Política Nacional de Residência em Saúde: contribuições para formação de especialistas

A educação dos profissionais da saúde precisa ser compreendida como um processo permanente, que se inicia nos cursos de graduação, com a formação generalista, tendo sua continuidade na vida profissional e nos cursos de pós-graduação lato sensu, que prevê a capacitação, dentro das especialidades de cada área profissional, oportunizando a aquisição de competências para a atuação específica, a uma população e/ou contexto de assistência à saúde.

Existem diferentes cursos de especialização oferecidos, nas instituições de ensino superior, que atendem aos critérios da legislação do Ministério da Educação (MEC),(¹)com a carga horária mínima de 360h, porém sem a obrigatoriedade de constar no seu Projeto Político Pedagógico o constructo teórico, pedagógico e metodológico, pautado nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo estes aspectos divergentes da outra modalidade de ensino na pós-graduação lato sensu, a residência em saúde, que prevê a carga horária de 5760h, a ser cumprida em dois anos de curso, com financiamento de bolsa pelo MEC ou Ministério da Saúde (MS), que surgiu a partir da discussão sobre a formação de profissionais aptos a responderem aos desafios impostos na implementação do SUS. Em 2005, homologa-se a primeira legislação que institui a Residência Multiprofissional em Saúde (RMS),(²)pautada nos princípios do SUS, sob a coordenação do MEC e MS, tendo como metas a integração ensino-serviço e a incorporação dos saberes multiprofissionais, rompendo com o modelo biomédico.

Para construção de diretrizes da RMS ocorreram, ao longo da história, movimentos coletivos que nortearam a legislação, a política e os modelos pedagógicos, sendo um deles a criação do Conselho Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS), como o órgão regulador desta modalidade de formação.(²)

Além disso, na RMS é prevista a articulação, entre as instituições formadoras e executoras, para a garantia da implantação de programas, em áreas que apresentam necessidades de saúde. Este processo, através de acordo de cooperação, precisa ser pactuado com a clareza da corresponsabilização das instituições, na execução dos programas de residência, com previsão das implicações acadêmicas e financeiras.

A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e o Hospital São Paulo, no período que o MEC lançou a abertura de RMS na rede de Hospitais Universitários Federais(³), apoiaram a criação do Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar, entendendo suas responsabilidades na formação e prestação de assistência à saúde. Na atualidade, a Comissão de Residência Multiprofissional em Saúde (Coremu) é composta por nove das quatorze profissões da saúde e tem dezesseis programas, que contribuem com excelência na formação de futuros profissionais, para atuarem nos mais diferentes cenários do SUS.(⁴)

Destaca-se a participação expressiva da área profissional da Enfermagem, que compõe a equipe multiprofissional de treze programas, sendo oito gerenciados por enfermeiros docentes ou técnicos administrativos de ensino da Escola Paulista de Enfermagem, demonstrando o envolvimento expressivo deste grupo, com os programas de residência desde sua criação, com atuações também na coordenação da Coremu.(⁴)

Historicamente, a Coremu Unifesp tem participado ativamente das discussões sobre a residência, com representatividade na Comissão Descentralizada Multiprofissional de Residência, que possibilitou a participação no Seminário Nacional de Residência em Área Profissional da Saúde 2023, organizado pelo MS, com participação do MEC e Secretaria de Gestão de Trabalho e Educação (SGTES), tendo como agenda o início dos trabalhos para construção da Política Nacional de Residência em Saúde, com participação de representantes de vários estados brasileiros e com atuação consistente dos residentes.

Espera-se que a Política Nacional de Residência em Saúde possa mitigar as adversidades, que na conjuntura atual as residências enfrentam, como: sucateamento das instituições de saúde e ensino, precarização e privatização dos serviços, inserção de nova empresa como gestora dos Hospitais Universitários Federais, profissionais de saúde com sobrecarga de trabalho, risco do residente ser considerado como cobertura de escala de serviço,(³)comprometimento da saúde mental dos residentes, fragilidades na formação do corpo docente assistencial e o reconhecimento da sua atuação na residência, entre outras dificuldades que impactam nos programas.

