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Astrocitoma da região frontoparietal

REGISTRO DE CASOS

Astrocitoma da região frontoparietal

J. A. Caetano da Silva JuniorI; Rolando TenutoII

IAssistente de Clínica Neurológica na Fac. Med. Univ. São Paulo (Prof. Adherbal Tolosa)

IIAssistente e neurocirurgião da Clin. Neurológica Fac. Med. Univ. S. Paulo

A nitidez da sintomatologia, permitindo exato diagnóstico topográfico, e o êxito parcial obtido com a intervenção cirúrgica justificam a apresentação do seguinte caso:

S. F. L., brasileira, solteira, com 34 anos de idade, internada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (Prof. A. Tolosa) sob o número 37607. Doença iniciada em novembro de 1945, com cefaléia acompanhada de distúrbios visuais que, no dizer da paciente, localizavam-se à esquerda, pois só deste lado os percebia. A doente tinha, por vezes, diplopia e sensação de insegurança ao andar e descer degraus. Em 13 de janeiro de 1946, estava dormindo quando acordou bruscamente com cefaléia e ânsias de vômitos. Não soube dizer corretamente o que lhe sucedeu a seguir, até às 15 horas do dia seguinte; disseram-lhe posteriormente que durante toda a madrugada teve ataques, os quais surgiam com intervalos variáveis de dez a quinze minutos, debatendo-se durante os mornos, principalmente com os membros esquerdos. Submetida a medicação sedativa. voltou às condições normais e, durante dois meses, apresentou apenas discreta perturbação visual, já acima descrita. Em março teve nova crise convulsiva e, a seguir, outras, com os mesmos caracteres: perda da consciência e convulsões predominando no hemicorpo esquerdo. As últimas quatro crises que ocorreram antes da internação, foram precedidas de sensação de repuxamento no braço esauerdo, que ficava estendido e torcido para trás; às vezes, também havia repuxamento da perna esquerda. Após as crises, a paciente ficava vários dias com os membros do lado esquerdo como que adormecidos e esquecidos. Em abril, a doente procurou o Ambulatório de Neurologia do Hospital das Clínicas; o exame neurológico e o exame neurocular permitiram demonstrar a existência de hipertensão intracraniana provavelmente produzida por tumor cerebral, sendo a paciente internada. Não havia, nos antecedentes pessoais, nenhuma anormalidade relacionável à doença apresentada. Quanto aos antecedentes familiais, merece atenção a existência de tuberculose pulmonar na família - mãe e três irmãos, todos falecidos com essa moléstia. Pai falecido de pleurite de etiologia que não foi possível apurar. O exame neurológico da paciente só mostrava anormalidades - discreta hemiparesia esquerda - quando feito no intervalo de 3 a 4 dias após alguma crise convulsiva. Fora desse período, o exame neurológico nada revelava. A história clínica da paciente - crises convulsivas, iniciadas aos 33 anos de idade, agravando-se e amiudando-se progressivamente, precedidas de manifestações que caraterizam as convulsões jacksonianas, seguidas de sinais neurológicos de localização e, além do mais, acompanhadas, desde o início, de cefaléia e distúrbios visuais - orientou o diagnóstico de provável neoplasia situada na região frontal direita.

Exames complementares - Exame neurocular, em 27 de março, mostrava já discreto edema da papila direita e edema evidente da papila esquerda, acompanhado de pequenas hemorragias. Novo exame, feito em 14 de maio, confirmou esse resultado, estando mais acentuado o edema em ambas as papilas. Exame do líquido cefalorraquidiano: Punção suboccipital em decúbito lateral; pressão inicial 100 (Claude), pressão final 10 (após a retirada de 10 cc. de liquor); quocientes de Ayala. - Qr 1,5 - Qrd. 8,5; liquor límpido e incolor; 0,6 células por mm.3; 0,15 grs. de proteínas por litro; reações de Pandy, Nonne, benjoim coloidal, Takata-Ara, Wassermann, Steinfeld e Meinicke, negativas. Radiografias do crânio (frente e perfil) demorrstrando discretos sinais de hipertensão intracraniana: acentuação dos sulcos vasculares e impressões digitais. Pneumencefaloventriculografia: Occípitoplaca - alteração da imagem dos cornos frontais dos ventrículos, com desvio do sistema ventricular para a esquerda, ligeira báscula do sistema e ligeiro achatamento de cima para baixo da cavidade ventricular. Fronto-placa - imagem ventricular normal à direita, havendo à esquerda falta de enchimento do ventrículo, que se acha desviado para baixo. Perfil direito - ventrículo esquerdo com os polos temporal, occipital e frontal normais, confluentes normais e achatamento da parte superior do corno frontal, que se estende para trás até a região parietal. Perfil esquerdo - ventrículo direito normal nos seus segmentos temporal, occipital e dos confluentes, decapitação do corno frontal até o nível da região parietal. Conclusão - imagem negativa de tumor da região frontoparietal superior à direita.

