem recomendada e o tempo de uso do suplemento, este estudo parte do pressuposto que baixas dosagens de cálcio (500mg) pode afetar o prognóstico vascular em mulheres grávidas de risco ao reduzir os níveis pressóricos e ajustar os marcadores da pré-eclâmpsia.

Estudos sobre a suplementação mínima eficaz de cálcio para prevenir a pré-eclâmpsia também são necessários para determinar se doses mais baixas podem ser recomendadas.(66. Tesfaye B, Sinclair K, Wuehler SE, Moges T, De-Regil LM, Dickin KL. Applying international guidelines for calcium supplementation to prevent pre-eclampsia: simulation of recommended dosages suggests risk of excess intake in Ethiopia. Public Health Nutr. 2018;22(3):1–11.) Desse modo, identificar o efeito do cálcio pode subsidiar uma prática clínica padronizada e o incentivo para sua prescrição, além de fornecer subsídios para revisar e atualizar as ações dos serviços públicos de saúde durante a assistência pré-natal ofertada para gestantes que apresentam risco potencial de desenvolver as síndromes hipertensivas.

Este estudo objetivou analisar os efeitos da suplementação de cálcio nos marcadores da pré-eclâmpsia ao longo do tempo, comparando o uso de cálcio em alta e baixa dosagem em mulheres grávidas com hipertensão.

Métodos

Ensaio clínico randomizado placebo controlado com três grupos paralelos realizado no período de junho de 2018 a julho de 2019 no ambulatório de referência para o pré-natal de alto risco na Região Sul do Brasil vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS).

O território escolhido para o desenvolvimento da pesquisa é referência em ações de saúde e compõe a região da Grande Fronteira do Mercosul (Meso Mercosul). Em média, o ambulatório atende cerca de 300 gestantes/mês classificadas como alto risco, as quais são assistidas por médicos especialistas (ginecologistas e obstetras). Essas gestantes são encaminhadas via sistema de regulação do próprio munícipio por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Participaram do estudo gestantes com idade superior a 18 anos, com feto único, primigestas, com diagnóstico de hipertensão gestacional (caracterizado pelo aumento dos níveis pressóricos iguais ou a cima de 140 mmHg para a pressão arterial sistólica (PAS) e iguais ou a cima de 90 mmHg para a pressão arterial diastólica (PAD) identificadas na fase V de Korotkoff após a 20ª semana gestacional), sobrepeso/obesidade antes da gestação (IMC entre 25 kg/m22. Karamali M, Asemi Z, Ahmadi-Dastjerdi M, Esmaillzadeh A. Calcium plus vitamin D supplementation affects pregnancy outcomes in gestational diabetes: randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Public Health Nutr. 2016;19(1):156–63. e 29,9 kg/m22. Karamali M, Asemi Z, Ahmadi-Dastjerdi M, Esmaillzadeh A. Calcium plus vitamin D supplementation affects pregnancy outcomes in gestational diabetes: randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Public Health Nutr. 2016;19(1):156–63.), pelo menos 20 semanas de gestação, baixo fator socioeconômico (menos de quatro anos de estudo e renda inferior a um salário mínimo), baixa ingestão de cálcio na dieta (menor que 800mg/dia) e que não utilizassem medicamentos que pudessem interferir na absorção de cálcio (por exemplo: corticosteroides, tiazidas e hormônios da tireoide).

Foram excluídas do estudo as participantes que apresentaram polidramnia, anemia severa, morte fetal, histórico de hipertensão antes da gravidez, descolamento prematuro de placenta, ruptura prematura das membranas (rupreme), doppler de artéria umbilical alterado e insuficiência uteroplacentária. Tais condições clínicas contraindicam o monitoramento e o acompanhamento da gestante no ambulatório de alto risco, sendo estas encaminhadas para o serviço hospitalar de alta complexidade.

