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Assistência às adolescentes abrigadas em maternidade sob a ótica de profissionais de saúde

Resumos

OBJETIVO: Discutir aspectos determinantes de uma assistência de qualidade a adolescentes grávidas, abrigadas em uma maternidade, conforme a ótica de profissionais de saúde. MÉTODOS: Estudo de abordagem qualitativa, exploratório, realizado em uma maternidade do Município do Rio de Janeiro - RJ, referência para jovens abrigadas. Foram sujeitos do estudo 14 profissionais da equipe de saúde. Os dados foram tratados, conforme a técnica da análise de conteúdo. RESULTADOS: Duas categorias de análise emergiram: Características do atendimento dos profissionais de saúde da maternidade direcionadas à mãe adolescente abrigada e seu filho; Características da organização/estrutura da maternidade que afetam o atendimento às adolescentes abrigadas grávidas. CONCLUSÃO: Faz-se necessário incorporar as práticas norteadoras da integralidade/interdisciplinaridade do serviço. A estigmatização destas jovens significa um dos maiores desafios à assistência e ao cuidado integral. O espaço da maternidade configura um rico ambiente para processo dialógico enfermeiro-adolescente.

Qualidade da assistência à saúde; Pessoal de saúde; Saúde da mulher; Gravidez na adolescência; Adolescente institucionalizado


OBJECTIVE: Discuss determinant aspects of quality care of pregnant adolescents sheltered in a maternity hospital, according to the perspective of health professionals. METHODS: Study with a qualitative, exploratory approach, conducted in a maternity hospital in the Municipality of Rio de Janeiro - RJ, reference for sheltered youngsters. The subjects of the study were 14 health professionals. The data were treated according to the Content Analysis technique. RESULTS: Two categories of analysis emerged: Characteristics of care provided by health professionals at the maternity hospital directed towards the sheltered adolescent mother and her child; Characteristics of the organization/structure of the maternity hospital that affected the care of the sheltered pregnant adolescents. CONCLUSION: It is necessary to incorporate the guiding practices of integrality/interdisciplinarity into the service. The stigmatization of these youngsters is one of the greatest challenges to full assistance and care. The maternity hospital space is a rich environment for the nurse-adolescent dialogic process.

Quality of health care; Health personnel; Women´s health; Pregnancy in adolescence; Adolescent, institutionalized


OBJETIVO: Discutir aspectos determinantes de una asistencia de calidad a adolescentes embarazadas, albergadas en una maternidad, conforme la óptica de profesionales de salud. MÉTODOS: Estudio de abordaje cualitativo, exploratorio, realizado en una maternidad del Municipio de Rio de Janeiro - RJ, referencia para jóvenes albergadas. Los sujetos del estudio fueron 14 profesionales del equipo de salud. Los datos fueron tratados, conforme a la técnica del análisis de contenido. RESULTADOS: Emergieron del análisis dos categorías: Características de la atención de los profesionales de salud de la maternidad direccionadas a la madre adolescente albergada y su hijo; Características de la organización/estructura de la maternidad que afectan la atención a las adolescentes albergadas embarazadas. CONCLUSIÓN: Se hace necesario incorporar las prácticas norteadoras de la integralidad/interdisciplinaridad del servicio. La estigmatización de estas jóvenes significa uno de los mayores desafíos a la asistencia y al cuidado integral. El espacio de la maternidad configura un rico ambiente para el proceso dialógico enfermero-adolescente.

Calidad de la atención de salud; Personal de salud; Salud de la mujer; Embarazo en adolescencia; Adolescente institucionalizado


ARTIGOS ORIGINAIS

Assistência às adolescentes abrigadas em maternidade sob a ótica de profissionais de saúde

IDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIPós-graduanda (Doutorado) do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIIPós-graduanda (Mestrado) do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IVMestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

VPós-graduanda (Mestrado) do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: Discutir aspectos determinantes de uma assistência de qualidade a adolescentes grávidas, abrigadas em uma maternidade, conforme a ótica de profissionais de saúde.

