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Educação em saúde para pacientes submetidos à revascularização miocárdica: validação de história em quadrinhos

Educación en salud para pacientes sometidos a revascularización miocárdica: validación de historieta

Resumo

Objetivo

Desenvolver e analisar as evidências de validade de conteúdo de uma tecnologia educacional do tipo história em quadrinhos (HQ) para pacientes submetidos à Cirurgia de Revascularização do Miocárdio (CRM).

Métodos

Estudo de validação realizado em três etapas. A primeira consistiu na avaliação das necessidades de informações dos pacientes submetidos à CRM; a segunda foi o desenvolvimento de um roteiro para a tecnologia educacional do tipo HQ; e a terceira, a análise das evidências de validade de conteúdo desse roteiro, realizada por seis especialistas, sendo considerado válido quando obtido um Índice de Validade de Conteúdo superior a 80%, sendo, posteriormente, elaborada a HQ por um ilustrador.

Resultados

Na primeira etapa, 10 pacientes relataram terem necessidades de informações sobre alimentação, consumo de bebidas alcoólicas, controle da ansiedade e do estresse, controle da dor, cuidados com a ferida operatória, tabagismo, atividade física, relação sexual, retorno ao trabalho, liberação para viagens e direção de automóveis. Com base nesses dados, elaborou-se, a partir de revisão de literatura, a história fictícia de um paciente submetido à cirurgia de revascularização do miocárdio, com as respectivas orientações realizadas pela enfermeira. Esse roteiro da HQ foi avaliado pelos especialistas alcançando adequada concordância após a segunda rodada. Após validação, a HQ foi elaborada pelo ilustrador e analisada pelos especialistas.

Conclusão

A tecnologia educacional do tipo HQ atingiu adequadas evidências de validade de conteúdo pelos especialistas, podendo ser utilizada como uma das estratégias na orientação da alta hospitalar.

Revascularização miocárdica; Alta do paciente; Educação em saúde; Folhetos; Tecnologia educacional; História em quadrinhos

Resumen

Objetivo

Desarrollar y analizar las evidencias de validez de contenido de una tecnología educativa del tipo historieta para pacientes sometidos a cirugía de revascularización del miocardio (CRM).

Métodos

Estudio de validación realizado en tres etapas. La primera consistió en la evaluación de las necesidades de información de los pacientes sometidos a CRM; la segunda fue el desarrollo de un guion para la tecnología educativa del tipo historieta, y la tercera fue el análisis de las evidencias de validez de contenido de ese guion, realizada por seis especialistas, donde fue considerado válido un Índice de Validez de Contenido superior al 80 %, y luego un ilustrador elaboró la historieta.

Resultados

En la primera etapa, 10 pacientes mencionaron la necesidad de obtener información sobre alimentación, consumo de bebidas alcohólicas, control de la ansiedad y del estrés, control del dolor, cuidados de la herida quirúrgica, tabaquismo, actividad física, relación sexual, vuelta al trabajo, autorización para viajar y para conducir vehículos. Con base en estos datos y a partir de la revisión de literatura, se elaboró la historia ficticia de un paciente sometido a una cirugía de revascularización del miocardio, con las respectivas orientaciones realizadas por una enfermera. El guion de la historieta fue evaluado por los especialistas y obtuvo una concordancia adecuada luego de la segunda ronda. Después de la validación, el ilustrador elaboró la historieta y los especialistas la analizaron.

Conclusión

La tecnología educativa de tipo historieta alcanzó evidencias de validez de contenido adecuadas por los especialistas y puede ser utilizada como una de las estrategias para la orientación en el alta hospitalaria.

Revascularización miocárdica; Alta del paciente; Educación en salud; Folletos; Tecnología educacional; Novela gráfica

Abstract

Objective

To develop and analyze the evidence of content validity of a comic book-type educational technology for patients undergoing Coronary Artery Bypass Graft surgery (CABG).

Methods

Validation study conducted in three steps. The first consisted of assessing the information needs of patients undergoing CABG; the second was the development of a comic book-type educational technology script; and the third, was the analysis of the evidence of content validity of this script performed by six experts. It was considered valid when a Content Validity Index above 80% was obtained. Subsequently, the comic book was designed by an illustrator.

Results

In the first step, ten patients reported needing information about food, alcohol consumption, anxiety and stress control, pain control, surgical wound care, smoking, physical activity, sexual intercourse, returning to work and clearance to travel and drive. Based on these data, a fictitious history of a patient undergoing coronary artery bypass graft surgery was developed from a literature review, with the respective instructions given by the nurse. This comic book script was evaluated by the experts, reaching adequate agreement after the second round. After validation, the comic book was designed by the illustrator and analyzed by the experts.

Conclusion

The educational technology of the comic book-type reached adequate evidence of content validity by the experts, and can be used as one of the strategies in guidance of hospital discharge.

Myocardial revascularization; Patient discharge; Health education; Pamphlets; Educational technology; Graphic novel

Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) são as principais causas de internação e óbito no mundo. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), essas doenças são responsáveis por 80% dos casos de óbito nos países em desenvolvimento, como o Brasil.(11. Virani SS, Alonso A, Aparicio HJ, Benjamin EJ, Bittencourt MS, Callaway CW, Carson AP, Chamberlain AM, Cheng S, Delling FN, Elkind MS, Evenson KR, Ferguson JF, Gupta DK, Khan SS, Kissela BM, Knutson KL, Lee CD, Lewis TT, Liu J, Loop MS, Lutsey PL, Ma J, Mackey J, Martin SS, Matchar DB, Mussolino ME, Navaneethan SD, Perak AM, Roth GA, Samad Z, Satou GM, Schroeder EB, Shah SH, Shay CM, Stokes A, VanWagner LB, Wang NY, Tsao CW; American Heart Association Council on Epidemiology and Prevention Statistics Committee and Stroke Statistics Subcommittee. Heart Disease and Stroke Statistics-2021 Update: a Report From the American Heart Association. Circulation. 2021;143(8):e254-e743.)

