Acessibilidade / Reportar erro

Thrombo-phlébites cérébrales. Raymond garcin e Maurice Pestel

ANÁLISES DE LIVROS

Thrombo-phlébites cérébrales. Raymond garcin e Maurice Pestel. Um volume com 142 páginas e 29 figuras. Masson et Cie, Paris, 1949.

Raramente a etiologia venosa é invocada como explicação etiológica de síndromes nervosas, quase sempre atribuídas a causas arteriais, tumorais ou infecciosas; daí o interêsse dêste livro. Depois de rememorarem a anatomia da circulação venosa encefálica, Gracin e Pestel estudam as tromboflebites dos seios durais e as tromboflebites dos vasos cerebrais. Na semiologia das tromboflebites dos seios durais há três síndromes fundamentais a considerar: infecciosa, a de irritação meningoencefálica e os sinais locais de estase circulatória. É importantíssima, evidentemente, a pesquisa de focos de infecção vizinhos. Quanto à síndrome de irritação meningoencefálica, podem ser observadas, desde reações banais (cefaléias, vômitos, obnubilação, agitação psicomotora), até sintomas mais característicos: crises convulsivas generalizadas, rigidez de nuca, sinal de Kernig. Os sinais locais de estase circulatória variam com o seio afetado. A causa mais freqüente das tromboflebites do seio lateral é a otite supurada; quando o trombo atinge o golfo da jugular, pode haver comprometimento dos nervos cranianos que atravessam o orifício rasgado posterior. As afecções da face e da órbita são os fatores etiológicos principais das tromboflebites dos seios cavernosos. Sua sintomatologia é exuberante, tanto pela intensidade da síndrome infecciosa, quanto pela riqueza de sinais físicos: estase venosa e comprometimento de nervos cranianos. Dos sinais físicos, o edema palpebral é o mais precoce. O exoftalmo é outro importantíssimo sinal da. afecção. É quase constante o comprometimento dos III e IV nervos cranianos e do ramo oftálmico do trigêmeo. Após certo tempo, pode haver extensão do processo para o lado oposto, através do seio circular; eventualmente, poderá haver propagação também para outros plexos venosos tributários ou para veias cerebrais. O seio longitudinal superior é o mais exposto à infecção e trombose pós-traumáticas, podendo também ser afetado por trombose de veias tributárias. Em conseqüência, não haverá suficiente reabsorção do líquor nas vilosidades aracnóideas, do que resulta hipertensão intracraniana. Clinicamente, a trombose do seio longitudinal superior se manifesta por três ordens de sinais: sinais de estase venosa, sinais de hipertensão intracraniana e sinais de comprometimento do neuro-eixo, que variam, naturalmente, conforme o território comprometido. A semiologia das tromboflebites dos seios petrosos superiores e inferiores é muito pobre. Sua repercusão se faz, sobretudo, sôbre os V e VI nervos cranianos, podendo eventualmente causar a síndrome de Gradenigo. De modo geral, em todas as tromboflebites dos seios durais, o líqüido cefalorraquidiano é hipertenso, mas límpido e incolor, a não ser que exista meningite ou flebite concomitante das veias cerebrais.

Na segunda parte do livro, os autores estudam as tromboflebites das veias cerebrais. Ressaltam Garcin e Pestel o aparente artificialismo dessa d stinção, citando 63 casos por êles coligidos de trombose venosa cerebral dos quais 44 tiveram comprovação anátomo-patológica: em 23 casos, a trombose atingia vasos e seios, em 6 casos, apenas os seios e, nos 15 restantes, as lesões se limitavam às veias. Todavia, a expressão clínica dessas flebites, traduzidas por sinais focais, justifica seu estudo independente. As flebites das veias cerebrais podem aparecer após infecção geral ou complicar infecção local vizinha ou associar-se a comprometimentos venosos múltiplos; o fator etiológico preponderante é representado pelas tromboflebites puerperais. O início da sintomatologia se verifica ordinariamente entre o 4.° e o 21.° dia após o parto; há, entretanto, casos tardios. Quase sempre, a afecção surge sob a forma de convulsões, em pacientes jamais sujeitas a hipertensão, nem a albuminúra, o que permite afastar a hipótese de eclâmpsia tardia. Na maioria dos casos, os primeiros sintomas surgem em partos desenvolvidos de modo rigorosamente normal; esta noção é importante, pois evita o afastamento apriorístico da etiologia venosa dos acidentes cerebrais.

No estudo clínico das tromboflebites cerebrais pós-puerperais, os autores consideram seus principais sintomas: crises convulsivas, paralisias e outros sinais associados (vómitos, hipertensão intracraniana, alterações liquóricas, edema de papila, sinais de infecção). A trombose pós-puerperal do seio longitudinal superior e as tromboflebites cerebrais pós-aberto são estudadas detalhadamente e ilustradas com várias observações. A trombose pós-puerperal do seio longitudinal superior é uma entidade isolada por Purdon Martin, cujo início é rápido, com sintomatologia de hipertensão intracraniana. A explicação patogênica das tromboflebites cerebrais nesses casos se baseava em hipotéticas eclâmpsias tardias, ou na persistência do orifício de Botal. Entretanto, parece mais satisfatório atribuir êsses acidentes a uma septicemia venosa subaguda (flebite migratória) ou à passagem do trombo séptico das veias pélvicas aos plexos venosos peri e intra-raquidianos.

Finalizando. Garcin e Pestel estudam o diagnóstico diferencial das tromboflebites cerebrais, quando aparecem no decurso de septicemia venosa subaguda, no decorrer de moléstia infecciosa e, principalmente, durante o puerpério. Nestes últimos casos faz-se mister diferenciá-las de acidentes cerebrais por embolias cerebrais (nas estenoses mitrais, em geral), das arterites cerebrais sifilíticas, das meningites tuberculosas, das hemorragias meníngeas de outras causas, de tumores e abscessos cerebrais, de hemiplegias por espoliação sangüínea. O tratamento deve ser, em primeiro lugar, preventivo. Diante da lesão declarada, deve-se visar a infecção, a trombose e a hipertensão intracraniana. As crises convulsivas devem ser combatidas pelos barbitúricos habituais. A luta contra a infecção é baseada no arsenal terapêutico moderno das sulfas e penicilina; esta última, nas formas mais graves, é mais eficiente em injeções intravenosas. O emprego da heparina ou da dicumarina visando a trombose tem seus perigos, devido aos riscos de hemorragias internas. Finalmente, a hipertensão intracraniana encontra, no soro glicosado hipertônico e no sulfato de magnésio, seus mais eficazes remédios.

Boa revisão bibliográfica encerra êste livro, cuja leitura é do maior interêsse, não só para neurologistas, como também para os internistas e, especialmente, para os otorrinolaringologistas e obstetras.

R. MELARAGNO FILHO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1949
Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.arquivos@abneuro.org