MÉTODOS: Estudo de abordagem qualitativa, exploratório, realizado em uma maternidade do Município do Rio de Janeiro – RJ, referência para jovens abrigadas. Foram sujeitos do estudo 14 profissionais da equipe de saúde. Os dados foram tratados, conforme a técnica da análise de conteúdo.

RESULTADOS: Duas categorias de análise emergiram: Características do atendimento dos profissionais de saúde da maternidade direcionadas à mãe adolescente abrigada e seu filho; Características da organização/estrutura da maternidade que afetam o atendimento às adolescentes abrigadas grávidas.

CONCLUSÃO: Faz-se necessário incorporar as práticas norteadoras da integralidade/interdisciplinaridade do serviço. A estigmatização destas jovens significa um dos maiores desafios à assistência e ao cuidado integral. O espaço da maternidade configura um rico ambiente para processo dialógico enfermeiro-adolescente.

Descritores: Qualidade da assistência à saúde; Pessoal de saúde; Saúde da mulher; Gravidez na adolescência; Adolescente institucionalizado

INTRODUÇÃO

A adolescência é uma fase repleta de peculiaridades quando somadas às diversas características que permeiam a assistência aos adolescentes, podem tornar-se determinantes na qualidade do atendimento de saúde oferecido nos diversos níveis de atenção dos serviços de saúde.

Como um dos desafios da atenção ao adolescente, podemos apontar a necessidade de adequação da linguagem e da forma de atuação dos profissionais. Nas últimas duas décadas, a atenção à saúde do adolescente vem se tornando uma das prioridades, inclusive para instituições internacionais de fomento à pesquisa. Isto deve-se à constatação de que a formação do estilo de vida do adolescente é crucial, não só para ele, como também às gerações futuras(1).

No que diz respeito à gravidez na adolescência, se considerarmos estas jovens mulheres detentoras de uma complexa tríade de vulnerabilidade: ser adolescente, estar abrigada/desfiliada e grávida, as dificuldades no atendimento em saúde são facilmente potencializadas. O processo de intensificação da vulnerabilidade culmina na figura da adolescente desfiliada, sem a família como um dos eixos de sua inserção relacional(2). Assim, faz-se necessária uma política para essa juventude, que considere todos estes fatores, porém, sem homogeneizar e simplificar a saúde do adolescente(3).

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, na tentativa de sedimentar as práticas de saúde que atendam às demandas e particularidades dos adolescentes e que promova o atendimento de fato, direcionado a este grupo; preconiza que: a gestante adolescente receba atendimento pré e perinatal por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, usufruindo do acesso universal e do atendimento igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. Cabe ressaltar que nenhuma criança ou adolescente deve ser objeto de qualquer forma de negligência, violência ou discriminação(4).

As Diretrizes Gerais de Implementação do Programa de Humanização destacam características necessárias à assistência ao adolescente pautada na qualidade e integralidade: reforço do conceito de clínica ampliada com compromisso com o sujeito e seu coletivo, estímulo a diferentes práticas terapêuticas e corresponsabilidade de gestores, trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde; sensibilização das equipes de saúde ao problema da violência intrafamiliar, da questão dos preconceitos (sexual, racial, religioso e outros); adequação dos serviços ao ambiente e à cultura local, respeitando a privacidade e promovendo a ambiência acolhedora e confortável; garantia de continuidade de assistência com sistema de referência e contrarreferência e plano de educação permanente para trabalhadores com temas de humanização(5).

Diante das particularidades deste grupo e das características que a assistência possa assumir, traçamos como objetivo deste estudo discutir os aspectos determinantes de uma assistência de qualidade às adolescentes grávidas abrigadas em uma maternidade, conforme a ótica de profissionais de saúde.

MÉTODOS

Pesquisa de natureza qualitativa exploratória desenvolvida em um Hospital Maternidade do Sistema Único de Saúde (SUS), localizado na região central do Município do Rio de Janeiro, referência às jovens grávidas em dispositivos de abrigamento.