O tamanho amostral foi calculado a partir dos resultados primários da suplementação com cálcio em gestantes de estudos anteriores.(11. Hofmeyr GJ, Betrán AP, Singata-Madliki M, Cormick G, Munjanja SP, Fawcus S, et al.; Calcium and Pre-eclampsia Study Group. Prepregnancy and early pregnancy calcium supplementation among women at high risk of pre-eclampsia: a multicentre, double-blind, randomised, placebo-controlled trial. Lancet. 2019;393(10169):330–9.,44. Kumar A, Devi SG, Batra S, Singh C, Shukla DK. Calcium supplementation for the prevention of pre-eclampsia. Int J Gynaecol Obstet. 2009;104(1):32–6.) Foi considerada a diferença entre as médias dos grupos na redução da pressão arterial sistólica, diastólica e proteinúria (4% no grupo placebo, 8% no grupo cálcio 500mg/dia e 12% no grupo cálcio 1.500mg/dia), com erro tipo I (α) de 0,05%, tipo II (beta) de 0,20% e um poder de estudo de 80%. A amostra necessária calculada totalizou 175 gestantes. No entanto, por conta de prováveis perdas, o cálculo amostral foi ampliado em 10%, totalizando 193 gestantes, subdivididas em três grupos.

A randomização foi realizada por um estatístico não relacionado ao ensaio usando a calculadora on-line (http://randomization.com/) por meio do bloqueio permutado. As atribuições de tratamento dentro dos blocos foram determinadas de forma aleatória em ordem, com a proporção de alocação desejada alcançada dentro de cada bloco 1:1:1. Os códigos gerados foram alocados em pacotes contendo as codificações geradas pela randomização.

As participantes foram alocadas aleatoriamente e mascaradas quanto à dosagem recebida a partir da 20ª semana de gestação até o parto. Uma terceira pessoa ficou responsável pela administração e prescrição dos comprimidos. Os investigadores do estudo não foram mascarados para a dosagem do cálcio uma vez que o mascaramento não interfere no desfecho primário deste estudo que consiste em mensurações clínicas e laboratoriais.

A intervenção consistiu na prescrição de dois comprimidos com 250mg de cálcio elementar cada, totalizando 500mg ao dia (Grupo cálcio 500mg/dia), dois comprimidos com 750mg de cálcio elementar cada, totalizando 1.500mg ao dia (Grupo cálcio 1.500mg/dia) e dois comprimidos com 250mg de celulose microcristalina cada, totalizando 500mg para o grupo controle. Os comprimidos de placebo foram indistinguíveis dos comprimidos de cálcio na aparência e no gosto.

Os comprimidos foram fornecidos para as participantes em cada seguimento do estudo. Orientou-se que o cálcio fosse consumido com água, preferencialmente entre as duas principais refeições (almoço e jantar), para minimizar uma possível interferência na absorção de outros minerais. Nenhuma participante recebeu ou fazia uso de medicamento anti-hipertensivo durante o período de execução do estudo.

As gestantes foram orientadas a seguir com a suplementação até o parto, sendo solicitadas a não alterarem a ingestão alimentar normal durante o estudo e não tomarem suplementos diferentes daqueles que lhes foram fornecidos pelo investigador.

Envelopes contendo os comprimidos foram entregues às participantes com a quantidade de comprimidos exata para quatro semanas. Após a primeira avaliação (base line), as avaliações sequenciais ocorreram a cada quatro semanas após o início do julgamento. Assim, a cada quatro semanas, eram ofertados novos comprimidos e avaliados os parâmetros clínicos e laboratoriais. O acompanhamento do seguimento (folow-up) se deu até o parto.

A adesão ao tratamento foi calculada dividindo o número de cartelas usadas pelo número total de comprimidos que deveriam ter sido tomados desde a última contagem, expresso em porcentagem. A adesão foi classificada como baixa quando a participante ingeriu menos de 50% da medicação prescrita; regular se entre 50% a 69% da medicação e ótima para mais de 70%.(1313. Souza EV, Torloni MR, Atallah AN, Santos GM, Kulay L Jr, Sass N. Aspirin plus calcium supplementation to prevent superimposed preeclampsia: a randomized trial. Braz J Med Biol Res. 2014;47(5):419–25.)

As participantes foram triadas quanto aos critérios de inclusão e após o consentimento de participação no estudo foram randomizadas para posterior avaliação, intervenção e acompanhamento. Uma vez recrutadas, as participantes foram solicitadas a retornarem ao local do estudo, em dia e horário agendados pelos pesquisadores, em jejum de 12 horas, para avaliação clínica e coleta de exames laboratoriais.