Dentre essas doenças, a doença arterial coronariana (DAC) possui causa multifatorial2 e caracteriza-se pela obstrução das artérias coronarianas pela formação de placas ateroscleróticas, que causam estreitamento e redução do fluxo sanguíneo coronariano.(22. Knuuti J, Wijns W, Saraste A, Capodanno D, Barbato E, Funck-Brentano C, Prescott E, Storey RF, Deaton C, Cuisset T, Agewall S, Dickstein K, Edvardsen T, Escaned J, Gersh BJ, Svitil P, Gilard M, Hasdai D, Hatala R, Mahfoud F, Masip J, Muneretto C, Valgimigli M, Achenbach S, Bax JJ; ESC Scientific Document Group. 2019 ESC Guidelines for the diagnosis and management of chronic coronary syndromes. Eur Heart J. 2020;41(3):407-477.) A síndrome coronariana aguda (SCA) é a manifestação aguda da DAC, sendo responsável por 30% das mortes cardiovasculares, e decorre, principalmente, da ruptura da placa vulnerável ou da erosão superficial do endotélio, causando formação de trombo, ativação e agregação plaquetária.(33. Collet JP, Thiele H, Barbato E, Barthélémy O, Bauersachs J, Bhatt DL, Dendale P, Dorobantu M, Edvardsen T, Folliguet T, Gale CP, Gilard M, Jobs A, Jüni P, Lambrinou E, Lewis BS, Mehilli J, Meliga E, Merkely B, Mueller C, Roffi M, Rutten FH, Sibbing D, Siontis GC; ESC Scientific Document Group. 2020 ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes in patients presenting without persistent ST-segment elevation. Eur Heart J. 2021;42(14):1289-367. Erratum in: Eur Heart J. 2021;42(19):1908. Erratum in: Eur Heart J. 2021;42(19):1925. Erratum in: Eur Heart J. 2021 May 13.) O tratamento dessa doença pode incluir o tratamento medicamentoso, a intervenção coronária percutânea ou o tratamento cirúrgico.(22. Knuuti J, Wijns W, Saraste A, Capodanno D, Barbato E, Funck-Brentano C, Prescott E, Storey RF, Deaton C, Cuisset T, Agewall S, Dickstein K, Edvardsen T, Escaned J, Gersh BJ, Svitil P, Gilard M, Hasdai D, Hatala R, Mahfoud F, Masip J, Muneretto C, Valgimigli M, Achenbach S, Bax JJ; ESC Scientific Document Group. 2019 ESC Guidelines for the diagnosis and management of chronic coronary syndromes. Eur Heart J. 2020;41(3):407-477.

3. Collet JP, Thiele H, Barbato E, Barthélémy O, Bauersachs J, Bhatt DL, Dendale P, Dorobantu M, Edvardsen T, Folliguet T, Gale CP, Gilard M, Jobs A, Jüni P, Lambrinou E, Lewis BS, Mehilli J, Meliga E, Merkely B, Mueller C, Roffi M, Rutten FH, Sibbing D, Siontis GC; ESC Scientific Document Group. 2020 ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes in patients presenting without persistent ST-segment elevation. Eur Heart J. 2021;42(14):1289-367. Erratum in: Eur Heart J. 2021;42(19):1908. Erratum in: Eur Heart J. 2021;42(19):1925. Erratum in: Eur Heart J. 2021 May 13.

4. Patel MR, Calhoon JH, Dehmer GJ, Grantham JA, Maddox TM, Maron DJ, et al. ADD/AATS/AHA/ASE/ASNC/SCAI/SCCT/STS 2016 Appropriate Uso Criteria for Coronary Revascularization in Patients With Acute Coronary Syndromes. J Am Coll Cardiol. 2017;69(5):270-591.
-55. Maldaner CR, Beuter M, Jacobi CS, Roso CC, Mistura C, Seiffert MA. The daily life of adults and elderly after myocardial revascularization. Rev Pesq Cuid Fundam. 2014;6(1):62-73.)

O tratamento cirúrgico, denominado de cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM), é realizado em pacientes com lesões obstrutivas coronarianas graves, ou seja, naqueles com três ou mais vasos coronarianos com obstrução acima de 70%, estenose em tronco de coronária esquerda ou mesmo estenose de um ou dois vasos proximais.(66. Cunha KS, Higashi GD, Erdmann AL, Kahl C, Koerich C, Meirelles BH. Myocardial revascularization: factors intervening in the reference and conter-reference in Primary Health Care. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(6):965-72.)

A reabilitação após a CRM visa permitir o retorno à vida produtiva o mais breve possível, além de restaurar sua melhor condição fisiológica e social. Aderir a uma dieta saudável associada à incorporação de uma prática regular de atividade física, abandonar o tabagismo e o etilismo, controlar a ansiedade e o estresse e aderir à terapêutica medicamentosa são os pilares dos programas de prevenção secundária a essa população.(77. Ambrosseti M, Abreu A, Corrá U, Davos CH, Hansen D, Frederix I, et al. Secondary prevention through comprehensive cardiovascular rehabilitation: From knowledge to implementation. 2020 update. A position paper from the Secondary Prevention and Rehabilitation Section of the European Association of Preventive Cardiology. Eur J Prev Cardiol. 2020;30;2047487320913379.)Em adição a alteração desses hábitos, têm-se as orientações quanto aos cuidados com a ferida operatória, controle da dor e retorno às atividades habituais, tais como direção, atividade sexual e atividades laborais.

