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Coma hiponatrêmico induzido pela oxcarbazepina: relato de caso

Hyponatremic coma induced by oxcarbazepine: case report

Resumos

Relatamos um caso raro de hiponatremia grave, com evolução para o estado de coma desencadeado pelo uso de oxcarbazepina, após um mês de tratamento em pós-operatório de neurocirurgia. Chamamos a atenção para a importância deste quadro pouco freqüente, bem como enfatizamos o diagnóstico diferencial e a particularidade quanto ao uso desta droga.

oxcarbazepina; hiponatremia; epilepsia; coma


We report a rare case of severe hyponatremia with coma induced by the use of oxcarbazepine after one month of treatment, in pos-operatory of neurosurgery. We discuss the importance of this condition and its differential diagnosis.

oxcarbazepine; hyponatremia; epilepsy; coma


Coma hiponatrêmico induzido pela oxcarbazepina: relato de caso

Hyponatremic coma induced by oxcarbazepine: case report

Maurus Marques de Almeida HolandaI; Saul Cavalcanti de Medeiros QuininoII; José Alberto Gonçalves da SilvaIII

INeurocirurgião da Unineuro, João Pessoa, PB, Brasil

IIGraduando em Medicina,Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil

IIINeurocirurgião do Hospital Santa Isabel, João Pessoa, PB, Brasil

RESUMO

Relatamos um caso raro de hiponatremia grave, com evolução para o estado de coma desencadeado pelo uso de oxcarbazepina, após um mês de tratamento em pós-operatório de neurocirurgia. Chamamos a atenção para a importância deste quadro pouco freqüente, bem como enfatizamos o diagnóstico diferencial e a particularidade quanto ao uso desta droga.

Palavras-chave: oxcarbazepina, hiponatremia, epilepsia, coma.

ABSTRACT

We report a rare case of severe hyponatremia with coma induced by the use of oxcarbazepine after one month of treatment, in pos-operatory of neurosurgery. We discuss the importance of this condition and its differential diagnosis.

Key words: oxcarbazepine, hyponatremia, epilepsy, coma.

A oxcarbazepina (OCBZ) é um antiepiléptico ceto-análogo da carbamazepina (CBZ), utilizado no tratamento das crises parciais e generalizadas tônico-clônicas. É considerada droga excelente no tratamento da epilepsia, com ótima eficácia e tolerabilidade1-3. Diversos autores referem a ocorrência de hiponatremia com o uso deste fármaco1,4-12, habitualmente na ausência de distúrbios da consciência.

A associação de hiponatremia e estado comatoso nos incentivou à publicação do presente caso.

CASO

Mulher de 61 anos de idade , branca, natural e procedente de João Pessoa-PB, casada, do lar, aposentada, admitida no dia 26 de setembro de 2001. A 6 dias da internação atual, apresentou náuseas e vômitos, seguidos de adinamia e anorexia. A paciente havia sido submetida, há um mês, a uma drenagem de hematoma intracerebral frontal direito espontâneo. Durante o pós- operatório imediato, em uso profilático de fenobarbital (100mg/dia), apresentou crise convulsiva generalizada tônico-clônica, sendo iniciado o tratamento com OCBZ, na dosagem de 600 mg/dia. Neste momento, não fazia uso de outras medicações. Quanto aos antecedentes, foram negados a presença de diabetes, patologias renais, cardiovasculares, tireoidianas e pulmonares, além de tabagismo e etilismo. Ao exame físico, a paciente estava hipocorada (+2/+4), hipohidratada (+2/+4), bradpnéica, acianótica e anictérica. O restante do exame físico geral não apresentava alterações. O exame neurológico evidenciou sonolência, pupilas isocóricas fotorreagentes, mímica facial simétrica, localizando a dor bilateralmente e sem déficit motor aparente, hipotonia muscular dos 4 membros, hiporreflexia (+1/+4), ausência de rigidez de nuca. O restante do exame neurológico ficou prejudicado pela alteração do nível de consciência. Logo após a realização do exame físico, a paciente apresentou crise tônico-clônica, que reverteu com uso de oxigenioterapia por cateter nasal e 10 mg de diazepam por via intravenosa. A tomografia computadorizada do crânio (TC) evidenciou apenas a presença de cicatriz cirúrgica do hematoma intracerebral operado. Os exames laboratoriais realizados na urgência, como glicose, uréia, creatinina, hemograma, coagulograma e potássio se achavam normais, com exceção do sódio sérico que se mostrou bastante reduzido, com valor de 113 mEq/l. Diante da história clínica e dos resultados dos exames complementares, foi admitida a possibilidade haver relação entre a hiponatremia grave e o uso da OCBZ.