A avaliação clínica consistiu na aplicação do questionário de pesquisa contendo dados demográficos e fatores socioeconômicos (idade, escolaridade, renda), além de um questionário recordatório alimentar. Durante a avaliação clínica, foram verificadas as medidas antropométricas (peso e altura) e aferida a pressão arterial.

Todos os recordatórios alimentares foram aplicados usando-se o método Multiple-Pass Methods (MPM), segundo o qual o entrevistador conduz a entrevista por meio de listagens de alimentos por horários e refeições.(1414. Moshfegh AJ, Rhodes DG, Baer DJ, Murayi T, Clemens JC, Rumpler WV, et al. The US Department of Agriculture Automated Multiple-Pass Method reduces bias in the collection of energy intakes. Am J Clin Nutr. 2008;88(2):324–32.) Esse método reduz o viés da medida dietética, pois contribui para que o entrevistado se relembre da alimentação do dia anterior. As informações sobre bebidas consumidas também foram coletadas no recordatório.

A estimativa da ingestão habitual de cálcio foi calculada com o software dietWin®, versão 2012. Para a inclusão dos valores, foi realizada a quantificação dos alimentos de acordo com a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO) e o Dietary Reference Intakes (DRI).(1515. Raper N, Perloff B, Ingwersen L, Steinfeldt L, Anand J. An overview of USDA’s Dietary Intake Data System. J Food Compos Anal. 2004;17(3-4):545–55.)

A medida da pressão arterial foi manual, por meio do Kit Estetoscópio Littmann Classic III 5620 e esfigmomanômetro Welch Allyn Durashock DS44-BR, padronizada de acordo com as recomendações da British Hypertension Society (BHS).(1616. National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Hypertention overview, 2019 [cited 2019 Jan 15]. Available from: https://www.nice.org.uk/
https://www.nice.org.uk/...
)

O estado nutricional foi classificado utilizando o peso corporal e a altura da paciente, conforme o índice de massa corporal (IMC) por semana gestacional, segundo os critérios da OMS.(1717. World Health Organization (WHO). Obesity and overweight. Geneva: WHO; 2018 [cited 2019 Jan 15]. Available from: http://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight
http://www.who.int/news-room/fact-sheets...
) Para tanto, o peso corporal foi aferido com a gestante descalça e sem adornos, por meio de balança digital portátil modelo HCM 5110 M (GAMA Italy Professional, San Pietro in Casale, Itália) com capacidade para 150kg e sensibilidade de 100g, tendo sido calibrada antes do trabalho de campo. O estadiômetro portátil utilizado tinha capacidade máxima de 200cm e resolução de 1mm. Todas as entrevistadas foram pesadas e medidas seguindo procedimento padrão descrito na literatura.(1818. Lohman TG, Caballero B, Himes JH, Davis CE, Stewart D, Houtkooper L, et al. Estimation of body fat from anthropometry and bioelectrical impedance in Native American children. Int J Obes (Lond). 2000;24(8):982–8.)

Para a avaliação laboratorial foram coletadas amostras de sangue e urina para análise de exames como hemograma completo, ureia, creatinina, proteinúria, microalbubinúria, paratormônio (PTH) e cálcio ionizado. Para essas dosagens, foi empregado o procedimento analítico padronizado no laboratório, em conformidade ao protocolo definido pelo fabricante dos kits comerciais utilizados para cada exame específico. As amostras laboratoriais foram coletadas pela própria equipe de técnicos da sala de coletas de exames do ambulatório de saúde e encaminhadas para o laboratório de apoio à pesquisa, para posterior análise.

Toda semana, os grupos eram acompanhados por um auxiliar da pesquisa para o monitoramento de segurança das participantes. Na presença de eventos adversos graves como, picos hipertensivos, pré-eclâmpsia grave, as participantes eram devidamente referenciadas às unidades hospitalares e tratadas. Tais eventos não foram observados ao longo do estudo.

Como estratégia de incentivo para melhorar a retenção das participantes, uma visita domiciliar era realizada para enfatizar os benefícios da ingesta de cálcio. Após o nascimento, os membros da equipe de pesquisa extraíram os dados dos desfechos neonatais dos registros hospitalares.

