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Morbidade hospitalar de motociclistas acidentados: fatores associados ao tempo de internação

Resumo

Objetivo

Identificar fatores associados ao tempo de internação hospitalar de motociclistas acidentados.

Métodos

Estudo transversal, retrospectivo sobre motociclistas com lesões traumáticas agudas atendidos e internados em três hospitais referência para trauma de São Paulo. Prontuários de pacientes e laudo de necropsia foram consultados para obter variáveis que poderiam se associar ao tempo de internação, seguida da análise de regressão linear múltipla para verificar fatores associados.

Resultados

Análise de 91 motociclistas mostrou que o aumento da gravidade do trauma e as complicações infecciosas, úlcera por pressão, rabdomiólise e síndrome da angustia respiratória aguda associaram-se com maior tempo de internação (p<0,05). A úlcera por pressão e a infecção do sitio cirúrgico foram fatores preditores do aumento do tempo de internação e o óbito como preditor de redução da internação.

Conclusão

Os fatores que se associaram ao tempo de internação resultaram tanto das lesões traumáticas quanto do processo assistencial prestado aos motociclistas acidentados.

Tempo de internação; Causas externas; Motocicletas; Índices de gravidade do trauma; Enfermagem em emergência; Fatores de risco

Abstract

Objective

Identify factors of injured motorcyclists associated with hospital length of stay.

Methods

A retrospective cross-sectional study of motorcyclists with acute traumatic injury admitted to three reference trauma hospitals in São Paulo. Medical records of patients and necropsy reports were analyzed to extract variables that could be associated with length of stay, followed by an analysis by multiple linear regression to verify associated factors.

Results

One analysis of 91 motorcyclists showed that the following were associated with long length of stay (p<0.05): increased severity of trauma and infectious complications, pressure ulcers, rhabdomyolysis, and acute respiratory distress syndrome. Pressure ulcers and surgical site infections were predictors of long length of stay and death was a predictor of reduced length of stay.

Conclusion

The factors associated with length of stay resulted from both traumatic injury and the care provided to injured motorcyclists.

Length of stay; External causes; Motorcycles; Trauma severity indices; Emergency nursing; Risk factors

Introdução

Os traumas por acidentes de trânsito relacionados ao uso de motocicletas têm sido alarmantes em virtude da sua alta e crescente incidência nas últimas décadas. Conforme relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2010 morreram 1,24 milhões de pessoas por acidentes de trânsito e metade dessas mortes foram de pedestres, ciclistas e motociclistas. Além disso, 92% das mortes ocorreram em países de baixa e média renda.(11. World Health Organization (WHO). Violence, injuries and disability: biennial report 2008-2009. Wounds and injuries. Global Forum on Trauma Care. Geneva: WHO; 2010.) A proporção média mundial de mortes por acidente de trânsito é 18/100 000 habitantes e o Brasil tem a proporção de 19,9/100 000 habitantes, ou seja, acima da média.(11. World Health Organization (WHO). Violence, injuries and disability: biennial report 2008-2009. Wounds and injuries. Global Forum on Trauma Care. Geneva: WHO; 2010.,22. Regio M. 1000 Relatórios de Investigação de Acidente de Trânsito Fatal São Paulo - CET, São Paulo, Boletim Técnico; 2012.)

Algumas particularidades, com relação aos acidentes de trânsito no Brasil, merecem destaque, como aponta o estudo “A Mobilidade Urbana no Brasil” do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada que destaca o rápido crescimento da frota de motocicletas, 619% de 1998 a 2012. Esta informação alerta para outro número registrado, no Mapa da Violência 2011, que mostra o crescimento de 753% do número de motociclistas mortos em acidentes de trânsito no Brasil, nos últimos 10 anos. Dados publicados pelo Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde revelam a evolução dos números: em 1998 foram 1.047 mortes, em 2008 foram 8.939 e em 2011 foram 11433 mortes de motociclistas no Brasil.(22. Regio M. 1000 Relatórios de Investigação de Acidente de Trânsito Fatal São Paulo - CET, São Paulo, Boletim Técnico; 2012.

3. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2011: os jovens do Brasil. Ministério da Justiça: Instituto Sangari; 2011.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. Informações de saúde. Estatísticas de mortalidade: óbitos por ocorrência segundo causas externas do Brasil. Brasília (DF) Ministério da Saúde; 2012.
-55. Settervall CH, Domingues CA, Sousa RM, Nogueira LS. Mortes evitáveis em vítimas com traumatismos. Rev Saúde Pública. 2012; 46(2):367-375.)

Em São Paulo, a única categoria a apresentar crescimento de vítimas fatais foi a de motociclistas, com aumento de 11,7% em 2010. O número de motociclistas mortos no trânsito, registrados pela Companhia de Engenharia e Tráfego (CET) foi de 478, com aumento de 10,4% em relação a 2009.(22. Regio M. 1000 Relatórios de Investigação de Acidente de Trânsito Fatal São Paulo - CET, São Paulo, Boletim Técnico; 2012.,55. Settervall CH, Domingues CA, Sousa RM, Nogueira LS. Mortes evitáveis em vítimas com traumatismos. Rev Saúde Pública. 2012; 46(2):367-375.,66. Holz RF, Lindau LA, Nodari CT. Desafios impostos por motociclistas em áreas urbanas: o caso brasileiro. In: XVI Pan-American Conference of Traffic and Transportation Engineering and Logistics (PANAM). Lisboa: Centro de Sistemas Urbanos e Regionais, Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa; 2010.) A relação entre o crescimento da frota e o número de óbitos por acidentes de motocicleta é evidente e aponta, com clareza, para a gravidade crescente do problema, se políticas públicas eficientes e embasadas em resultados de pesquisas não forem implantadas com brevidade.(66. Holz RF, Lindau LA, Nodari CT. Desafios impostos por motociclistas em áreas urbanas: o caso brasileiro. In: XVI Pan-American Conference of Traffic and Transportation Engineering and Logistics (PANAM). Lisboa: Centro de Sistemas Urbanos e Regionais, Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa; 2010.

7. Hashmi ZG, Haider AH, Zafar SN, Kisat M, Moosa A, Siddiqui F, et al. Hospital-based trauma quality improvement initiatives: first step toward improving trauma outcomes in the developing world. J Trauma Acute Care Surg. 2013; 75(1):60-68.
-88. American College of Surgeons. Advanced trauma life support. 9ª ed. Chicago: American College of Surgeons; 2012.)

Em que pese a mortalidade por acidentes de motocicleta, para a imensa parcela dos sobreviventes as consequências das lesões traumáticas podem resultar em necessidade de internação hospitalar, incapacidade física temporária ou definitiva que podem comprometer o seu retorno as atividades de vida diária e qualidade de vida.

Diante do aumento da incidência dos acidentes com motocicletas resultando em lesões de variada gravidade pretende-se analisar a morbidade hospitalar com a finalidade de retratar as consequências pós-traumáticas na fase aguda. Assim, o objetivo deste estudo foi identificar fatores associados ao tempo de internação hospitalar de motociclistas acidentados.

Métodos

Trata-se de estudo transversal retrospectivo quantitativo realizado em três hospitais referência para trauma no Município de São Paulo, sendo dois deles caracterizados como universitários e um como escola.

Considerou-se a população do estudo motociclistas que receberam atendimento na Sala de Emergência (SE), no período de 1 junho a 30 de novembro de 2005. Assim, a amostra foi constituída de vítimas de acidentes de motocicletas categorizadas no Capítulo XX - “Causas Externas de Morbidade e Mortalidade” sob as rubricas V20 a V29 da 10ª Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde, com lesões traumáticas agudas e que foram internadas em um dos três hospitais-escola. As fontes de dados consultadas foram prontuários dos pacientes e laudo de necropsia obtido no Instituto Médico Legal, para as vítimas que morreram.

O tempo de internação do paciente foi definido como variável dependente, sendo considerado o tempo compreendido entre a admissão na SE até a saída do hospital. As seguintes variáveis foram consideradas independentes: sexo, idade, desfecho (óbito e alta hospitalar), gravidade do trauma e complicações.

As complicações foram definidas e consideradas como sendo aquelas relacionadas às lesões primárias que foram diagnosticadas e registradas pela equipe médica e de enfermagem, durante o tempo de internação. A gravidade das lesões foi mensurada segundo a Abbreviated Injury Sacale (AIS) 2005, update 2008 e a gravidade do trauma foi calculada com base no New Injury Severity Score (NISS), considerando o escore > 16 como trauma importante.(99. Association for the Advancement of Automotive Medicine. The Abbreviated Injury Scale (AIS): 2005 Revision, Update 2008. Des Plaines, Illinois; 2008.)