Esta pesquisa é um recorte de um estudo maior que analisou a estrutura de apoio à maternidade de adolescentes abrigadas do Município do Rio de Janeiro e coletou dados em diversos cenários – abrigos, Centros Municipais de Saúde e a referida Maternidade. Desta forma, as entrevistas foram realizadas em sequência e numeradas de 01 a 20.

A coleta de dados ocorreu entre maio e junho de 2010. Foram entrevistados 14 profissionais de saúde da unidade: seis enfermeiros, quatro técnicos de enfermagem e quatro médicos. Do total de entrevistados, 12 declararam não possuir qualquer curso de capacitação direcionado ao público adolescente e dois declararam ter cursado capacitação voltada aos cuidados relativos à amamentação.

Para dar início à coleta de dados, foi utilizado um formulário com questões de identificação dos sujeitos. Em seguida, a partir de um roteiro, realizamos a entrevista semi-estruturada composta de seis questões abertas que foram gravadas e, posteriormente, transcritas, atendendo à fidedignidade dos depoimentos. Entrevistas estas que foram previamente agendadas, com local e horário determinados pelo depoente.

As exigências éticas para pesquisas envolvendo seres humanos foram atendidas, tendo sido o projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro – Protocolo n° 73A/09. A participação de todos os sujeitos foi voluntária e autorizada, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os dados coletados foram analisados, utilizando-se a modalidade temática da análise de conteúdo(6). Deste processo, emergiram duas categorias temáticas que serão apresentadas a seguir, assim como sua divisão em subcategorias intermediárias.

RESULTADOS

Os profissionais de saúde em seus depoimentos sobre o atendimento prestado na maternidade apontaram diferentes pontos de vista, não só no que diz respeito aos aspectos psicossociais dos profissionais envolvidos nesse atendimento, como também no que concerne aos aspectos estruturais da unidade em questão.

Características do atendimento dos profissionais de saúde da maternidade direcionadas à mãe adolescente abrigada e seu filho

Condições pessoais favoráveis

Os profissionais de saúde entrevistados caracterizaram de forma positiva a assistência prestada, quando demonstraram em seus discursos habilidade para o relacionamento interpessoal com as adolescentes abrigadas que se encontravam internadas com seus filhos em sua unidade de saúde. Esta habilidade interpessoal aparece claramente nas falas pelas características que demonstram uma condição pessoal favorável para o cuidado: diálogo/escuta sensível; aproximação com a adolescente, buscando a mesma linguagem; igualdade no atendimento às adolescentes abrigadas; bom relacionamento com estas adolescentes e disponibilidade em trabalhar com esse grupo.

Foi possível identificar o estabelecimento de diálogos entre os profissionais de saúde e as adolescentes abrigadas com o auxílio de uma escuta sensível: Procurar ouvir, quando elas precisam de alguma coisa, algum esclarecimento (...) da própria gestação ou da doença de base que ela tiver (...) (E13)

Percebemos que, além desta escuta sensível, os profissionais tentam alcançar uma aproximação com as adolescentes abrigadas, por meio de uma linguagem semelhante e quase lúdica e do estabelecimento de um bom relacionamento com as mesmas: [Dependendo do perfil da clientela] Eu só vou mudar a forma de me expressar? Mas, tentando me aproximar dela. Quando ela chega assim, já está bem próxima, eu já mudo meu discurso também. (E07)

Os profissionais de saúde destacaram sua disponibilidade para lidar com esse grupo que pode ser compreendido, como um importante fator facilitador para o cuidado: Mas não tem problema nenhum. (...) nunca tive problema com nenhuma adolescente que seja de abrigo ou, até mesmo, que seja morador de rua.(E17)

Desta forma, foi possível dizer que as características mencionadas somadas à igualdade no atendimento irão contribuir para a construção de um cuidado de qualidade, com esse grupo social muitas vezes resistente à aproximação e estigmatizado: Nós não temos assim... ninguém que faz distinção ou diferenciação no atendimento, pela própria essência que é a maternidade nesse sentido. Nós atendemos de uma forma igual. (E09)

