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Processo gerencial em centro cirúrgico sob a ótica de enfermeiros

Proceso de gestión en el quirófano bajo la óptica de enfermeros

Resumo

Objetivo:

Descrever o processo gerencial realizado por enfermeiros em centro cirúrgico.

Métodos:

Estudo descritivo e exploratório, de abordagem qualitativa, realizado com 10 enfermeiros do centro cirúrgico de um hospital universitário. Os dados coletados no período de setembro a outubro de 2019 por meio de entrevistas individuais semiestruturadas foram analisados com auxílio do software IRaMuTeQ e submetidos à análise temática indutiva.

Resultados:

A análise de similitude demonstra o protagonismo da equipe de enfermagem do centro cirúrgico e sua relação direta com o cuidado do paciente, enquanto a atuação do enfermeiro se caracteriza por ações predominantemente gerenciais relacionadas à organização do trabalho. Por meio da análise temática indutiva, foram elencadas três categorias relacionadas ao processo gerencial em centro cirúrgico: gestão de pessoas, gestão de recursos materiais e gestão do cuidado.

Conclusão:

Os achados indicaram que o processo gerencial em centro cirúrgico, segundo os enfermeiros, envolve a necessidade de aprimoramento das competências, bem como do conhecimento das ferramentas gerenciais para a gestão de pessoas, para o gerenciamento de recursos materiais e para a gestão do cuidado.

Descritores
Enfermagem de centro cirúrgico; Administração de serviços de saúde; Competência profissional; Gerenciamento da prática profissional

Resumen

Objetivo:

Describir el proceso de gestión realizado por enfermeros en el quirófano.

Métodos:

Estudio descriptivo y exploratorio, de enfoque cualitativo, realizado con 10 enfermeros del quirófano de un hospital universitario. Los datos recopilados durante el período de septiembre a octubre de 2019, mediante entrevistas individuales semiestructuradas, fueron analizados con ayuda del software IRaMuTeQ y sometidos al análisis temático inductivo.

Resultados:

El análisis de similitudes demuestra el protagonismo del equipo de enfermería del quirófano y su relación directa con el cuidado del paciente, y la actuación del enfermero se caracteriza por acciones predominantemente de gestión relacionadas con la organización del trabajo. Mediante el análisis temático inductivo, se enumeraron tres categorías relacionadas con el proceso de gestión en el quirófano: gestión de personas, gestión de recursos materiales y gestión del cuidado.

Conclusión:

Los resultados indicaron que el proceso de gestión en el quirófano, según los enfermeros, comprende la necesidad de mejora de las competencias, así como del conocimiento de las herramientas de gestión para la administración de personas, de recursos materiales y del cuidado.

Descriptores
Enfermería de quirófano; Administración de los Servicios de Salud; Competencia professional; Gestión de la práctica profesional

Abstract

Objective:

To describe the management process performed by nurses in surgicenters.

Methods:

This is a descriptive, exploratory and qualitative study conducted with 10 nurses in a surgicenters of a university hospital. The data collected from September to October 2019 through semi-structured individual interviews were analyzed with the aid of the IRaMuTeQ software and submitted to inductive thematic analysis.

Results:

Similarity analysis demonstrates the role of the nursing team in the surgicenters and their direct relationship with patient care, while the role of nurses is characterized by predominantly management actions related to work organization. Through inductive thematic analysis, three categories related to the management process in surgicenters were listed: people management, material resource management and care management.

Conclusion:

The findings indicated that the management process in surgicenters, according to nurses, involves the need to improve skills, as well as knowledge of tools for managing people, for managing material resources and care.

Keywords
Operating room nursing; Health Services Administration; Professional competence; Practice management

Introdução

O enfermeiro, historicamente, tem assumido um crescente número de cargos gerenciais e a capacitação profissional para o desempenho do cargo de gestão tem sido cada vez mais exigida.(11. Santos JL, Erdmann AL, Peiter CC, Alves MP, Lima SB, Backes VM. Comparison between the working environment of nurse managers and nursing assistants in the hospital context. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03300.) Cabe mencionar que vários desafios permeiam o exercício de gerência do processo de trabalho de enfermagem, sobretudo a priorização pela tarefa essencialmente gerencial em detrimento do cuidado.

Sob esse olhar, emerge o conceito de gerenciamento ou gestão do cuidado, que envolve a articulação entre os processos de cuidar e gerenciar como foco nas necessidades do usuário.(22. Mororó DD, Enders BC, Lira AL, Silva CM, Menezes RM. Concept analysis of nursing care management in the hospital context. Acta Paul Enferm. 2017;30(3):323-32.) Em revisão integrativa de estudos nacionais e internacionais, verificou-se que as práticas de gerenciamento do cuidado de enfermeiro devem ter como eixo norteador a melhoria da qualidade assistencial e das condições de trabalho para os profissionais.(33. Santos AP, Camelo SH, Santos FC, Leal LA, Silva BR. Nurses in post-operative heart surgery: professional competencies and organization strategies. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(3):474-81.) Para tanto, segundo os autores, o enfermeiro deve atuar diretamente na prestação de cuidado, na gestão de pessoas e de recursos materiais, na liderança, no planejamento da assistência e no desenvolvimento da equipe de enfermagem, por meio de capacitação, bem como na coordenação e avaliação da assistência de enfermagem.

