Desempenho do óxido nítrico na sepse: uma revisão de escopo

Desempeño del óxido nítrico en la sepsis: una revisión de alcance

Resumo

Objetivo

Mapear as evidências disponíveis sobre as ações do óxido nítrico na fisiopatologia da sepse e sua relação com a gravidade de pacientes sépticos.

Método

Revisão de escopo de acordo com a metodologia do Joanna Briggs Institute. Realizou-se busca por estudos que evidenciaram as ações do óxido nítrico na sepse e se o seu aumento está associado à gravidade de pacientes sépticos. Dois revisores independentes fizeram o mapeamento das informações utilizando um instrumento de extração de dados previamente elaborado. Os dados foram analisados quanto à sua relevância, sendo posteriormente extraídos e sintetizados.

Resultados

De 1342 estudos, 11 foram incluídos na revisão. O primeiro foi publicado em 2017 e o último, em 2022. A maioria foi desenvolvida nos Estados Unidos, na China e na Alemanha. Os estudos apresentaram informações referentes as ações do óxido nítrico, sintetizando sua biodisponibilidade e os inibidores endógenos relacionados a sua produção, além de abordarem a relação do óxido nítrico com a gravidade da sepse.

Conclusão

A produção de óxido nítrico fisiológico durante a sepse atua como protetor vascular, principalmente na microcirculação, porém, em altas concentrações, contribui para a disfunção vascular, que subverte a fisiologia da regulação da pressão arterial, causando profunda vasodilatação e hipotensão refratária e aumentando a gravidade de pacientes sépticos.

Sepse; Choque séptico; Óxido nítrico; Insuficiência de múltiplos órgãos; Gravidade do paciente

Resumen

Objetivo

Mapear las evidencias disponibles sobre las acciones del óxido nítrico en la fisiopatología de la sepsis y su relación con la gravedad de pacientes sépticos.

Métodos

Revisión de alcance de acuerdo con la metodología del Joanna Briggs Institute. Se realizó una búsqueda de estudios que evidenciaron las acciones del óxido nítrico en la sepsis y si su aumento estaba asociado a la gravedad de pacientes sépticos. Dos revisores independientes hicieron el mapeo de la información utilizando un instrumento de extracción de datos previamente elaborado. Los datos se analizaron respecto a su relevancia, para luego extraerlos y sintetizarlos.

Resultados

De 1342 estudios, se incluyeron 11 en la revisión. El primero fue publicado en 2017 y el último en 2022. La mayoría se realizó en Estados Unidos, China y Alemania. Los estudios presentaron información referente a las acciones del óxido nítrico, sintetizando su biodisponibilidad y los inhibidores endógenos relacionados con su producción, además de abordar la relación del óxido nítrico con la gravedad de la sepsis.

Conclusión

La producción de óxido nítrico fisiológico durante la sepsis actúa como protector vascular, principalmente en la microcirculación. Sin embargo, en altas concentraciones, contribuye a la disfunción vascular, que subvierte la fisiología de la regulación de la presión arterial, causa una profunda vasodilatación e hipotensión refractaria y aumenta la gravedad de pacientes sépticos. Registro da revisão de escopo no Open Science Framework: https://doi.org/10.17605/OSF.IO/MXDK2

Sepse; Choque séptico; Óxido nítrico; Insuficiencia multiorgânica; Gravedad del paciente

Abstract

Objective

Map the available evidence on the actions of nitric oxide in the pathophysiology of sepsis and its relationship with the severity of sepsis in patients.

Method

Scoping review following the Joanna Briggs Institute methodology. A search was carried out for studies that highlighted the actions of nitric oxide in sepsis, informing whether its increase is associated with the severity of sepsis in patients. Two independent reviewers mapped the information using a previously designed data extraction instrument. The data was analyzed for its relevance and then extracted and synthesized.

Results

Eleven of 1342 studies were included in the review. The first of them was published in 2017 and the last in 2022. Most of them were developed in the USA, China, and Germany. Studies have reported the actions and bioavailability of nitric oxide and endogenous inhibitors related to its production, and related nitric oxide to the severity of sepsis.