Condições Pessoais Desfavoráveis

Parte dos entrevistados demonstrou dificuldade em assistir as adolescentes em razão de suas características pessoais como impaciência ou pela dificuldade em adotar uma linguagem mais acessível no trato com estas meninas: A gente tenta fazer o melhor. Mas, às vezes, bate uma impaciência mesmo (...). (E15)

Também encontramos uma depoente que atribuiu essa dificuldade às atitudes agressivas das adolescentes abrigadas. Todavia, a depoente ponderou sobre sua disponibilidade no trabalho, ao compreender que não se trata de uma "agressão pessoal", e sim uma reação cuja origem é o modo de viver atravessado pela violência às adolescentes: É, agressão verbal, entendeu? Eu já tive meninas aqui que, não sei se eram oriundas de abrigo, mas me chamaram de carcereira (...) Como não entender? É o meio dela! Eu não sou carcereira (...) vou lá e atendo. [referência à forma agressiva de se expressar] (E07)

Outro ponto que impede a construção de um cuidado de qualidade são as atitudes discriminatórias e/ou preconceituosas para com a mãe-filho abrigados, sobretudo por relacionarem as adolescentes abrigadas ao uso de droga, à condição de morar na rua/abrigo e, finalmente por toda a construção histórico-social de abrigamento: (...) o pessoal já avisa, "fulano leito tal é de abrigo". Vão lá olham o prontuário. Fulano é usuária, fulano é isso, fulano é aquilo, já teve tanto filhos. (...) fica taxado. (E10).

Apenas uma entrevistada refletiu e reconheceu que a atitude discriminatória acaba por comprometer a qualidade da assistência prestada: Aquela adolescente ela além de ser uma adolescente gestante, ela passa a ser adolescente gestante abrigada? Então, realmente o olhar ainda está muito carregado e, infelizmente, isso termina salpicando na qualidade da assistência. (E19)

Como já mencionado, entendemos a necessidade de desconstruir este olhar estigmatizado, para que o cuidado transformador possa ser atingido. Entretanto, deparamo-nos com a dificuldade de sensibilização dos profissionais: Ainda tem muito estigma, muita discriminação. É uma coisa que tá difícil de desconstruir. (E16)

Características da organização/estrutura da maternidade que interfere no atendimento às adolescentes grávidas abrigadas

Em seus discursos, os profissionais indicaram como fatores influenciadores da atuação e qualificação da assistência com a adolescente abrigada e seu filho, a organização da unidade de saúde e apresentaram sugestões para a melhoria do cuidado prestado.

Atuação do profissional na unidade de saúde

Dentro das ações de saúde, percebemos que com grande frequência o Serviço Social é mencionado como responsável pela resolutividade dos problemas que envolvem as adolescentes abrigadas e seus filhos, significando uma transferência desta problemática. O Serviço Social é tomado como único conhecedor do sistema de abrigamento e, por conseguinte, único capaz de solucionar os problemas que emergem: Então eu acho que a capacitação para lidar com a parte social, deve ser do Serviço Social. (E20)

Em contrapartida, algumas depoentes trazem em suas falas aspectos que denotam ações multidisciplinares já em um ensaio interdisciplinar entre os profissionais das equipes envolvidas no atendimento às adolescentes abrigadas: A gente tenta atrelar um pouquinho... a assistente social, a saúde mental... até mesmo para saber como vai ser o retorno para o abrigo, como é que vai ser essa recepção. (E16)

Ainda dentro das ações de saúde, destacamos as ações relativas à realização de exames/atendimentos, como prática efetiva do serviço oferecido, onde os profissionais de saúde tornam-se os agentes facilitadores para a realização dos mesmos: Esse trabalho a gente tem que fazer desde o começo. Quando a gestante adolescente vem pra cá (...) nós começamos desde o início da primeira consulta, agendamos a nutrição, encaminhamos para o serviço de odontologia. (E09)

