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Avaliação das causas de recusa familiar a doação de órgãos e tecidos

Resumos

OBJETIVO: Avaliação das causas de recusa familiar para a doação de órgãos e tecidos. MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal correlacional sobre as causas de recusa familiar para a doação de órgãos e tecidos. Para análise dos dados foi utilizado o teste Qui-Quadrado e o t-Student. RESULTADOS: A pesquisa destacou que os principais motivos de recusa relacionados são: não compreensão do diagnóstico de morte encefálica (21%), religiosidade (19%), falta de competência técnica da equipe (19%), tempo longo processo (10%), falecido não era doador (9%), medo da mutilação (5,2%), enterrado como veio ao mundo (3,4%), qualidade do atendimento (3,4%), decisão de um único membro da família (3,4%), experiência negativa em outro processo de doação (1,7%), transferência do corpo (1,7%). CONCLUSÃO: As causas de recusa familiar estão ligadas a não compreensão do diagnostico da morte encefálica pelos familiares, aspectos ligados a religião, despreparo do profissional que realizou a entrevista.

Avaliação em enfermagem; Educação em enfermagem; Doação dirigida de tecido; Doadores de tecidos; Recusa de participação


OBJECTIVE: Evaluate the causes for family refusal to donate organs and tissue. METHODS: Correlational cross-sectional study regarding the causes for the family refusal to donate organs and tissue. Data were analyzed using chi-square and Student's t test. RESULTS: The study emphasized that the main reasons for the refusal are: incomprehension regarding the brain death diagnosis (21%), religion (19%), lack of technical competence of the team (19%), long process (10%), the deceased was a non-donor (9%), fear of mutilation (5.2%), being buried as the person came to this world (3.4%), quality of the service (3.4%), decision of a single member of the family (3.4%), negative previous experience from another donation process (1.7%), body transfer (1.7%). CONCLUSION: The causes for family refusal are associated with the family members' lack of understanding regarding the brain death diagnosis, aspects related to religion and lack of preparation of the professional who performed the interview.

Nursing assessment; Education, nursing; Directed tissue donation; Tissue donors; Refusal to participate


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação das causas de recusa familiar a doação de órgãos e tecidos

João Luis Erbs Pessoa; Janine Schirmer; Bartira de Aguiar Roza

Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: João Luis Erbs Pessoa Rua Napoleão de Barros, 754, Vila Clementino São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04024-002 joaoerbs@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliação das causas de recusa familiar para a doação de órgãos e tecidos.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal correlacional sobre as causas de recusa familiar para a doação de órgãos e tecidos. Para análise dos dados foi utilizado o teste Qui-Quadrado e o t-Student.

RESULTADOS: A pesquisa destacou que os principais motivos de recusa relacionados são: não compreensão do diagnóstico de morte encefálica (21%), religiosidade (19%), falta de competência técnica da equipe (19%), tempo longo processo (10%), falecido não era doador (9%), medo da mutilação (5,2%), enterrado como veio ao mundo (3,4%), qualidade do atendimento (3,4%), decisão de um único membro da família (3,4%), experiência negativa em outro processo de doação (1,7%), transferência do corpo (1,7%).

CONCLUSÃO: As causas de recusa familiar estão ligadas a não compreensão do diagnostico da morte encefálica pelos familiares, aspectos ligados a religião, despreparo do profissional que realizou a entrevista.

Descritores: Avaliação em enfermagem; Educação em enfermagem; Doação dirigida de tecido; Doadores de tecidos; Recusa de participação

Introdução

A palavra transplante foi utilizada pela primeira vez, em 1778, por um pesquisador, anatomista e cirurgião chamado John Hunter, ao pormenorizar sua experiência com órgãos reprodutores em animais.(1) Quase dois séculos depois, o mundo vislumbrou o primeiro transplante realizado com êxito em seres humanos.

O transplante não é realizado se não houver um doador, e neste complexo processo observamos o aumento no número de pacientes ativos inscritos no cadastro técnico nacional brasileiro e uma baixa oferta de doadores.