Importante considerar que cada serviço apresenta especificidades e particularidades, as quais precisam ser analisadas no processo de gerenciamento de enfermagem. O centro cirúrgico, em particular, é considerado um dos setores mais complexos de uma organização hospitalar, pois envolve vários processos de trabalho e apresenta diversas situações de imprevisibilidade.(44. Martins FZ, Dall’Agnol CM. Surgical center: challenges and strategies for nurses in managerial activities. Rev Gaucha Enferm. 2017;37(4):e56945.) Além disso, os profissionais desse setor, eventualmente, estão submetidos a uma grande carga emocional em virtude da elevada expectativa depositada pelos usuários e da constante tensão para evitar erros relacionados ao tratamento cirúrgico. Destaca-se também o fato apresentar elevado custo para a instituição, por utilizar alta tecnologia para manter a qualidade dos procedimentos.(55. Fernandes HMLG, Peniche ACG. Perception of the nursing team of a Surgical Center regarding Hospital Accreditation at a University Hospital. Rev Esc Enferm USP. 2015; 49(Spec):22-8.,66. Richa AC, Guimarães SM, Cardoso TV. Gestão por padronização de processos: A percepção dos enfermeiros de centro cirúrgico. Rev SOBECC. 2014;19(1):3-10.)

Nesse cenário, o enfermeiro desempenha papel fundamental, pois é reconhecido como o principal articulador e responsável pelo processo do tratamento cirúrgico em todas as fases (pré, trans e pós-operatório). Além disso, é imprescindível para a organização do trabalho e para a gestão de pessoas, uma vez que realiza a integração da equipe, comunicação, educação continuada, tomada de decisões, análise, discussão, programação e avaliação das práticas da enfermagem.(44. Martins FZ, Dall’Agnol CM. Surgical center: challenges and strategies for nurses in managerial activities. Rev Gaucha Enferm. 2017;37(4):e56945.)

Todos esses elementos remetem à necessidade deste profissional desenvolver competências para o processo gerencial, bem como conhecimento acerca das ferramentas gerenciais, tendo como prisma a qualidade da assistência ao usuário em tratamento cirúrgico. Segundo Fleury,(77. Fleury MT, Fleury A. Construindo o conceito de competência. Rev Adm Contemporânea. 2001;5(1):183-96.) as competências referem-se ao conhecimento do indivíduo, às suas habilidades técnicas e não técnicas e a uma atitude proativa; são definidas como um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar e transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor econômico à organização e social ao indivíduo.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Enfermagem estabelecem que a formação do enfermeiro tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais: Atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança, administração e gerenciamento e educação permanente.(88. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução n° 3, de 7 de novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil. 2001 nov; Seção 1: 37-42.) Verifica-se que cinco dessas competências estão relacionadas ao gerenciamento, o que reforça a imprescindibilidade de ações gerenciais do enfermeiro nos diversos cenários de atuação,(99. Ferreira VH, Teixeira VM, Giacomini MA, Alves LR, Gleriano JS, Chaves LD. Contributions and challenges of hospital nursing management: scientific evidence. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40(1):e20180291.) inclusive no centro cirúrgico.

Estudo de abordagem qualitativa realizado com enfermeiros evidenciou a importância do uso e adequação de ferramentas gerenciais, geralmente utilizadas para orientação, avaliação e adequação dos processos ou sistemas, com a finalidade de atender aos propósitos do setor, a exemplo do fluxograma e de alguns protocolos para procedimentos operacionais.(66. Richa AC, Guimarães SM, Cardoso TV. Gestão por padronização de processos: A percepção dos enfermeiros de centro cirúrgico. Rev SOBECC. 2014;19(1):3-10.) Outra pesquisa desenvolvida com enfermeiros destacou a relevância do desenvolvimento de algumas competências para a atuação em setor de alta complexidade: supervisão e liderança, tomada de decisão, gerenciamento de conflitos, de recursos humanos, materiais, financeiros e educação continuada, entre outros.(33. Santos AP, Camelo SH, Santos FC, Leal LA, Silva BR. Nurses in post-operative heart surgery: professional competencies and organization strategies. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(3):474-81.) Entretanto, as referidas pesquisas não analisaram o processo gerencial em centro cirúrgico, o que será objeto de investigação do presente estudo.

Com base nisto, questiona-se: como se dá o processo gerencial em Centro Cirúrgico segundo a ótica dos enfermeiros? Quais competências e ferramentas gerenciais são necessárias a esses profissionais para o gerenciamento em centro cirúrgico? Acredita-se que esse entendimento poderá subsidiar reflexões acerca do processo de desenvolvimento de competências gerenciais necessárias aos profissionais em formação e em exercício em ambiente de centro cirúrgico.

Diante do exposto, o objetivo desta pesquisa foi descrever o processo gerencial realizado por enfermeiros em centro cirúrgico.

Métodos

Trata-se de estudo descritivo e exploratório, de abordagem qualitativa, realizado no Centro Cirúrgico de um hospital universitário da região Centro-Oeste do Brasil.

Os participantes desta pesquisa foram enfermeiros alocados para o Centro Cirúrgico da referida instituição. Para tanto, foi requerida à divisão de enfermagem uma lista com o quantitativo de enfermeiros escalados nesse setor, totalizando 13 profissionais.