Conclusion

The physiological production of nitric oxide during sepsis acts as a vascular protector, mainly in the microcirculation but contributes to vascular dysfunction in high concentrations, subverting the regulation of blood pressure, causing deep vasodilation and refractory hypotension, and increasing the severity of sepsis in patients. Registration of the scoping review in the Open Science Framework: https://doi.org/10.17605/OSF.IO/MXDK2

Sepsis; Septic shock; Nitric oxide; Multiple organ failure; Patient acuity

Introdução

A sepse e o choque séptico são importantes problemas de saúde global, sendo considerados duas das principais causas de perda de saúde e afeta milhões de pessoas em todo o mundo a cada ano.(¹) A sepse é um sério problema recorrente nos ambientes hospitalares, especialmente nas unidades de terapia intensiva (UTI).(²)

No Brasil, a sepse é responsável por quase todas as internações em unidades de terapia intensiva. O número de mortes relacionadas com a sepse hospitalar aumentou em cerca de 6% de 2000 a 2010. Nas unidades de terapia intensiva brasileiras, são altas as taxas de incidência, prevalência e mortalidade por sepse, resultando em estimativa de mais de 200 mil óbitos em pacientes adultos com sepse tratados em UTI por ano no Brasil.(³)

O Terceiro Consenso Internacional de Definições de Sepse e Choque Séptico (Sepsis-3) definiu a sepse como uma disfunção orgânica com risco de vida causada pela resposta desregulada do hospedeiro à infecção. A sepse é uma das principais causas de mortalidade entre pacientes na unidade de terapia intensiva, e alterações nos níveis séricos de óxido nítrico (ON) têm sido associadas à mortalidade de pacientes críticos.(⁴,⁵)

O aumento de ON no estágio tardio da sepse desempenha função de mediador da perda do tônus vascular (vasoplegia), resultando em vasodilatação refratária e aumento da gravidade durante a sepse.(⁵) Altos níveis de citocinas produzidas no estresse oxidativo, que causam a produção amplificada de ON e possíveis efeitos deletérios às células pela elevação da vasodilatação e da hipotensão, podem ser fatores relacionados à gravidade da sepse.(⁶)

A sepse e o choque séptico são caracterizados por múltiplas anormalidades cardiovasculares e por provável lesão celular, que requer maior compreensão no reconhecimento dos sintomas da sepse.(⁵) É dentro desse quadro fisiopatológico complexo da sepse que as ações do ON devem ser discutidas e compreendidas, sendo o objetivo desta revisão mapear as evidências disponíveis sobre o desempenho do ON na fisiopatologia da sepse e sua relação com a gravidade de pacientes sépticos.

Métodos

Trata-se de um estudo de revisão de escopo, conforme o método de revisão proposto pelo Joanna Briggs Institute (JBI) e descrito de acordo com as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) Check-list.(⁷) Esse tipo de revisão é utilizado para mapear evidências que apoiam determinadas áreas de conhecimento, clarificar áreas de pesquisa e identificar lacunas do conhecimento.(⁸)

Para elaboração da questão de revisão cumpriram-se as fases recomendadas pelo Institute Joanna Briggs (JBI), com a identificação da questão e busca por estudos relevantes seguindo as etapas: definição dos objetivos e questões do estudo; desenvolvimento dos critérios de inclusão e exclusão; elaboração de estratégia de busca e seleção de artigos, identificação, seleção, extração, mapeamento de dados e apresentação dos resultados.

Para a definição de busca adotou-se a estratégia PCC (População, Conceito e Contexto). Foram definidos P como pacientes com sepse/choque séptico; C como ON e C como durante a sepse. Com base nessas definições foi estabelecida as perguntas norteadoras: “Quais são as evidências científicas sobre o desempenho do óxido nítrico na fisiopatologia da sepse? O nitrato plasmático aumentado durante a sepse está associado a maior gravidade em pacientes sépticos?”

A coleta de dados foi realizada no período de Novembro a Dezembro de 2022, nas seguintes bases de dados: Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (Medline), National Library of Medicine (PubMed), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), e EMBASE.Também foi acessada a biblioteca virtual Scientific Electronic Library e Online (Scielo) como fonte adicional.

Termos advindos do Medical Subject Headings (MeSH) foram adotados para a busca: sepsis, shock septic, nitric oxide, nitric oxide sintase, dysfunction, multiple organ failure e patient acuity. A combinação dos descritores foi feita com uso dos operadores booleanos AND (combinação restritiva) e OR (combinação aditiva). Também foi acessada a biblioteca virtual Scientific Electronic Library e Online (Scielo) como fonte adicional, conforme mostra o Quadro 1.