As observações repetidas foram obtidas ao longo do tempo para cada participante, compreendendo basal, quatro semanas e oito semanas de suplementação.

Foi considerado como desfecho primário do estudo a melhora do prognóstico vascular por meio da redução dos níveis pressóricos e dos marcadores da pré-eclâmpsia a saber: medida pela proteinúria, ureia, creatinina, relação proteína/creatinina e paratormônio (PTH). Os desfechos secundários foram baixo peso ao nascer (< 2.500g) e prematuridade (< 37 semanas).

Tendo em vista o seguimento das participantes do estudo ao longo do tempo, em três momentos distintos de coleta de dados a variável dependente foi definida com base nos marcadores avaliados da pré-eclâmpsia e as variáveis independentes foram o tempo (basal, quatro semanas e oito semanas) e a dosagem do cálcio (500mg/dia, 1.500mg/dia e placebo).

As análises foram conduzidas usando o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0. Uma checagem automática dos dados foi realizada no momento da digitação, por meio da função Check. Para identificar e corrigir inconsistências de codificação, revisão e digitação, foi realizada limpeza dos dados, obtendo-se as frequências das variáveis coletadas no próprio programa.

Foi utilizada a análise descritiva dos dados para a caracterização da população estudada. Para as variáveis contínuas, calcularam-se média e desvio padrão e, para as variáveis categóricas, frequência e porcentagem. A normalidade dos dados foi testada pelo teste de Shapiro-Wilk.

Para estudar as diferenças entre os grupos antes da intervenção foi realizada análise de variância (ANOVA) de amostras independentes seguidas de pós-teste de Bonferroni. Para as variáveis categóricas, foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson.

Para as análises longitudinais, as avaliações repetidas de cada paciente foram usadas para todos os desfechos (variáveis dependentes) modelos lineares generalizados mistos. A utilização do GLMM considera a totalidade das observações, inclusive das pacientes descontinuadas. O modelo permitiu avaliar os fatores fixos tempo (basal, semana quatro e semana oito) e grupo (cálcio 500mg/dia, cálcio 1.500mg/dia e placebo), assim como um possível efeito interação entre tempo e grupo.

O modelo foi ajustado com a distribuição gama com ligação logarítmica, considerando os indivíduos como efeito aleatório e matriz de covariância autoregressiva de primeira ordem (AR1). O melhor ajuste foi definido pelo critério Akaike Information Criterio (AIC). As funções de probabilidade Normal e Tweedle também foram testadas. O pressuposto de normalidade de resíduos foi verificado com o gráfico QQ plot com resultados confirmatórios e a análise de comparações múltiplas pareadas foi realizada pelo teste de Bonferroni.

Para as variáveis que houve diferença significante entre os grupos medida pelo GLMM, foram calculados o P intragrupo e intergrupo em cada tempo separadamente. Investigou-se o tamanho do efeito da intervenção nas variáveis estudadas que comportaram de maneira diferente ao longo do tempo.

Adotou-se a análise por intenção de tratar. Para os casos em que houve interrupção do tratamento, primeiro os pacientes eram convidados a realizar apenas as avaliações. Para os pacientes que recusaram a retornar para as avaliações, os dados coletados anteriormente foram repetidos nas avaliações subsequentes.

O estudo cumpriu os requisitos éticos exigidos, respeitando-se as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa com seres humanos. O protocolo de pesquisa foi submetido à apreciação Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e contemplado com auxílio financeiro, de acordo com edital do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (MCTIC/CNPq) 28/2018 – Universal. Este trabalho também foi financiado pelo Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior (FUMDES). Os financiadores do estudo não tiveram nenhum papel no desenho do estudo, coleta de dados, análise de dados, interpretação de dados ou redação do relatório (Universidade Federal de São Paulo: Número do Parecer: 2.659.764/ Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 81829417.3.0000.5505).