Constituíram critérios de inclusão: participar do quadro efetivo da instituição e fazer parte da equipe do centro cirúrgico há pelo menos seis meses. Foram excluídos do estudo os profissionais que não estavam presentes no setor no período de coleta de dados em decorrência de atestados, férias ou licenças. Portanto, 10 enfermeiros atenderam aos critérios de elegibilidade adotados, sendo excluídos três: um por não estar presente no setor no período da coleta por motivo de férias e dois por não fazerem parte do quadro efetivo do setor há menos de seis meses.

A coleta de dados foi realizada pela discente de graduação em Enfermagem após treinamento quanto a aspectos éticos, abordagem do participante e método do estudo. Os dados foram coletados entre os meses de setembro e outubro de 2019, em local reservado, por meio de entrevistas individuais semiestruturadas. Conforme recomendado por Minayo e Costa,(1010. Minayo MC, Costa AP. Fundamentos teóricos das técnicas de investigação qualitativa. Rev Lusof Educ. 2018;40(40):139-53.) essa técnica oferece ao entrevistador maior controle sobre as informações que precisa obter durante a entrevista e, ao mesmo tempo, permite uma escuta livre e espontânea do entrevistado sobre os temas abordados.

Para tanto, elaborou-se um roteiro composto por duas partes: a primeira para caracterização dos dados de identificação socioprofissional e a segunda para abordar questões centrais que respondem aos objetivos deste estudo. Tal roteiro passou pelo julgamento de juízes experts sobre a temática e, posteriormente, foi submetido a um teste-piloto. Compuseram-se como questões centrais desse roteiro: como se dá o processo gerencial no Centro Cirúrgico? Quais competências são necessárias aos enfermeiros para o gerenciamento em centro cirúrgico?

Os dados foram analisados com auxílio do software IRaMuTeQ (acrônimo de Interface de R pourles Analyses Multidimensionnelles de Texteset de Questionnaires) e submetidos à análise temática indutiva proposta por Braun e Clarke,(1111. Braun V, Clarke V. Using thematic analysis in psychology. Qual Res Psychol. 2006;3(2):77-101.) seguindo as seguintes etapas: transcrição e aprofundamento dos dados; criação de códigos de características interessantes dos dados de maneira sistemática em todo o conjunto de dados; busca por temas por meio de códigos de agrupamento; revisão de temas gerando o mapa temático; nomeação dos temas e análise em curso para aperfeiçoar as especificidades de cada tema; e, por último, análise final dos trechos selecionados, em relação às questões norteadoras da pesquisa e à literatura.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, sob parecer n° 3.397.247. Aos participantes do estudo foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, somente após a entrega de uma via devidamente assinada com a anuência do entrevistado, iniciou-se a coleta de dados.

Resultados

Caracterização dos participantes

Participaram do estudo 10 enfermeiros, oito do sexo feminino e dois do masculino, todos na faixa etária de 26 a 54 anos. Três participantes eram naturais do Distrito Federal e sete de outros estados, a saber: Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí e São Paulo. O tempo total de formação em enfermagem variou de 6 a 13 anos e a experiência profissional de 4 a 13 anos, com tempo de trabalho no Centro Cirúrgico de 2 a 5 anos. No que diz respeito à formação profissional, todos referiram especialização em alguma área da enfermagem.

Análise de similitude

Com o auxílio do software IRAMUTEQ foi possível realizar a análise de similitude dos termos presentes nas entrevistas. Essa análise evidenciou a enfermagem, enquanto equipe, como núcleo central em conexão direta com o enfermeiro, paciente e centro cirúrgico, por configurar o sistema central de conexões em um agrupamento que nos auxilia a compreender os elementos de representação e os sentidos a eles atribuídos. Assim, por meio das análises realizadas com o IRAMUTEQ, foi identificada a representação do enfermeiro que atua no centro cirúrgico com forte ênfase no processo administrativo e organização do trabalho neste setor, inclusive com relação ao trabalho de outros profissionais além da enfermagem. A gestão do cuidado também é apresentada em conexão ao enfermeiro, porém a relação mais evidente ocorre com a equipe de enfermagem.

Processo gerencial em centro cirúrgico

Por meio da análise temática das entrevistas foram identificados três temas principais no processo gerencial do enfermeiro do Centro Cirúrgico, conforme apresentado na figura 1 .

Figura 1
Análise temática do processo gerencial do Centro Cirúrgico

Gestão de pessoas

De acordo com os enfermeiros, a gestão de pessoas envolve três subtemas: desenvolvimento de competências, trabalho em equipe multiprofissional e relacionamento interpessoal.

Desenvolvimento de competências

Os enfermeiros identificaram pontos principais para o desenvolvimento de competências na gestão de pessoas no centro cirúrgico. Como atributos necessários ao enfermeiro desse setor para o gerenciamento do cuidado elencaram, principalmente, liderança, agilidade, tomada de decisões, flexibilidade e empatia.

“A liderança, na minha opinião, ela é nata, você nasce com o espírito de liderança, nasce com o espírito de tomar a frente […]. Mas as outras características que são necessárias para o enfermeiro ele consegue adquirir com o tempo. “(E 09)

“[…]o enfermeiro tem que ser ágil, tem que estar atento a várias coisas ao mesmo tempo e ter poder de resolutividade.” (E08)

“Ter uma tomada de decisão, embora, muitas vezes, não dependa da gente, depende da chefia.” (E07)

“[…]que seja flexível às mudanças que ocorrem; porque nada é estático e tudo se transforma todo dia.” (E05)

“Tem que ser uma pessoa empática, sempre com o paciente, mas, principalmente, para lidar com as equipes cirúrgicas.” (E10)

Em relação ao desenvolvimento de competências, a educação continuada foi citada pelos profissionais como fator principal para o aprimoramento e atualização de rotinas, bem como para aquisição de habilidades, resolução de impasses e melhoria do cuidado no centro cirúrgico.