Alinhadas a estas demandas, as proposições realizadas para construção desta política foram pautadas nos eixos temáticos: gestão das residências, valorização dos preceptores, tutores, coordenadores e residentes, necessidades de saúde e residências, valorização e avaliação das residências.

A perspectiva da Residência em Saúde, como Política Pública, é garantir o padrão de formação interprofissional, com resolutividade, humanismo e ética, manter o investimento nesta modalidade de formação, independente da gestão do governo, com prioridade de atendimento em regiões estratégicas para o SUS, alinhada às necessidades de saúde da população, expandir os programas e financiamento de bolsas de residências, contribuir na regulação, avaliação e ordenamento das residências, possibilitar análises e estudos demográficos de especialidades de saúde no Brasil, gerar conhecimento e novas tecnologias, abarcar a residência médica e em área profissional da saúde, com definição de princípios, diretrizes, objetivos e responsabilidades, sendo uma política transversal, integrada e intersetorial, alinhada às Políticas Nacional de Educação Permanente em Saúde e de Gestão e Trabalho em Saúde e prever a comissão interministerial de gestão da educação na saúde, com a subcomissão de residências.(⁵)

Diante desta nova perspectiva nas residências em saúde, observa-se um movimento político para revisitar esta modalidade de ensino, com a cooperação dos órgãos financiadores, em realizar os encaminhamentos que ficaram latentes nas gestões anteriores, com maior resolutividade nos processos de avaliação e expansão dos programas, com indicação da necessidade de maior representatividade do corpo docente-assistencial e residentes no atual CNRMS, execução do diagnóstico situacional, a partir da aproximação com as residências médica e multiprofissional, com intencionalidade futura, da mudança de paradigma da separação da profissão médica das demais e a construção com participação coletiva da Política Nacional de Residências em Saúde, como garantia e fortalecimento da formação de especialistas para o SUS.

Referências

• ¹
  Brasil. Ministério da Educação. Resolução n°1, de junho de 2007. Dispõe sobre funcionamento de cursos de pós graduação lato sensu, em nível de especialização. Brasília(DF): Ministério da Educação; 2007 [citado2 023 Set 26]. Disponívelem:htttp://portal.mec.gov.br/docman/maio-2017-pdf/65261-rces001-07-pdf-1/file
  » htttp://portal.mec.gov.br/docman/maio-2017-pdf/65261-rces001-07-pdf-1/file
• ²
  Brasil. Ministério da Educação Portaria Interministerial MEC/MSno2117 de 3 de novembro de 2005. Dispõe sobre a Residência Multiprofissional em Saúde e dá outras providências. Brasília (DF) Ministério da Educação; 2005 [citado2023 Set 26]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15432-port-inter-n2117-03 nov-2005&Itemid=30192
  » http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15432-port-inter-n2117-03 nov-2005&Itemid=30192
• ³
  Mendes AG. Residência Multiprofissional em Saúde e Serviço Social. In: SilvaLB, Ramos A, organizadoras. Serviço Social, saúde e questões contemporâneas: reflexões críticas sobre a prática profissional. São Paulo: Papel Social;2013.p.183-99.
• ⁴
  Guareschi AP, Lopes RS. Programas de Residência Multiprofissional da Universidade Federal de São Paulo: formação de especialistas com excelência. In: Cordeiro AL, Oliveira RM, Silva GT, organizadores. Residência Multiprofissional em Saúde: investigações, vivências e possibilidades na formação. Brasília (DF): Editora ABen; 2022. p. 29-34.
• ⁵
  Brasil. Ministério da Saúde. Seminário Nacional de Residência em Área Profissional em Saúde. Brasília(DF): Ministério da Saúde; 2023 [citado 2023 Set 26]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sgtes/eventos/anteriores/seminario-nacional-de-residencia-emarea-profissional-da-saude
  » https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sgtes/eventos/anteriores/seminario-nacional-de-residencia-emarea-profissional-da-saude

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  04 Mar 2024
• Data do Fascículo
  2024