Quadro 1
Estratégia de busca nas bases de dados

Base	Estratégia
Medline / PubMed	(“sepsis” AND “nitric oxide”), (“sepsis” AND “nitric oxide” AND “dysfunction”), (“sepsis” AND “nitric oxide” AND “multiple organ failure”) (“sepsis” AND “nitric oxide” OR “nitric oxide sintase”), (“nitric oxide” AND “patient acuity” AND “sepsis”), (“nitric oxide” AND “patient acuity” AND “Shock septic”).
LILACS	(“sepsis” AND “nitric oxide”), (“sepsis” AND “nitric oxide” AND “multiple organ failure”) (“sepsis” AND “nitric oxide” OR “nitric oxide sintase”), (“nitric oxide” AND “patient acuity” AND “Shock septic”).
EMBASE	(“sepsis” AND “nitric oxide”), (“sepsis” AND “nitric oxide” AND “multiple organ failure”), (“nitric oxide” AND “patient acuity” AND “sepsis”).
SCIELO	(“sepsis” AND “nitric oxide”), (“sepsis” AND “nitric oxide” AND “multiple organ failure”), (“nitric oxide” AND “patient acuity” AND “sepsis”), (“nitric oxide” AND “patient acuity” AND “Shock septic”).

Os critérios de elegibilidade foram: estudos publicados em inglês e português nos últimos 5 anos, realizados com pacientes adultos e maiores de 18 anos, e os desenvolvidos com animais em laboratório que abordassem como temática o desempenho ou comportamento do ON na sepse. Foram incluídos estudos primários clínicos quantitativos, revisão sistemática/integrativa, ensaio clínico, estudos randomizados e pesquisas básicas. Excluíram-se revisões narrativas, textos da internet, editoriais, livros e documentos e artigos não disponibilizados na íntegra nas bases de dados e artigos duplicados.

A seleção dos estudos de acordo com o título e o resumo foi realizada por meio da ferramenta digital Rayyan QCR.(⁹) Posteriormente, os dois revisores realizaram a leitura de maneira independente e cega dos títulos e resumos, a fim de reduzir a possibilidade de viés interpretativo. Após a leitura e avaliação crítica dos textos na íntegra dos estudos pré-selecionados os que não estavam de acordo com os critérios de elegibilidade foram excluídos. Após a seleção, os estudos foram enviados para o gerenciador de bibliografias Mendeley.

Um instrumento para extração dos dados foi elaborado, e o mapeamento das informações foi realizado por dois pesquisadores independentes. Foram registradas as seguintes informações de cada artigo: autores e ano, país onde foi realizado, objetivo e o desenho do estudo. O protocolo dessa revisão de escopo está registrado no Open Science.

Resultados

Foram encontrados 1342 artigos nas bases de dados com potencial para elegibilidade, tendo sido descartados 251 por apresentarem duplicidade; 1091 estudos passaram pela análise do título e resumo, e após esta análise foram excluídos 1.037 artigos. Em seguida, apenas 54 foram selecionados para leitura na íntegra. Após a leitura para avaliação de elegibilidade, 15 estudos foram selecionados, e 4 foram excluídos por não responderem as questões norteadoras, permanecendo 11 na amostra final, conforme mostra a figura 1. Os resultados da extração das informações dos estudos incluídos são apresentados no quadro 2.

Figura 1
Processo de identificação e seleção dos estudos incluídos

Quadro 2
Características dos estudos obtidos sobre o desempenho do óxido nítrico na sepse

