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Impactos da pandemia COVID-19 na vida, saúde e trabalho de enfermeiras

Impactos de la pandemia de COVID-19 en la vida, salud y trabajo de enfermeras

Resumo

Objetivo

Analisar os impactos da pandemia COVID-19 na vida, saúde e trabalho de enfermeiras/os brasileiras/os.

Métodos

Pesquisa de abordagem qualitativa e histórico-social, guiada pelo referencial da Nova História. O estudo contou com 22 participantes, com prevalência do gênero feminino. A coleta de dados ocorreu em dezembro de 2020, por meio de entrevista semiestruturada, em ambiente virtual, com uso de instrumento eletrônico criado no Google Forms e tramitação via e-mail. A análise foi conduzida pela metodologia da história oral, com transcrição, transcriação e categorização dos dados.

Resultados

A pandemia causou impacto na dimensão pessoal, profissional e educacional das enfermeiras. Na dimensão pessoal ocorreram mudanças na rotina de vida, medo da contaminação, exaustão física e mental. Na assistência profissional, houve sobrecarga de trabalho, escassez de pessoal e de material, elevado número de contaminações e mortes de membros da equipe por COVID-19. Na formação profissional, foram necessárias adaptações ao ensino remoto. Diante do ineditismo e letalidade da doença, o saber especializado de enfermagem foi essencial na promoção da confiança para o acolhimento e cuidado dos pacientes nos covidários.

Conclusão

O estudo valorizou as narrativas de enfermeiras brasileiras sobre o enfrentamento da pandemia COVID-19 e ampliou a discussão sobre as deficiências laborais vividas pela enfermagem e seu agravamento no contexto pandêmico. A situação apresentada é preocupante e demanda olhar crítico dos envolvidos no processo de gestão da saúde e do cuidado humano, visando condições adequadas e seguras de trabalho para os profissionais de enfermagem, com proteção da saúde e vida desses trabalhadores.

COVID-19; Pandemias; Enfermeiras e enfermeiros; Saúde do trabalhador; Adaptação psicológica; Papel do profissional de enfermagem

Resumen

Objetivo

Analizar los impactos de la pandemia de COVID-19 en la vida, salud y trabajo de enfermeras/os brasileñas/os.

Métodos

Estudio de enfoque cualitativo e histórico-social, guiado por el marco referencial de la Nueva Historia. El estudio contó con 22 participantes, con prevalencia del género femenino. La recopilación de datos se llevó a cabo en diciembre de 2020, mediante encuesta semiestructurada, en ambiente virtual, con uso de un instrumento electrónico creado en Google Forms y enviado por e-mail. El análisis fue conducido mediante la metodología de la historia oral, con transcripción, transcreación y categorización de los datos.

Resultados

La pandemia causó impacto en la dimensión personal, profesional y educativa de las enfermeras. En la dimensión personal, hubo cambios en la rutina de vida, miedo a la contaminación, agotamiento físico y mental. En la atención profesional, hubo sobrecarga de trabajo, escasez de personal y de material, elevado número de contaminaciones y muertes de miembros del equipo por COVID-19. En la formación profesional, fue necesario adaptarse a la educación a distancia. Ante el carácter inédito y la letalidad de la enfermedad, el conocimiento especializado de enfermería fue esencial en la promoción de la confianza para la contención y cuidado de los pacientes en zonas destinadas a la atención de COVID-19.

Conclusión

El estudio valorizó las narrativas de enfermeras brasileñas sobre el enfrentamiento de la pandemia de COVID-19 y amplió la discusión sobre las deficiencias laborales vividas por la enfermería y su agravamiento en el contexto pandémico. La situación presentada es preocupante y requiere una mirada crítica de los involucrados en el proceso de gestión de la salud y del cuidado humano, para lograr condiciones adecuadas y seguras de trabajo para los profesionales de enfermería, mediante la protección de la salud y vida de estos trabajadores.

COVID-19; Pandemias; Enfermeras y Enfermeros; Salud laboral; Adaptación psicológica; Rol de la enfermera

Abstract

Objective

To analyze the impacts of the COVID-19 pandemic on Brazilian nurses’ life, health and work.

Methods

This is research with a qualitative and social-historical approach, guided by the New History framework. The study had 22 participants, with a prevalence of females. Data collection took place in December 2020, through semi-structured interviews, in a virtual environment, using an electronic instrument created in Google Forms and processed via email. The analysis was conducted using the oral history methodology, with data transcription, transcreation and categorization.

Results

The pandemic had an impact on the personal, professional and educational dimensions of nurses. In the personal dimension, there were changes in the routine of life, fear of contamination, physical and mental exhaustion. In professional assistance, there was a work overload, shortage of personnel and material, a high number of contaminations and deaths of team members due to COVID-19. In professional training, adaptations to remote learning were necessary. Given the uniqueness and lethality of coronavirus, specialized nursing knowledge was essential in promoting confidence in the reception and care of patients in the community.

Conclusion

The study valued Brazilian nurses’ narratives about coping with the COVID-19 pandemic and expanded the discussion on labor deficiencies experienced by nurses and their aggravation in the pandemic context. The situation presented is worrisome and demands a critical look from those involved in the health and human care management process, aiming at adequate and safe working conditions for nursing professionals, with protection of workers’ health and life.

COVID-19; Pandemics; Nurses; Occupational health; Adaptation, psychological; Nurse’s role

Introdução

A doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19), doença infecciosa causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), surgiu em dezembro de 2019, na China. Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizou a nova doença como pandemia e recomendou medidas de prevenção. No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em fevereiro de 2020.(11. Almeida IL, Garces TS, Sousa GJ, Cestari VR, Florêncio RS, Moreira TM, et al. Isolamento social rígido durante a pandemia de COVID-19 em um estado do nordeste brasileiro. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02531.)