Os entrevistados ao abordarem o sistema de referência e contrarreferência do atendimento à saúde da adolescente abrigada na unidade hospitalar destacaram os profissionais de saúde como agentes facilitadores, tanto na pós-alta da adolescente, no caso de necessidade de retorno à unidade, como nos encaminhamentos externos: (...) a gente tem alguns locais. Por exemplo, determinada unidade faz aquele exame. Então a gente entra em contato com a unidade e agenda. (E09);

Os profissionais de maternidade envolvidos com as adolescentes abrigadas também acabam por exercer seu papel de educadores, visto que oferecem orientações de saúde reprodutiva e sexual para esse grupo. Orientações quanto ao desenvolvimento do corpo, sexualidade e métodos contraceptivos: A adolescente abrigada? Assim... a gente acaba tentando chegar... Tentando você... aconselhar, falar... (E11). E ainda, orientações sobre gestação (pré-natal, parto e pós-parto): A gente explica tudo o que tem pra explicar sobre amamentação, sobre cuidados com o neném... Todo dia a gente explica. (E17);

Qualidade no atendimento das adolescentes abrigadas na unidade de saúde

Com relação ao atendimento da adolescente abrigada e seu filho, os profissionais qualificaram a assistência de forma satisfatória, quando descreveram atitudes de acolhimento por parte dos profissionais envolvidos nessa assistência: Ah sim, o atendimento profissional! (...) como o serviço já é um serviço que presta assistência à adolescente, ele é uma tradição dentro da saúde do município. Todos que entram pra cá, eles já percebem esse tipo de mentalidade. (E09)

Ainda qualificando a assistência de forma satisfatória, os profissionais fazem menção a recursos disponíveis na unidade de saúde: São duas enfermarias específicas para as adolescentes como preconizado... Onde elas ficam com suas acompanhantes desde a internação até a alta hospitalar. (E19)

Todavia o atendimento dessas adolescentes abrigadas e seus filhos torna-se insatisfatório, quando percebemos nas falas dos profissionais vários aspectos negativos. Dentre eles, o desconhecimento/falta de capacitação profissional para o atendimento das adolescentes abrigadas; a falta de atendimento específico a mães adolescentes e a falta de investimento no atendimento multiprofissional e a falta de recursos da instituição de saúde para atender às adolescentes abrigadas: Falta [um atendimento mais específico para adolescentes]. Se ela precisa de um acolhimento ou atendimento mais específico, a gente vai precisar ser capacitado pra isso. (E13);

Fica explícita a necessidade de um maior conhecimento do sistema de abrigamento relativo ao atendimento à saúde para a melhoria da qualidade da assistência prestada dentro da maternidade: (...) eu não tenho certeza da parte ambulatorial, se elas são encaminhadas desde o abrigo para cá para fazer um pré-natal ou se elas fazem o pré-natal em outro lugar e depois em trabalho de parto vêm para cá... (E17); Quando elas saem daqui, elas não saem para a casa delas. Saem pro abrigo, e eu também não sei se o bebê fica com elas lá no abrigo ou se vai pra uma instituição... pra adoção. Não sei como que funciona (E17).

No que diz respeito à dificuldade de interação multiprofissional, esta aparece como fator dificultador da assistência, na maternidade em questão: (...) minha função é passar uma visita obstétrica. (E14); (...) cada um na sua área. A parte social é feita pelo serviço social, entendeu? (E20).

Finalizando esta categoria, alguns aspectos emergiram como sugestões para a melhora da assistência à adolescente abrigada, dentre elas: capacitação, conscientização e suporte psicológico: Acredito que para trabalhar com adolescente você precisa de uma capacitação. (E19); (...) é conscientizar o profissional! (E14).

DISCUSSÃO

O atendimento às adolescentes abrigadas encontra-se ainda impregnado de estigmas e senso-comum frutos de toda uma construção histórico-social ligada ao abrigamento, acabando por comprometer a qualidade da assistência prestada. Podemos considerar esta barreira atitudinal por parte dos profissionais de saúde como um significativo agente dificultador do cuidado, indo de encontro ao ECA que estabelece que nenhuma criança ou adolescente deve ser objeto de qualquer forma de negligência ou discriminação. Situações de institucionalização, frequentemente, estigmatizam, deixando consequências à saúde física, mental e à inserção social daqueles que por elas passaram (4,7).