No Brasil, o número de pacientes ativos no Cadastro Técnico Nacional a espera por um transplante de um órgão sólido, em 2012, era de 26.662, sendo que houve uma redução de aproximadamente 4% desses números comparados ao ano anterior.(2)

Ainda em 2012, o país alcançou a marca histórica de 2.439 doadores, atingindo a taxa de 12,7 doadores por milhão de população.(3)

As taxas de recusa familiar nos últimos quatro anos vêm apresentando um aumento significativo, em 2012 foram 2.315 famílias que se recusaram a doar os órgãos e tecidos de seu ente querido, o que equivale a 28,8% de recusa familiar quando calculado sobre os potenciais doadores, mas quando o denominador passa a ser o número de entrevistas familiares realizadas, a taxa de recusa familiar sobe para 41%.(3)

Ao realizar um levantamento dos dados dos Registros Brasileiros de Transplante, entre os anos de 1998 a 2012, sobre os números de recusa familiar, chegamos ao resultado de 21.120 famílias que disseram não a doação. Se 80% destas famílias tivessem aceitado a doação e, se fosse possível extrair quatro órgãos de cada doador, 67.584 pacientes teriam sido transplantados.

Em 2012, conforme dados do relatório da Central de Transplantes do Estado de São Paulo, 37,7% dos pacientes que aguardavam por um transplante de coração e 33% dos que aguardavam por um transplante de fígado morreram sem ter a oportunidade de realizar o transplante.

Certamente que a autonomia da família deve ser respeitada, e todo familiar tem o direito de se posicionar em relação à doação, independente de sua posição está família deve ser respeitada e acompanhada para que possa melhor assimilar o luto.

O objetivo não pode ser somente a doação, há de se ter uma maior preocupação com a família que se encontra fragilizada e em um momento delicado e conflituoso desencadeado pelo processo de luto. Os esforços/atenção devem ser voltados para a família, mas não no sentido de convencimento, até mesmo porque a doação de órgãos não é uma tarefa de convencimento e sim de acolhimento.

O processo de decisão familiar no momento da entrevista para solicitar a doação de órgãos e tecidos do familiar falecido transforma as relações da sociedade com o tema, porque o morrer passa a representar um novo paradigma sobre o valor do corpo, dado que uma doação pode salvar ou aumentar a sobrevida dos doentes.(4)

Para identificar os caminhos da doação, há uma necessidade inexorável de se entender a experiência da família que ocorre num contexto de relacionamentos interpessoais que afetam crenças, emoções, comportamentos e decisões. A morte encefálica e a doação de órgãos são práticas culturais contemporâneas.(5)

Estudo realizado com indivíduos buscando avaliar o conhecimento destes sobre a morte encefálica e o impacto na influência da doação, identificou que os indivíduos não compreendem o conceito de morte encefálica sendo que a confiança no diagnóstico de morte encefálica e na capacidade do médico de realizar o diagnóstico correto são baixas, influenciando assim negativamente na doação.(6,7)

A falta de conhecimento da população leiga e da área da saúde sobre o processo de doação de órgãos é apontada por inúmeros artigos como sendo um dos motivos que levam os familiares a recusarem a doação dos órgãos e tecidos do potencial doador em morte encefálica, bem como a falta de conhecimento do desejo do familiar sobre o tema doação de órgãos.(8-13)

O pedido de doação de órgãos tem um impacto significativo sobre as famílias, com efeitos que duram muito tempo após a morte do ente querido, independente da decisão tomada (doar ou não doar), o processo como um todo é uma experiência complexa e de mudança de vida para as famílias.(14)

O conceito de doação e captação de órgãos deveria ser expandido para o cuidado com a família, tentando compreender o que se passa com ela e tentando minimizar o sofrimento, independente da resposta a solicitação da doação.(12)

O objetivo deste trabalho foi identificar e analisar as causas de recusa das famílias a solicitação da doação de órgãos e tecidos dos seus parentes falecidos após o diagnóstico de morte encefálica em um serviço de procura de órgãos e tecidos do Estado de São Paulo, região sudeste do Brasil, no ano de 2009 e 2010.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal sobre as causas de recusa familiar para a doação de órgãos e tecidos, realizado no Serviço de Procura de Órgãos e Tecidos do Hospital São Paulo/Hospital Universitário da Universidade Federal de São Paulo. Para tal, foi adaptado um instrumento de pesquisa utilizado com famílias de doadores falecidos.(15)

Neste serviço, em 2009, foram notificados 431 casos de potenciais doadores em morte encefálica destes, 100 tornaram-se doadores efetivos e 79 famílias recusaram doar os órgãos de seu familiar falecido. Já em 2010, foram 470 notificações com 166 doadores e 103 recusas.(16)

A seleção da amostra utilizou uma estratégia não probabilística por conveniência, sendo incluídos os familiares que aceitaram participar da pesquisa voluntariamente.