A pandemia surpreendeu a comunidade científica por sua rápida disseminação e significativa taxa de morbidade e mortalidade. Pesquisadores foram instigados a estudar a dinâmica do vírus para controlar a doença. Isso porque, historicamente, as pandemias causam grandes impactos na sociedade.(22. Weston S, Frieman MB. COVID-19: knowns, unknowns, and questions. Msphere. 2020;5(2):e00203-20.)

A enfermagem, enquanto prática social do cuidado, acompanha de perto os desdobramentos da pandemia. A saúde dos profissionais foi afetada, resultando em muitos infectados, pelo contato direto e prolongado com os doentes.(33. Voicu A, Catalán PT, Cuenca VR, López PS, Villarroya BG. Afectación psicológica en el profesional de enfermería durante el Estado de Alarma por la COVID-19. Rev Presencia. 2021;17:e13222.) Diante dos agravos, a categoria foi tomada como objeto de estudos. Pesquisas internacionais abordaram os impactos na saúde mental e os conflitos éticos no ambiente de trabalho.(44. Kang L, Ma S, Chen M, Yang J, Wang Y, Li R, et al. Impact on mental health and perceptions of psychological care among medical and nursing staff in Wuhan during the 2019 novel coronavirus disease outbreak: a cross-sectional study. Brain Behav Immun. 2020;87:11-7.

5. Greenberg N, Docherty M, Gnanapragasam S, Wessely S. Managing mental health challenges faced by healthcare workers during covid-19 pandemic. BMJ. 2020;368:m1211.

6. Schutz V, Shattell M. Impact of COVID-19: what does it mean for nurses and health systems? J Psychosoc Nurs Ment Health Serv. 2020;58(8):2-3.

7. Stelnicki AM, Carleton RN, Reichert C. Nurses’ mental health and well-being: COVID-19 impacts. Can J Nurs Res. 2020;52(3):237-9.

8. Sampaio FM, Sequeira CA, Teixeira LC. Nurses’ mental health during the Covid-19 outbreak: a cross-sectional study. J Occup Environ Med. 2020;62(10):783-7.
-99. Falcó-Pegueroles A, Zuriguel-Pérez E, Via-Clavero G, Bosch-Alcaraz A, Bonetti L. Ethical conflict during COVID-19 pandemic: the case of Spanish and Italian intensive care units. Int Nurs Rev. 2021;68(2):181-8.)

No Brasil, destaca-se a necessidade de pesquisas durante a pandemia, para melhor entendimento da realidade vivida pela enfermagem durante esse episódio atípico da saúde pública.(1010. Machado MH, Pereira EJ, Neto FR, Wermelinger MC. Enfermagem em tempos de COVID-19 no Brasil: um olhar da gestão do trabalho. Enferm Foco. 2020;11(Esp 1):32-9.)Contudo, até o momento, a produção de conhecimento resultou em estudos teórico-reflexivos e de revisão, construídos a partir de fontes secundárias.(1111. Sant’Ana G, Imoto AM, Amorim FF, Taminato M, Peccin MS, Santana LA, et al. Infecção e óbitos de profissionais da saúde por COVID-19: revisão sistemática. Acta Paul Enferm. 2020;33:eAPE20200107.

12. Fernandes AG, Silva TC. War against the COVID-19 pandemic: reflection in light of Florence Nightingale’s nursing theory. Rev Bras Enferm. 2020;73(Supl 5):e20200371.

13. Miranda FM, Santana LL, Pizzolato AC, Saquis LM. Working conditions and the impact on the health of the nursing professionals in the context of COVID-19. Cogitare Enferm. 2020;25:e72702.
-1414. Araújo MS, Santos MM, Silva CJ, Menezes RM, Feijão AR, Medeiros SM. Prone positioning as an emerging tool in the care provided to patients infected with COVID-19: a scoping review. Rev Lat Am Enfermagem. 2021;29:e3397. Review.)

A escassez de informações sobre o enfrentamento da pandemia COVID-19 pela enfermagem brasileira, a partir de fontes primárias, motivou a busca por informações junto aos protagonistas da história recente da profissão. Considerando as dimensões profissionais de atuação da Enfermagem, o estudo priorizou a escuta das percepções de enfermeiras/os ligadas/os à gestão e prestação do cuidado humano e ao processo de ensino e pesquisa.

Esta pesquisa teve como objetivo analisar os impactos da pandemia COVID-19 na vida, saúde e trabalho de enfermeiras/os brasileiras/os.

Métodos

Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa e histórico-social, norteada pelo referencial teórico da Nova História, de Jacques Le Goff.(1515. Barros JC. Jacques Le Goff – considerações sobre contribuição para a teoria da história. Cad História. 2013;14(21):135-56.)

A seleção dos participantes ocorreu de forma proposital, por amostragem não probabilística e pela técnica de bola de neve. A “semente” foi constituída a partir da rede pessoal dos pesquisadores. A escolha pelo método bola de neve para seleção da amostra se estabeleceu com base na dificuldade de acesso ao grupo investigado, haja vista que os profissionais se encontravam em um contexto de intensificação de demandas pessoais e profissionais. Ademais, inexistia, a priori, precisão numérica amostral. O critério de seleção foi ser enfermeira/o nascida/o, residente e trabalhando no Brasil. Foram selecionados 220 profissionais com perfil para participar da pesquisa, representantes dos 26 estados brasileiros. Estes foram contatados por telefone e e-mail, momento em que foi apresentado o objetivo da pesquisa, a forma de coleta de dados e feito o convite formal para integrar o grupo de participantes. Apenas 10% dos selecionados aceitou participar da pesquisa, perfazendo total de 22 participantes, de ambos os gêneros e atuantes nas cinco regiões do país. As justificativas para a não participação estão relacionadas à falta de tempo, dificuldade de acesso à internet e problemas de saúde.