Autor Ano de Publicação Nº Citação	País do Estudo	Objetivo	Desenho do estudo
Yu MH, Chen MH, Han F, Li Q, Sun RH, Tu YX. 2018(5)	China	Avaliar os níveis séricos de amiloide A (SAA) e óxido nítrico em comparação com os marcadores preditivos de proteína C reativa (PCR) e escore APACHE II em grupos de pacientes com choque séptico e pacientes com choque não sépticos.	Estudo Randomizado
Kumar S, Gupta E, SrivastavaVK, Kaushik S, Saxena J, Goyal LK, et al. 2019(6)	India	Avaliar as ligações entre estresse nitrosativo e citocinas pró-inflamatórias e correlacionar com a gravidade da sepse e disfunção orgânica associada.	Estudo Randomizado
Bath PM, Coleman CM, Gordon AL, Lim WS, Webb AJ. 2021(10)	Inglaterra	Evidenciar em estudos in vitro, in vivo e estudos clínicos de fase inicial da atividade do óxido nítrico em infecções virais, bacterianas, protozoárias e fúngicas.	Revisão Integrativa
Winkler MS, Kluge S, Holzmann M, Moritz E, Robbe L, Bauer A. et al. 2017(11)	Alemanha	Investigar se as concentrações de marcadores substitutos para a biodisponibilidade do NO estão associadas à gravidade da sepse.	Estudo Randomizado
Porrini C, Ramarao N, Tran SL. 2020(12)	França	Conhecer as funções benéficas ou prejudicional do óxido nítrico para humanos, bactérias patogênicas e microbiota, e os mecanismos utilizados por cada organismo para produzir, utilizar ou resistir ao óxido nítrico.	Revisão Integrativa
Webber RJ, Sweet RM, Webber DS. 2019(13)	EUA	Analisar a iNOS (óxido nítrico sintase induzível) plasmática como um biomarcador precoce e específico para o início da sepse.	Ensaio Clínico
Hu S, Pi Q, Xu X, Yan J, Guo Y, Tan W. et al. 2021(14)	China	Explorar o desempenho do eNOS na disfunção endotelial induzida pela sepse em camundongos sépticos e em modelos celulares.	Estudo Randomizado
Singh J, Lee Y, Kellum JA. 2022(15)	EUA	Evidenciar se a redução da dimetilarginina assimetrica (ADMA) em pacientes com sepse poderia ser uma abordagem terapêutica potencial para atenuar o dano progressivo aos órgãos e a mortalidade na sepse.	Revisão Integrativa
Dao VTV, Elbatreek MH, Fuch T, Gradler U, Schmidt HHHW, Shah, AM. et al. 2021(16)	Alemanha	Mapear os efeitos da inibição do óxido nítrico na prática clínica em pacientes sépticos.	Revisão Integrativa
Takatani Y, Ono K, Suzuki H, Inaba M, Sawada M, Matsuda N. 2018(17)	Japão	Analisar os níveis plasmáticos de óxido nítrico e sua relação com a temperatura corporal entre duas espécies de camundongos com sepse.	Estudo Experimental
Oliveira FRMB, Assreuy J, Sordi R. 2022(18)	Brasil	Conhecer os mecanismos fisiopatológicos do óxido nítrico na lesão renal aguda associada a sepse.	Revisão Integrativa

No que se refere às características dos 11 estudos selecionados, o primeiro foi publicado em 2017, e os demais até 2022. A maior produção ocorreu no ano de 2021, com três artigos. Os países onde foram produzidos os estudos foram Estados Unidos (n=2), China (n=2), Alemanha (n=2) e com um artigo cada para Japão, Índia, Inglaterra, França e Brasil. Todos foram publicados em língua inglesa, sendo que 45,4% eram revisão integrativa e 36,3% com abordagem de estudo randomizado. Em relação à população estudada, quatro estudos foram pesquisa clínica conduzida com pessoas adultas em unidades de terapia intensiva; dois foram realizados com animais em laboratório; e cinco eram estudos de revisão integrativa, que foram importantes para o conhecimento das ações e da funcionalidade do ON. Após a síntese dos artigos selecionados, a discussão foi baseada na biossíntese e na biodisponibilidade do ON; nos inibidores endógenos da produção de ON; e na relação entre ON e a gravidade da sepse.

Discussão

Os achados desta revisão demonstraram que as concentrações aumentadas de ON em pacientes com sepse e choque séptico podem estar relacionadas com a gravidade deles. Embora o ON desempenhe ações relevantes na fisiologia da sepse, seu aumento pode causar efeitos deletérios às células durante a sepse.