Resultados

No recrutamento e alocação das 193 participantes elegíveis, cinco foram excluídas antes da randomização por não atenderem aos critérios de inclusão, ١١ recusaram participar e duas apresentaram anemia severa. Desta forma, 175 gestantes foram randomizadas e alocadas aleatoriamente em três grupos divididos preliminarmente em grupo placebo (n=59), grupo cálcio 500mg/dia (n=58) e grupo cálcio 1.500mg/dia (n=58). No seguimento após quatro semanas, ocorreram 44 perdas, sendo 12 no grupo placebo, 15 no grupo cálcio 500mg/dia e 17 no grupo cálcio 1.500mg/dia. Na análise do total de gestantes que iniciaram o protocolo da pesquisa, 83 completaram todas as etapas. A figura 1 apresenta o diagrama de fluxo das participantes do estudo. Para as pacientes que não compareceram às reavaliações, foram repetidos os dados da última avaliação para realizar a análise por intenção de tratar. Encontram-se representadas na tabela 1 a homogeneidade entre os grupos antes da intervenção, segundo as características sociodemográficas, clínicas e laboratoriais. Os resultados sugerem que a randomização não foi comprometida por discrepâncias entre os grupos. Ao final do estudo, após oito semanas, a baixa adesão ao tratamento foi significativa para o grupo com suplementação máxima.

Figura 1
Diagrama de fluxo do delineamento do estudo e alocação das participantes CONSORT

Tabela 1
Características sociodemográficas, clínicas e laboratoriais entre os grupos antes do início do julgamento (base line)

Na análise do efeito do cálcio em baixa e alta dosagem na evolução ao longo do tempo nos marcadores da pré-eclâmpsia, o GLMM foi utilizado e ajustado considerando as participantes como efeito aleatório. A análise mostrou que o efeito do cálcio na interação grupo e tempo foi significativa para PAS (p<0,000), PAD (p<0,005), creatinina (p<0,000), proteinúria (p<0,000), PTH (p<0,005) e cálcio (p<0,000), com diferenças intragrupo e intergrupo em relação ao placebo (Tabela 2).

Tabela 2
Análise Modelo Generalizado Misto sobre os marcadores da pré-eclâmpsia entre os grupos (cálcio 500mg, cálcio 1.500mg e placebo), tempo (base line, semana quatro, semana oito) e interação grupo/tempo

Ao analisarmos o efeito do cálcio nos níveis pressóricos dos indivíduos dentro de cada grupo foi possível observar redução de 12,3 mmHg na PAS e 9,2 mmHg na PAD para o grupo cálcio 500mg/dia, enquanto que para o grupo cálcio 1.500mg/dia a redução foi de 9,4 mmHg na PAS. Já o efeito do cálcio nos marcadores da pré-eclâmpsia ao longo do tempo mostrou uma redução de 3,2 mg/dl na creatinina e 7,2 mg/dl na proteinúria para o grupo cálcio 500mg/dia e uma redução de 8,6 mg/dl na creatinina e 4,5mg/dl na proteinúria para o grupo cálcio 1.500mg/dia quando comparados com o grupo placebo. Ao final de oito semanas houve redução de 4,7 pg/ml no PTH entre o grupo cálcio 500mg/dia e redução de 3,1 pg/ml no grupo cálcio 1.500mg/dia (Figura 2). Em relação ao cálcio, houve aumento em ambos os grupos após oito semanas em comparação com o grupo placebo.

Figura 2
Efeitos da variação dos valores médios dos níveis pressóricos (mmHg), creatinina (mg/dl), proteinúria (mg/dl), paratormônio (pg/ml) e cálcio (mg/dl) ao longo do tempo segundo os grupos

Os desfechos secundários ao final de oito semanas como peso ao nascer (g), idade gestacional (semanas), trabalho de parto prematuro e internação em UTI neonatal não apresentaram diferenças entre os grupos, nem piora das condições de nascimento independente da dosagem suplementada. Ao longo do protocolo, nenhuma gestante apresentou reações adversas graves como pico hipertensivo, pré-eclâmpsia severa, síndrome HELLP (hemólise, elevação das enzimas hepáticas e plaquetopenia), falência renal, eclâmpsia ou óbito fetal. No grupo suplementado com cálcio 1.500mg/dia, três participantes queixaram-se de azia ao final de oito semanas.