A amostra foi constituída por 42 famílias que aceitaram participar da pesquisa, de um total de 52 famílias localizadas dentre as 182 que recusaram doar os órgãos e tecidos de seu parente falecido nos anos de 2009 e 2010 na regional do serviço em estudo.

A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevista, possuindo um roteiro estruturado que foi preenchido no momento em que se efetuou a entrevista. O instrumento foi validado por profissionais que atuam na área da doação e transplante.

Os resultados foram analisados a partir de testes estatísticos paramétricos e não-paramétricos.

Foi realizada análise descritiva das variáveis do estudo para caracterizar o perfil dos entrevistados e avaliação das diversas características que apontam uma mudança de opinião em relação à uma nova possibilidade de doação.

A caracterização dos entrevistados foi feita por estatística descritiva. Para descrição das variáveis qualitativas foram utilizadas as freqüências absolutas (n) e as freqüências relativas (%). Já para as variáveis quantitativas foram calculadas a média e a mediana; como medida de variabilidade o desvio -padrão mínimo e máximo.

Para analisar e verificar a diferença das variáveis quantitativas avaliadas entre os grupos que mudaram, ou não, de opinião em relação a uma nova possibilidade de doação, foi utilizado o teste t-Student, considerando um nível de significância de 5%. Assim foi considerado haver diferença entre os grupos que assumissem o valor p<0,05.

Os dados qualitativos foram trabalhados para determinar se havia associação entre as vaiáveis, comparada com o grupo de interesse que foi aqueles que mudariam ou não de opinião em relação à doação. Para este tipo de comparação foi utilizado o teste Qui-Quadrado, sendo que foi considerado um nível de significância de 5%. Assumindo assim significância estatística nos grupos com p<0,05.

O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

A média de idade dos potenciais doadores em morte encefálica foi de 41,2 anos, sendo que a menor idade foi de uma criança de 12 dias de vida e maior idade foi de 82 anos. A sua maioria eram do sexo masculino 63%. Dentre as causas de óbito destaca-se: 48% acidente vascular encefálico, 42% trauma crânio encefálico e 10% tumor sistema nervoso central. Em relação aos entrevistados a média de idade foi de 40,7 anos.

A relação de parentesco dos familiares com o falecido foi: 31% eram de primeiro grau, 33% segundo grau, 5% terceiro grau, 14% cônjuges e 17% parentes de quarto grau. O grau de instrução escolar dos familiares: 29% deles concluíram o fundamental, 33% finalizaram o ensino médio, 36% se graduaram e 2% conseguiram realizar o doutorado.

O estado civil: casados foram a maioria com 38%, os solteiros 26%, divorciados 12% os viúvos 19% e os que possuíam união consensual 5%. Em relação à procedência: 64% do sudeste, 31% do nordeste e 5% do sul. A maioria dos familiares estava empregada 64%, sendo que 36% estavam desempregados.

A maior parte das famílias, 48% possuíam uma renda de um a três salários mínimos, 19% das famílias possuíam uma renda entre três a cinco salários mínimos e o outro grupo de 19% possuíam uma renda acima de cinco salários mínimos. A maior parte dos familiares 64% se declarou como católicos, 17% evangélicos, 7% como cristãos e 12% a outras religiões. Sendo que 66% dos entrevistados alegaram ser praticantes de sua religião.

Em relação ao processo de doação de órgãos; 93% dos familiares tinham conhecimento sobre a causa mortis de seu ente querido. A informação da abertura do protocolo de morte encefálica foi dada a 83% das famílias (Figuras 1 e 2).



O tempo para a tomada de decisão foi considerado insuficiente por 43% das famílias. Entre os entrevistados 63% não sabiam qual era a vontade do ente querido sobre o assunto de doação de órgãos, já dos 36% que sabia qual era o desejo do falecido, 60% destes eram doadores.

A tomada de decisão, neste caso a recusa familiar foi de responsabilidade: 40% pais, 22,5% irmãos, 22,5% cônjuges e 15% filhos (Figura 3).


Uma grande parte dos familiares 67% mudaria de opinião e hoje decidiriam pela doação, 7% dos familiares não se manifestou. Sendo que entre os que mudaram de opinião, a justificativa apontada por 93% destes foi que hoje eles entendem que a doação salva vidas e ajuda pessoas.