Os dados foram coletados em dezembro de 2020, por meio de entrevista semiestruturada, de forma não presencial, em ambiente virtual, com instrumento eletrônico elaborado no Google Forms, englobando o objetivo do estudo, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, solicitação de dados demográficos e questões de pesquisa. O questionário norteador da entrevista seguiu um roteiro previamente elaborado e testado, e foi constituído por cinco perguntas abertas: (1) O conhecimento profissional de enfermagem te ajudou no enfrentamento da pandemia COVID-19? De que forma? (2) Você obteve apoio da instituição onde trabalha, para exercer a enfermagem com segurança, durante a pandemia? Comente sua resposta; (3) Qual o impacto da pandemia na sua vida pessoal e profissional? (4) Quais dificuldades, facilidades, perdas e ganhos a pandemia causou em você?

O link de acesso ao instrumento de pesquisa foi enviado para o e-mail dos participantes. A devolução foi automática. Os dados coletados ficaram armazenados no drive do e-mail criado, exclusivamente, para a pesquisa. Os participantes receberam uma cópia do documento.

A análise iniciou pelos dados demográficos. Estes foram agrupados e combinados manualmente, culminando no conhecimento do perfil dos participantes. A análise dos dados das entrevistas seguiu a metodologia da história oral, composta pelas etapas de transcrição, transcriação e categorização.(1616. Silveira ES. História oral e memória: pensando um perfil de historiador etnográfico. Métis: história Cultura. 2007;6(12):35-44.)

Na primeira etapa, foi realizada a remoção integral do conteúdo das entrevistas do ambiente virtual e arquivadas separadamente, em ambiente digital, em uma pasta no computador criada para armazenar todos os materiais da pesquisa. O conteúdo do formulário eletrônico foi copiado para um arquivo de edição de texto, formato docx, do aplicativo Microsoft Word versão 2010. Cada relato foi identificado de forma individual com a designação nominal do respectivo participante. Posteriormente, esses dados foram copiados para um arquivo único de edição de texto e renomeados com atribuição de código alfanumérico distinto (p1-p22). Na segunda etapa, a linguagem das narrativas foi corrigida e os conteúdos foram separados por afinidade temática. Por tratar-se de um estudo sobre o passado recente da enfermagem brasileira, os dados coletados foram considerados significativos, confiáveis e válidos. Na etapa da categorização, foi realizada leitura repetida e exaustiva dos depoimentos, agrupamento e comparação entre si dos temas centrais.

O processo de análise culminou na construção de três categorias temáticas: impactos da pandemia na dimensão pessoal, impactos da pandemia na dimensão profissional e impactos da pandemia na dimensão educacional formativa de profissionais da enfermagem.

Este estudo foi precedido da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa e da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de acordo com a resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CAAE: 37233820.7.0000.5392) (Parecer no: 4.263.695).

Resultados

Em relação ao perfil demográfico dos participantes, a prevalência foi do gênero feminino (77,28%; n=17), faixa etária entre 31 e 50 anos (63,69%; n=14), estado civil solteiro (45,45%; n=10), com filhos crianças e adolescentes (45,45%; n=10), tempo de formado entre 11 e 20 anos (45,45%; n=10), atuação na área assistencial (72,73%; n=16) e da região Sudeste (45,45%; n=10). A seguir, são apresentados os resultados da análise das narrativas, de forma descritiva, separados conforme as categorias temáticas emergidas do agrupamento das entrevistas.

Impactos da pandemia na dimensão pessoal

A vida pessoal das enfermeiras foi impactada pelo medo de infectar a família (p13), pela necessidade de manter o distanciamento (p20) e pelas alterações nas rotinas (p18). A vida de casal foi afetada. A permanência 24 horas em casa fragilizou e amplificou alguns aspectos da relação (p9). Houve dificuldades para processar os sentimentos. Dificuldade em manter o equilíbrio emocional e transparecer para a família que está tudo bem (p15). O trabalho remoto aproximou os familiares. profissionais enfermeiras e mães, ficaram mais participativas na vida dos filhos (p22). Mas foi um desafio ajudar as crianças na adaptação do ensino longe da escola (p22). A pandemia causou a privação de momentos importantes, como do nascimento do próprio filho (p16). Houve prejuízos financeiros (p15), devido ao reajuste exorbitante dos produtos (p4). Também houve perda da noção do tempo. Passou dois meses acordando sempre com a sensação de não saber o dia da semana (p11). Algumas tiveram problemas para dormir (p9), diminuição da atividade física (p11) e aumento de peso (p21). No âmbito social, os participantes tiveram que aprender a manter o distanciamento dos amigos (p20). Houve dificuldades no acesso bancário (p8), atendimento médico, odontológico (p11) e de socialização do filho recém-nascido (p16). O comportamento da sociedade causou preocupação. As pessoas estão abandonando os cuidados de proteção (p13). Os amigos têm se reunido, furando a quarentena. Parece que o brasileiro não levou a sério a pandemia (p9). E estão espalhando pensamentos negativos contra a vacina, deixando as pessoas descrentes de sua eficácia (p13). A pandemia impactou, simultaneamente, a vida pessoal e profissional das enfermeiras. A vida mudou completamente. Tenho dois filhos em creche. Com o fechamento, solicitei afastamento e a chefia negou. Consegui judicialmente trabalhar em home-office. Quando retornei, meus gerentes me retiraram do cargo de chefe assistencial e do setor (p6).

