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Análises de livros

Análises de livros

DIE BEURTEILUNG DER ZURECHNUNGSFÂHIGKEIT. kurt schneider. 3ª edição. Georg Thieme Verlag, Stuttgart, 1955.

O autor, um dos maiores vultos da Psiquiatria contemporânea, habituou-nos à sobriedade ática de seus conceitos, lapidados com penetração extraordinária em linhas de elegância e clareza impecáveis, a serviço do critério analitico-descritivo que utiliza no trato psicopatológico das mais difíceis questões da especialidade. Neste opúsculo Kurt Schneider dá ordem final ao estudo do famoso Art. 51º do Código Penal alemão, aquêle da responsabilidade penal, cuja redação se assemelha, no essencial, ao Art. 22º do Código Penal brasileiro; moderniza-se, assim, pela mão do médico, a apreciação do que podemos dar, como peritos, aos juizes que indagam da responsabilidade penal. Verdade é que um novo Código Penal alemão, em vias de ser promulgado, modificará o parágrafo da responsabilidade penal, o que diminuirá, na Alemanha, a importância do presente trabalho; no Brasil, entretanto, continuaremos com o nosso Art. 22º, de formulação tão atacável; por isso o interêsse dêsse estudo para nós perdura intangível.

Schneider expõe as limitações da Psiquiatria fundamentada no empirismo e em postulados clínicos obrigatórios na Medicina, face às exigências do Direito e, ainda, o esfôrço que fazemos por adaptar nossas possibilidades que devem ser alcançadas com metodologia totalmente estranha à das ciências jurídicas. Realmente, frente aos enunciados precisos e rigorosos do Art. 51º do Código Penal alemão (e quase tudo o que se diz no livro de Schneider vale para o nosso Art. 22º), em perícia e dentro da boa Psiquiatria, só podemos, em grande número de casos, desincumbirmo-nos parcialmente. A redação do Art. 51º fala, por exemplo, em "distúrbio mórbido de atividade mental" (o nosso Art. 22º fala em "doença mental"), exigindo a conceituação preliminar de doença mental, conceito que, em Psiquiatria, só é possível em departamentos restritos, escapando dêles, entre outras, a esquizofrenia e a psicose maníaco-depressiva, de tanta significação em Psiquiatria Penal. Dentro das premissas da Patologia Geral seria impossível aceitar a esquizofrenia e a psicose maníaco-depressiva como doenças mentais; entretanto, em Psiquiatria elas são postuladas como doenças ainda que sem demonstração, pois, até hoje, são pràticamente impermeáveis aos assaltos da anatomia patológica e da bioquímica. Continuam reconhecidas como doenças mentais porque há, para isso, razões compulsórias ainda que indiretas, deduzidas com fundamentação principalmente psicológica. Qualquer perito (ou juiz) poderia sempre renovar litígio insolúvel se contestasse serem, "strictu sensu", doenças estas duas entidades clínicas e recusar, com isso, isenção de culpa ao criminoso esquizofrênico ou ao maníaco-depressivo. Schneider decide-se positivamente pelos postulados psiquiátricos de serem elas doenças mentais.

Entretanto, no texto legal alemão - e o brasileiro é idêntico neste particular - a presença da doença mental, só por si, não dirime a culpa do criminoso; é necessário ainda que êle "não entenda o caráter criminoso do ato" (momento intelectivo) ou "não se possa determinar de acôrdo com êsse entendimento" (momento volitivo). Para Schneider tais questões são simplesmente irrespondíveis, máxime a que diz respeito ao "momento volitivo". "Da capacidade de entender e da capacidade de agir de acôrdo com êsse entendimento, porém nunca tratamos, pelo menos jamais tratamos dela em detalhe". E em destaque: "Porque a isso homem algum pode responder".