“Acho que a educação continuada. Acho algo importantíssimo e não temos no setor, começamos a desenvolver a partir do mês passado. Começamos a distribuir para cada enfermeiro, que ele possa apresentar um tema, que tenhamos dificuldade aqui dentro.” (E09)

“Tem muita rotina que está perdida, educação continuada aqui é muito difícil de fazer, por causa da rotina do setor.” (E10)

Relacionamento interpessoal

Os enfermeiros do centro cirúrgico reconhecem que o relacionamento interpessoal é um dos pilares para o bom funcionamento do setor, pois propicia maior integração entre os indivíduos e as equipes. Apesar disso, mencionaram a presença de conflitos entre as equipes como uma barreira para o relacionamento interpessoal.

“[…]aonde o técnico, seja porque ele é enfermeiro, mas tem atuação de técnico aqui, ou porque não tem essa habilidade assim de “mandado” e, assim, gera esses conflitos, que não aceita como a escala foi feita, não aceita uma solicitação que um superior faça, então temos essa dificuldade interpessoal” (E04)

“Deveria ter uma integração maior, uma confecção mais fiel do mapa. Uma educação continuada, e um relacionamento interpessoal entre as equipes, entre os gestores. Porque quando chega aqui na ponta (centro cirúrgico), pouco podemos resolver.” (E03)

“Uma das barreiras é a questão mesmo de ligação da equipe no trabalho, onde, às vezes, um ou outro profissional, enfermeiro ou técnico, que não tem essa visão de equipe e quer desenvolver só o seu: “isso não compete a mim, estou escalado nessa sala.”, aí acaba que vai ocorrendo esses conflitos interpessoais.” (E06)

Trabalho em equipe multiprofissional

O trabalho em equipe multiprofissional é essencial para o alcance do propósito da profissão, que é prestar uma assistência com qualidade e segurança ao paciente cirúrgico. Alguns participantes ressaltaram que esse trabalho é desenvolvido de forma harmônica no setor, mas outros relataram uma perceptível dificuldade na atuação coletiva.

“[…] nós temos vários outros profissionais conosco e o Centro Cirúrgico é uma área que nós temos que trabalhar de forma harmônica com todos os outros setores. “(E03)

“[…] no início, tinham duas divisões, enfermagem e a parte médica, que são os internos, residentes. Então agora que estamos conseguindo trabalhar mesmo em equipe multiprofissional, interagindo.” (E02)

“São pessoas bem capacitadas e bem comprometidas com o serviço, os nossos recursos humanos são muito bons. Tanto de quantidade como de qualidade. “(E03)

Gestão de recursos materiais

A gestão dos recursos materiais, na percepção dos profissionais, foi abordada como uma das barreiras para o alcance da qualidade do cuidado no centro cirúrgico, tanto por equipamentos antigos quanto pela falta de insumos, fazendo com que cirurgias sejam adiadas ou remarcadas. Das falas dos participantes, emergiram dois subtemas associados ao gerenciamento de recursos materiais.

Gerenciamento de insumos

Considerando a fala dos profissionais, o gerenciamento de insumos deve ser competência do enfermeiro na organização do setor, para suprir todas as necessidades e prestar melhor assistência. Porém, as entrevistas demonstram que a participação do enfermeiro está limitada a uma parte do processo de aquisição dos insumos, pois ele gerencia os insumos que foram direcionados para o centro cirúrgico, quando, na realidade, deveria se fazer presente em todo o processo, inclusive na seleção e aquisição desses materiais.

“O enfermeiro ele tem esse papel de além de liderança, de também ficar de olho na questão dos insumos, se estão insuficientes. Do que está faltando ou do que estão utilizando em excesso; só que para o enfermeiro ter essa visão, precisa ter uma visão global.” (E01)

“Ou seja, faz a compra, mas não faz a compra completa. Eu acho que as pessoas que fazem a gestão desses materiais, normalmente elas não estão na assistência, então elas não sabem a necessidade que nós temos aqui, nós também não somos consultados a respeito disso.” (E09)

“[…]eu penso muito em contenção de gastos, uso irracional do recurso.

Gerenciamento de equipamentos

Da mesma maneira, o enfermeiro, em suas atribuições, deve ser responsável pelo gerenciamento de equipamentos, para comunicar às gestões superiores as necessidades do setor.

“Nesse centro cirúrgico aqui é equipamentos, porque são equipamentos muito antigos. Então assim, quebra muito, você perde muito tempo trocando monitor.” (E01)

“A barreira é a falta de muitos materiais e equipamentos aqui no centro cirúrgico, então as equipes cirúrgicas e anestésicas sempre estão com nível de estresse alto.” (E08)

“Ter disponíveis os materiais, de conforto, os equipamentos da sala de recuperação não serem tão antigos como a gente tem. Sobrando o suficiente para que não tenha que substituir de um local para o outro.” (E02)

Gestão do cuidado

Como gestão do cuidado, foram identificados temas que podem ser classificados como ferramentas gerenciais, uma vez que são utilizadas para a melhor composição e execução do cuidado no ambiente do centro cirúrgico. São elas: planejamento, comunicação e indicadores.