Os estereótipos existentes sobre a infância e a adolescência pobre podem significar uma inversão de abordagem impregnada de estigmas em sua vida cotidiana – neste caso, na assistência à sua saúde reprodutiva, criando mitos imutáveis e banalizados que geram uma situação de indiferença à magnitude do problema, além de interferir no cumprimento das políticas sociais(8).

Por outro lado, os profissionais de saúde envolvidos com as adolescentes grávidas abrigadas podem desenvolver habilidades para o atendimento e ao relacionamento interpessoal com o grupo, na forma de vínculos pessoais e/ou institucionais, importantes facilitadores do cuidado. Estabelecendo esses vínculos, poderemos avaliar seus riscos, suas vulnerabilidades, seus limites, suas motivações e suas possibilidades, aumentando com isso, as condições de prestarmos um cuidado integral e de qualidade(9). Acrescenta-se que, apesar da relação profissional-paciente desenhada, possível construtora de vínculos, os profissionais entrevistados não se reconhecem como agentes transformadores dos sujeitos em pauta. As instituições devem assumir o compromisso de romper com a "cultura que coisifica" esta jovem vulnerável, libertando-se dos "pré-conceitos" e "sensos-comuns", retirando-a da condição de objeto, passível de violência e elevando-a à condição de autores da própria história, o que implica, necessariamente, uma mudança de valores, ideias e condutas(1).

O papel dos profissionais de enfermagem torna-se fundamental diante desse contexto de exclusão e marginalização. As ações do enfermeiro estão ligadas diretamente com o sujeito e podem contribuir para a construção da identidade dessas jovens abrigadas/desfiliadas. Para este sujeito, em especial, o cuidado requer sensibilidade, abertura, parcerias, mas acima de tudo a predisposição para criar laços(10). Ressalta-se que "O profissional precisa gostar de adolescentes, pois eles têm uma sensibilidade extraordinária para identificar a rejeição"(11).

Ampliando-se a discussão, o cuidado a estas mães adolescentes e abrigadas é favorecido pelas condições pessoais dos profissionais de saúde envolvidos, proporcionando o cuidado integral, dialógico e, por conseguinte, transformador do outro. Parte do que somos é resultado das relações que conseguimos estabelecer em nossa vida, sejam elas positivas ou não(10).

A relação profissional de saúde e cliente deve ser permeada pela relação dialógico-reflexiva, em que se busca o reconhecimento do seu processo saúde-doença e a percepção como sujeito transformador de sua própria realidade. O enfermeiro ganha destaque neste percurso, uma vez que a educação em saúde promove a qualidade de vida por meio da articulação de saberes técnicos e populares, abrangendo multideterminantes do processo saúde-enfermidade-cuidado(12).

Dentre as características que se tornam indispensáveis para o alcance do cuidado transformador, a escuta sensível pode proporcionar uma aproximação com a adolescente e consequente "quebra de barreiras". Acredita-se que com base nessa característica o diálogo será estabelecido, e o modelo de assistência medicalizado poderá ser rompido.

Não se pode perder de vista a igualdade no atendimento quando se trata de sujeitos tão ferreteados pelas diferenças. A construção e implementação do SUS garantiu os preceitos do acesso universal, igualitário e integral aos serviços e ações de saúde(13). Contudo, na prática, tortuosos são os caminhos a serem percorridos para uma sociedade justa e igualitária nos mais diversos aspectos. Faz-se necessário buscar as articulações possíveis, no que tange à noção de valor da vida e da saúde nesse contexto singular. Algo que permita que a ação de saúde não seja apenas pontual, mas, que sirva de instrumento de resgate dos valores, da cidadania e da dignidade humana(14).