Os dados foram armazenados e analisados em planilha eletrônica utilizando o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 13.0. Para a análise das variáveis associadas ao tempo de internação, inicialmente, as variáveis contínuas foram avaliadas em relação a sua aderência a curva normal, utilizando-se o teste Kolmogorov-Smirnov. As análises univariadas foram feitas com testes de associação (testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis) e correlação (Coeficiente de Correlação de Spearman), seguidas pela análise de regressão linear múltipla. Em razão da multicolineariedade, as variáveis independentes foram transformadas para z-score para realizar a análise de regressão, usando o método stepwise. A modelagem múltipla foi processada considerando as variáveis que apresentaram p≤0,20 e os resultados foram considerados estatisticamente significantes, quando p-valor <0,05.

O estudo foi registrado no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) sob o número 0177/09.

Resultados

A amostra foi constituída de 91 motociclistas acidentados, sendo 90,1% do sexo masculino e média de idade de 26,2 anos (mínimo:16 e máximo 50 anos; dp:8,2; mediana: 24 anos). As regiões corpóreas mais acometidas foram: cabeça (28,7%), seguida dos membros inferiores (24,7%) e face (22,2%). Considerando a gravidade do trauma, a maioria dos motociclistas (53,8%) obteve escores NISS>16, classificando-os como trauma importante. A mortalidade hospitalar foi de 13,2%.

Tendo em vista o tempo de internação como variável dependente, de acordo com a tabela 1, observou-se que a mediana do tempo de internação das mulheres foi duas vezes superior à dos homens, porém não houve diferença estatisticamente significante (p=0,526). A mediana de dias de internação dos motociclistas com idade na faixa etária entre 36 a 40 anos foi mais alta (13,0 dias), destacando-se das demais que apresentaram valores muito próximas sem, contudo, observar diferença estatística significante no tempo de internação (p=0,271).

Tabela 1
Tempo de internação dos motociclistas acidentados segundo sexo, idade, desfecho e gravidade do trauma.

Em relação ao desfecho, verificou-se que os motociclistas que sobreviveram apresentaram a mediana do tempo de internação de 5 dias, sendo esta maior quando comparada à mediana dos óbitos (3,5 dias), porém não houve diferença estatisticamente significante (p=0,062).

Tendo por base o NISS, observou-se que a mediana do tempo de internação dos motociclistas acidentados com escores NISS≥16 foi o dobro de dias em comparação àqueles com NISS <16, sendo essa diferença estatisticamente significante (p=0,049).

No geral, os pacientes que adquiriram complicações durante a permanência no hospital ficaram internados por maior tempo. Aqueles que apresentaram as complicações Ulcera por Pressão (UP), Broncopneumonia (BCP) aspirativa e não aspirativa, Infecção do Trato Urinário (ITU), Infecção do Sítio Cirúrgico (ISC), rabdomiólise, sepse, abscesso e Sindrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), tiveram tempo de internação significativamente maior que os pacientes sem as referidas complicações, de acordo com os dados da tabela 2. Para os pacientes que apresentaram Parada Cardiorrespiratória (PCR), Síndrome compartimental, Diabetes Insipidus (DI), Embolia gordurosa, Pneumotórax, Meningite, Insuficiência Renal Aguda (IRA) e Tromboembolismo Pulmonar (TEP) a diferença do tempo de internação não foi estatisticamente significante em relação aos que não apresentaram tais complicações.

Tabela 2
Associação das complicações com o tempo de internação (dias)

A tabela 3 apresenta os fatores que se associaram ao tempo de internação, conforme o modelo de regressão linear múltipla.

Tabela 3
Modelo de regressão linear múltipla para tempo de internação

No modelo 1, a ocorrência da UP explicou 37,6% do tempo de internação dos motociclistas. Assim, o tempo de internação foi positivamente afetado pela presença de UP, ou seja, o tempo de internação aumentou em comparação aos que não desenvolveram UP.