Planejamento

O planejamento adequado para o setor objetiva proporcionar melhor assistência, organização e cuidado nos momentos pré, intra e pós-operatório com o paciente. O enfermeiro é o principal articulador de organização do planejamento.

“Quer que providenciamos, sendo que eles pulam todas as etapas do nosso planejamento e querem que a gente dê um jeito de se virar e, às vezes, não sai por conta disso.” (E03)

“(…) a organização, tem que ser organizado, porque a gente mexe com muitas pessoas, com muitos materiais, com muitas escalas.” (E01)

Comunicação

A comunicação é parte inerente à natureza das organizações, as quais são formadas por pessoas que interagem entre si e que, por meio de processos interativos, viabilizam o sistema funcional para sobrevivência e consecução dos objetivos organizacionais, mesmo em contextos de diversidades e transações complexas. No centro cirúrgico, a comunicação é reconhecida como uma das ferramentas mais importantes para o funcionamento do setor, como também um dos pontos mais complexos.

“ Quando você tem uma comunicação uniforme, não existe barreira, se todo mundo fala a mesma língua, não tem dificuldade.” (E07)

“[…] mesmo a gente tendo aqui falta de material e comunicação, acho que a gente desenvolve um bom trabalho.” (E08)

“A questão da comunicação, como trabalhamos com muitas pessoas, às vezes a comunicação não chega direto para o outro coleguinha, então aí acaba gerando um conflito. Então a comunicação no centro cirúrgico é muito importante, eu acho que é um dos fatores mais difíceis porque não termos comunicação tão efetiva é o que dificulta. E ao mesmo tempo, se tivéssemos uma melhor comunicação, facilitaria o nosso processo.” (E01)

Embora o fluxo de comunicação necessite ser harmônico, foi relatada dificuldade para mantê-lo dessa forma entre as equipes multiprofissionais, entre assistência-gerência do setor e entre gerência-superintendência. Quanto à equipe de enfermagem, o fluxo de comunicação foi considerado eficaz, como é possível observar nos fragmentos a seguir:

“[…] ter uma boa comunicação com toda a equipe, até porque nós trabalhamos com a equipe multiprofissional, né.” (E01)

“[…] mas, até então, não tem a comunicação com a chefia. Nossos chefes estão na sala deles, resolvendo os problemas e eles, às vezes, não sabem nem o que está passando aqui.” (E01)

“[…] poderia melhorar um pouco a questão da comunicação entre as equipes multiprofissionais em relação ao nosso mapa, o nosso mapa muda muito, tem muitas substituições.” (E03)

“[…] a comunicação na enfermagem é um ponto positivo que eu encontro aqui.” (E07)

As reuniões de equipe foram apresentadas como uma oportunidade para melhoria da comunicação, pois favorecem a troca de informações, esclarecimentos gerais e alinhamento da equipe.

“Como aqui o principal problema hoje é falta de reunião, nós não temos reunião, não temos uma comunicação efetiva.” (E01)

“Reuniões periódicas para que fossem pontuados problemas, soluções e melhores indicadores, educação continuada.” (E04)

“Tem as reuniões, fala, mas assim, eu não sei até que ponto as outras equipes estão realmente cumprindo. A gente vê que, na prática, isso não acontece. Comunicação entre as chefias.” (E07)

“[…] ter uma integração maior, uma confecção mais fiel do mapa. Uma educação continuada, e um relacionamento interpessoal entre as equipes, entre os gestores.” (E03)

Indicadores

No ambiente do centro cirúrgico, o protocolo de cirurgia segura foi identificado como a referência de melhores indicadores. Essa ferramenta gerencial tem o propósito de reduzir a ocorrência de eventos adversos e a mortalidade cirúrgica, aumentando a segurança na realização de tais procedimentos. Apesar disso, por meio das falas dos enfermeiros, verifica-se que o protocolo ainda não se encontra totalmente implementado no setor.

“Nós temos a cirurgia segura, essa parte ainda precisa melhorar muito, a parte de conexão médica e da enfermagem; para realmente trabalhar juntas as duas equipes; ainda não conseguimos alcançar o que está proposto na cirurgia segura.” (E02)

“Hoje aqui nós temos o checklist de cirurgia segura que é mais direcionado para o enfermeiro, nós temos essa dificuldade ainda, que nem sempre a equipe está toda adaptada à ausência do enfermeiro, nem sempre o técnico vai atuar e vai realizar esse procedimento.” (E06)

Discussão

No contexto atual, enfermeiros têm ocupado cada vez mais cargos de gerência nos serviços de saúde. A gestão do cuidado, que se refere à interligação entre os processos de cuidar e gerenciar com ênfase na qualidade assistencial,(22. Mororó DD, Enders BC, Lira AL, Silva CM, Menezes RM. Concept analysis of nursing care management in the hospital context. Acta Paul Enferm. 2017;30(3):323-32.) surge como conceito contemporâneo para o exercício dessa função. No entanto, em se tratando do centro cirúrgico, ainda se observa que a gestão do cuidado do enfermeiro se concentra nas atividades administrativas do setor,(1212. Paixão TC, Balsanelli AP, Bohomol E, Neves VR. Competências gerenciais relacionadas à segurança do paciente: uma revisão integrativa. Rev SOBECC. 2017;22(4):245-53.) ao passo que as de cuidado são exercidas predominantemente pelos demais membros da equipe de enfermagem, corroborando os dados evidenciados na análise de similitude do presente estudo.