Aqui se lembrará que há 40 anos atrás, discutia-se a distribuição das tarefas entre médico e juiz; ao médico caberia apenas dizer da doença mental ou da síndrome psicopatológica e, ao juiz, dizer da capacidade penal face à síndrome ou doença mental. Schneider acompanha o consenso atualmente generalizado e avoca ao perito ambas as tarefas, conquanto praticamente nunca possa êle dizer coisa alguma sôbre os "momentos" intelectivo e volitivo, pois tal exigência legal se fundamenta numa psicologia anacrônica, baseada nos pressupostos da "psicologia das funções" que desdobram um ato (criminoso) em parcelas; o agente, segundo tais postulados, refletiria se o ato é falso ou verdadeiro, permitido ou consentido e, depois dêsse balanço, se decidiria (ou não) ao ato. Sòmente homens reflexivos assim procedem. Em vez das reflexões e balanços, o que ocorre, como regra, no crime, é um puro jôgo de fôrças impulsivas e não terá sentido perguntar-se (como a lei subentende): "o que pensou o criminoso sôbre o ato?". A isso responde Schneider: "Nada, se por pensar se entende uma reflexão racional".

O Art. 51º do Código Penal alemão exige que o criminoso em causa seja incapaz de entender o "não permitido" do ato (o nosso Art. 22º diz: "....era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do ato", visando ainda mais diretamente a incidência do ilegal nêle contido). Para Schneider o "não permitido" do Código alemão ressoa èticamente em seu "Sprachgefühl" (literalmente: sentimento de linguagem) em seu modo de "sentir o vernáculo". O texto, no entanto, visa a concernência do vedado. Melhor então seria a redação "conhecer" ou "saber" do não permitido do ato, ao invés de "entender". São duas coisas diferentes "o não permitido, ético, e o não permitido pela lei", embora os legisladores forcejem por ligá-las. Não entendo (racionalmente), por exemplo, muita proibição legal com sanções para o infrator (por exemplo: legislação fiscal); outros entendem racionalmente e mesmo o sentido moral de um veto legal, mas entendem sem vivenciar integral e valorativamente a probição (exemplo: em regra sonega-se o possível do impôsto sôbre a renda); finalmente há proibições legais sem qualquer sentido ético (exemplo: a não permissão de certos estacionamentos de veículos). Todavia, mesmo neste último caso, aguça-se eventualmente também o sentido ético, se se considera que se está a violar uma disposição promulgada por autoridade. A educação que recebemos clama por isso (respeitar a lei) e então a simples proibição legal deve ou pode despertar em nós uma concernência ética adicional.

Uma coisa, porém, é dizer se o criminoso em horas de recolhimento, fora da situação crítica, tem essa possibilidade de "entender o caráter criminoso do ato" (racionalmente) e outra coisa é dizer se tal entendimento emerge e adverte na situação perigosa. Entendimento potencial e inativo é uma coisa e o tornar-se èle atuante é outra. Isto depende, não do entendimento racional nem do entender o sentido moral, mas da fôrça valorativa e impulsivo-tensional dêsse entendimento; êste deve efetivar-se gravado, segundo Schneider, "em carne e sangue". Além disso o estímulo criminógeno pode ser de tal monta que, mesmo viável e virtual, o entendimento não emerge.

Medir êsse entendimento potencial, inativo - como o perito está obrigado a fazê-lo respondendo aos habituais quesitos - significa investigá-lo fora do crime, ou seja, quando o criminoso já entendeu o caráter ilegal e mesmo o sentido moral do que fêz. No entanto, dizer se se podia exigir dêsse homem (doente mental, na expressão do Código brasileiro) a emersão do entendimento como fôrça atuante e frenadora, "isto escapa a todo julgamento, a tôda avaliação externa". Contudo é plausível uma resposta se o crime exigir certo tempo na execução; quanto mais o ato criminoso se estende temporalmente, "quanto mais etapas, quanto mais atos isolados e reflexões exige, quanto mais complicado, tanto mais se pode exigir e esperar que o entendimento tenha tido tempo para ocorrer e oportunidades para pronunciar-se". Isto distingue as ações afetivas das premeditadas e refletidas.