O ON é um gás de vida curta no sangue e uma molécula de sinalização chave, que modula as respostas vasculares, neuronais, inflamatórias e imunes. Sua produção é mediada por três isoformas de ON sintase (NOS): duas consideradas constitutivas, as isoformas neuronal (nNOS/NOS1) e a endotelial (eNOS/NOS3), que medeiam amplamente a neurotransmissão, a citotoxicidade e a regulação vascular. Dentro das células, o ON interage com a respiração mitocondrial, ativa vias reguladoras metabólicas e reduz o estresse oxidativo.(¹⁰)

E a outra isoforma corresponde a NOS induzível (iNOS/NOS2) que são expressas pelo sistema imunológico em resposta de endotoxina e citocinas do processo inflamatório e produz uma quantidade de ON muito maior que as isoformas constitutivas, destacando que a atividade antimicrobiana endógena é amplamente mediada por altas concentrações locais de ON produzidas pela iNOS.(¹¹)

A produção de ON pela iNOS tem função essencial na defesa do hospedeiro contra organismos infecciosos e atividade antitumoral. No entanto, a produção prolongada e o acúmulo de ON podem ter consequências patológicas, pois sua produção excessiva está ligada à inflamação persistente.(¹²)

No início da sepse, observa-se também a presença de iNOS plasmático associado a microvesículas (MV-iNOS) extracelulares, que produzem quantidades tóxicas de ON, resultando em disfunção orgânica. É importante ressaltar que as MV-iNOS encontradas no plasma permanecem inativadas, mas, ao se instalarem em células receptoras suscetíveis, produzem quantidade de ON tóxico dentro da célula, causando morte celular.(¹³)

Sabe-se que a produção fisiológica de ON pela expressão de eNOS exerce papel protetor na microcirculação, devido à sua capacidade de induzir a vasodilatação, para equilibrar a pressão arterial na presença de estresse ou cisalhamento do vaso sanguíneo, mas, na fase tardia da sepse, é observada uma vasodilatação microvascular prejudicada, pela diminuição de ON derivado de eNOS, contribuindo, assim, para a gravidade da microcirculação.(¹⁴)

Cabe destacar que, em pacientes com sepse, a hiperprodução de ON pela iNOS, em condições de endotoxemia, lipopolissacarídeos microbianos e citocinas pró-inflamatórias, pode levar ao aumento da vasodilatação e queda da pressão arterial, hiporreatividade endotelial a vasopressores convencionais e disfunção miocárdica.(¹⁵-¹⁹)

A disfunção endotelial induzida pela sepse é uma síndrome multifacetada, que inclui comprometimento da coagulação, fibrinólise, permeabilidade, recrutamento de leucócitos e tônus vascular, resultando em alteração na biodisponibilidade de ON derivado de eNOS. Portanto, as células endoteliais são, sem dúvida, um fator importante na resposta sistêmica à infecção e ao início da falência de órgãos.(²⁰)

É importante ressaltar que, durante a sepse, a biodisponibilidade endógena de ON também pode diminuir devido aos níveis elevados dos inibidores de NOS, como a dimetilarginina assimétrica e a dimetilarginina simétrica, sendo que esses inibidores desempenham papel importante na fisiopatologia da sepse, mas também podem estar associados a desfechos ruins em pacientes com sepse.(¹⁵,²¹)

A diminuição da produção de ON devido ao aumento de dimetilarginina assimétrica consequentemente diminuiria a hipotensão, que seria um benefício durante a sepse, porém pode diminuir também a proteção microvascular e a resposta imune inata.(¹¹) Por outro lado, a inibição de longo prazo de NOS pode ser muito arriscada devido aos efeitos na eNOS, em particular para pacientes com riscos cardiovasculares ou doenças metabólicas e renais, pois o ON fisiológico derivado da eNOS é considerado um protetor microvascular, e sua inibição deve ser evitada.(¹⁶)

Estudo realizado com 141 pacientes internados em um hospital com choque séptico por infecção necrotizante de tecidos moles não evidenciou diferença no nível de ON nos pacientes com choque séptico, mas apresentou correlação positiva entre dimetilarginina assimétrica e o escore Sequential Sepsis Organ Failure Assessment (SOFA) desses pacientes, inferindo maior gravidade dos pacientes em consequência da diminuição do ON fisiológico e também maior risco de morrer nos primeiros 28 dias de internação hospitalar.(²²)

Portanto, a compreensão dos efeitos do ON durante a sepse ainda é complexa, pois, da mesma forma que o aumento da concentração de ON encontrado em pacientes sépticos se associa com a gravidade e o óbito,(²³) a inibição também pode levar à falha na microcirculação. Essa inibição também pode levar à falência de órgãos e óbito, pois induz disfunção microvascular, levando à redução da perfusão e à entrega de oxigênio aos órgãos, estado pró-inflamatório e pró-trombótico no endotélio, liberação de citocinas inflamatórias, estresse oxidativo e disfunção mitocondrial.(¹⁵)