Discussão

Diante dos resultados apresentados neste estudo, observou-se efeito positivo do cálcio em gestantes com hipertensão mostrando redução significativa nos marcadores da pré-eclâmpsia, mesmo com pouco tempo de uso e com baixa dosagem.

Todavia, não foi possível avaliar a prevalência de sub e supernotificação de consumos alimentares ao longo do seguimento do estudo, uma vez que a ingestão alimentar foi comparada apenas para examinar as prováveis diferenças entre os grupos no início do estudo, podendo ser uma limitação. Ainda, as descobertas deste estudo não podem ser generalizadas para a população de gestantes com hipertensão de países de alta renda dado o contraste dos hábitos alimentares presentes na população dos países desenvolvidos.

Além disso, destaca-se como pontos fortes do estudo a comparação dos dados longitudinais, atribuindo ao grupo específico das gestantes com hipertensão gestacional e risco para PE evidências favoráveis para sugerir que o cálcio influência de maneira positiva nos processos endoteliais e inflamatórios desta população.

O efeito da suplementação com 500mg/dia de cálcio foi semelhante ao da suplementação com altas doses ao final de oito semanas em alguns parâmetros. Houve redução dos níveis pressóricos, bem como das concentrações de creatinina, proteinúria, semelhantes ao encontrado em ensaios clínicos anteriores,(1919. Carole AK, Felix E, Florence T, Juliette ME, Fofack TS, Enow MR. Comparative effect of calcium supplementation on the incidence of pre-eclampsia and eclampsia among primigravid women. Clin J Obstet Gynaecol. 2019;2(2):145–9.,2020. Khanam F, Hossain B, Mistry SK, Mitra DK, Raza WA, Rifat M, et al. The association between daily 500 mg calcium supplementation and lower pregnancy-induced hypertension risk in Bangladesh. BMC Pregnancy Childbirth. 2018;18(1):406.) reforçando o efeito favorável do suplemento, mesmo com baixa dosagem em gestantes de risco nos países de baixa renda.(99. Hofmeyr GJ, Lawrie TA, Atallah ÁN, Torloni MR. Calcium supplementation during pregnancy for preventing hypertensive disorders and related problems. Cochrane Database Syst Rev. 2018 Oct;10(10):CD001059.)

A diminuição dos níveis pressóricos, por sua vez, pode resultar em redução do risco de inflamação crônica e de marcadores renais importantes para a progressão do risco da pré-eclâmpsia.(11. Hofmeyr GJ, Betrán AP, Singata-Madliki M, Cormick G, Munjanja SP, Fawcus S, et al.; Calcium and Pre-eclampsia Study Group. Prepregnancy and early pregnancy calcium supplementation among women at high risk of pre-eclampsia: a multicentre, double-blind, randomised, placebo-controlled trial. Lancet. 2019;393(10169):330–9.) Os achados reforçam os efeitos do cálcio tanto na redução da pressão arterial quanto na prevenção da pré-eclâmpsia nas gestantes de risco.

Os mecanismos exatos pelos quais o cálcio pode influenciar nos processos vasculares não estão claros. Presume-se que o nutriente atue na liberação do PTH, reduzindo a secreção de renina pelos rins e a permeabilidade glomerular com consequente diminuição da liberação dos biomarcadores da função renal, como ureia, creatinina e proteinúria.(2121. Behjat Sasan S, Zandvakili F, Soufizadeh N, Baybordi E. The effects of vitamin d supplement on prevention of recurrence of preeclampsia in pregnant women with a history of preeclampsia. Obstet Gynecol Int. 2017;2017:8249264.) Neste estudo, a redução de proteinúria e creatinina foram significativas tanto para o grupo suplementado com baixa dosagem quanto para o grupo suplementado com altas doses. A razão proteína/creatinina tem sido cada vez mais utilizada como medida efetiva na predição de PE em gestantes de risco.(33. Ephraim RK, Osakunor DN, Denkyira SW, Eshun H, Amoah S, Anto EO. Serum calcium and magnesium levels in women presenting with pre-eclampsia and pregnancy-induced hypertension: a case-control study in the Cape Coast metropolis, Ghana. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14(3):390.,77. Asemi Z, Samimi M, Heidarzadeh Z, Khorrammian H, Tabassi Z. A randomized controlled clinical trial investigating the effect of calcium supplement plus low-dose aspirin on hs-CRP, oxidative stress and insulin resistance in pregnant women at risk for pre-eclampsia. Pak J Biol Sci. 2012;15(10):469–76.)