Cabe aos profissionais de saúde, em especial ao enfermeiro, a orientação do paciente e dos seus familiares sobre as práticas essenciais de autocuidado pós-cirúrgico, principalmente pelo fato de que algumas pessoas podem considerar a ausência de sintomas como significado de cura, ocasionando o retorno aos hábitos de vida não saudáveis anteriores à cirurgia e a interrupção dos medicamentos.(22. Knuuti J, Wijns W, Saraste A, Capodanno D, Barbato E, Funck-Brentano C, Prescott E, Storey RF, Deaton C, Cuisset T, Agewall S, Dickstein K, Edvardsen T, Escaned J, Gersh BJ, Svitil P, Gilard M, Hasdai D, Hatala R, Mahfoud F, Masip J, Muneretto C, Valgimigli M, Achenbach S, Bax JJ; ESC Scientific Document Group. 2019 ESC Guidelines for the diagnosis and management of chronic coronary syndromes. Eur Heart J. 2020;41(3):407-477.,55. Maldaner CR, Beuter M, Jacobi CS, Roso CC, Mistura C, Seiffert MA. The daily life of adults and elderly after myocardial revascularization. Rev Pesq Cuid Fundam. 2014;6(1):62-73.,77. Ambrosseti M, Abreu A, Corrá U, Davos CH, Hansen D, Frederix I, et al. Secondary prevention through comprehensive cardiovascular rehabilitation: From knowledge to implementation. 2020 update. A position paper from the Secondary Prevention and Rehabilitation Section of the European Association of Preventive Cardiology. Eur J Prev Cardiol. 2020;30;2047487320913379.,88. Araújo HV, Figueirêdo TR, Costa CR, Silveira MM, Belo RM, Bezerra SM. Quality of life of patients who undergone myocardical revascularization sugery. Rev Bras Enferm. 2017;70(2):257-64.)

A educação em saúde é a intervenção que se caracteriza como um processo orientado e planejado para estimular o autocuidado e o autocontrole da doença. Na perspectiva atual, a educação em saúde está voltada à promoção da saúde,(99. Moutinho CB, Almeida ER, Leite MT, Vieira MA. Difficulties, challenges, and overcoming in health education in the view of family health nurses. Trab Educ Saúde. 2014;12(2):253-72.)com o desenvolvimento da consciência crítica do indivíduo e a intenção de envolvê-lo nas decisões sobre sua própria saúde, aumentando, assim, a efetividade das mudanças pessoais necessárias. Tais mudanças contribuem para uma melhor qualidade de vida dos pacientes.(77. Ambrosseti M, Abreu A, Corrá U, Davos CH, Hansen D, Frederix I, et al. Secondary prevention through comprehensive cardiovascular rehabilitation: From knowledge to implementation. 2020 update. A position paper from the Secondary Prevention and Rehabilitation Section of the European Association of Preventive Cardiology. Eur J Prev Cardiol. 2020;30;2047487320913379.)

O processo educacional utiliza diversos tipos de tecnologias que vão desde leves a duras.(1010. Merhy EE. Em busca de ferramentas analisadoras das Tecnologias em Saúde: a informação e o dia a dia de um serviço, interrogando e gerindo trabalho em saúde. In: Merhy EE, Onoko R, editores. Agir em saúde: um desafio para o público. 2ª ed. São Paulo: Hucitec; 2002. p. 113-50.)O planejamento de alta pode ser realizado de forma verbal, escrita ou ambas e, na maioria das vezes, a orientação escrita é realizada por meio de manuais ou folhetos explicativos.(99. Moutinho CB, Almeida ER, Leite MT, Vieira MA. Difficulties, challenges, and overcoming in health education in the view of family health nurses. Trab Educ Saúde. 2014;12(2):253-72.)

Estudos demonstram que, ao realizar o processo educacional de forma escrita, aumenta-se consideravelmente a precisão e o rigor da sua lembrança de detalhes importantes relativos à sua doença e ao seu tratamento.(1111. Sandler DA, Mitchell JR, Fellows A, Gamer ST. Is an information booklet for patients leaving hospital helpful and useful?. BMJ. 1989;298(6677):870-4.)Outro estudo mostrou que os folhetos entregues como uma das formas educacionais do paciente se mostram viáveis, úteis e preferidos pela maioria dos clínicos gerais.(1212. Qureshi KL, Hawley CA, Peachey T, Cooke MW, Unsworth L. Minor head injury in children: evaluating written discharge advice provide by Scottish emergency departments. Brain Inj. 2013;27(13-14):1549-54.)

A utilização de narrativas contendo fotos, ilustrações e displays visuais para comunicação em saúde, como a história em quadrinhos (HQ), apresentam benefícios principalmente em comunicações complexas. A HQ contendo conteúdos de saúde, normalmente, apresenta algum tipo de problema de saúde para um enredo central e descreve a forma de manejo dessa condição e as experiências de determinados grupos no contexto de saúde e doença.(1313. King AJ. Using comics to communicate about health: an introduction to the symposium on visual narratives and graphic medicine. Health Commun. 2017;32(5): 523-4.)

Esse tipo de tecnologia educacional permite a troca de experiências individuais e coletivas, sendo capazes de proporcionar uma leitura individual das experiências, permitindo um pensar sobre as práticas do cotidiano.(1414. Brito MJ, Caram CS, Moreira DA, Resende LC, Cardoso CM, Caçador BS. Técnica do Gibi como Recurso Metodológico Aplicado na Enfermagem. Rev Baiana Enferm. 2019;33:1-9.) Nesse sentido, pressupõe-se que o empoderamento e o aumento do conhecimento constituem-se um importante fator para o autocuidado e gerenciamento da saúde. Diante disso, a tecnologia educacional do tipo HQ tem potencial para orientar os pacientes na promoção de cuidados adequados e auxiliar os enfermeiros nas estratégias de intervenções para transição de cuidado.