A gravidez pode ser considerada como o terceiro fator acrescido na tríade de vulnerabilidade que estas jovens vivenciam. É necessário ratificar que no momento em que elas "ganham" mais um fator de vulnerabilidade, é fundamental a formação do vínculo institucional, permitindo que o enfermeiro desempenhe seu papel de educador. Tornam-se possíveis as orientações concernentes à gestação, corpo, sexualidade, contracepção e cuidados com o recém-nascido, lançando foco nas ações educativas em saúde reprodutiva e sexual.

Comumente, o enfermeiro traz em sua bagagem acadêmica a educação em saúde já reconhecida, como uma estratégia promissora de enfrentamento da vulnerabilidade em saúde e a promoção da qualidade de vida.

Considerando o destaque comumente dado às ações de saúde realizadas pelo serviço social, é possível entender as profissionais desta área como mediadoras das relações entre as usuárias e os serviços da instituição ou externos a ela, assim como na mediação com outros profissionais(15). Neste estudo, as ações do serviço social foram apontadas pelos demais profissionais como fundamentais na relação entre as jovens grávidas e, posteriormente puérperas com a instituição de abrigamento de origem e pela resolutividade dos problemas que emergem durante a internação hospitalar. Podendo, com isso, ser enxergado como uma transferência de responsabilidade da problemática social complexa e inerente a estas jovens.

Na contramão desta "transferência", fica claro que alguns profissionais valorizam as ações do serviço social, entendendo-as não como o setor responsável pela problemática desse grupo estigmatizado, mas, sim, como um elo conector com as meninas grávidas abrigadas já em um ensaio de atuação interdisciplinar.

Dentro desta proposta de multi/interdisciplinaridade, os profissionais de saúde ao mediarem a realização de consultas, exames e procedimentos entre os serviços oferecidos dentro da unidade, tornam-se agentes promotores de uma assistência de qualidade e resolutiva.

Algo semelhante acontece quando se tratam dos serviços de referência e contrarreferência, pois os profissionais também assumem papel facilitador nesta via de mão dupla. O retorno à unidade de internação no pós-parto, assim como o encaminhamento a serviços externos parecem ganhar caráter informal, visto que fica implícito que o sucesso e a agilidade destas práticas dependem, em grande parte, dos relacionamentos interpessoais mais do que de um fluxo sistematizado entre os níveis de atendimento(16).

Os profissionais de saúde qualificaram o atendimento como satisfatório e insatisfatório. O atendimento satisfatório foi caracterizado quando os profissionais observaram que os recursos materiais disponíveis na unidade e as atitudes de acolhimento favoreciam um atendimento de qualidade. Todavia, é fundamental o destaque de um atendimento acolhedor, pois não se pode perder de vista que a gravidez é uma experiência complexa com enfrentamentos diferentes para cada mulher. Enfrentamentos com dimensões não só biológicas, mas também um processo social que engloba o coletivo, influenciando e sendo influenciado pela família e pelo meio em que a mulher está inserida(17). Assim sendo, e em se tratando de adolescentes grávidas, abrigadas e desafiliadas, cujo coletivo ganha denotações peculiares e a família encontra-se ausente, torna-se necessária a reconstrução de seu percurso social. Sem reconstruí-lo ele será determinante da dissociação, da desqualificação e da invalidação social(2).

Diante disto, é preciso mais ainda uma atenção ao ciclo gravídico-puerperal qualificado e humanizado que se dê por meio de condutas acolhedoras, orientações adequadas e da interdisciplinaridade entre todos os serviços e níveis de atenção. Salienta-se que a discussão em torno das necessidades das gestantes adolescentes é um dos eixos propostos pelo acolhimento, nos quais os profissionais demonstrem interesse pelos seus problemas e inquietações e empenhem-se na busca de soluções. Em particular, os profissionais de enfermagem, comumente possuem ferramentas que propiciam a criação de um canal de diálogo, em que os valores culturais e as limitações que envolvem a gravidez, são respeitados, assistindo estas jovens mulheres integralmente(17).