Impactos da pandemia na dimensão profissional

As narrativas colocaram em evidência dois cenários controversos sobre a prática profissional da enfermagem na pandemia, no que se refere à segurança dos profissionais, dispensação de EPIs, conduta dos gestores, treinamentos de novos protocolos e acolhimento dos profissionais de enfermagem em suas demandas psicossociais. Essa dualidade se estabeleceu face à diversidade de cenários vividos por profissionais das diferentes regiões do país.

A falta de informação sobre a COVID-19 foi impactante. No começo foi um caos. Muita informação desencontrada. Tudo piorando cada vez mais. Procurava conhecer mais sobre a doença pela literatura (p13). As equipes de gestores, profissionais de enfermagem e médicos se contatavam diariamente na tentativa de alinhar os trabalhos (p12). Sobre a saúde emocional, os relatos eram os seguintes: vivemos momentos torturantes e angustiantes (p16). Houve pânico da contaminação (p5). Medo e insegurança (p10), estresse, ansiedade e exaustão (p12), comprometimento da produtividade (p2), dificuldades para realizar as atividades (p9). Trabalhar com uma patologia desconhecida gerou desmotivação e tristeza, pelo resultado do esforço ser quase inexistente (p16). Ver o colega que ficou diretamente na unidade respiratória sair do plantão com o rosto marcado pelas máscaras e com o coração despedaçado, pelo sofrimento da pandemia, foi bem triste (p22).

Com o tempo, os profissionais foram se adaptando, entendendo o processo, dominando o atendimento, alinhando as dificuldades cotidianas (p5). A experiência do adoecer por COVID-19 agregou novos conhecimentos, ajudou a compreender os sintomas, a manejar o paciente com habilidade e dar suporte para a equipe (p3). A pandemia gerou necessidades muito rápidas (p14), provocando mudança de hábitos (p7), de higiene e convivência (p5).

Houve alteração na rotina da instituição, com restrição de permanência nos ambientes, reuniões em caráter virtual e uso de novos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) (p8). A pandemia dificultou os encontros de equipe, as trocas de plantão e os treinamentos em serviço (p22). Forças foram mobilizadas na readequação dos hospitais. A instituição ofereceu EPIs, em qualidade e quantidade (p18). Houve adequação das estruturas físicas e adoção de novos protocolos de atendimento (p12). A formação e o engajamento da equipe facilitaram a reorganização do trabalho (p18) e a adesão das novas rotinas (p12). Medidas institucionais ajudaram, como a adoção do teleatendimento (p18), a compreensão dos gestores (p1), a oferta de cursos de habilitação para prevenção e cuidados com o paciente com COVID-19 (p2), orientações quanto ao uso correto de EPI (p20) e treinamentos de segurança do paciente e do colaborador (p18). Houve preocupação com a saúde e a segurança da equipe. Era preciso cuidar da equipe, garantir a segurança dos profissionais, realizar escutas de trabalhadores que vivenciavam lutos pessoais, angústias e pânico diante da possibilidade de adoecimento (p12). Conseguimos insumos, sala de paramentação e desparamentação e banheiro com chuveiro. Essa prática contribuiu para reduzir os riscos de contaminação dos profissionais (p14).

Foram mencionadas realidades distintas. As prioridades eram diferentes. Em uma instituição tivemos treinamento e disponibilização de EPI. Na outra, havia pouco envolvimento com os protocolos, os EPI eram restritos (p13) e os profissionais se sentiram inseguros para adentrar nos quartos e contatar os pacientes (p19). Ainda sobre falhas na segurança, houve resistência na dispensação de EPI (p5). Os recursos eram cerceados. Foi necessário denunciarmos os gerentes e termos um número alto de colegas infectados, para recebermos uma máscara N95 por mês e quatro máscaras cirúrgicas por dia (p6). Houve testagem ineficiente dos profissionais (p5), sobrecarga de trabalho (p18), poucas enfermeiras trabalhando, pois muitas contraíram COVID-19 (p17).

A pandemia impeliu as enfermeiras a refletir sobre a prática profissional e os problemas institucionais. Houve dificuldade para encarar a desvalorização profissional. Deu vontade de deixar a área da saúde (p19). As instituições precisam valorizar mais a profissão (p16), oferecer melhores condições de trabalho (p18), de remuneração (p10) e cuidar da saúde mental dos profissionais (p12).

O conhecimento profissional de enfermagem, adquirido na graduação, foi citado como facilitador e muito importante (p4) no enfrentamento da pandemia. Os conteúdos curriculares listados como essenciais foram: biossegurança (p2), controle de infecção hospitalar, bioestatística (p19), técnica de higienização das mãos, epidemiologia (p9), fundamentos de enfermagem (p14), precauções de contato (p5) e manejo técnico de paramentação e desparamentação (p8).