Atualmente, observa-se, na literatura nacional e internacional, algumas HQ com enfoque na saúde, como o Florence Nightingale em tempos de pandemia, em que foi criada uma história em quadrinhos com três personagens fictícios e abordadas as medidas de prevenção contra a COVID-19,(1515. Barbosa LE, Silveira IS, Leite PC, Chritofell MM, Gomes ALM, Souza TV, et al. Os conceitos de Florence Nightingale em tempos de pandemia da COVID-19 retratados em história em quadrinhos: relato de experiência. Esc Anna Nery. 2020;24(SPE):e20200200.)e o gibi sobre a história de enfermeiros durante a pandemia lançado pela Marvel.(1616. Vital True Nurses Stories. New York: Marvel Entertainment LLC; 2021 [cited 2021 Oct 8]. Available from: https://read.marvel.com/?linkId=106184985#/labelbook/56132?smartpanel=1
https://read.marvel.com/?linkId=10618498...
)Entretanto, no melhor do conhecimento dos autores, não foi encontrado nenhum tipo de tecnologia educacional do tipo HQ para pacientes submetidos à CRM, o que justifica a importância deste estudo.

O objetivo deste estudo foi desenvolver e analisar as evidências de validade de conteúdo de uma tecnologia educacional do tipo história em quadrinhos para pacientes submetidos à Cirurgia de Revascularização do Miocárdio.

Métodos

Trata-se de um estudo de validação de uma tecnologia educacional do tipo HQ para pacientes submetidos à CRM. Este estudo foi realizado em três etapas. Na primeira etapa, avaliaram-se as necessidades de informações após a alta hospitalar de pacientes submetidos à CRM; a segunda foi o desenvolvimento do roteiro da tecnologia educacional do tipo HQ; e a terceira etapa, a análise das evidências de validade de conteúdo da HQ e elaboração da HQ.

Etapa 1 - Avaliação das necessidades de informações

Na primeira etapa, foram entrevistados dez pacientes adultos sem prejuízo cognitivo que se submeteram à CRM. Esses pacientes, hospitalizados em uma unidade de Cardiologia Cirúrgica de um Hospital Universitário de grande porte na cidade de São Paulo, foram convidados para participar do estudo por um dos pesquisadores e, ao concordarem, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A amostra desta etapa foi de conveniência. A pergunta norteadora desta entrevista foi: quais informações referentes à doença e ao tratamento o(a) senhor(a) gostaria de receber para seu autocuidado em casa após a cirurgia de revascularização do miocárdio?

Após a coleta dos dados, os assuntos foram agrupados por dois dos pesquisadores deste estudo e uma análise estatística descritiva contendo a frequência absoluta e relativa dos termos encontrados foi realizada.

Etapa 2 - Elaboração do roteiro da tecnologia educacional da HQ

Realizou-se uma revisão narrativa de literatura nas bases de dados Medline, Lilacs, BDENF, IBECS e Pubmed para identificar as orientações a serem realizadas a esses pacientes a partir das necessidades de informações que surgiram na primeira etapa. Como filtro de pesquisa, optou-se pelos últimos cinco anos, estudos de revisões, revisões sistemáticas e guidelines, não sendo utilizados descritores controlados. A estratégia de busca utilizada foi a inclusão das necessidades de informações encontradas na primeira etapa utilizando o operador boleando OR entre os termos AND (orientação OR cuidado OR conduta OR tratamento) AND (revascularização do miocárdio). Extraíram-se os dados relacionados aos cuidados aos pacientes que se submetem à CRM, para cada uma das necessidades de informações que surgiram na primeira etapa. Após essa revisão, um roteiro da HQ do tipo storyboard foi elaborado, contendo as falas dos personagens e as figuras a serem desenvolvidas pelo ilustrador.

Etapa 3 – Análise das evidências de validade de conteúdo do roteiro e elaboração da HQ

O roteiro da HQ foi submetido à análise das evidências de validade de conteúdo por três enfermeiros especialistas em Cardiologia, um médico cardiologista, um fisioterapeuta e um psicólogo, que compõem 100% dos profissionais convidados. Para participar do estudo, os especialistas foram classificados como pelo menos master com base nos critérios adaptados de Guimarães et al. A área específica a ser considerada foi a Cardiovascular. Para Guimarães et al.,(1717. Guimarães HC, Pena SB, Lopes JL, Lopes CT, Barros AL. Experts for validation studies in nursing: new proposal and selection criteria. Int J Nurs Knowl. 2015;1-6.)são considerados especialistas master aqueles com escore entre 6 e 20 pontos. Os especialistas foram convidados por e-mail para a participação da pesquisa e, caso concordassem, foi enviado um link do Google Forms® contendo o TCLE, a ficha de caracterização demográfica e profissional e o roteiro da HQ. As variáveis demográficas avaliadas foram o sexo e idade e as variáveis profissionais, o tempo de experiência clínica na área Cardiovascular (em anos), experiência em ensino na área Cardiovascular (em anos), artigos publicados na área Cardiovascular em periódicos científicos de referência, participação em grupo de pesquisa na área Cardiovascular, doutorado/mestrado na área Cardiovascular e residência/especialização na área Cardiovascular. Os especialistas avaliaram o roteiro da HQ em relação à utilidade/pertinência (se o tópico era relevante e atendia à finalidade proposta), à clareza (se o tópico foi explicitado de forma clara, simples e inequívoca), à simplicidade (se expressa uma ideia única), ao vocabulário (se as palavras escolhidas foram corretas sem gerar ambiguidade), à sequência das falas (se a sequência das falas se mostra de forma coerente) e à relação das figuras com o texto. Utilizou-se uma escala Likert de 1 a 4 (1. discordo totalmente, 2. discordo parcialmente, 3. concordo parcialmente e 4. concordo totalmente). Os dados de caracterização demográfica e profissional foram submetidos à análise estatística descritiva, sendo calculados a média e o desvio padrão para as variáveis quantitativas e frequência absoluta e relativa para as variáveis qualitativas. Para a análise das evidências de validade de conteúdo de cada tópico do roteiro elaborado, realizou-se o cálculo do Índice de Validade de Conteúdo- IVC (número de especialistas que atribuíram o escore 3 e 4 dividido pelo número total de respostas). Consideraram-se adequados os tópicos que obtiveram IVC superior a 0,80. Nos casos em que não foi obtido o IVC mínimo, o conteúdo foi reescrito de acordo com as sugestões e reencaminhado para uma nova análise dos especialistas até que obtivesse o IVC recomendado. Após a concordância dos especialistas, a HQ foi desenvolvida por um ilustrador com base no roteiro previamente validado. As figuras foram confeccionadas manualmente em uma lousa eletrônica e empregados desenhos de linhas simples e, posteriormente, editadas pelos programas Adobe Photoshop® e Adobe Flash®. Optou-se por cores neutras para caracterizar o ambiente hospitalar e não tornar a leitura cansativa. Após a sua elaboração, a HQ foi reenviada aos especialistas para análise das figuras, cor e tamanho de letra.