Na análise do grau de parentesco dos familiares com o falecido observou-se que 64% eram parentes até segundo grau e, se somados os cônjuges, chegamos a 78%. Este dado é pertinente, pois somente familiares com até segundo grau de parentesco e cônjuges estão autorizados a doar os órgãos e tecidos de seu familiar conforme determinação legal.(17)

Observamos que uma boa parte dos entrevistados 31% era procedente do nordeste e 64% do sudeste.

Em relação à religião 64% dos entrevistados se declararam católicos, 16% evangélicos e 8% cristões, os 12% restantes se declararam praticantes de outras religiões.

Mais de 93% dos familiares entrevistados conheciam a causa mortis de seu familiar, e sabiam identificar que a morte encefálica era consequência e não causa. E 83% dos familiares foram comunicados da abertura do protocolo de morte encefálica conforme determinado por lei.(18)

A maior parte das entrevistas foi realizada pelos profissionais do Serviço de Procura de Órgãos e Tecidos (46%).

O local de escolha para realizar as entrevista em sua maioria (68%) foi realizado em um ambiente adequado, e que garantia o mínimo de privacidade para os familiares.

Quase metade dos entrevistados (43%) entendeu que o tempo para decidir e tomar uma decisão sobre a doação é insuficiente.

A grande maioria dos entrevistados (64%) não tinha conhecimento sobre a vontade do ente querido sobre a doação de órgãos.

Quando questionados se mudariam de opinião, 70% dos entrevistados afirmaram que hoje optariam pela doação. Sendo que o maior percentual dos entrevistados que mudariam de opinião no grupo que conhecia o desejo do familiar sobre a doação, teve significância estatística de p<0,007.

Discussão

As limitações do estudo estão relacionadas ao delineamento transversal o quão não permite o estabelecimento de relações causais. As características apresentadas para idade e causa de mortalidade dos potenciais doadores em morte encefálica são similares as apresentadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A principal causa de morte no Brasil é atribuída às doenças do aparelho circulatório 28% (285.543 óbitos), seguida das mortes por neoplasia 14% (140.801 óbitos). Dentre as doenças do aparelho circulatório 32% (90.930) são causadas por doenças cerebrovasculares e 30% por doenças isquêmicas do coração (86.791).(19)

Durante os anos o perfil epidemiológico do potencial doador também foi mudando, sendo que as mortes traumáticas já não são a principal causa mortis. O que implicou em uma nova postura por partes das equipes transplantadoras tendo que se adaptar a um doador com maior idade e com mais comorbidades.

Dentre os motivos de recusa apontados pelos entrevistados, observa-se que há ainda pouco conhecimento dos familiares a cerca deste assunto. A não compreensão do diagnóstico da morte encefálica que é apontada como a principal causa da recusa, onde os envolvidos não conseguem entender que um corpo que possuem batimentos cardíacos, que respira (com a ajuda dos equipamentos) e que às vezes ainda possui temperatura possa estar morto.

Em relação às recusas ligadas a religião, vale ressaltar que até o presente no Brasil nenhuma religião adotou uma postura desfavorável em relação à doação de órgãos e tecidos. O que se observou nesta pesquisa é que os envolvidos realizam interpretações pessoais sobre os livros doutrinários. No Brasil observa-se uma maior predominância da religião católica seguida dos evangélicos.(20)

A interpretação pessoal dos trechos bíblicos pode provocar uma postura desfavorável à doação, bem como se o líder religioso for contra ou não se pronunciar favorável a doação. Pensamento corroborado por uma pesquisa que afirma, quando a religião se posiciona favoravelmente a doação de órgãos, seus seguidores apresentam uma motivação maior para realizar a doação.(21)

Uma pesquisa apontou que dentre as causas identificadas como recusa familiar a doação dos órgãos e tecidos, as crenças religiosas/ milagre foram responsáveis por 22,2% da negativa familiar.(22)

Outra pesquisa apontou que indivíduos que se descreveram como tendo fortes crenças religiosas, possuíam atitudes menos favoráveis a doação de órgãos, sendo mais propensos a se opor a doação de órgãos e tecidos.(23) Já indivíduos que possuem menos crenças religiosas possuem uma maior inclinação para doar seus órgãos e tecidos.(24)

Outro motivo pertinente citado por 26% dos entrevistados como causa da recusa a doação foi à falta de competência técnica dos profissionais que realizaram a entrevista.

Vale ressaltar que nem sempre o profissional responsável pela entrevista familiar encontra um ambiente adequado para conversar com a família, por falta de estrutura hospitalar.