Ainda mais desesperançoso é avaliar "se existia a capacidade de agir correspondentemente ao entendimento". Aqui a lei exige que o perito informe da possibilidade do agente renunciar (ao crime), frear (o impulso com contra-impulsos), ou seja, o juiz quer que o perito diga se nessa ocasião (do crime) o entendimento que o criminoso possuía poderia determiná-lo a sustar o ato criminoso. "Falta qualquer apoio para uma resposta", diz Schneider. Mesmo aceitando a tese da livre vontade nada se poderá dizer da sua presença atual nem julgar da sua capacidade de apresentar-se atuantemente. Apenas se pressupõe que pessoas normais, em momentos críticos semelhantes, devem poder agir de outro modo. Mas não podemos de modo algum responder se o criminoso doente mental agiu de acôrdo com o entendimento que tinha do caráter criminoso do ato. A isso respondemos de modo apenas aproximativo, sumário e clinicamente simples, aferrados às circunstâncias psiquiátrico-clínicas (se há ou não doença mental) das quais deduziremos o possível; silenciando sôbre a capacidade de entender ou de agir de acôrdo com êsse entendimento.

O texto da lei alemã considera como dirimentes o distúrbio de consciência, o distúrbio mórbido da atividade mental e fraqueza mental (Geistesschwäche) o que parece diverso do texto brasileiro, que considera, como dirimente, a doença mental e o desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Ambas estão implícitas no texto alemão que teve a clareza de abrigar ainda o distúrbio da consciência que no Brasil é discutido como dirimente quando o perito, rigidamente - e quase sempre ineptamente, a nosso ver - duvida se "distúrbio de consciência" está ou não abrangido na "doença mental" que êle compreende em estreito sentido restritivo, apondo a tal conceito algo que é um hibridismo insustentável, exigindo uma doença mental "legal", como disse luminosamente Zilboorg, já que fora dos textos legais não só o distúrbio de consciência mas mesmo as neuroses poderiam ser conceituadas como doenças mentais, como são consideradas nos tratados de Psiquiatria; também nas "Classificações de doenças mentais" de qualquer Serviço que lida com nosologia psiquiátrica, mesmo as neuroses são doenças mentais. Em Psiquiatria Clínica não temos dúvidas disso. Vamos ser assaltados por dúvidas, entretanto, quando damos a palavra aos juristas que imprimem ao conceito de doença mental, implicações extra-médicas, inclusive as de política criminal que nada tem a ver com a Biologia. Com efeito quando julga um criminoso que pode ser alcançado pelo Art. 22º também os interesses da política criminal são, pelo juiz, levados em conta na apreciação da responsabilidade e da pena a aplicar. Isto poderia ser documentado exaustivamente com o problema forense das personalidades psicopáticas e suas reações anormais, sobretudo no domínio dos crimes cometidos por portadores de estados crepusculares e de reações anormais a vivências.

Schneider decide-se, face à doença mental, pelas circunstâncias da Psiquiatria Clínica, sem se deixar envolver pelos preciosismos inalcançáveis dos "momentos intelectivo e volitivo"; quando há doença mental, isso basta para o advento da irresponsabilidade avistada pelo médico. Recusa-se êle a indagar da existência de relação entre os conteúdos da doença mental (por exemplo, o conteúdo do delírio de perseguição) e o crime. Isto significa que um portador de "delírio de perseguição" que mata outro homem, mesmo um não perseguidor, é, por ser delirante, considerado doente mental e irresponsável. Prescinde o consciencioso mestre de Clínica Psiquiátrica das por vêzes arabescadas buscas dos nexos de relação entre crime e psicose. Tais nexos, aliás, com mediana agilidade mental e com largas auto-concessões (da psicanálise, por exemplo) podem ser defendidos ou negados, indiscriminadamente e com aparências de plausibilidade. Embora o delito possa informar sôbre o diagnóstico e embora o Art. 51º do Código Penal alemão (e o nosso Art. 22º também) vise taxativamente o ato concreto, raramente Schneider o considera, salvo ao conjeturar sôbre a presença de distúrbio da consciência. Também sôbre a debilidade mental o fato concreto do crime pode dar informes.