O projeto foi submetido para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição, tendo sido aprovado sob número 3.317.766 (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 04656818.7.0000.5505). Os especialistas que concordaram em participar da pesquisa formalizaram seu consentimento ao assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Foram entrevistados 10 pacientes submetidos à CRM na primeira etapa desta pesquisa e identificadas 11 necessidades de informações (Tabela 1).

Tabela 1
Necessidades de informações após a alta hospitalar de pacientes submetidos à CRM (n=10)

Após a primeira etapa, o roteiro da HQ foi desenvolvido baseado em uma revisão narrativa de literatura e nas necessidades de informações identificadas na primeira etapa, acrescido do conceito de infarto agudo do miocárdio (IAM), fatores de risco para o desenvolvimento do IAM, conceito de CRM e medicamentos utilizados para essa população. A história desenvolvida foi centrada em três personagens principais (Senhor Antônio, que foi o personagem que representa o paciente, a esposa do Senhor Antônio e a Enfermeira Júlia). A HQ foi iniciada com a demonstração do estilo de vida prévio do paciente e a consequente hospitalização por DAC, conforme demonstrado na figura 1.

Figura 1
Exemplo da tecnologia educacional do tipo HQ elaborada

Sequencialmente à hospitalização, a história segue contando a indicação da realização da cineangiocoronariografia e subsequente necessidade da realização da CRM. A enfermeira, durante toda a hospitalização, realiza as intervenções educacionais no que tange à explicação sobre a DAC, os princípios da CRM, a importância da adesão medicamentosa e da modificação do estilo de vida para promoção da saúde cardiovascular, bem como orientações específicas quanto à atividade sexual, manuseio farmacológico e não farmacológico do controle da dor, tempo para retorno ao trabalho e para o retorno seguro às viagens e direção de um automóvel (Figura 2).

Figura 2
Exemplo da tecnologia educacional do tipo HQ elaborada

Após a sua elaboração, o roteiro foi submetido à análise de validade de conteúdo. Participaram da etapa de análise das evidências de validade de conteúdo todos os seis profissionais da área da saúde convidados como juízes, com idade média de 36,5±6,8 anos, sendo 66,7% do sexo feminino. Em relação à experiência clínica na área Cardiovascular, identificou-se média de 9,83±7,42 anos e metade dos profissionais tinha experiência em ensino na área, com média de 11±7,78 anos. Observou-se que 66,7% tinham artigos publicados em periódicos científicos de referência, todos tinham especialização, sendo cinco em Cardiologia (83,3%) e um em Psicologia em saúde (16,6%). Um tinha mestrado, um doutorado e um estava cursando o doutorado. Na primeira rodada de avaliação, sugeriram-se alterações em 34 das 40 frases do roteiro da HQ, tendo obtido um IVC abaixo de 0,80. Os tópicos foram reformulados conforme sugestão e submetidos novamente para avaliação na segunda rodada. A tabela 2 apresenta o grau de concordância para cada tópico na segunda rodada. Nessa rodada, houve sugestões referentes à concordância verbal, e não ao conteúdo. Dessa forma, o roteiro do HQ foi considerado com adequadas evidências de validade pelos especialistas.

Tabela 2
Índice de Validade de Conteúdo entre os juízes na segunda rodada

Após a validação do roteiro, a HQ foi elaborada pelo ilustrador da instituição e enviada aos mesmos especialistas para avaliação das figuras e tamanho da letra. Pequenos ajustes foram solicitados em relação às figuras (posicionamento da incisão cirúrgica, característica física do personagem principal e retirar o cigarro sendo jogado aceso no lixo). Após as adequações, os especialistas foram novamente consultados e concordaram com as alterações realizadas pelo ilustrador. A tecnologia do tipo HQ pode ser visualizada na íntegra como material suplementar.

Discussão

Os materiais instrucionais são de grande importância para a educação em saúde dos pacientes e eficazes se forem lidos e compreendidos.(1818. Fernandes RG, Melo PE. Development and analysis of the guidelines for identification and guidance on the signs and symptoms of presbyphagia. Distúrb Comun. 2019;31(4):597-621.)Esses materiais facilitam a orientação da equipe multiprofissional e uniformizam a informação por meio de uma linguagem fácil e acessível para um melhor entendimento do paciente,(1919. Maciel BS, Barros AL, Lopes JL. Elaboration and validation of na information manual for cardiac catheterization. Acta Paul Enferm. 2016; 29(6):633-42.)evitando o acesso a fontes inadequadas de informação.(2020. Martínez VM, Domíngues JM, lasco IB, Carmona NP, Miralles IA, Caballero GG, et al. Folletos de información educativa en migraña: satisfacción percibida en un grupo de pacientes. Neurología (Barc., Ed. impr.). 2015;30(8):472-8.)