Apesar da recomendação da OMS de suplementação com cálcio a partir de 1.500mg/dia, os efeitos do cálcio também foram satisfatórios no grupo que recebeu menor dosagem. Uma menor dosagem pode resultar em menos efeitos colaterais, maior adesão ao tratamento, fácil ingestão e menos custo aos serviços de saúde, o que deve ser considerado principalmente nos países ainda em desenvolvimento.(2222. Abu-El-Noor NI, Aljeesh YI, Bottcher B, Abu-El-Noor MK. Impact of a mobile phone app on adherence to treatment regimens among hypertensive patients: A randomised clinical trial study. Eur J Cardiovasc Nurs. 2021;20(5):428–35.) A baixa adesão ao tratamento pode trazer prejuízos no controle da pressão arterial, além da exposição das gestantes aos risco de complicações.

A OMS reconhece que a baixa adesão à terapêutica interfere negativamente nos resultados dos tratamentos de doenças crônicas, com consequente aumento dos custos em saúde e representa importante problema de saúde pública.(55. World Health Organization (WHO). Guideline: calcium supplementation in pregnant women. Geneva: WHO; 2013.) Ressalta-se que, neste estudo, a baixa adesão ao tratamento foi evidente no grupo que recebeu a suplementação máxima podendo ser mais um argumento a favor da suplementação com baixas dosagens. Considerando a probabilidade de baixa adesão entre as mulheres com doses elevadas do suplemento, deve-se considerar e garantir pelo menos a dose mínima eficaz.

A suplementação em excesso pode estar relacionada à outros eventos adversos como maior densidade óssea, cálculo renal, constipação, doenças gastrintestinais, eventos cardiovasculares, entre outros.(88. Li K, Wang XF, Li DY, Chen YC, Zhao LJ, Liu XG, et al. The good, the bad, and the ugly of calcium supplementation: a review of calcium intake on human health. Clin Interv Aging. 2018;13:2443–52.) Ainda, o custo do cálcio é moderadamente alto em comparação com suplementos, como ferro e folato, e sua dosagem unitária pode ter implicações importantes no custo final principalmente nos países ainda em desenvolvimento.(11. Hofmeyr GJ, Betrán AP, Singata-Madliki M, Cormick G, Munjanja SP, Fawcus S, et al.; Calcium and Pre-eclampsia Study Group. Prepregnancy and early pregnancy calcium supplementation among women at high risk of pre-eclampsia: a multicentre, double-blind, randomised, placebo-controlled trial. Lancet. 2019;393(10169):330–9.) Portanto, uma dose de cálcio mais baixa em gestantes com risco para PE deve ser considerada.

É importante ressaltar que a suplementação de cálcio em alguma dosagem não faz parte do protocolo dos serviços de saúde na maioria das regiões e estados brasileiros, assim como não faz parte onde este estudo foi realizado. A homeostase plasmática do cálcio desempenha papel vital na manutenção de atividades da vida humana, como o crescimento da massa óssea fetal, a densidade óssea materna, a estimulação de impulsos nervosos, a contração muscular, a coagulação sanguínea, as atividades vasculares, entre outras.(99. Hofmeyr GJ, Lawrie TA, Atallah ÁN, Torloni MR. Calcium supplementation during pregnancy for preventing hypertensive disorders and related problems. Cochrane Database Syst Rev. 2018 Oct;10(10):CD001059.) Neste estudo, os níveis basais de cálcio sanguíneo avaliados após oito semanas de suplementação foram significativos quando comparados com o grupo placebo, reforçando a suplementação favorável do nutriente.

Mesmo sabendo que a absorção do cálcio depende de vários outros fatores, como por exemplo, níveis de vitamina D, tipo de alimentação, quantidade de proteína ingerida, entre outros, foi possível observar um aumento no valor sanguíneo do nutriente o que pode ter contribuído para melhores desfechos maternos nas gestantes estudadas.(2323. Martin SL, Omotayo MO, Pelto GH, Chapleau GM, Stoltzfus RJ, Dickin KL. Adherence-specific social support enhancesadherence to calcium supplementation regimens among pregnant women. J Nutr. 2017;147(4):688–96.)