Schneider reputa malsinada a "responsabilidade atenuada" (registrada também no parágrafo único do Art. 22º do Código Penal brasileiro) e fulmina o perito que usa sempre esta porta de saída para as dificuldades que encontra ou que, face ao insolúvel, opta por esta solução de compromisso. Não sem razão se fala da "responsabilidade atenuada dos peritos"...

Como a lei alemã (e também a brasileira) cogita da gradação dêssa responsabilidade atenuada (a pena diminui de 1/3 a 1/6 na Lei brasileira), o autor do texto ocupa-se disso e, embora com relutância, aventa a responsabilidade proporcional ao grau de intensidade clínica do distúrbio mental (a nosso ver com riscos de inexatidão porque não aceitamos sequer como regra que do grau de intensidade da doença se possa sempre afirmar o grau proporcional de influência direta sôbre específicos atos). Verdade é que mesmo para Schneider o grau de intensidade do distúrbio é um "grosseiro arrimo avaliador"; entretanto, serve-se dêle aceitando diminuição da responsabilidade penal "nos nítidos, ainda que leves, estados de distúrbios da consciência, nos distúrbios mórbidos da atividade mental e na fraqueza mental (Geistesschwäche)", ou seja, naquelas incidências que a lei alemã isenta de responsabilidade quando tais perturbações são de grau intenso. Cogita ainda Schneider da leve embriaguez alcoólica, dos moderados desvios senis ou arterioscleróticos, da leve debilidade mental congênita. Mas ajunta: "as fronteiras entre irresponsabilidade penal, responsabilidade atenuada e a plena não são de se apontar aqui exatamente; trata-se de uma escala resvaladiça, sendo de esperar que peritos diversos se contradigam mesmo quando não estejam em posições opostas". No apêndice, anotação 6, Schneider relata um fato que é curial na Psiquiatria Forense brasileira, e ao que parece, também na mundial: Seyffert, em 198 perícias procedidas e reestudadas na Clínica Psiquiátrica e Neurológica de Heidelberg, verificou que, em 54,3% delas, o resultado da perícia atual se desviava da anterior; em 2/3 dos casos tal diferença residia em diversidade diagnóstica, no 1/3 restante em discrepância quanto ao julgamento da capacidade mental apesar de ser idêntico o diagnóstico. Na maioria dos criminosos em que as peritagens, apesar do diagnóstico ser idêntico, não coincidiam na apreciação da capacidade penal, tratava-se de personalidades psicopáticas.

Contrariando a maioria dos psiquiatras e exegetas que se ocuparam do Art. 22º do Código Penal brasileiro e referindo-se ao Código alemão, Schneider depõe: "distúrbio mórbido da atividade mental em forma de incontestáveis fases ciclotímicas e de esquizofrenias, mesmo nos casos leves, significam tão incalculável e tão inabarcável agravo à essência e ao agir humanos que se justifica sempre o Art. 51º, ou seja, a irresponsabilidade". Há no Brasil quem tenha dito que "graus leves" de esquizofrenia ou de psicose maníaco-depressiva deveriam ser colhidos pela responsabilidade atenuada; instruam-se no mestre alemão, sem dúvida detentor da melhor causa.

Schneider adverte que só muito prudentemente se empregará a responsabilidade atenuada em relação às personalidades psicopáticas: "Se isso se tornasse uma regra redundaria em posição malsã sobretudo na política criminal". Para aceitar a responsabilidade diminuída dessas personalidades psicopáticas "seria de exigir que, pelo menos, a qualidade especial psicopática estivesse em conexão com a qualidade do delito", isto é, reconheça-se a responsabilidade diminuída do psicopata explosivo quando agride alguém mas não quando furta. Surgirá aí a objeção: a excitabilidade de tal psicopata é mais dificilmente dominável que a de um não explosivo e, portanto, ainda quando furta é sempre "um excitável" que furta. Schneider contesta que êste é um ponto espinhoso: o criminoso sexual, por exemplo, fora da esfera sexual não é, em geral, criminoso: "Êle só viola proibição que corresponda à sua vida impulsiva particularmente anormal". "Se interpretarmos de outro modo quase todos os graves criminosos seriam julgados atenuadamente". E, mais adiante, acrescenta Schneider: "Seguir-se-ia que apenas os criminosos ocasionais, inócuos, seriam punidos".