No modelo 2, observou-se que ao associar a variável desfecho além da UP, o modelo explicou o tempo de internação para os motociclistas em 41,9%, sendo que o tempo de internação hospitalar foi negativamente afetado pela variável desfecho. Ressalta-se que, nesta amostra, 41,7% dos óbitos ocorreram em até 2 dias de internação.

A inclusão da variável ISC no modelo 3 passou a explicar 45,2% do tempo de internação, observando-se que a presença de infecção do sitio cirúrgico aumenta o período de permanência no hospital.

Portanto, o modelo resultante da regressão linear indicou que a UP e a ISC foram fatores preditores do aumento do tempo de internação, ou seja, aqueles que adquiriram UP e ISC permaneceram mais tempo internados em relação aos que não adquiriram essas complicações. Ainda nesse modelo, o óbito foi identificado como preditor de redução da internação, visto que os óbitos dos motociclistas acidentados foram precoces, reduzindo seu tempo de internação.

Discussão

A preponderância de jovens relacionados aos acidentes de motocicleta é constatada em vários estudos e não foi diferente na amostra estudada. Dados de mortalidade das capitais brasileiras, de1996 a 2004, evidenciam a faixa etária de 20 a 49 anos nos óbitos decorrentes de acidentes de motocicletas.(1,10) Em outros países, estudos sobre acidentes motociclísticos também têm constatado o predomínio de homens jovens entre as vítimas fatais ou não, como na Tailândia, Nova Zelândia, Estados Unidos da América, França, Itália, Reino Unido e Grécia.(11-14)

Os acidentes motociclísticos provocam impacto na sociedade pelos anos de vida produtiva perdidos, pela incapacidade funcional, custos relacionados à assistência social e à saúde, além do sofrimento. Os diversos estudos sobre motociclistas acidentados datam do final do segundo milênio tendo como foco principal a gravidade do trauma, o uso ou não de capacetes, ingestão de bebidas alcoólicas e custos hospitalares com o objetivo de diagnosticar e obter subsídios que fundamentem programas de prevenção.(1010. Nascimento LF, Nunes MF. Acidentes de transito com motociclistas, no estado de são paulo (2005-2009): uma abordagem espacial. Hygeia: Rev Bras Geogr Méd Saúde. 2013; 9(17):19-28.

11. Gonzaga RA, Rimoli CF, Pires EA, Zogheib FS, Fujino MV, Cunha MB. Avaliação da mortalidade por causas externas. Rev Col Bras Cir. 2012; 39(4):263-7.

12. Gorios C, Souza RM, Gerolla V, Maso B, Rodrigues CL, Gorios C, et al. Transport accidents among children and adolescents at the emergency service of a teaching hospital in the southern zone of the city of São Paulo. Rev Bras Ortop. 2014; 49(4):391-5.

13. Whitaker IY, Adam NP, Poggetti RS, Assef JC, Rasslan S, Fonseca JHAP, Koizumi MS. Atendimento ao paciente de trauma: uso de indicadores para avaliar a qualidade da assistência. São Paulo; 2006. [Relatório apresentado a FAPESP].
-1414. Hidalgo-Solórzano EC, Híjar M, Blanco-Muñoz J, Kageyama-Escobar ML. Factores associados com la gravedad de lesiones ocorridas en la vía pública en Cuernavaca, Morelos, México. Salud Pública Méx. 2005; 47(1):30-8.)

A vulnerabilidade do motociclista no momento do impacto pode resultar em lesões traumáticas graves por absorver a energia gerada, resultando frequentemente em fraturas de extremidades e traumatismos cranioencefálicos, podendo prolongar o tempo de internação hospitalar e surgimento de complicações. Na amostra estudada, as principais regiões corpóreas com lesões traumáticas assemelharam-se aos vários estudos, sendo a cabeça, membros inferiores e face as mais acometidas.(22. Regio M. 1000 Relatórios de Investigação de Acidente de Trânsito Fatal São Paulo - CET, São Paulo, Boletim Técnico; 2012.

3. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2011: os jovens do Brasil. Ministério da Justiça: Instituto Sangari; 2011.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. Informações de saúde. Estatísticas de mortalidade: óbitos por ocorrência segundo causas externas do Brasil. Brasília (DF) Ministério da Saúde; 2012.