Os próprios profissionais que atuam na área da doação destacam e alertam que não há cursos, discussões de casos e ou trocas de experiências entre os próprios profissionais que atuam nesta área. A criação de grupos e cursos para capacitar os profissionais minimizaria os erros e facilitaria o aprendizado prático.(25)

Inúmeras pesquisas apontam a necessidade do treinamento e da capacitação do profissional responsável por realizar a entrevista familiar.(10,11,15, 25)

Pesquisa realizada com familiares de doadores e não doadores apontou que quando a entrevista familiar é realizada por um profissional da área da doação (que atua e tem experiência neste campo) foi crucial para a decisão da doação dos órgãos e tecidos do ente querido. E que quando esse profissional é pouco atencioso, as famílias se tornam menos propensas a realizar a doação.(26)

A família necessita de um tempo para pensar na possibilidade da doação e para assimilar tudo o que está se passando, a morte do familiar e a solicitação da doação.(10)

Uma grande parte dos familiares levantou que o tempo para a devolução do corpo para começar os cortejos fúnebres é muito longo, sendo que as entrevistados alegaram que o tempo médio solicitado para devolver o corpo é de 24h.

Em algumas situações o hospital notificador não permite que a extração dos órgãos do potencial doador em morte encefálica seja feita no próprio hospital, sendo necessária a remoção do corpo para o hospital onde o Serviço de Procura de Órgãos e Tecidos esteja sediado. Esta transferência é levantada como causa de recusa.

Não pretendemos que os familiares entendam toda a fisiologia de um quadro de morte encefálica, contudo é imprescindível que estes sejam capazes de compreender que morte encefálica é igual à morte.

Quase todos os motivos de recusa elencados pelos familiares são passiveis de intervenção com treinamento e educação. Ainda devemos investir no preparo dos profissionais que atuam no campo da doação, principalmente os que estão envolvidos com a assistência do potencial doador em morte encefálica. Inúmeras campanhas apontam para a necessidade das pessoas conversarem sobre o assunto de doação no seio familiar, pois quando o familiar conhece a vontade do falecido fica mais fácil tomar a decisão, e em sua maioria a vontade é respeitada.

O fator humano envolvido no processo da doação é um fator determinante como agente facilitador da tomada de decisão da família.

A mudança de opinião observada em quase 70% dos entrevistados é algo motivador, o que leva a crer que mesmo as famílias que já recusaram em algum momento um pedido de doação podem mudar suas convicções.

Fator de relevância na pesquisa, com resultado estatisticamente significante, foi um maior percentual de entrevistados da região sudeste mudarem de opinião sobre a doação (p<0,022), considerando que se um novo episódio ocorresse na família eles aceitariam doar os órgãos de seu familiar.

Como já apontado em outros estudos o conhecimento do desejo do potencial doador em morte encefálica proporciona aos familiares uma maior segurança no momento de decidir sobre a doação, sendo que em sua maioria o desejo do ente querido é respeitado. Contudo a atual pesquisa apontou que entre os familiares que sabiam qual era a vontade do familiar, 60% não respeitaram o desejo do falecido de ser um doador.

Porém o conhecimento sobre o desejo do familiar foi um fator determinante no grupo que mudou de opinião, com diferença estatística significante de p<0,007.

A principal justificativa apontada pelos familiares para fundamentar sua postura de mudança de opinião sobre a doação (70%) foi baseada no entendimento que a doação salva vidas e ajuda pessoas que dependem do transplante como uma única alternativa. Tal sentimento conceituado pelas próprias famílias nos mostra que estamos no caminho certo.

Conclusão

As causas de recusa familiar estão ligadas a não compreensão do diagnostico da morte encefálica pelos familiares, aspectos ligados à religião, despreparo do profissional que realizou a entrevista.

Agradecimentos

Pesquisa realizada com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, processo 2012/05348-2.

Colaborações

Pessoa JLE; Schirmer J e Roza BA contribuíram na concepção do estudo, análise e interpretação, revisão da literatura, delineamento da pesquisa, interpretação dos dados, coleta dos dados, entrada, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final do artigo.

Submetido 3 de Julho de 2013

Aceito 2 de Setembro de 2013

Conflitos de interesse: Roza BA é editor associado da Acta Paulista de Enfermagem e não participou do

processo de avaliação do manuscrito.

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  • Autor correspondente:

    João Luis Erbs Pessoa
    Rua Napoleão de Barros, 754, Vila Clementino
    São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04024-002
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      03 Jul 2013
    • Aceito
      02 Set 2013
    Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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