As HQ têm sido utilizadas para comunicar informações precisas e relevantes ao longo de muitas décadas.(2121. Ashwal G, Thomas A. Are comic books appropriate health education formats to offer adults patients? AMA J Ethics. 2018;20(1):134-40.)Nos últimos anos, um crescente corpo de pesquisas tem demonstrado a eficácia das HQ como ferramenta de educação do paciente.(1313. King AJ. Using comics to communicate about health: an introduction to the symposium on visual narratives and graphic medicine. Health Commun. 2017;32(5): 523-4.,2222. McNicol S. The potential of educational comics as a health information medium. Health Info Libr J. 2017;34(1):20-31.)Esses estudos destacam que a compreensão visual é intuitiva de maneira que a compreensão verbal pode não ser e que combinar imagens e textos melhora a compreensão dos indivíduos, pois ativa diferentes áreas do cérebro.(1313. King AJ. Using comics to communicate about health: an introduction to the symposium on visual narratives and graphic medicine. Health Commun. 2017;32(5): 523-4.,2222. McNicol S. The potential of educational comics as a health information medium. Health Info Libr J. 2017;34(1):20-31.)Ainda, tal combinação pode ajudar a melhorar o letramento em saúde, já que sequências de ação podem ser representadas visualmente e, de outra forma, poderiam levar muitos parágrafos de texto escrito para explicar em detalhes conteúdos equivalentes.(2222. McNicol S. The potential of educational comics as a health information medium. Health Info Libr J. 2017;34(1):20-31.)

A fim de facilitar a leitura e o entendimento da tecnologia aqui desenvolvida e validada, o texto da HQ foi elaborado em linguagem simples, com vocabulário usual, sem termos técnicos. Para despertar o interesse da leitura e auxiliar na compreensão da mensagem e apropriação das informações descritas, utilizaram-se ilustrações condizentes com o texto, idealizadas por um ilustrador.

O roteiro da HQ foi validado após duas rodadas por seis profissionais de saúde e todos foram categorizados como master em uma análise do grau de expertise.(1717. Guimarães HC, Pena SB, Lopes JL, Lopes CT, Barros AL. Experts for validation studies in nursing: new proposal and selection criteria. Int J Nurs Knowl. 2015;1-6.)Um dos passos mais importantes nos estudos de validação de conteúdo é o estabelecimento criterioso do painel de juízes e esses critérios podem estar baseados nas qualificações profissionais/acadêmicas, experiência clínica, experiência em ensino e em estudos de análise de conteúdo.(2323. Almanaresh E, Moles R, Chen TF. Evaluation of methods used for estimatin content validity. Res Social Adm Pharmacy. 2019;15:214-21.)Neste estudo, um dos critérios mais importantes estabelecidos foi a experiência clínica com pacientes submetidos à CRM, o que conferiu maior grau de detalhamento das avaliações quanto ao conteúdo.

O número de juízes que participaram do processo de validação desta pesquisa também foi adequado, visto que publicação referente à análise das evidências de validade de conteúdo destaca que é necessário um número de juízes de 5 a 10, quando se aceita um nível de concordância superior a 0,75.(2323. Almanaresh E, Moles R, Chen TF. Evaluation of methods used for estimatin content validity. Res Social Adm Pharmacy. 2019;15:214-21.)

Na primeira rodada de análise de validade de conteúdo do roteiro da HQ, os especialistas sugeriram alterações em alguns tópicos. No tópico “conceito de infarto agudo do miocárdio”, incluíram-se sua definição e a indicação da cineangiocoronariografia e da CRM. Dois especialistas sugeriram incluir, além da artéria radial, a via femoral como local de punção para a realização da cineangiocoronariografia, entretanto, essa sugestão não foi acatada, pois as diretrizes europeia e americana sobre a SCA destacam que a artéria radial como via de acesso a esses procedimentos é a mais indicada, com menor prevalência de complicações, menor tempo de repouso no leito e, consequentemente, menores custos hospitalares.(22. Knuuti J, Wijns W, Saraste A, Capodanno D, Barbato E, Funck-Brentano C, Prescott E, Storey RF, Deaton C, Cuisset T, Agewall S, Dickstein K, Edvardsen T, Escaned J, Gersh BJ, Svitil P, Gilard M, Hasdai D, Hatala R, Mahfoud F, Masip J, Muneretto C, Valgimigli M, Achenbach S, Bax JJ; ESC Scientific Document Group. 2019 ESC Guidelines for the diagnosis and management of chronic coronary syndromes. Eur Heart J. 2020;41(3):407-477.

3. Collet JP, Thiele H, Barbato E, Barthélémy O, Bauersachs J, Bhatt DL, Dendale P, Dorobantu M, Edvardsen T, Folliguet T, Gale CP, Gilard M, Jobs A, Jüni P, Lambrinou E, Lewis BS, Mehilli J, Meliga E, Merkely B, Mueller C, Roffi M, Rutten FH, Sibbing D, Siontis GC; ESC Scientific Document Group. 2020 ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes in patients presenting without persistent ST-segment elevation. Eur Heart J. 2021;42(14):1289-367. Erratum in: Eur Heart J. 2021;42(19):1908. Erratum in: Eur Heart J. 2021;42(19):1925. Erratum in: Eur Heart J. 2021 May 13.
-44. Patel MR, Calhoon JH, Dehmer GJ, Grantham JA, Maddox TM, Maron DJ, et al. ADD/AATS/AHA/ASE/ASNC/SCAI/SCCT/STS 2016 Appropriate Uso Criteria for Coronary Revascularization in Patients With Acute Coronary Syndromes. J Am Coll Cardiol. 2017;69(5):270-591.)