Impactos da pandemia na dimensão educacional formativa de profissionais da enfermagem

As escolas de enfermagem suspenderam as aulas presenciais, adotaram o ensino remoto, ofereceram suporte psicológico virtual e testagem dos professores, levantaram as necessidades de readequação das salas de aula e dos laboratórios (p9) e cancelaram os estágios (p9). Para os participantes, o ensino remoto trouxe rapidez e oportunidades de estar em ambientes que antes seria impossível (p11). Possibilitou utilizar mais as tecnologias de informação (p21). Entretanto, houve problemas de conexão de internet (p9), cansaço e limitações (p4), aumento de gasto financeiro na compra de acessórios, pressão para estar sempre conectado a e-mails e celular, contato dia e noite de colegas e alunos (p11) e aumento de carga horária e vivência de violências simbólicas (p14).

Para as enfermeiras, houve grandes falhas no ensino remoto da enfermagem (p2), pois as aulas e reuniões on-line não substituem as atividades presenciais (p21). Não é possível formar bons profissionais de enfermagem apenas com o ensino remoto (p2). As enfermeiras mencionaram adaptações. Mudei a rotina da casa e transformei a sala em área de trabalho. A criatividade foi essencial. Tive que usar da versatilidade para conduzir as adversidades que iam surgindo (p12). Criei, com os alunos, materiais audiovisuais e canais de comunicação social, para esclarecer a população e familiares (p21). Produzi artigos, textos, participei de cursos no Brasil (p9) e eventos internacionais (p11). Foram relatados ganhos.

No âmbito pessoal, houve a conquista de novas amizades (p11), uso de novas tecnologias (p14), superações individuais e coletivas (p16). No âmbito profissional, houve a união da equipe (p10), fortificação das relações (p22), aumento da oferta de emprego (p20), aquisição de conhecimentos e experiências (p10). Houve perdas irreparáveis. Perdi um ex-aluno pela COVID-19, sem poder estar presente no rito do velório e sepultamento (p11). A perda de amigos (p11) e de pessoas queridas (p8). A perda de colegas de trabalho é pior, ainda hoje causa choro e tristeza (p3). Perda do controle sobre tudo e da capacidade de resolutividade (p5). Sinto impotente quando perco um paciente e sem poder ter a despedida do familiar (p19). Foi muito difícil lidar com os óbitos (p20). Essa situação deixará marcas permanentes (p8).

Discussão

A pandemia causou impactos negativos e positivos na vida das enfermeiras brasileiras. Como negatividades, essas profissionais enfrentaram o ineditismo da doença, a carência de informações, a superlotação nas unidades e os dilemas éticos. Essa situação também foi percebida na Europa e América do Norte.(55. Greenberg N, Docherty M, Gnanapragasam S, Wessely S. Managing mental health challenges faced by healthcare workers during covid-19 pandemic. BMJ. 2020;368:m1211.

6. Schutz V, Shattell M. Impact of COVID-19: what does it mean for nurses and health systems? J Psychosoc Nurs Ment Health Serv. 2020;58(8):2-3.

7. Stelnicki AM, Carleton RN, Reichert C. Nurses’ mental health and well-being: COVID-19 impacts. Can J Nurs Res. 2020;52(3):237-9.
-88. Sampaio FM, Sequeira CA, Teixeira LC. Nurses’ mental health during the Covid-19 outbreak: a cross-sectional study. J Occup Environ Med. 2020;62(10):783-7.) Estudo espanhol ressalta a importância da reflexão sobre as consequências éticas no contexto da pandemia.(99. Falcó-Pegueroles A, Zuriguel-Pérez E, Via-Clavero G, Bosch-Alcaraz A, Bonetti L. Ethical conflict during COVID-19 pandemic: the case of Spanish and Italian intensive care units. Int Nurs Rev. 2021;68(2):181-8.)

O impacto sobre o processo de trabalho foi sentido frente à ocorrência da perda da força de trabalho pelo elevado número de afastamentos e mortes de profissionais por COVID-19. Dados do Observatório da Enfermagem de 11 de abril de 2021 registraram 52.277 casos reportados e 744 óbitos na enfermagem brasileira. Esses números certamente são inferiores aos da realidade, devido a falhas na realização de exames e no sistema de notificação.(11. Almeida IL, Garces TS, Sousa GJ, Cestari VR, Florêncio RS, Moreira TM, et al. Isolamento social rígido durante a pandemia de COVID-19 em um estado do nordeste brasileiro. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02531.,1717. Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Observatório da Enfermagem. Profissionais infectados com Covid-19 informado pelo serviço de saúde. Brasília (DF): COFEN; 2021 [citado 2021 Abr 11. Disponível em: http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/
http://observatoriodaenfermagem.cofen.go...
)

A proteção dos profissionais de enfermagem foi negligenciada pelas instituições empregadoras e pelas entidades fiscalizadoras. Houve disponibilização inadequada de EPI e escassez de pessoal. Diante disso, a profissão foi a mais exposta aos riscos biológicos.(1818. Silva FV. Nursing to combat the COVID-19 pandemic [Editorial]. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 2):e2020sup2.