No tocante à análise temática, a gestão de pessoas no centro cirúrgico foi um dos temas principais elencados pelos enfermeiros deste estudo, sendo o desenvolvimento de competências o maior destaque para essa atividade gerencial. Em estudo sobre formação de competências requeridas aos enfermeiros atuantes em unidade de pós-operatório cardíaco, verificou-se a necessidade de que os líderes direcionem tarefas à equipe, em virtude da constante demanda de atenção em unidades de alta complexidade.(33. Santos AP, Camelo SH, Santos FC, Leal LA, Silva BR. Nurses in post-operative heart surgery: professional competencies and organization strategies. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(3):474-81.) Nesse sentido, o desenvolvimento adequado das competências dos membros da equipe de trabalho é fundamental para a manutenção da qualidade das atividades delegadas a esses profissionais.

Na gestão de pessoas, a liderança tem sido um fenômeno de grupo que envolve processo de influência de um indivíduo sobre os demais, com a finalidade de alcançar determinada meta. A marca da liderança moderna é fortalecer a equipe de trabalho mediante a valorização das competências individuais. Neste estudo, ainda que alguns entrevistados tenham mencionado o entendimento de liderança como um atributo nato, a literatura mostra que o processo de ensino-aprendizagem contribui para o exercício dessa competência por parte dos discentes na prática hospitalar, embora ela seja desenvolvida mais fortemente no decorrer das experiências vivenciadas no cotidiano do trabalho dos enfermeiros.(1313. Amestoy SC, Trindade LL, Silva GT, Santos BP, Reis VR, Ferreira VB. Liderança na enfermagem: do ensino ao exercício no ambiente hospitalar. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160276.) Portanto, torna-se imprescindível que os gestores das instituições de saúde reconheçam a relevância de investimentos no desenvolvimento da gestão de pessoas com ênfase na liderança durante a prática profissional.(1414. Moura AA, Bernardes A, Balsanelli AP, Zanetti AC, Gabriel CS. Liderança e satisfação no trabalho da enfermagem: revisão integrativa. Acta Paul Enferm. 2017;30(4):442-50.)

Considerando que o cenário do estudo é marcado por incertezas e situações de imprevisibilidade relacionadas aos procedimentos cirúrgicos,(1515. Tørring B, Gittell JH, Laursen M, Rasmussen BS, Sørensen EE. Communication and relationship dynamics in surgical teams in the operating room: an ethnographic study. BMC Health Serv Res. 2019;19(1):528.) torna-se necessário que os enfermeiros também desenvolvam outras competências como agilidade, tomada de decisão, flexibilidade e empatia, conforme evidenciado nas falas dos participantes. Além disso, as constantes transformações tecnológicas incorporadas, em especial no que abrange as cirurgias minimamente invasivas, exigem habilidades e aperfeiçoamentos contínuos, sem perder de vista a humanização da assistência.

Nesse cenário, o enfermeiro que atua na gerência deve considerar a educação continuada para o desenvolvimento de competências da equipe condizentes com as necessidades do serviço. As estratégias educativas, entretanto, têm sido realizadas de forma pontual e desarticuladas do aprimoramento das competências, apesar dos enfermeiros reconhecerem a relevância desse recurso.(33. Santos AP, Camelo SH, Santos FC, Leal LA, Silva BR. Nurses in post-operative heart surgery: professional competencies and organization strategies. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(3):474-81.) Ainda em relação à categoria gestão de pessoas, evidenciamos, nas entrevistas, os desafios relacionados à equipe multiprofissional, estando estes vinculados à busca do exercício coletivo e harmônico do processo de trabalho. Os conflitos existentes dentro da própria equipe de enfermagem (enfermeiros x técnicos de enfermagem) e entre médicos e enfermeiros estão presentes no cotidiano do centro cirúrgico e, para esses profissionais, o relacionamento interpessoal é um dos elementos essenciais para o bom funcionamento do setor e, por conseguinte, do gerenciamento do cuidado.

Indo ao encontro desses achados, estudo sobre os desafios e estratégias do enfermeiro nas atividades gerenciais em centro cirúrgico identificou conflitos entre a equipe médica na compreensão do trabalho da enfermagem.(44. Martins FZ, Dall’Agnol CM. Surgical center: challenges and strategies for nurses in managerial activities. Rev Gaucha Enferm. 2017;37(4):e56945.) Para lidar com essa problemática e viabilizar processos de trabalho mais harmônicos, foram propostas medidas como a gestão compartilhada e a construção de espaços mais dialógicos e de respeito mútuo entre as equipes,(44. Martins FZ, Dall’Agnol CM. Surgical center: challenges and strategies for nurses in managerial activities. Rev Gaucha Enferm. 2017;37(4):e56945.,1515. Tørring B, Gittell JH, Laursen M, Rasmussen BS, Sørensen EE. Communication and relationship dynamics in surgical teams in the operating room: an ethnographic study. BMC Health Serv Res. 2019;19(1):528.) o que caracterizaria uma transição do trabalho multiprofissional para o interprofissional.