No que diz respeito aos fatores de risco cardiovascular, incluíram-se as principais doenças que aumentam a chance do desenvolvimento de placas ateroscleróticas obstrutivas, tais como a diabetes mellitus, dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica e a contribuição do perfil genético familiar. Inseriu-se ainda, nesse tópico, a importância da incorporação na vida diária de um estilo de vida saudável com foco na prevenção da progressão aterosclerótica. Sabe-se que a prática da atividade física, a dieta cardioprotetora e o abandono do tabagismo são essenciais para o tratamento não medicamentoso da DAC.(77. Ambrosseti M, Abreu A, Corrá U, Davos CH, Hansen D, Frederix I, et al. Secondary prevention through comprehensive cardiovascular rehabilitation: From knowledge to implementation. 2020 update. A position paper from the Secondary Prevention and Rehabilitation Section of the European Association of Preventive Cardiology. Eur J Prev Cardiol. 2020;30;2047487320913379.)

Incluíram-se informações sobre os sintomas típicos e atípicos dessa doença,(33. Collet JP, Thiele H, Barbato E, Barthélémy O, Bauersachs J, Bhatt DL, Dendale P, Dorobantu M, Edvardsen T, Folliguet T, Gale CP, Gilard M, Jobs A, Jüni P, Lambrinou E, Lewis BS, Mehilli J, Meliga E, Merkely B, Mueller C, Roffi M, Rutten FH, Sibbing D, Siontis GC; ESC Scientific Document Group. 2020 ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes in patients presenting without persistent ST-segment elevation. Eur Heart J. 2021;42(14):1289-367. Erratum in: Eur Heart J. 2021;42(19):1908. Erratum in: Eur Heart J. 2021;42(19):1925. Erratum in: Eur Heart J. 2021 May 13.)uma vez que são de extrema importância para o autocuidado e prevenção secundária. O autogerenciamento dos sintomas acarreta no melhor controle da doença e na procura precoce dos serviços de saúde,(2424. Paoli G, Notarangelo MF, Mattiolli M, Sala RS, Foa C, Solinas E. ALLiance for sEcondary PREvention after an acute coronary syndrome. The ALLEPRE trial: a multicenter fully nurse-coordinated intensive intervention program. Am Heart J. 2018; 203:12-16.)reduzindo complicações e gravidade dos casos.

Outras sugestões incluídas foram os principais enxertos arteriais e venosos utilizados na CRM, o local da incisão cirúrgica e a possibilidade do desenvolvimento de edema no membro em que foi realizada a safenectomia. A exérese da veia safena pode acarretar trauma linfático e, consequentemente, o edema.(2525. Belczak CE, Godoy JM, Ramos RN, Belczak SQ, Caffaro RA. Edema de membro inferior secundário a exérese de veia safena magna para utilização como enxerto na revascularização do miocárdio. J Vasc Bras. 2009;8(1):43-7.) O conhecimento de possíveis sintomas que podem estar relacionados à determinada cirurgia minimiza a ansiedade e o estresse e procuras desnecessárias por atendimento médico.

No tópico “cuidados com a ferida operatória”, sugeriu-se a substituição de palavras para melhor entendimento da população leiga, além da inclusão da utilização do sabão com pH neutro para a limpeza da ferida operatória durante o banho, orientação esta que também foi identificada em outro estudo que desenvolveu um manual de orientação aos pacientes submetidos à CRM.(2626. Gentil LL, Silva RM, Benavente SB, Costa AL. Manual educativo de cuidados no pós-operatório de revascularização miocárdica: uma ferramenta para pacientes e familiares. Rev Eletr Enferm. 2017;19:a38.)O sabão neutro apresenta baixo nível de citotoxicidade, não interferindo no processo cicatricial.

Outra sugestão no tópico do cuidado com as feridas foi incluir a orientação de evitar a exposição solar prolongada, uma vez que esta poderia levar à agressão dos melanócitos, ocasionando disfunções cutâneas cicatriciais, inclusive alterações no processo cicatricial e formação de cicatrizes fibroproliferativas.(2727. Niu X, Lin X, Chen X, Xu S, Huang Z, Tang Q. Long-wave Ultraviolet Ray Promotes Inflammation in Keloid-derived Fibroblasts by Activating P38-NFκB1 Signaling Pathway. J Burn Care Res. 2020;41(6):1231-9.)

No tópico “controle da dor”, além da sugestão da alteração de termos para melhor entendimento dos pacientes, propôs-se inserir a informação de que o paciente, para reduzir a dor, deve evitar atividades físicas extenuantes e movimentos extremos dos ombros até que ocorra a completa cicatrização esternal,(2828. Aroesty JM, Kannam JP. Patient education: Recovery after coronary artery bypass graft surgery (CABG) (Beyond the Basics). Massachusetts (EUA): UpToDate; 2021 [cited 2021 Oct 18]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/recovery-after-coronary-artery-bypass-graft-surgery-cabg-beyond-the-basics#H5
https://www.uptodate.com/contents/recove...
)como também a importância de manter um apoio, caso queira dormir de lado.(2626. Gentil LL, Silva RM, Benavente SB, Costa AL. Manual educativo de cuidados no pós-operatório de revascularização miocárdica: uma ferramenta para pacientes e familiares. Rev Eletr Enferm. 2017;19:a38.)Essas orientações devem ser realizadas a esses pacientes para evitar a movimentação excessiva do osso do esterno, o que pode acarretar maior intensidade dolorosa e alteração no processo de consolidação óssea.

