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Sinal oftalmoscópico precoce da hipertensão intracraniana

NOTAS PRÁTICAS

Sinal oftalmoscópico precoce da hipertensão intracraniana

J. Pereyra Käfer

Professor-adjunto de Neurologia na Fac. Ciências Médicas de Buenos-Aires (Argentina)

O êxito operatório dos tumores intracranianos depende da natureza e localização dos mesmos e da precocidade diagnóstica. Esta precocidade supõe descobrir a existência do tumor antes que se apresente a hipertensão intracraniana ou, quando esta é, todavia, pouco manifesta. Os processos objetivos que permitem afirmar a hipertensão intracraniana são: a raquimanometria, método perigoso que não se pode repetir em curtos intervalos, e a observação do fundo de ôlho. Não nos interessa o edema franco de papila, pois então a hipertensão é grande e de data mais ou menos remota. Os sinais que indicam o início do edema de papila (ligeiro borramento dos bordos, especialmente na direção dos vasos principais, diminuição da escavação fisiológica, edema da capa das fibras nervosas nos limites papilares, discreta engorgitação venosa) são sempre muito discutíveis e de interpretação pessoal, intervindo muito o fator subjetivo do observador. A medida da tensão da artéria central da retina e também de veia central, são sinais de valor, mas não de técnica fácil e rápida, e estão sujeitas a várias causas de êrro.

Em 1938, publiquei um primeiro trabalho no qual assinalei um sinal constante: na atenuação e no desaparecimento das modificações que normalmente se observam nas veias retinianas ao comprimir e, especialmente, ao descomprimir as veias jugulares na base do pescoço". No estado normal, a engorgitação venosa que se produz ao comprimir as jugulares e sôbretudo a descongestão, a rápida volta ao estado normal que se verifica ao cessar bruscamente a compressão, são de observação sumamente fácil e de grande clareza, se se examina o fundo de ôlho com um bom oftalmoscópio auto-iluminador, de visão direta, tipo May, com cujo uso todo neurologista, senão todo clínico, deve estar familiarizado. Quando a hipertensão intracraniana é muito pequena, estas variações normais estão bastante atenuadas: o sinal é subpositivo. Quando a hipertensão é um pouco maior, ou quando ainda não existe nenhum sinal de estase papilar, não se observa nenhuma modificação oftalmoscópica, nem com a compressão, nem com a descompressão jugular. Nestes casos é indubitável que há congestão venosa mas, em princípio, ela não é clinicamente apreciável e resulta duvidosa. Por outro lado, o sinal que descrevo é, repito, de grande objetividade e muito fácil realização. Além disso, pode repetir-se quantas vezes for necessário.

Quase 10 anos de experiência me têm demonstrado sua grande utilidade, havendo comprovado sua positividade e subpositividade em todos os casos de hipertensão intracraniana, independentemente das causas das mesmas: tumores, abscessos, cistos, processos meníngeos, edema cerebral, traumatismos crânio-encefálicos, etc. Ao cessar a hipertensão, ou quando ainda persista o edema papilar, se não há organização cicatricial que dificulte a circulação venosa, o sinal se torna negativo. É também negativo nas atrofias simples de papila; pode ser positivo nas atrofias pós-edematosas ou pós-neuríticas. Nas papilites edematosas primitivas, o sinal pode ser, tanto positivo como negativo, dependendo da extensão do processo no nervo óptico e do grau de compressão e de estase da veia central da retina.

Quando se altera a circulação seio-jugular por tromboflebite dos seios lateral ou cavernoso como demonstrou Tillé em 1935, a compressão da jugular na base do pescoço não aumenta a tensão da veia central no lado enfermo, devido ao bloqueio sinusal unilateral. Pensando exclusivamente no processo de tromboflebite, não imaginou Tillé a importância da manobra de compressão jugular para diagnosticar a hipertensão intracraniana. Tão pouco lhe ocorreu que, em vez de investigar a tensão da veia central, processo difícil e de grande especialização, era muito mais importante e fácil observar simplesmente o aspecto das veias retinianas no momento em que o ajudante deixa de comprimir as jugulares. Ignorando, na época de minha primeira publicação, o trabalho de Tillé, por considerações puramente teóricas e apriorísticas, criei êste sinal. A experiência posterior demonstrou-me a realidade do mesmo e sua grande importância para o diagnóstico precoce da hipertensão intracraniana e para apreciar objetivamente a evolução desta, independentemente da existência ou não do edema de papila.

No ano passado, por ocasião do 1.° Congresso Interamericano de Medicina, apresentei uma comunicação sôbre o assunto. Hoje, com maior experiência ainda, estou convicto de que êste sinal é de extraordinário valor e merece maior divulgação, devendo entrar na prática diária do neurologista e do neurocirurgião.

Podendo ser, a princípio, unilateral ou mais acentuado de um lado, sempre indica um processo patológico que incide sobre a circulação venosa da retina, na grande maioria dos casos de hipertensão intracraniana. Êste sinal é, além disso, um argumento a favor da origem mecânica, por compressão venosa, do edema papilar observado na hipertensão intracraniana.

Guido, 1842 - Buenos Aires - Argentina

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1947
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