5. Settervall CH, Domingues CA, Sousa RM, Nogueira LS. Mortes evitáveis em vítimas com traumatismos. Rev Saúde Pública. 2012; 46(2):367-375.
-66. Holz RF, Lindau LA, Nodari CT. Desafios impostos por motociclistas em áreas urbanas: o caso brasileiro. In: XVI Pan-American Conference of Traffic and Transportation Engineering and Logistics (PANAM). Lisboa: Centro de Sistemas Urbanos e Regionais, Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa; 2010.,88. American College of Surgeons. Advanced trauma life support. 9ª ed. Chicago: American College of Surgeons; 2012.,1212. Gorios C, Souza RM, Gerolla V, Maso B, Rodrigues CL, Gorios C, et al. Transport accidents among children and adolescents at the emergency service of a teaching hospital in the southern zone of the city of São Paulo. Rev Bras Ortop. 2014; 49(4):391-5.

13. Whitaker IY, Adam NP, Poggetti RS, Assef JC, Rasslan S, Fonseca JHAP, Koizumi MS. Atendimento ao paciente de trauma: uso de indicadores para avaliar a qualidade da assistência. São Paulo; 2006. [Relatório apresentado a FAPESP].
-1414. Hidalgo-Solórzano EC, Híjar M, Blanco-Muñoz J, Kageyama-Escobar ML. Factores associados com la gravedad de lesiones ocorridas en la vía pública en Cuernavaca, Morelos, México. Salud Pública Méx. 2005; 47(1):30-8.)

A análise sobre a morbidade hospitalar por causas externas no Brasil revelou que as fraturas foram responsáveis por 37,5% das internações, sendo as fraturas nas extremidades quase a totalidade (84,5%) desse grupo.(1212. Gorios C, Souza RM, Gerolla V, Maso B, Rodrigues CL, Gorios C, et al. Transport accidents among children and adolescents at the emergency service of a teaching hospital in the southern zone of the city of São Paulo. Rev Bras Ortop. 2014; 49(4):391-5.

13. Whitaker IY, Adam NP, Poggetti RS, Assef JC, Rasslan S, Fonseca JHAP, Koizumi MS. Atendimento ao paciente de trauma: uso de indicadores para avaliar a qualidade da assistência. São Paulo; 2006. [Relatório apresentado a FAPESP].

14. Hidalgo-Solórzano EC, Híjar M, Blanco-Muñoz J, Kageyama-Escobar ML. Factores associados com la gravedad de lesiones ocorridas en la vía pública en Cuernavaca, Morelos, México. Salud Pública Méx. 2005; 47(1):30-8.
-1515. Coben JH, Steiner CA, Miller TR. Characteristics of motorcycle-relates hospitalizations: Comparing states with different helmet laws. Accid Anal Prev. 2007; 39(1):190-6.) Estudo conduzido em 2007, também mostrou que as fraturas, sobretudo nos membros superiores e inferiores foram responsáveis por quase metade das internações (42,6%).(1616. Schuurman JP, Schoonhoven L, Defloor T, Engelshoven I, Ramshort B, Buskens E. Economic evaluation of pressure ulcer care: a cost minimization analysis of preventive strategies. Nurs Econ. 2009; 27(6):390-415.) Em 2004, com o objetivo de identificar o perfil de vítimas de acidentes de trânsito, verificou que as lesões mais frequentes foram as fraturas, que estavam presentes em mais de 90% dos casos, sendo os MMII os mais acometidos.(1616. Schuurman JP, Schoonhoven L, Defloor T, Engelshoven I, Ramshort B, Buskens E. Economic evaluation of pressure ulcer care: a cost minimization analysis of preventive strategies. Nurs Econ. 2009; 27(6):390-415.)

Na amostra estudada, 24,7% das lesões foram decorrentes de fraturas em MMII. A elevada frequência de lesões em membros também foi detectada em estudo realizado nos EUA com motociclistas internados, no qual foi constatado que as lesões em MMII atingiram um percentual de 29,4%, seguidos dos MMSS com 13,1%.(1717. Moore L, Stelfox HT, Turgeon AF. Complication rates as a trauma care performance indicator: a systematic review. Critical Care. 2012; 16(5):R195.,1818. Stelfox HT, Straus SE, Nathens A, Bobranska-Artiuch B. Evidence for quality indicators to evaluate adult trauma care: a systematic review. Crit Care Med. 2011; 39(4):846-59.) O mesmo autor comparou seus dados com outros estudos que utilizaram a mesma metodologia em vítimas com ferimento decorrente de arma de fogo (FAF), revelando que essas apresentam alto risco de mortalidade hospitalar e as vítimas de acidentes de moto permanecem internadas por um longo tempo para recuperação das lesões nos membros e devido às complicações adquiridas durante a internação.(1818. Stelfox HT, Straus SE, Nathens A, Bobranska-Artiuch B. Evidence for quality indicators to evaluate adult trauma care: a systematic review. Crit Care Med. 2011; 39(4):846-59.)