Quanto à “viagem aérea e retorno para dirigir”, sugeriu-se a inclusão do uso meia elástica principalmente na perna em que foi retirada a safena. A aplicação de compressão adequada facilita o retorno venoso, melhora a drenagem linfática e aumenta a velocidade e o volume do fluxo sanguíneo, evitando, dessa maneira, a piora do edema. Incluiu-se também a sugestão de evitar cruzamento das pernas para facilitar o retorno venoso e reduzir a intensidade do edema.(2525. Belczak CE, Godoy JM, Ramos RN, Belczak SQ, Caffaro RA. Edema de membro inferior secundário a exérese de veia safena magna para utilização como enxerto na revascularização do miocárdio. J Vasc Bras. 2009;8(1):43-7.)

No tópico “medicamentos utilizados”, sugeriu-se adicionar alguns efeitos adversos relacionados às medicações utilizadas nessa população, principalmente a tontura e a sonolência, e orientações sobre como proceder na presença desses sintomas. Essa informação é de extrema relevância, já que um dos motivos de não adesão ao tratamento farmacológico é a presença de efeitos adversos relacionados aos medicamentos,(2929. Padilha JC, Santos VB, Lopes CT, Lopes JL. Prevalence of pharmacological adherence in patients with coronary artery disease and associated factors. Rev Lat Am Enfermagem. 2021;29:e3464.)e o indivíduo ao conhecer como proceder a esses possíveis efeitos colaterais mantém o seu tratamento.(2626. Gentil LL, Silva RM, Benavente SB, Costa AL. Manual educativo de cuidados no pós-operatório de revascularização miocárdica: uma ferramenta para pacientes e familiares. Rev Eletr Enferm. 2017;19:a38.)

No que se refere à “atividade sexual”, sugeriu-se adicionar outros medicamentos utilizados para o controle da impotência sexual, além do Sildenafil, como contraindicações aos pacientes que fazem uso de nitratos. Entretanto, mantivemos a orientação de que qualquer medicação utilizada deve ter o consentimento e a orientação prévia do médico.

Ao avaliarem o tópico “exercícios e atividade física”, os especialistas sugeriram a inclusão da informação de que a prática dos exercícios físicos deve ser liberada pela equipe de saúde, o que normalmente ocorre após seis a oito semanas, caso não haja alterações significativas no teste de esforço. Esse tempo para a prática segura da atividade física tem relação com a consolidação do esterno, parcial cicatrização das feridas operatórias e também com a capacidade funcional no pós-operatório tardio.

No tópico “alimentação”, sugeriu-se adicionar o pão na lista de alimentos que devem ser ingeridos em menor quantidade, uma vez que a elevada ingestão de carboidratos aumenta a glicemia, o que promove o aumento da insulinemia, e esta, por sua vez, ativa os fatores de transcrição que promovem a síntese de ácidos graxos e triglicérides, além de elevar a inflamação e o risco cardiovascular.(77. Ambrosseti M, Abreu A, Corrá U, Davos CH, Hansen D, Frederix I, et al. Secondary prevention through comprehensive cardiovascular rehabilitation: From knowledge to implementation. 2020 update. A position paper from the Secondary Prevention and Rehabilitation Section of the European Association of Preventive Cardiology. Eur J Prev Cardiol. 2020;30;2047487320913379.)

Quanto ao tópico “consumo de bebidas alcoólicas”, muitos profissionais apontaram a inexistência de doses seguras de consumo e sugeriram que a orientação a ser oferecida é da completa abstenção do álcool, principalmente após a alta hospitalar. Estudo demonstra os efeitos maléficos do álcool em relação à eficácia dos medicamentos na cardiodepressão e no aumento dos níveis glicêmicos.(77. Ambrosseti M, Abreu A, Corrá U, Davos CH, Hansen D, Frederix I, et al. Secondary prevention through comprehensive cardiovascular rehabilitation: From knowledge to implementation. 2020 update. A position paper from the Secondary Prevention and Rehabilitation Section of the European Association of Preventive Cardiology. Eur J Prev Cardiol. 2020;30;2047487320913379.)

Por fim, no tópico “controle da ansiedade e do estresse”, sugeriu-se inserir a informação de que existem serviços de apoio gratuitos, com diversas intervenções não farmacológicas que podem ser utilizadas para redução desses sentimentos, e que determinadas emoções são naturais do ser humano, mas que é importante desenvolver formas de lidar com tal situação.(77. Ambrosseti M, Abreu A, Corrá U, Davos CH, Hansen D, Frederix I, et al. Secondary prevention through comprehensive cardiovascular rehabilitation: From knowledge to implementation. 2020 update. A position paper from the Secondary Prevention and Rehabilitation Section of the European Association of Preventive Cardiology. Eur J Prev Cardiol. 2020;30;2047487320913379.)

A partir dos resultados deste estudo, tornam-se importantes o desenvolvimento e a validação de outros materiais educativos que norteiem a orientação dos profissionais de saúde e melhorem o letramento em saúde e, consequentemente, a adesão ao tratamento. O material aqui desenvolvido e validado ainda necessita ser avaliado pela população-alvo quanto ao entendimento e nitidez das imagens.

Conclusão

A tecnologia do tipo HQ sobre os cuidados aos pacientes submetidos à revascularização do miocárdio foi desenvolvida e validada por especialistas. A aplicação desse material na prática clínica poderá ser útil para otimizar o planejamento da alta hospitalar pela equipe multiprofissional, além de auxiliar o paciente e familiares no cuidado no domicílio. Estudos futuros serão realizados para validar a aparência da HQ por pacientes submetidos à CRM e a efetividade desse material educativo na melhora do autocuidado e do conhecimento desses pacientes e na redução de complicações pós-operatórias.

Agradecimentos

Projeto com financiamento de bolsa de Iniciação Cientifica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Alexandre Pazetto Balsanelli (https://orcid.org/0000-0003-3757-1061) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2021
  • Aceito
    25 Abr 2022
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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