A paciente foi imediatamente internada na unidade de terapia intensiva, tendo-se retirado a OCBZ, que foi substituída por fenitoína 300mg/dia. Foi instituída reposição natrêmica de forma gradativa por via endovenosa, com a finalidade de evitar o desenvolvimento de complicações como a mielinólise pontina central. A partir de 120 mEq de sódio sérico, a paciente começou a melhorar o nível de consciência, correspondendo a 72 horas de sua internação e teve alta, em estado vigil, com valores natrêmicos de 141 mEq/l. após 12 dias.

DISCUSSÃO

A hiponatremia é efeito colateral presente em cerca de 1/4 dos pacientes que fazem uso da OCBZ10. No entanto, a maior parte dos casos é assintomática4,7,8,11. Em raros casos, os níveis séricos de sódio podem se tornar tão reduzidos, que provocam o quadro de coma hiponatrêmico9. Em recente trabalho12 que avaliou pacientes durante três semanas, utilizando-se uma dose diária máxima de 2.400 mg de OCBZ, com análise do balanço hídrico, dosagem de sódio sérico e níveis de vasopressina, chegou-se à conclusão que os achados indicam que a hiponatremia induzida pela OCBZ não é atribuída a síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético. Possíveis mecanismos incluem a ação direta desta droga nos túbulos coletores renais ou aumento da resposta destes ao hormônio antidiurético circulante. Existem outras causas de hiponatremia como as insuficiências renal, hepática e cardíaca congestiva, estresse, distúrbios endócrinos, bem como o emprego de fármacos como a ocitocina, a ciclofosfamida e os antiinflamatórios não–hormonais, as quais devem ser investigadas previamente à desencadeada pelo uso da OCBZ13.

Vários estudos abertos e duplo cegos comprovaram vantagens da OCBZ sobre a CBZ, chamando a atenção para a menor interação desta droga com outros anticonvulsivantes, facilitando o tratamento dos pacientes que precisam de politerapia1,2,3,5. Diferentemente da CBZ, a OCBZ não produz o metabólito ativo epóxido, que é responsável por muitos efeitos neurotóxicos como sonolência e vertigem1,5,10. Desta forma, após mais de 10 anos de estudo com este fármaco, que apresenta boa tolerabilidade, a OCBZ tornou-se droga de primeira escolha para o tratamento de crises parciais e generalizadas tônico-clônicas. Administrada por via oral, a OCBZ pode ser utilizada na posologia de 300 a 3000mg, dividida em duas a três tomadas. Seu emprego em pacientes com alterações renais e gestantes1,3,10 deve ser cauteloso.

Em conclusão, observa-se, em número significativo de pacientes que fazem uso da OCBZ, o desenvolvimento de hiponatremia. Em todos estes casos assintomáticos, obtém-se a normalização dos níveis séricos de sódio apenas com a diminuição da dose utilizada1,2,5,8,11,13. Raramente ocorre o desenvolvimento de hiponatremia grave, chegando a quadros de coma, que deve ser colocada na lista de diagnósticos diferenciais, sendo necessário nestes casos, a interrupção do uso da OCBZ e reposição adequada do sódio sérico3,5,9,11.

Recebido 19 Novembro 2002

Recebido na forma final 30 Abril

Aceito 26 Maio 2003

Dr. Maurus Marques de Almeida Holanda - Rua Santos Coelho Neto 200/802 - 58038-450 João Pessoa PR - Brasil. E-mail: maurus@zaitek.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2003

Histórico

  • Aceito
    26 Maio 2003
  • Recebido
    19 Nov 2002
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