Estudos realizados em pacientes com sepse, internados em unidade de terapia intensiva, evidenciaram correlação positiva entre o ON e o escore de pontuação de mortalidade estimada Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE II), inferindo que o ON aumentado pode refletir a gravidade da sepse, bem como o grau de disfunção de múltiplos órgãos.(⁵,⁶)

Em estudo, realizado na China em 2018, os autores compararam o nível de ON entre pacientes com choque séptico e pacientes com choque não sépticos e evidenciaram que o nível de concentração de ON em pacientes sépticos é maior no estágio inicial e permanece até 3 dias pós-diagnóstico.(⁵)

Porém, estudo realizado com camundongos mostrou que altos níveis de NO são encontrados na fase tardia da sepse. Nesse estudo, foi observada melhora da mortalidade após a injeção por via intravenosa, com inibidor seletivo de iNOS 1400W (0,5mg/kg) no momento da indução da sepse; 6 horas depois, observou-se que 40% dos camundongos sobreviveram por mais de 7 dias.(¹⁷)

Assim, nos estágios iniciais da sepse, estresse oxidativo, inflamação e níveis séricos de ON aumentados podem refletir na gravidade de pacientes com sepse. O aumento da concentração de ON desempenha papel de mediador da perda do tônus vascular (vasoplegia) e contribui para a depressão miocárdica observada no estágio tardio da sepse, representando o aumento da gravidade e a exacerbação da sepse.(⁵,²³)

Estudos mostram altos níveis de ON em pacientes com sepse, que vieram a óbito e apresentaram disfunção hemodinâmica. A produção elevada contribui para uma hipotensão refratária associada à sepse e também para a lesão de órgãos específicos em casos de superprodução de ON, assim como está associada ao comprometimento da função pulmonar, intestinal e hepática, bem como à insuficiência renal.(²³,²⁴)

Cabe destacar que a sepse também é uma das principais causas de lesão renal aguda, e o aumento do ON está envolvido em vários mecanismos dessa disfunção das células endoteliais, como as alterações microcirculatórias e o estresse oxidativo. As isoformas endoteliais eNOS e nNOS são as principais fontes de ON em condições basais no controle da perfusão renal, porém a iNOS aumenta a produção de ON durante a sepse, e sua superexpressão no córtex renal resulta em isquemia medular.(¹⁸)

Pode-se inferir que o aumento do ON pode estar relacionado como um biomarcador de gravidade em pacientes com sepse e predizer resultados clínicos deles, sendo necessário na prática clínica reconhecer precocemente os sinais de alerta da sepse para nortear os cuidados assistenciais aos pacientes sépticos.(⁵)

Considerando esses aspectos, este estudo teve como contribuição levantar as principais funções do ON na fisiopatologia da sepse e suas ações na gravidade de pacientes sépticos.

Esta revisão de escopo apresenta como limitações o fato de terem sido encontrados poucos estudos que relacionaram o ON com a gravidade de pacientes com sepse e choque séptico, visto também que estudos descrevem o aumento do ON na sepse, mas poucos correlacionam com escores de gravidade de pacientes críticos.

Conclusão

O conjunto de evidências apresentado nesta revisão mostrou a importância da produção do óxido nítrico fisiológico durante a sepse como um protetor vascular, principalmente na microcirculação, porém, em altas concentrações, durante a sepse, ele desempenha ação crítica na disfunção vascular, que subverte a fisiologia da regulação da pressão arterial, causando profunda vasodilatação e hipotensão refratária e aumentando a gravidade de pacientes sépticos. Observaram-se níveis plasmáticos de óxido nítrico mais altos em pacientes com sepse que apresentaram disfunção hemodinâmica e vieram a óbito, reforçando que o aumento dos níveis séricos reflete a gravidade da sepse. Portanto, conhecer as atribuições do óxido nítrico na fisiopatologia da sepse deve ser considerado relevante para estudos que envolvem pacientes sépticos, como também compreender sobre a possibilidade do óxido nítrico se caracterizar como um biomarcador de gravidade na sepse.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Marcia Barbieri (https://orcid.org/0000-0002-4662-1983) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  04 Mar 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  17 Mar 2023
• Aceito
  16 Out 2023