Após oito semanas de suplementação não houve associação entre as dosagens recebidas e o baixo peso ao nascer, prematuridade, tipo de parto ou internação em UTI neonatal. Os partos prematuros evidenciados no estudo foram espontâneos e, independente da dosagem recebida, a doença em questão não piorou a exposição ao risco e tão pouco piorou os desfechos neonatais.

Vale ressaltar que as gestantes participantes deste estudo eram, além de hipertensas, obesas. Embora a perda de peso seja desencorajada durante a gravidez,(2424. Monteschio LV, Marcon SS, Arruda GO, Teston EF, Nass EM, Costa JR, et al. Ganho de peso gestacional excessivo no Sistema Único de Saúde. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE001105.) a obesidade predispõe a um estado pró-inflamatório sendo fator de risco potencialmente modificável para a ocorrência da PE. Em contrapartida, o cálcio parece reduzir e/ou minimizar a prevalência de complicações advindas da pré-eclâmpsia envolvidas na síndromes hipertensivas gestacionais.

Reforça-se que o cálcio na dieta é mais benéfico para a saúde do que os suplementos, além de ser mais fácil absorção. No entanto, fica evidente o papel favorável do cálcio nas gestantes com potencial risco para os distúrbios hipertensivos nos países de baixa e média renda, onde o consumo do nutriente na dieta é aquém das necessidades recomendadas.

A suplementação de cálcio deve ser prescrita e tomada com cautela, considerando os riscos e benefícios de cada paciente. É importante equilibrar as vantagens e as desvantagens da suplementação em gestantes com hipertensão, uma vez que existe uma série de questões sobre a segurança entre os efeitos benéficos e colaterais do cálcio na literatura.

Ainda que a assistência obstétrica pressuponha atuação interdisciplinar e em equipe para a integralidade das ações, o enfermeiro pode desempenhar papel fundamental para reduzir ou evitar as complicações advindas dos distúrbios hipertensivos, ao conhecer os benefícios do cálcio e incentivar sua ingestão na dieta de gestantes com hipertensão, bem como a recomendação da prescrição do suplemento pelos profissionais.

Dessa forma, alcançará maior efetividade em sua prática o enfermeiro qualificado e comprometido com o processo de trabalho, que tenha por base ações de promoção da saúde e o controle de patologias frequentes na assistência prestada à mulher durante o pré-natal.

Os achados deste estudo devem ser limitados às condutas individualizadas para as gestantes em potenciais riscos para que sejam feitas recomendações sólidas nos diferentes contextos, respeitando as condições de saúde e de contraindicação do suplemento, já que o excesso pode causar outros danos. Novos estudos precisam ser conduzidos para determinar o custo e os benefícios de estratégias para melhorar a ingestão de cálcio nessa população.

Conclusão

A suplementação diária de cálcio após oito semanas reduziu níveis pressóricos, proteinúria, creatinina e PTH nas gestantes com hipertensão, contribuindo para a redução do risco de pré-eclâmpsia causados pela reação sistêmica da hipertensão gestacional. A baixa prevalência de complicações graves foi esperada, pois dois grupos foram suplementados com cálcio que é conhecido por reduzir as complicações graves nos distúrbios hipertensivos. Dado a semelhança dos grupos antes do julgamento clínico, os desfechos favoráveis encontrados podem ser resultados do cálcio suplementado. O efeito da suplementação com baixa dosagem de cálcio (500mg/dia) foi semelhante ao da suplementação com altas doses após oito semanas sugerindo o efeito positivo do cálcio mesmo em pouco tempo de uso. A dose mínima eficaz não é ainda determinada, mas a partir dos resultados encontrados, representa o menor risco para uma suplementação universal de cálcio em excesso, sem prejuízo neonatal.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior (FUMDES).

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Kelly Pereira Coca (https://orcid.org/0000-0002-3604-852X) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2022
  • Aceito
    11 Out 2023
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