19. Souza e Souza LP, Souza AG. Enfermagem brasileira na linha de frente contra o novo Coronavírus: quem cuidará de quem cuida? J Nurs Health. 2020;10(Spe):e20104005.
-2020. Melo AS, Moura JC, Rodrigues MT, Mascarenhas MD. Covid-19 mortality among nursing professionals in Brazil. Rev Enferm UFPI. 2020;9:e10606.) As enfermagens canadense, espanhola e italiana também vivenciaram carência semelhante.(77. Stelnicki AM, Carleton RN, Reichert C. Nurses’ mental health and well-being: COVID-19 impacts. Can J Nurs Res. 2020;52(3):237-9.,99. Falcó-Pegueroles A, Zuriguel-Pérez E, Via-Clavero G, Bosch-Alcaraz A, Bonetti L. Ethical conflict during COVID-19 pandemic: the case of Spanish and Italian intensive care units. Int Nurs Rev. 2021;68(2):181-8.) O International Council of Nurses (ICN) afirma que a COVID-19 expôs as lacunas na enfermagem.(2121. International Council of Nurses (ICN). COVID-19 and the international supply of nurses. Report for the International Council of Nurses. Geneva: ICN; 2020 [cited 2021 Apr 26]. Available from: https://www.icn.ch/system/files/documents/2020-07/COVID19_internationalsupplyofnurses_Report_FINAL.pdf
https://www.icn.ch/system/files/document...
)

O adoecimento e a morte na enfermagem são problemas graves na gestão de recursos humanos, prejudicam a escala de distribuição de pessoal e comprometem a dinâmica do serviço. Estudo português afirma que a proteção da vida dos profissionais de enfermagem é essencial durante e após a pandemia.(88. Sampaio FM, Sequeira CA, Teixeira LC. Nurses’ mental health during the Covid-19 outbreak: a cross-sectional study. J Occup Environ Med. 2020;62(10):783-7.)O ICN recomenda o monitoramento dos agravos e o reforço no cuidado físico, político e econômico da enfermagem.(2121. International Council of Nurses (ICN). COVID-19 and the international supply of nurses. Report for the International Council of Nurses. Geneva: ICN; 2020 [cited 2021 Apr 26]. Available from: https://www.icn.ch/system/files/documents/2020-07/COVID19_internationalsupplyofnurses_Report_FINAL.pdf
https://www.icn.ch/system/files/document...
)

As perdas no trabalho e a desvalorização profissional levaram as enfermeiras a refletirem sobre a escolha profissional e a pensarem no abandono da profissão. Diante da possibilidade da evasão profissional e da escassez de enfermeiras, o ICN recomenda mais investimentos para tornar a profissão de enfermagem atrativa e manter o mercado de trabalho abastecido.(2121. International Council of Nurses (ICN). COVID-19 and the international supply of nurses. Report for the International Council of Nurses. Geneva: ICN; 2020 [cited 2021 Apr 26]. Available from: https://www.icn.ch/system/files/documents/2020-07/COVID19_internationalsupplyofnurses_Report_FINAL.pdf
https://www.icn.ch/system/files/document...
)

O impacto psicoemocional ocorreu diante do medo da contaminação e no enfrentamento de condições físicas e morais desafiadoras. Pesquisas chinesa e brasileira recomendam a implantação de serviços de saúde mental de apoio aos profissionais da saúde.(44. Kang L, Ma S, Chen M, Yang J, Wang Y, Li R, et al. Impact on mental health and perceptions of psychological care among medical and nursing staff in Wuhan during the 2019 novel coronavirus disease outbreak: a cross-sectional study. Brain Behav Immun. 2020;87:11-7.,2222. Góes FG, Silva AC, Santos AS, Pereira-Ávila FM, Silva LJ, Silva LF, et al. Challenges faced by pediatric nursing workers in the face of the COVID-19 pandemic. Rev Lat Am Enfermagem. 2020;28:e3367.)O governo britânico cobrou dos gestores de saúde a adoção de medidas para mitigar o impacto moral e psíquico da pandemia na enfermagem.(55. Greenberg N, Docherty M, Gnanapragasam S, Wessely S. Managing mental health challenges faced by healthcare workers during covid-19 pandemic. BMJ. 2020;368:m1211.)Desde março de 2020, a Comissão Nacional de Enfermagem em Saúde Mental, do Conselho Federal de Enfermagem, do Brasil, tem prestado atendimento emocional aos profissionais de enfermagem da linha de frente no atendimento a pacientes com COVID-19. O serviço de acolhimento e cuidado é realizado por enfermeiras/os especialistas, mestres e doutores em Saúde Mental e funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, por via eletrônica em link criado especificamente para esse fim e ancorado no site da referida autarquia.(2323. Humerez DC, Ohl RI, Silva MC. Mental health of Brazilian nursing professionals in the context of the COVID-19 pandemic: action of the Nursing Federal Council. Cogitare Enferm. 2020;25:e74115.)

As enfermeiras demonstram indignação diante do comportamento de parte da sociedade brasileira. Na contramão da realidade pandêmica do país, muitos brasileiros adotaram o discurso do negacionismo científico, agindo com descaso inconsequente em relação às medidas preventivas.(1818. Silva FV. Nursing to combat the COVID-19 pandemic [Editorial]. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 2):e2020sup2.,2424. Duprat IP, Melo GC. Analysis of cases and deaths by COVID-19 in Brazilian nursing professionals. Rev Bras Saúde Ocup. 2020;45:e30.) Cientistas enfatizam que a proteção individual e a coletiva são essenciais no controle da pandemia.(11. Almeida IL, Garces TS, Sousa GJ, Cestari VR, Florêncio RS, Moreira TM, et al. Isolamento social rígido durante a pandemia de COVID-19 em um estado do nordeste brasileiro. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02531.)