Embora as fraturas de extremidades e pélvicas estejam presentes frequentemente nos acidentes motociclísticos, os resultados dos estudos ainda não revelaram medidas ou recursos que poderiam prevenir ou reduzir esses tipos de lesão.

Dentre as complicações encontradas neste estudo, as UP foram as mais frequentes. A manutenção da integridade da pele e dos tecidos subjacentes como prevenção da UP, tem sido tradicionalmente uma responsabilidade da equipe de enfermagem, embora outros profissionais da equipe de saúde necessitem estar envolvidos pela sua natureza multifatorial. Em estudos internacionais, a UP tem sido apresentada como um indicador de qualidade dos serviços prestados.(1616. Schuurman JP, Schoonhoven L, Defloor T, Engelshoven I, Ramshort B, Buskens E. Economic evaluation of pressure ulcer care: a cost minimization analysis of preventive strategies. Nurs Econ. 2009; 27(6):390-415.,1717. Moore L, Stelfox HT, Turgeon AF. Complication rates as a trauma care performance indicator: a systematic review. Critical Care. 2012; 16(5):R195.)

Para o American College os Surgeons (ACS), os indicadores de qualidade permitem a análise do processo de assistência ao politraumatizado, constituindo-se de metas ou padrões que podem aumentar a probabilidade do paciente alcançar resultados favoráveis.(1919. Gruen RL, Gabbe BJ, Stelfox HT, Cameron PA. Indicators of the quality of trauma care and the performance of trauma systems. Br J Surg. 2012; 99 Suppl 1:97-104.

20. Moore L, Lauzier F, Stelfox HT, Kortbeek J, Simons R, Bourgeois G, et al. Validation of complications selected by consensus to evaluate the acute phase of adult trauma care. Ann Surg. 2014; 262(6):1123-9.
-2121. Ingraham AM, Xiong W, Hemmila MR, Shafi S, Goble S, Neal ML, et al. The attributable mortality and length of stay of trauma-related complications: a matched cohort study. Ann Surg. 2010; 252(2):358-62.) Neste estudo, a UP foi um fator associado ao aumento do tempo de internação. Ressalta-se que as regiões frequentemente mais acometidas, sacral, trocantérica, occipital e calcânea, podem estar relacionadas à dificuldade de mobilização do paciente devido as suas lesões traumáticas, imobilizações externas, monitorizações, sedação e dor. A preocupação com a prevenção das UP é fundamental e a avaliação do paciente deve ser rigorosa, desde o atendimento pré-hospitalar, na admissão na SE e durante toda sua internação.

Outro indicador de avaliação da qualidade da assistência em trauma, de acordo com o ACS, é o filtro auditor “Complicações Específicas”.(2121. Ingraham AM, Xiong W, Hemmila MR, Shafi S, Goble S, Neal ML, et al. The attributable mortality and length of stay of trauma-related complications: a matched cohort study. Ann Surg. 2010; 252(2):358-62.-23) Nesse filtro existem oito itens relacionados à infecção.(1414. Hidalgo-Solórzano EC, Híjar M, Blanco-Muñoz J, Kageyama-Escobar ML. Factores associados com la gravedad de lesiones ocorridas en la vía pública en Cuernavaca, Morelos, México. Salud Pública Méx. 2005; 47(1):30-8.) Na amostra estudada, verificou-se a presença de seis itens: ISC, ITU, BCP aspirativa e não aspirativa, Sepse e Meningite. Destes, apenas a meningite não foi associada ao aumento do tempo de internação.