Parecer aparentemente procedente - de Rauch - seria aquêle que argumenta: porque os oligofrênicos congênitos pensam e julgam mal se lhes reconhece ora a irresponsabilidade ora a responsabilidade atenuada; então às personalidades psicopáticas, como incluem defeitos volitivos, impulsivos e afetivos, dever-se-ia assegurar também a mesma avaliação penal. Schneider contesta, pois há diferenças: os oligofrênicos têm déficit de entendimento e os indivíduos com personalidade psicopática têm déficit da autodeterminação. E, mais ainda, "não se pode exigir de um obtuso intelectual que êle seja mais sensato do que é, mas de um homem que tem tendências perigosas, exige-se que êle as reprima, que lhes recuse exteriorizações". E com destaque, diz Schneider: "Pode-se exigir isso? Todavia exige-se e isso é o fundamento do todo". Cientificamente isso não é comprovável, porém o Direito Penal não é ciência empírica e não se orienta apenas pelo problema da culpa. A culpa real nenhum juiz pode pesar.

Estaca o autor porque "agora dificuldades imediatas lógicas e práticas se erguem de todos os lados e estão fora da responsabilidade do perito". Êste freqüentemente sentir-se-á insatisfeito com seus problemas e sua atividade. Adverte ao fim: "Mostrei-lhes como fazemos, o que podemos responder e o que não podemos, e como respondemos. Desconfiem do perito que pode responder muito; mais que nunca quando êle se adapta pressuroso às formulações apresentadas. Se tudo é desvendado, isto não é um louvor para a perícia. Deve-se deixar manifesto aquilo que não se pode deduzir sem violência. Peritos com os quais se pode acomodar um pouco são cômodos, mas êles torcem e pressionam a realidade, no afã de serem utilizáveis a qualquer preço. Não temos o orgulho de responder a tôdas as questões, mas sim o de proporcionar, proba e lisamente, com nossos meios que são limitados como os de tôda a ciência empírica, o advento de uma sentença pelo menos aproximadamente correta, dentro das possibilidades humanas".

Das notas que acompanham o opúsculo, a primeira e a quarta têm considerável importância teórica e prática; elas concernem, respectivamente, às variações do transfundo (Untergrund) psíquico e à "consciência que adverte" de sentido também filosófico e teológico. Ambas são complexas e exigiriam extensa exposição analítica.

Nelson Pires

SENSORISCHE APHASIEN UND AMUSIEN AUF MYELOARCHITEKTONISCHER GRUNDLAGE. K. Kleist. Monografia com 45 páginas e 47 figuras. Georg Thieme Verlag, Stuttgart, 1959.

Trata-se da publicação de três conferências pronunciadas recentemente por Kleist sôbre a patologia da afasia sensorial e amusia. A primeira versa sôbre "os fundamentos mieloarquitetônicos da afasia sensorial e da afasia de repetição da palavra" (Nachsprechaphasie); a segunda trata da surdez para o som (Lauttaubheit); a terceira se refere à surdez para a frase (Satztaubheit) com para e agramatismo e à amusia. Procura Kleist comunicar as pesquisas que êle e os seus colaboradores, principalmente Adolf Hopf, realizaram nos últimos anos para a fundamentação mieloarquitetônica da afasia sensorial. Em sua "Gehirnpathologie" (1934) Kleist já considerara que as alterações cerebrais nos distúrbios da fala sòmente poderiam ser compreendidas mediante correlação dos centros corticais com o decurso das fibras que dêles emanam. Na época, porém, sòmente a convexidade do lobo temporal era conhecida na sua estrutura mieloarquitetônica, e mesmo assim, apenas nos seus traços gerais. Para preencher essa falha, procurou estimular diretamente a pesquisa nesse setor, convidando Eduard Beck, colaborador de Vogt. Beck, porém, não chegou a completar a carta mieloarquitetônica do lobo temporal; êste trabalho foi continuado por Strasburger, cujo falecimento durante a segunda guerra mundial mais uma vez interrompeu a tarefa. Finalmente A. Hopf, anos mais tarde, retomou o trabalho e conseguiu completá-lo com sucesso. Estas conferências representam, assim, uma ilustração, em três importantes setores, do progresso que pôde ser realizado no conhecimento da patologia cerebral com a ajuda da pesquisa mieloarquitetônica.