Outro tema elencado na atual pesquisa foi a gestão de recursos materiais. Na percepção dos entrevistados, o gerenciamento de insumos pode comprometer a qualidade do cuidado em centro cirúrgico, uma vez que a qualidade e a quantidade inadequada desses materiais podem contribuir para o adiamento ou remarcações de cirurgias. Tais resultados também foram evidenciados em outras pesquisas(33. Santos AP, Camelo SH, Santos FC, Leal LA, Silva BR. Nurses in post-operative heart surgery: professional competencies and organization strategies. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(3):474-81.,1616. Tamiasso RS, Santos DC, Fernandes VD, Ioshida CA, Poveda VB, Turrini RN. Ferramentas de gestão de qualidade como estratégias para redução do cancelamento e atrasos de cirurgias. Rev SOBECC. 2018;23(2):96-102.) e reforçam os pressupostos de que a gestão administrativa e a do cuidado são atribuições interdependentes, isto é, a falta de gerenciamento adequado do setor impacta (in)diretamente na qualidade do cuidado e na segurança do paciente.

Nessa perspectiva, as ferramentas gerenciais para a gestão do cuidado emergem como elementos imprescindíveis para o processo de tomada de decisão em centros cirúrgicos, pois contribuem para ações preventivas e corretivas no processo de trabalho como um todo. As ferramentas gerenciais permitem analisar os eventos que afetam a qualidade do cuidado, isto é, definir e mensurar o problema e, por conseguinte, propor estratégias de solução.(1616. Tamiasso RS, Santos DC, Fernandes VD, Ioshida CA, Poveda VB, Turrini RN. Ferramentas de gestão de qualidade como estratégias para redução do cancelamento e atrasos de cirurgias. Rev SOBECC. 2018;23(2):96-102.) As entrevistas apresentaram o planejamento, a comunicação e os indicadores como três ferramentas de grande importância para a gestão do cuidado.

Os desafios relacionados à dinâmica de trabalho do centro cirúrgico referidos anteriormente requerem do enfermeiro o constante de (re)planejamento de ações. O planejamento, no entanto, deve abarcar tanto a (re)organização do setor em relação aos imprevistos rotineiros quanto a redefinição de metas e intervenções em médio e longo prazo, tendo em vista a segurança do profissional e do paciente. É imprescindível que esse planejamento seja realizado de forma colaborativa com todos os membros das equipes, sem perder de vista os aspectos organizacionais da instituição, como seus valores, sua missão e as metas vigentes no planejamento institucional.

O planejamento estratégico é uma prerrogativa institucional que contempla as próprias características da instituição. No cenário do estudo, encontra-se disponível, em domínio público, o Plano Diretor Estratégico vigente. Conforme destacado neste documento, a elaboração do plano não só envolveu os diversos setores e atores sociais como utilizou percursos metodológicos sistematizados para diagnóstico ampliado do cenário analisado. Ressalta-se que a construção do documento também considerou as necessidades de saúde da população segundo o Plano Distrital de Saúde e, da mesma maneira, a visão e os valores institucionais.(1717. Gutierres LS, Santos JL, Peiter CC, Menegon FH, Sebold LF, Erdmann AL. Good practices for patient safety in the operating room: nurses’ recommendations. Rev Bras Enferm. 2018;71(6 Suppl 6):2775-82.1919. Brasil. Ministério da Educação. Hospital Universitário de Brasília. Plano Diretor Estratégico 2017-2021. Brasília (DF): Ministério da Educação; 2019.)

No que se refere à comunicação, o enfermeiro do centro cirúrgico tem a atribuição de articular os processos de trabalho,(66. Richa AC, Guimarães SM, Cardoso TV. Gestão por padronização de processos: A percepção dos enfermeiros de centro cirúrgico. Rev SOBECC. 2014;19(1):3-10.) o que também foi evidenciado nos achados da análise de similitude, em que a enfermagem emergiu como núcleo central em conexão direta com o enfermeiro, paciente e centro cirúrgico. Tais achados reforçam a comunicação como elemento imprescindível para a funcionalidade desse setor, de modo que precisa ser efetiva e atingir todos os membros da equipe de maneira clara e sem ruídos,(1717. Gutierres LS, Santos JL, Peiter CC, Menegon FH, Sebold LF, Erdmann AL. Good practices for patient safety in the operating room: nurses’ recommendations. Rev Bras Enferm. 2018;71(6 Suppl 6):2775-82.) incluindo equipes multiprofissionais, assistência-gerência do setor e gerência-superintendência.

No centro cirúrgico, a prática clínica é mutável e marcada por incertezas no programa cirúrgico diário. Além disso, os profissionais que atuam neste setor são altamente interdependentes e trabalham sob constante pressão,(1515. Tørring B, Gittell JH, Laursen M, Rasmussen BS, Sørensen EE. Communication and relationship dynamics in surgical teams in the operating room: an ethnographic study. BMC Health Serv Res. 2019;19(1):528.) o que demanda assertividade no fluxo de comunicação para assegurar qualidade da assistência e segurança do paciente. Para otimizar esse fluxo de comunicação, as reuniões de equipe constituem-se em importantes estratégias, pois contribuem de forma prática e dinâmica para a difusão de novas decisões, normas e regras,(66. Richa AC, Guimarães SM, Cardoso TV. Gestão por padronização de processos: A percepção dos enfermeiros de centro cirúrgico. Rev SOBECC. 2014;19(1):3-10.) bem como integram melhor os diferentes membros da equipe multiprofissional.