A enfermagem brasileira conviveu com a escassez de material, carência de recursos humanos e elevado índice de mortes de pacientes. A enfermagem americana também sofreu com os mesmos problemas.(66. Schutz V, Shattell M. Impact of COVID-19: what does it mean for nurses and health systems? J Psychosoc Nurs Ment Health Serv. 2020;58(8):2-3.) Entretanto, a situação epidemiológica brasileira era e continua sendo mais grave. Atualmente, convivemos com baixo índice de vacinação da população contra a COVID-19 e duas novas linhagens do SARS-CoV-2, com maior transmissibilidade que a original.(2424. Duprat IP, Melo GC. Analysis of cases and deaths by COVID-19 in Brazilian nursing professionals. Rev Bras Saúde Ocup. 2020;45:e30.,2525. Sabino EC, Buss LF, Carvalho MP, Prete CA Jr, Crispim MA, Fraiji NA, et al. Resurgence of COVID-19 in Manaus, Brazil, despite high seroprevalence. Lancet. 2021;397(10273):452-5.)

O impacto ambiental foi sentido na reorganização do trabalho e na reestruturação das instituições. O contexto da pandemia destacou o protagonismo das enfermeiras na adaptação à nova realidade e evidenciou os problemas do setor da saúde.(1010. Machado MH, Pereira EJ, Neto FR, Wermelinger MC. Enfermagem em tempos de COVID-19 no Brasil: um olhar da gestão do trabalho. Enferm Foco. 2020;11(Esp 1):32-9.) Apesar das dificuldades, estudo mostra a atuação intensiva e exemplar da enfermagem durante a pandemia.(2626. Backes MT, Carvalho KM, Santos EK, Backes DS. New coronavirus: what does nursing have to learn and teach in times of a pandemic? Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 2):e20200259.)A enfermagem espanhola também viveu situações difíceis, mas com companheirismo e confiança.(2727. Martínez DB. La pandemia por COVID-19 desde la perspectiva de un residente de Enfermería Familiar y Comunitaria. Coviviendo Ciberindex; 2020 [cited 2021 Apr 26]. Available from: http://www.fundacionindex.com/fi/?page_id=1881
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)

Como positividades, as enfermeiras brasileiras adquiriram conhecimentos e habilidades e adotaram novas tecnologias, na assistência e no ensino. O contexto pandêmico aflorou qualidades e peculiaridades da identidade profissional, como a criatividade e a resiliência. Para enfrentar os problemas, equipes se uniram e se fortaleceram. Algumas conseguiram romper com paradigmas institucionalizados, que colocavam em risco a vida dos profissionais.(2727. Martínez DB. La pandemia por COVID-19 desde la perspectiva de un residente de Enfermería Familiar y Comunitaria. Coviviendo Ciberindex; 2020 [cited 2021 Apr 26]. Available from: http://www.fundacionindex.com/fi/?page_id=1881
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)

Outra questão positiva foi o reconhecimento social da profissão. A categoria foi aplaudida e homenageada em vários países, inclusive no Brasil.(2727. Martínez DB. La pandemia por COVID-19 desde la perspectiva de un residente de Enfermería Familiar y Comunitaria. Coviviendo Ciberindex; 2020 [cited 2021 Apr 26]. Available from: http://www.fundacionindex.com/fi/?page_id=1881
http://www.fundacionindex.com/fi/?page_i...
)Além disso, no lançamento da vacinação contra a COVID-19, ocorrida em janeiro de 2021, uma enfermeira brasileira foi escolhida para receber a primeira dose da vacina aplicada no país. Entretanto, esse reconhecimento se estabeleceu concomitante com desrespeito perpetrado em contratações com salários incompatíveis com a dignidade do trabalho e formação. Bem como, ao tempo em que a sociedade aplaude, alguns grupos de cidadãos desrespeitam as regras de vigilância, amplificando a propagação do vírus.

Ficaram evidentes as marcas e as dificuldades causadas pela pandemia na vida pessoal e profissional das enfermeiras brasileiras. A pandemia desafiou e, em muitos casos, excedeu a capacidade de trabalho das enfermeiras, dificultando o cumprimento das responsabilidades profissionais e o atendimento das necessidades pessoais.(2828. Mehta S, Machado F, Kwizera A, Papazian L, Moss M, Azoulay É, Herridge M. COVID-19: a heavy toll on health-care workers. Lancet Respir Med. 2021;9(3):226-8.)

A comparação da realidade da enfermagem brasileira com a internacional revela similaridades, mas chama a atenção para as falhas na segurança e o elevado número de contaminações e mortes por COVID-19. Entre 11 abril de 2020 e 11 de abril de 2021, o Brasil perdeu 714 profissionais da enfermagem, entre enfermeiras, técnicos e auxiliares de enfermagem.(1111. Sant’Ana G, Imoto AM, Amorim FF, Taminato M, Peccin MS, Santana LA, et al. Infecção e óbitos de profissionais da saúde por COVID-19: revisão sistemática. Acta Paul Enferm. 2020;33:eAPE20200107.,1717. Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Observatório da Enfermagem. Profissionais infectados com Covid-19 informado pelo serviço de saúde. Brasília (DF): COFEN; 2021 [citado 2021 Abr 11. Disponível em: http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/
http://observatoriodaenfermagem.cofen.go...
) A situação é preocupante e demanda um olhar crítico, em virtude da essencialidade do trabalho da enfermagem no cuidado aos pacientes nos covidários e no enfrentamento da pandemia.(1010. Machado MH, Pereira EJ, Neto FR, Wermelinger MC. Enfermagem em tempos de COVID-19 no Brasil: um olhar da gestão do trabalho. Enferm Foco. 2020;11(Esp 1):32-9.,2020. Melo AS, Moura JC, Rodrigues MT, Mascarenhas MD. Covid-19 mortality among nursing professionals in Brazil. Rev Enferm UFPI. 2020;9:e10606.,2222. Góes FG, Silva AC, Santos AS, Pereira-Ávila FM, Silva LJ, Silva LF, et al. Challenges faced by pediatric nursing workers in the face of the COVID-19 pandemic. Rev Lat Am Enfermagem. 2020;28:e3367.,2424. Duprat IP, Melo GC. Analysis of cases and deaths by COVID-19 in Brazilian nursing professionals. Rev Bras Saúde Ocup. 2020;45:e30.) O direcionamento das políticas públicas de saúde nos países desenvolvidos e a cultura prevencionista minimizaram agravos e preservaram vidas.(55. Greenberg N, Docherty M, Gnanapragasam S, Wessely S. Managing mental health challenges faced by healthcare workers during covid-19 pandemic. BMJ. 2020;368:m1211.