O risco de infecção em pacientes de trauma podem ser decorrentes de fatores relacionados ao próprio paciente, aos procedimentos cirúrgicos, uso de dispositivos invasivos e imobilidade. Em relação ao paciente podem ser citados: extremos de idade, obesidade, desnutrição, imunodepressão, comorbidades, tabagismo e alcoolismo. Quanto aos procedimentos cirúrgicos, destacam-se as cirurgias de longa duração, administração precoce de antibióticos e presença de corpo estranho.(1818. Stelfox HT, Straus SE, Nathens A, Bobranska-Artiuch B. Evidence for quality indicators to evaluate adult trauma care: a systematic review. Crit Care Med. 2011; 39(4):846-59.

19. Gruen RL, Gabbe BJ, Stelfox HT, Cameron PA. Indicators of the quality of trauma care and the performance of trauma systems. Br J Surg. 2012; 99 Suppl 1:97-104.

20. Moore L, Lauzier F, Stelfox HT, Kortbeek J, Simons R, Bourgeois G, et al. Validation of complications selected by consensus to evaluate the acute phase of adult trauma care. Ann Surg. 2014; 262(6):1123-9.
-2121. Ingraham AM, Xiong W, Hemmila MR, Shafi S, Goble S, Neal ML, et al. The attributable mortality and length of stay of trauma-related complications: a matched cohort study. Ann Surg. 2010; 252(2):358-62.)

A infecção no paciente com trauma multissistêmico está associada ao maior número de intervenções cirúrgicas, utilização de fármacos, sobretudo, antibióticos que podem resultar no aumento do tempo de internação.

O tempo de internação dos motociclistas que apresentaram ISC foi prolongado, ressaltando-se que em dois casos os pacientes ficaram internados mais de 6 meses. Os locais de infecção foram os MMII e cabeça. A ISC quando ocorreu em MMII envolveu lesões traumáticas que necessitaram de fixação externa do membro e/ou ligadura de artérias e/ou fasciotomia e/ou amputação e ocorrência de rabdomiólise, caracterizando-os como lesões complexas e tratamento prolongado. Nos motociclistas que desenvolveram ISC na região da cabeça, os dois pacientes foram submetidos a craniotomia e colocação de derivação ventricular externa, tendo como complicação meningite e ventriculite.

É importante ressaltar que quanto maior a gravidade do trauma, maior a repercussão sistêmica e maior probabilidade da evolução da síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), falência de múltiplos órgãos e óbito. Por isso, o reconhecimento e o tratamento precoce das prioridades mencionadas são fundamentais, pois o prognóstico do paciente é determinado, sobretudo, pelo êxito do tratamento inicial.(2121. Ingraham AM, Xiong W, Hemmila MR, Shafi S, Goble S, Neal ML, et al. The attributable mortality and length of stay of trauma-related complications: a matched cohort study. Ann Surg. 2010; 252(2):358-62.)

Este estudo permitiu conhecer parte da morbidade hospitalar dos motociclistas acidentados que foram internados em hospitais de referencia para trauma em São Paulo. No entanto, uma limitação relacionada ao método foi observada. Por se tratar de estudo retrospectivo dependente de registros em prontuários, a eventual ausência do dado não pode ser confirmada.

Os dados sobre acidentes de moto reforçam a necessidade de se realizar estudos prospectivos, com vistas às análises mais detalhadas quanto aos efeitos do impacto sobre a ocorrência de complicações, sobre a capacidade funcional das vítimas, sequelas e qualidade de vida. Esses resultados poderiam subsidiar medidas preventivas no atendimento imediato das vítimas de acidentes de moto.

Acredita-se que o uso da motocicleta, como meio de transporte, continuará aumentando considerável e concomitantemente, sendo assim, é imprescindível melhorar as medidas preventivas, sejam elas educativas ou coercitivas, abrangendo a segurança do veículo e do usuário, a adequação da via pública e a incrementação da educação pública. Para isso, o trabalho deve contar com a participação da comunidade científica, das políticas públicas e, sobretudo, dos usuários de todos os veículos automotores.

Conclusão

Os resultados do presente estudo permitiram concluir que o aumento da gravidade do trauma e as complicações infecciosas, UP, rabdomiólise e SARA associaram-se com maior tempo de internação. Os fatores preditores do aumento do tempo de internação foram UP e ISC, o óbito como preditor de redução da internação.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2015
  • Aceito
    11 Abr 2016
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