Confirmada a suspeita clínica de tumor, localizado nitidamente pelas radiografias contrastadas, restava saber a natureza do mesmo e tentar a terapêutica. Em virtude dos antecedentes referidos, não era de desprezar a possibilidade dc um tuberculoma, porém, nem o exame clínico nem as radiografias do tórax levavam a crer fosse tal possibilidade verdadeira.

A orientação terapêutica mais indicada no caso era a intervenção cirúrgica, realizada em 17 de junho. Após anestesia local com scurocaína a 1%, estando a paciente em decúbito dorsal, com a cabeça voltada para a esquerda, foi feita incisão em semicírculo, na região fronto-paríeto-temporal direita, deixando-se um pedículo temporal. Após pinçamento e eletrocoagulação dos vasos que sangravam foi descolado o couro cabeludo e descoberto o osso. Feita a trepanação única, pelo trépano de De Martel, completou-se a craniotomia com serra helicoidal e de Gigli. Retirado totalmente o osso, a dura-máter apresentou-se de aspecto normal, porém distendida. Aberta a membrana, ficou exposto o córtex cerebral, que se apresentava intensamente edemaciado. Na região pré-frontal constatou-se, pela palpação, uma zona flutuante que foi puncionada, retirando-se cerca de 40 cc. de líquido fortemente xantocrômico, que se coagulou imediatamente. Este cisto alojava-se a 5 mms. de profundidade do córtex. Incisado o córtex, não foi encontrado qualquer nódulo neoplástico. Foi feita biópsia da cápsula do cisto para exame. Foi dada por terminada a intervenção, sendo feitas as suturas dos diversos planos, recolocando-se o osso, com um orifício para facilitar a descompressão. As condições da paciente eram excelentes após a intervenção. O pós-operatório decorreu normal e, 15 dias depois, a paciente não apresentava qualquer sinal neurológico evidente. Foi feita radioterapia profunda da região frontoparietal direita.

Em 7 de julho, vinte dias após a intervenção, a paciente teve uma crise convulsiva de tipo jacksoniano, desviando a cabeça e globos oculares para a esquerda. Uma semana depois, repetiu-se crise idêntica, terminada a qual queixou-se de pa- restesias em todo o hemicorpo esquerdo, com uma sensação estranha, como se os membros desse lado estivessem em movimento. Foi prescrito luminal, na dose de 0,20 grs. diários. A doente passou quase um mês em perfeitas condições, mostrando-se inteiramente normal o exame neurológico. Em 7 de agosto teve nova crise, idêntica às anteriores. Nos dias que se seguiram houve várias crises, chegando mesmo a ter nove em um só dia, sempre com as mesmas caraterísticas. Aumentada a medicação anticonvulsiva para 0,30 grs. de luminal, desapareceram completamente as convulsões. Até os primeiros dias de outubro se manteve sem convulsões e daí em diante foi diminuída progressivamente a quantidade de luminal, até 0,05 grs. diários. Em outubro foram repetidos os exames neurocular e do líquor, que se mostraram completamente normais. Posteriormente tornou a sofrer convulsões, mais espaçadas e com os mesmos caracteres. Desde princípio de dezembro não tem convulsões e data dessa época a substituição da medicação pelo Epelin, na dose de 4 drágeas diariamente. Fez 20 aplicações de radioterapia profunda.

Entre os fatos que merecem menção na presente observação destaca-se o resultado obtido. Consideramos o resultado como. um sucesso terapêutico, se não total, pelo menos quase total, pois, com a hipertensão que havia anteriormente à intervenção, certamente a paciente teria ficado completamente amaurótica, conseqüência que foi evitada com a craniotomia.

O exame anátomo-patológico do material retirado revelou tratar-se de um astrocitoma cístico, tumor que recidiva quando não é extirpado o núcleo neoplástico. Durante a intervenção nenhum nódulo foi encontrado, apesar de cuidadosa procura e o material retirado limitou-se à cápsula do cisto.

Quanto às convulsões havidas após a intervenção, não sabemos se devemos atribuir ao novo crescimento do tumor, que pode não ter sido totalmente extirpado ou a aderências surgidas em conseqüência da manipulação cirúrgica e que, persistindo, tornaram-se irritantes do córtex, desencadeando as crises. Parece-nos que esta última hipótese é a mais lógica, pois não houve reaparecimento dos sinais de hipertensão intracraniana, que foram os mais precoces no início da doença. A normalidade dos últimos exames de líquor e neurcculares leva a não admitir a hipótese de recidiva, pelo menos até a época da publicação deste trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1947
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