O estilo claro e sintético com que estão redigidas as conferências, as minuciosas observações clínicas com os respectivos achados anatômicos estudados em cortes seriados do encéfalo, a profundidade da análise na correlação dos dados clínicos com os anátomo-patológicos, imprimem especial valor a esta monografia, que deve ser lida por todos aquêles que se dedicam à Neuropsiquiatria.

J. Longman

DIE BEGINNENDE SCHIZOPHRENIE. VERSUCH EINER GESTALTANALYSE. K. Conrad. Monografia com 165 páginas e 3 figuras. Georg Thieme Verlag, Stutgart, 1958.

A esquizofrenia continua sendo o problema nuclear da Psiquiatria. Por esta razão as pesquisas neste campo permanecem sempre atuais, seja qual fôr a época em que tenham sido realizadas. Exprime êste fato aparente estagnação do problema, uma vez que nenhuma escola tomou a liderança das pesquisas. Aqui, mais que em qualquer outro setor, desentendem-se os partidários das duas principais diretrizes da pesquisa psicopatológica: os que impulsionam a pesquisa na direção da patologia cerebral e os que se dirigem no rumo das ciências do espírito. Pressionado pela necessidade de uma atitude terapêutica e forçado a uma decisão, encontra-se o psiquiatra em conflito: deve-se procurar compreender a vivência dos pacientes esquizofrênicos com os dados da sua vida emocional ou deve-se procurar esclarecê-la com indagações sôbre os fatôres heredológicos ou processos químico-fisiológicos? A presente monografia traz a contribuição de K. Conrad, apresentando o resultado de pesquisa realizada há 16 anos atrás e que, por motivos diversos, não pôde ser antes completada e publicada.

O estudo tem como objeto a vivência de pacientes esquizofrênicos, tanto na sua forma como no conteúdo. É, portanto, um estudo que se alinha na série de estudos fenomenológicos dedicados ao problema da esquizofrenia, série que, na literatura alemã, se inicia com Jaspers, continua com a escola de Heidelberg (Gruhle, K. Schneider, Mayer-Gross, Bürger-Prinz), desenvolve-se com Storch, von Gebsattel, E. Strauss e Kunz, floresce com Binswanger, Kuhn e Boss e inicia uma antropologia fenomenológica com Zutt, von Bayer, Wagner, Kulenkampff, Müller-Suur, Tellenbach, Häfner, Winkler e outros. Conrad coloca-se, porém, não no fim desta linha evolutiva da corrente fenomenológica, mas no seu inicio, apoiando-se diretamente em Jaspers. É um estudo fenomenológico sem considerações sôbre a "existência" ou a "concepção do mundo", portanto sem a menor pretensão antropológica. Êste tipo de análise fenomenológica pura é designada como "análise estrutural" (Gestaltanalyse) em contraposição com a "análise existencial" (Daseinanalyse).

Visando uniformização de vivência, restringiu-se o autor aos soldados com surto esquizofrênico agudo, internados em um hospital no período 1941-42. A análise do material deixou entrever dois momentos que caracterizariam a modificação estrutural da vivência esquizofrênica, e que estariam em interdependência: a vivência de uma consciência anormal de significação dos acontecimentos - designada pelo autor com a expressão Apophänie - e a consciência de ser o ponto central, como se em tôrno do paciente girassem os acontecimentos do mundo, que designou como Anastrophé. Apophänie e Anastrophé representariam os dois lados de um mesmo fenômeno e seriam o ponto nuclear da vivência esquizofrênica. Ambos seriam a expressão de profunda perturbação na possibilidade de adaptação do sistema de referência do paciente com o mundo ambiente e indicariam uma modificação estrutural da vivência, modificação que seria semelhante à estudada pelo autor em distúrbios cérebro-patológicos, se bem que em um nível (no sentido de Jackson) essencialmente mais alto.