6. Schutz V, Shattell M. Impact of COVID-19: what does it mean for nurses and health systems? J Psychosoc Nurs Ment Health Serv. 2020;58(8):2-3.

7. Stelnicki AM, Carleton RN, Reichert C. Nurses’ mental health and well-being: COVID-19 impacts. Can J Nurs Res. 2020;52(3):237-9.

8. Sampaio FM, Sequeira CA, Teixeira LC. Nurses’ mental health during the Covid-19 outbreak: a cross-sectional study. J Occup Environ Med. 2020;62(10):783-7.
-99. Falcó-Pegueroles A, Zuriguel-Pérez E, Via-Clavero G, Bosch-Alcaraz A, Bonetti L. Ethical conflict during COVID-19 pandemic: the case of Spanish and Italian intensive care units. Int Nurs Rev. 2021;68(2):181-8.,1818. Silva FV. Nursing to combat the COVID-19 pandemic [Editorial]. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 2):e2020sup2.)

Coletar as narrativas das/os enfermeiras/os foi importante e garantiu o registro e a preservação da memória coletiva da enfermagem brasileira no primeiro ano da pandemia.(1010. Machado MH, Pereira EJ, Neto FR, Wermelinger MC. Enfermagem em tempos de COVID-19 no Brasil: um olhar da gestão do trabalho. Enferm Foco. 2020;11(Esp 1):32-9.) Sem o registro, essas informações poderiam desaparecer, pois é sabido que, com o tempo, a memória fica seletiva, e alguns fatos se perdem ou mudam de significado.(1616. Silveira ES. História oral e memória: pensando um perfil de historiador etnográfico. Métis: história Cultura. 2007;6(12):35-44.)

A amostra restrita configura uma limitação do estudo. Entretanto, ao se conceder a construção no método qualitativo é possível reafirmar a consistência e representatividade do mesmo. O ponto forte do estudo é a representação nacional das narrativas, composta por dados coletados em todas as regiões do país.

A pesquisa traz, como contribuições, a necessidade de conscientização e tomada de decisão, pelos gestores do setor da saúde, sobre os problemas de segurança e falta de proteção dos trabalhadores de enfermagem, pela exposição constante aos riscos biológicos,(1010. Machado MH, Pereira EJ, Neto FR, Wermelinger MC. Enfermagem em tempos de COVID-19 no Brasil: um olhar da gestão do trabalho. Enferm Foco. 2020;11(Esp 1):32-9.,2323. Humerez DC, Ohl RI, Silva MC. Mental health of Brazilian nursing professionals in the context of the COVID-19 pandemic: action of the Nursing Federal Council. Cogitare Enferm. 2020;25:e74115.,2929. Iversen K, Bundgaard H, Hasselbalch RB, Kristensen JH, Nielsen PB, Pries-Heje M, et al. Risk of COVID-19 in health-care workers in Denmark: an observational cohort study. Lancet Infect Dis. 2020;20(12):1401-8. Erratum in: Lancet Infect Dis. 2020;20(10):e250.) e a constatação da importância do conhecimento profissional de enfermagem para o acolhimento e cuidado, com confiança, ao paciente com COVID-19, apesar da alta transmissibilidade e letalidade da doença.(1010. Machado MH, Pereira EJ, Neto FR, Wermelinger MC. Enfermagem em tempos de COVID-19 no Brasil: um olhar da gestão do trabalho. Enferm Foco. 2020;11(Esp 1):32-9.)

Os resultados apresentados podem contribuir na preparação das novas gerações de profissionais no enfrentamento de pandemias e ajudar as/os enfermeiras/os assistenciais e gerentes de enfermagem a repensarem os problemas da prática e buscarem formas de superação.

Conclusão

A pretensão da pesquisa foi alcançada, ampliando o debate sobre a visibilidade do trabalho dos profissionais de enfermagem e revelando os impactos da pandemia na vida pessoal e profissional das enfermeiras, agentes do cuidado e das que se dedicam ao ensino da enfermagem. As narrativas evidenciam os dilemas cotidianos enfrentados pelas enfermeiras, no âmbito de gestão e de cuidado, materializados na sobrecarga de trabalho, na exaustão física e emocional, na insegurança e na exposição excessiva aos riscos biológicos. Ao valorizar as expressões, os sentimentos e as experiências vividas pelas enfermeiras brasileiras, durante o enfrentamento da pandemia, a pesquisa ressignifica a importância social do processo de trabalho da enfermagem. Diante das deficiências laborais do setor saúde, é necessária a união de esforços do coletivo de profissionais, gestores e entidades de classe da enfermagem, visando a condições seguras no trabalho e à proteção da vida dos profissionais. É imprescindível o reconhecimento social, político e econômico do processo de cuidar e de gerenciar o cuidado humano.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Thiago da Silva Domingos (https://orcid.org/0000-0002-1421-7468) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2021
  • Aceito
    7 Dez 2021
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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