Destaca-se que os recursos materiais disponíveis são facilitadores da assistência, pois interferem na relação dos profissionais com os elementos administrativos diretamente envolvidos no processo de qualidade da assistência. Estruturas e serviços adequados às necessidades profissionais e dos usuários remetem à satisfação profissional e, por conseguinte, ao bom atendimento prestado na unidade, interferindo na qualidade assistencial(18).

Já o atendimento qualificado pelos profissionais como insatisfatório envolve aspectos que deixam em relevo a falta de capacitação, o despreparo dos profissionais para lidar e administrar toda a problemática que envolve esse grupo, a falta de interação entre as equipes, assim como o desconhecimento do contexto de vida dessas jovens. Somado a isso, foi destacado como fator dificultador a falta de certos recursos da instituição.

Quando pensamos em qualidade em enfermagem, remetemo-nos ao uso de bons materiais e equipamentos, recursos humanos qualificados e em número suficiente, prestação de assistência de modo integral, de estrutura de serviço adequada, entre outros aspectos. Nos processos de qualidade das instituições hospitalares, a equipe de enfermagem ocupa lugar fundamental, pois permanece com os assistidos grande parte do tempo de sua internação, promovendo a manutenção, a reabilitação e a recuperação de sua saúde, por meio de seu principal recurso – o cuidado(18).

Os entrevistados apontaram sugestões predominantemente concernentes à importância da qualificação e capacitação dos profissionais para administrar e direcionar a assistência para esse grupo tão específico. Fica claro que os depoentes intencionam como produto final uma melhoria na assistência, traduzida em sua qualidade e integralidade. Corroboramos que a qualidade nas instituições pode ser definida como "a melhoria contínua com ênfase nos processos e pessoas marcada por princípios, ideias e crenças que buscam, em última instância, a satisfação dos clientes e dos trabalhadores" (18).

O estudo destacou a necessidade da assistência com uma perspectiva humanizada que considere os contextos de vida destas jovens, uma vez que os atendimentos, que parte dos profissionais realiza, ainda se encontram impregnados de pré-conceitos e sensos-comuns. Acreditamos que este estudo possa contribuir para a desconstrução deste olhar discriminatório e segregante.

Entendemos que, em virtude das características do município do Rio de Janeiro com toda sua pluralidade e singularidade, nos encontramos limitados à realidade de apenas uma maternidade, quando o município possui outras portas de entrada para receber estas jovens grávidas. Trata-se de uma realidade pontual. Sugerimos que outros estudos sejam realizados para melhor compreensão da realidade aqui discutida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante considerar que a estigmatização destas jovens, mesmo quando velada, significa um dos principais fatores dificultadores da assistência que visa a alcançar a integralidade do sujeito, uma vez que distancia o cuidador do cuidado, instaura barreiras e alimenta a postura discriminatória.

O espaço da maternidade, o período de internação hospitalar e a relação que se constrói entre adolescente – profissional de saúde quando somados, geram resultados fundamentais: o momento de acolhimento, a troca de experiências e formação de laços institucionais e pessoais, configurando-se em um rico ambiente para as práticas educativas e problematizadoras, dentro do processo dialógico enfermeiro-adolescente.

Para tanto, faz-se necessário também a capacitação profissional, já que ações em saúde são facilitadas, quando a sensibilização profissional é despertada. Estes dois fatores associados – capacitação e sensibilização ampliam as fronteiras para um cuidado verdadeiramente transformador do outro.

No que diz respeito às peculiaridades da assistência prestada às adolescentes abrigadas em seu processo reprodutivo, mais do que qualificar a assistência em saúde, é latente a necessidade de incorporar práticas norteadas pelos princípios da política de humanização, integralidade e interdisciplinaridade do serviço.

REFERÊNCIAS

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    Lucia Helena Garcia PennaI; Raquel Fonseca RodriguesII; Valéria Aliprandi LucidoIII; Claudia Rosane GuedesIV; Licia Maria Accioly LimaV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      01 Abr 2012
    • Aceito
      26 Jul 2012
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