Como conseqüência do seu estudo, o autor acredita não haver razão para duvidar da unidade da esquizofrenia, considerando como certa a concepção nosológica kraepeliniana. Está convicto, também, de que na base da vivência esquizofrênica existe uma transformação de funções dependentes do encéfalo, como talvez aquela que Kleist sempre exigiu, embora considerando sob outro ponto de vista. Esta transformação seria nas funções das partes da organização cerebral que diferenciam o cérebro humano daquele do primata; estas partes não devem ser compreendidas incondicionalmente de modo topístico ou localizatório, porém sob condições puramente quantitativas.

J. Longman

DER PSYCHIATER. Kurt Kolle. Monografia com 57 páginas. Georg Thieme Verlag, Stuttgart, 1959.

Trata-se de conferência pronunciada na Universidade Christian-Albrecht, de Kiel, versando sôbre a situação atual do psiquiatra e, portanto, da Psiquiatria, no campo médico e universitário. O antigo alienista, que se restringia praticamente à guarda e cuidados higiênicos de pacientes incuráveis, deu lugar ao moderno neuro-psiquiatra, cuja presença se faz sentir nos ramos mais afastados da Medicina. Por isto a Psiquiatria, mais que qualquer outra especialidade, necessita conquistar a compreensão para o seu trabalho. É êste o objetivo do autor, que procura dar uma visão sumária do progresso no campo da Neuropsiquiatria que inclui a Neurocirurgia. Considerando-se globalmente, a Neuropsiquiatria atual não se situa em plano inferior ao da restante Medicina, com a qual divide as alegrias e tristezas do diagnóstico e da terapêutica. É digno de ser salientado o dado estatístico sôbre o tempo médio da internação que é de 26 dias por paciente na Clínica Neuropsi-quiátrica de München, enquanto que nas demais clínicas é de 30 dias. Quanto à questão de saber se a Neurologia deve ser levada a uma posição independente mediante instalação de cátedra especial, ou se ela deve permanecer unida à Psiquiatria, responde o autor com Strumpell: "Pessoalmente considero esta união como a única solução natural".

J. Longman

LIVROS RECEBIDOS

Nota da Redação - A notificação dos livros recentemente recebidos não implica em compromisso da Redação da revista quanto à publicação ulterior de uma apreciação. Todos os livros recebidos são arquivados na biblioteca do Serviço de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Sensorische Aphasien und Amusien auf Myeloarchitektonischer Grundlage. K. Kleist. Um volume (17,5 x 24) com 45 páginas e 47 figuras. Georg Thieme Verlag, Stuttgart, 1959.

Die Entfremdungserlebnisse. über Herkunft und Entstehungsweisen der Depersona-lisation. Joachim-Ernest Meyer. Monografia (17 x 24) com 64 páginas. Georg Thieme Verlag; Stuttgart, 1959. Preço: D.M. 12,60.

The Central Nervous System and Behavior. Um volume (16 x 23,5) contendo seis conferências sôbre a contribuição da Escola Russa para o estudo da atividade nervosa superior. Editado por Mary A. B. Brazier. The Josiah Macy Jr. Foundation and The National Science Foundation, 1959. Preço: US$5,25.

Studies in Multiple Sclerosis. Claus Munk Plum e Torben Fog. Monografia (16 x 24) com 94 páginas, 18 figuras e 39 tabelas. Suplemento nº 128 (vol. 34) da Acta Psychiatrica et Neurologica Scandinavica. Ejnar Munksgaard, Copenhague, 1959.

Trattato di Psichiatria. Lucio Bini e Tullio Bazzi. Segundo volume (Psichiatria Clinica), primeiro tomo. Um volume (16x24) com 814 páginas e 210 figuras. Casa Editrice Francesco Vallardi, Milano, 1959. Preço: 10.000 liras.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1959
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