A despeito disso, os enfermeiros participantes deste estudo reforçaram a necessidade de reuniões periódicas no setor com a finalidade de discutir, planejar e avaliar o processo de trabalho. Mencionaram também que essas reuniões não devem ser realizadas apenas diante da ocorrência de falhas, devendo ser um espaço constante para troca de experiência, diálogo, sugestões e até mesmo desenvolvimento de processos educativos. De modo similar, a literatura destaca que a superação dos desafios de articulação entre as esferas administrativa e clínica nas instituições hospitalares é necessária fortalecer a comunicação e criar uma cultura de cooperação e colaboração. Os enfermeiros gestores podem fazer uso desses modelos de gestão para qualificar a assistência de enfermagem.(1818. Nishio EA. Governança corporativa e gestão hospitalar. Acta Paul Enferm. 2017;30(6):3-4.)

Outra ferramenta citada pelos enfermeiros na pesquisa é o uso de indicadores para a manutenção da qualidade. Nesse sentido, foi destacado o Protocolo de cirurgias seguras desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), por meio do programa “Cirurgias Seguras Salvam Vidas”, o qual visa aumentar a segurança do paciente e a efetividade profissional por meio de dez objetivos. Tais objetivos fundamentam as boas práticas assistenciais e contribuem para uma maior conscientização a respeito da necessidade de desenvolvimento da cultura de segurança e melhor direcionamento de políticas públicas que almejem cirurgias mais seguras.(2020. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Segundo desafio global para a segurança do paciente: cirurgias seguras salvam vidas. Brasília (DF): ANVISA; 2009.)

No entanto, apesar de mencionada a relevância desse protocolo para o setor, ainda se observa fragilidade na cultura de segurança dos pacientes, tal como evidenciado em estudo realizado na Tailândia com 39 enfermeiros de centro cirúrgico. Essa pesquisa identificou barreiras relacionadas às cirurgias seguras no que diz respeito à implementação do Checklist de Verificação de Segurança Cirúrgica, da Organização Mundial de Saúde,(2121. Kasatpibal N, Sirakamon S, Punjasawadwong Y, Chitreecheur J, Chotirosniramit N, Pakvipas P, et al. An exploration of surgical team perceptions toward implementation of surgical safety checklists in a non-native English-speaking country. Am J Infect Control. 2018 Aug;46(8):899-905.) sobretudo resistência da equipe cirúrgica, corroborando os resultados encontrados no estudo atual.

Em suma, este estudo identificou fragilidades no processo de trabalho da enfermagem no centro cirúrgico, principalmente na articulação entre as demandas administrativas e o processo de cuidar. O enfoque da gestão do cuidado é o atendimento das necessidades dos usuários. Destaca-se que não houve, nas entrevistas, referência à Sistematização da Assistência de Enfermagem Perioperatória como ferramenta assistencial do trabalho no centro cirúrgico. De acordo com estudo, a efetiva implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem e do Processo de Enfermagem, embora ambos sejam identificados como importantes instrumentos pela maioria dos enfermeiros no Brasil, ainda é desafio a ser superado.(2222. Oliveira MR, Almeida PC, Moreira TM, Torres RA. Nursing care systematization: perceptions and knowledge of the Brazilian nursing. Rev Bras Enferm. 2019 Oct;72(6):1547-53.) Segundo os profissionais, isso se deve, em parte, à ausência de valorização das práticas gerenciais e burocráticas.

Este estudo apresenta como limitações o baixo número de participantes e o fato de ter sido realizado em um único cenário; destaca-se, no entanto, que foram entrevistados todos os enfermeiros alocados no centro cirúrgico da referida instituição que atenderam aos critérios de elegibilidade adotados. Ademais, sabe-se que os hospitais universitários são contextos singulares de prática do enfermeiro, o que compromete a comparação dos achados com a maioria da rede de atendimento hospitalar.

Conclusão

O presente estudo analisou como tem sido desenvolvido, na percepção dos enfermeiros, o processo gerencial em centro cirúrgico. Atributos como liderança, agilidade, tomada de decisão, flexibilidade e empatia foram destacados como competências necessárias aos enfermeiros que atuam neste setor. Para esses profissionais, comunicação, planejamento e protocolo de cirurgia são ferramentas imprescindíveis para o processo de tomada de decisão em centros cirúrgicos. A análise de similitude demonstrou o protagonismo da equipe de enfermagem do centro cirúrgico e sua relação direta com o cuidado do paciente, enquanto a atuação do enfermeiro foi caracterizada por ações predominantemente gerenciais relacionadas à organização do trabalho. Pela análise temática indutiva, foram elencadas três categorias relacionadas ao processo gerencial em centro cirúrgico: gestão de pessoas, gerenciamento de recursos materiais e ferramentas gerenciais. A gerência e assistência são atribuições interdependentes dos enfermeiros e especialmente relevantes àqueles que atuam neste setor, em virtude da complexidade do cuidado cirúrgico e das diversas situações de imprescindibilidade e incertezas que permeiam este cotidiano de trabalho. Para tanto, esses profissionais precisam desenvolver competências para o gerenciamento do cuidado e conhecer as ferramentas gerenciais, tendo como foco a qualidade da assistência ao usuário em tratamento cirúrgico. Espera-se que o estudo possibilite avanços e melhorias contínuas no gerenciamento do cuidado em centro cirúrgico, sendo instrumento na gestão hospitalar e fomentando a discussão científica.

Agradecimentos

Aos enfermeiros do Centro Cirúrgico que participaram do presente estudo e compartilharam as experiências vivenciadas no cotidiano do trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2020
  • Aceito
    24 Ago 2020
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